Processo n.º 361/2009 (Recurso Cível)



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Transcrição:

Processo n.º 361/2009 (Recurso Cível) Data: 16/Setembro/2010 Assuntos : - Acções de estado e de registo - Legitimidade nas acções de reconhecimento da paternidade SUMÁ RIO : 1. As chamadas acções de estado têm principalmente por objecto o apuramento real de factos de estado civil das pessoas, e as chamadas acções de registo o acerto ou o desacerto de um acto de registo, por exemplo a omissão, a inexistência jurídica, a nulidade ou erro de declaração, incidindo as primeiras directamente sobre o facto objecto de registo civil, e as últimas sobre o próprio acto de registo. 2. A acção em que o MP pretende impugnar uma perfilhação, provando que o pai da criança é uma outra pessoa é uma acção de estado, não obstante a divergência entre o facto real e o registado. 3. O MP não detém legitimidade para em nome próprio propor uma acção de reconhecimento da paternidade, fora das situações de averiguação oficiosa de paternidade. O Relator, João A. G. Gil de Oliveira 361/2009 1/17

Processo n.º 361/2009 (Recurso Civil e Laboral) Data: 16/Setembro/2010 Recorrente: Ministério Público Objecto do Recurso: Despacho que indeferiu liminarmente a petição inicial ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂ NCIA DA R.A.E.M.: I - RELATÓ RIO 1. O Ministério Público da RAEM instaurou no Tribunal Judicial de Base acção ordinária de declaração sobre a impugnação de paternidade e a investigação de paternidade contra O 1.º réu - A (XXX), de sexo masculino, filho de XX e XXX, nascido a 20 de Setembro de 1949, portador do BIRM n.º 73XXXXX(X), residente no X.º andar AJ do XXX Village (Bloco V) da Rua do XXX da Taipa, Macau. Tel: 6XXXXXXX. (Doc. 1) A 2.ª ré - B (XXX), de sexo feminino, registada como filha de A 361/2009 2/17

(XXX) e D(XXX), nascida a 19 de Setembro de 1987, portadora do BIRM n.º 51XXXXX(X), residente no X/F do Edf. XXX do Edf. XXX da Avenida do XXX, n.º 33, Macau. Tel: 6XXXXXXX. (Doc. 2) O 3.º réu - C (XXX), de sexo masculino, filho de XXX e XXX, nascido a 2 de Janeiro de 1967, portador do BIRM n.º 12XXXXX(X), residente no X.º andar F do XXX (Bloco II) da XXX de Macau, Tel: 28XXXXXX/ 6XXXXXXX. (Doc. 3) pedindo que 1. fosse julgado procedente e provada a acção, declarando-se na decisão que a 2.ª ré B não é filha biológica do 1.º réu A; 2. rectificado o registo de nascimento da 2.ª ré B na Conservatória do Registo Civil; 3. Declarado que C ( de sexo masculino, filho de XXXe XXX, nascido a 2 de Janeiro de 1967, portador do BIRM n.º 1289257(6)) é pai da 2.ª ré B. 2. Esta acção veio a ser indeferida liminarmente por ter entendido a Mma Juiz que se mostrava ultrapassado prazo de 2 anos para a averiguação oficiosa de paternidade, que a acção de reconhecimento de paternidade só pelo filho podia ser intentada e por considerar que o meio 361/2009 3/17

utilizado não era o próprio cabendo-lhe antes a justificação judicial privativa do CRC incompatível com a tramitação adoptada. 3. Inconformado com esta decisão recorre o Exmo Senhor Procurador Adjunto, alegando em sede conclusiva: O processo de justificação judicial (art.º 178.º) do Código do Registo Civil é somente aplicável para com todos os erros surgidos no acto e processo de registo, o facto de registo ou na identidade de parte própria (erro no registo ( 登 記 內 的 錯 誤 )). Não é aplicável o processo de justificação judicial enquanto não aconteça erros nas áreas acima apresentadas. Como os dados pessoais da registada própria são correctos, o erro ocorreu no presente caso não é erro relativo aos dados de paternidade no registo de nascimento, mas sim que o conteúdo do registo não corresponde ao facto, quer dizer, constitui erro do registo - 登 記 錯 誤 mas não o erro no registo - 登 記 內 的 錯 誤. Dado que o pai registado não é o pai biológico verdadeiro. Isso cabe à situação disposta no art.º 1657.º do Código Civil. E que, em termos de natureza, pertence-se à nulidade, com o sistema semelhante ao da nulidade geral ( art.º 279.º). A instauração da respectiva impugnação não é restringida pelo tempo. Caso considerado correcto o entendimento do Tribunal a quo, é inevitável conduzirá ao conflito entre o regime de impugnação do Código Civil e o regime de justificação judicial do Código do Registo Civil, causando assim a exclusividade. 361/2009 4/17

Neste sentido, violou-se os dispostos previstos no art.º 1697.º do Código Civil, na alínea a) do art.º 66.º, alínea b) do art.º 67.º e a alínea d) do n.º 1 do art.º 178.º do Código do Registo Civil. Nos termos dos dispostos do art.º 1667.º e art.º 1668.º do Código Civil, a acção de investigação oficiosa da paternidade (maternidade) só pode ser instaurada dentro de 2 anos contados desde o dia do nascimento. Com a condição prévia que os respectivos dados não são preenchidos no registo de nascimento. No entanto, a situação do processo em apreço não é a mesma, pois já estão constantes do registo de nascimento problemático os respectivos dados, só que não correspondendo ao facto. Por outro lado, o 3.º pedido da petição inicial consisti o resultado inevitável dado ao relatório pericial sobre o teste de paternidade. Caso contrário, aparecerá a inconciliação em termos de facto. Pelo que são violados os dispostos previstos nos artigos 1697.º, 1667.º, 1668.º, 1673.º e 1718.º do Código Civil. Pelo exposto, solicita a final, deve-se julgar procedente o presente recurso, rectificar a decisão a quo, e mandar que o Tribunal a quo continue a conhecer do caso em questão mediante processo ordinário de declaração. 4. Foram colhidos os vistos legais. 361/2009 5/17

II - FACTOS Com pertinência será de relevar a seguinte factualidade alegada: A 2.ª ré B (XXX), de sexo feminino, nasceu a 19 de Setembro de 1987 em Macau. (Doc. 4) A 2ª ré B foi registada como filha de D (XXX) e 1.º réu A(XXX). A paternidade do 1.º réu A (XXX) foi confirmada mediante a declaração feita no assento de nascimento. De facto, o pai biológico da 2.ª ré B (XXX) não é o 1.º réu A(XXX) mas é o 3.º réu C (XXX). Em 1987, o 3.º réu procedeu ao registo de casamento com D no Interior da China. Posteriormente, o 3.º réu descobriu que D era grávida e deu à luz a 2.ª ré em 19 de Setembro de 1987, quer dizer, existia a união de facto entre o 3.º réu e D durante o período legal de concepção. Além disso, durante a constância do matrimónio das partes, D não teve acto sexual com outros indivíduos salvo o 3.º réu, principalmente, durante os primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento da 2.ª ré. Ao mesmo tempo, nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento da 2.ª ré, D não teve acto sexual com o 1.º réu. Não existe facto como o 1.º réu é o pai biológico da 2.ª ré, nem 361/2009 6/17

o mesmo tendo cumprido a responsabilidade do pai da 2.º ré. No momento de nascimento da 2.ª ré, D e o 3.º réu encontravam-se residindo em Macau ilegalmente; razão pela qual D, depois do nascimento da 2.ª ré, fez uma declaração falsa que o seu primo (1.º réu A) é pai da 2.ª ré e efectuou o registo de nascimento da 2.ª ré junto à Conservatória de Registo de Nascimento de Macau. A 2.ª ré tinha vivido junto com D e o 3.º réu e tinha recebido cuidados parentescos dos mesmos até que o 3.º réu se separou com D em 1990. Mediante o relatório pericial sobre o teste de paternidade concluído pelos testes de ADN realizados a D, à 2.ª ré e ao 3.º réu, chegámos a um resultado crucial. III - FUNDAMENTOS 1. O presente caso, pela novidade, não deixa de ser interessante sob o ponto de vista técnico-jurídico, suscitando-se em seu torno várias questões. Basicamente trata-se de um caso em que, ao tempo, uma menina, B, nascida em Macau, em 19 de Setembro de 1987, foi registada como filha de D (como mãe) e por A, tendo sido este o declarante do registo, aí se tendo dado como pai. Ora acontece que, por razões que já nos são familiares, a 361/2009 7/17

situação ilegal dos verdadeiros progenitores, foi omitida naquele acto a verdadeira paternidade, sendo o verdadeiro pai, o pai biológico, C e o declarante A o assumido perfilhante no acto do registo. Vem agora o MP intentar acção pedindo a reposição da verdade dos factos, solicitando a impugnação da perfilhação por via do reconhecimento de que a menor não é filha do 1º R., A, a rectificação consequente do assento de nascimento e o reconhecimento da verdadeira paternidade do 3º R., C. Num primeiro relance, pareceria que sendo esta a via para a reposição da verdade material ela seria sufragada pelos meios processuais utilizados para lhe fazer corresponder uma verdade familiar e sociológica. Só que a ordem jurídica urde teias por vezes facilmente não descortináveis e há razões do legislador que importa não ignorar. É assim que surge um conjunto de pressupostos processuais referentes a prazos e à legitimidade que procuram contemporizar os diferentes interesses no âmbito da Família, vistos os diferentes laços que aí se criam e que obstam a que a verdade natural transpareça em toda a linha. É assim que nos surge o MP a pugnar pela reposição da verdade material em acção indeferida pela Mma Juiz, alegando inverificação de um prazo quanto à propositura da acção e inobservância da forma adequada para contemplação dos desideratos propostos. Quid juris? 361/2009 8/17

2. A Mma juiz entendeu estar-se perante uma averiguação oficiosa de paternidade e por essa razão, em relação ao terceiro pedido referente ao pedido de reconhecimento da paternidade, indeferiu o pedido por inobservância do prazo de dois anos após o nascimento estabelecido no artigo 1668º, ex vi art. 1718º do CC (Código Civil) e ainda com fundamento no art. 39º, n.º 1 do CPC (Código de Processo Civil). Sobre este entendimento crê-se que não assiste razão à Mma Juiz pela razão simples de não estarmos perante uma averiguação oficiosa, acção talhada para as situações previstas no artigo 1716º do CC - aquelas em que a paternidade não foi estabelecida -, o que não é manifestamente a situação presente. O que o MP fez foi interpor uma acção, em seu nome e não como representante da menor, para reconhecimento da paternidade. Se o podia ou não fazer, se tinha ou não legitimidade, essa é outra questão de que adiante se curará. Com o fundamento invocado não deveria a acção ter sido indeferida liminarmente quanto ao pedido em causa - reconhecimento da paternidade. Como está bem de ver, tal pedido só poderia ter seguimento, se lógica e cronologicamente, a paternidade registada fosse impugnada; isto é, só depois de se dizer que A não é o pai da criança se poderá dizer que o pai é realmente o C. 361/2009 9/17

Apodítico se mostra que a ser este realmente o pai biológico é evidente que o pai não pode ser aquele que perfilhou a criança. 3. A questão neste momento é de ordem adjectiva e a posição que a Mma Juiz tomou foi a de que o meio processual que cabia a tal desiderato era uma justificação judicial prevista no CRC (Código de Registo Civil) a fim de suprir ou rectificar a nulidade resultante do registo e por incompatibilidade tramital no aproveitamento da acção indeferiu-a. Importa então saber se o meio adequado à impugnação da paternidade registada é a justificação judicial prevista no CRC. O Digno Magistrado do MP defende em douta elaboração que a justificação judicial do Registo Civil está talhada para uma outra realidade que não a dos autos, prendendo-se com as nulidades decorrente do acto do registo ou no registo e não com a realidade que lhe está subjacente, não fazendo sentido que o legislador previsse diferentes meios processuais para acudir à mesma desconformidade. Não assim a Mma Juiz, ainda que citando certamente por lapso errados normativos, porventura radicando o seu raciocínio na previsão do art. 178º, n.º 1, al. d), art. 66º, a) e art. 67º, c) do CRC. Na tese da decisão recorrida a desconformidade entre a paternidade registada e a real redundaria numa nulidade resultante da falsidade por ter sido levado ao registo um facto que nunca ocorreu. 361/2009 10/17

Numa primeira asserção não há dúvida que tal interpretação cabe na letra da lei. Mas o que é certo é que a doutrina e a Jurisprudência restringem esse entendimento, guardando as acções de justificação judicial para as nulidades que se prendem com as declarações de ciência e não já para as declarações de vontade ou negociais. Apesar da discussão vir de longe, ainda actualmente ocorre a dificuldade na distinção entre as acções de estado pessoal e as acções de registo. Os termos da referida distinção não obstam, como é natural, a que por via de uma acção de registo ocorra o efeito indirecto de alteração de um estado pessoal tal como consta do registo e que duma acção de estado pessoal resulte a modificação de um acto de registo 1 e nesse sentido a dificuldade interpretativa. Assim se alguém aparece no Registo a dizer que ocorreu um determinado facto, mentindo, essa declaração de ciência é falsa e o registo é nulo; mas se alguém aparece no registo manifestando uma declaração de vontade a que se atribui um determinado efeito, como seja o estabelecimento do casamento, da filiação, da perfilhação, aí só por via do processo comum será de suprir essa desconformidade. É que, aí, os efeitos resultam do acto de vontade, não do facto naturalístico, e não há dúvida que naquele dia, hora e local, aquela pessoa manifestou uma declaração de vontade produtora de certos efeitos jurídicos e isso não é falso. O que é 1 - Ac. STJ de 13/5/03, proc. 03P3409, http://www.dgsi.pt 361/2009 11/17

falso é a realidade declarada. 2 Importa atentar que no caso sub judice estamos perante uma situação de perfilhação em que o facto relevante para o registo foi a declaração de Lei Se Wai que apareceu no registo a perfilhar, declarando-se pai. E o relevante para o registo é essa declaração de vontade 3, ainda que desconforme com a realidade. Ora, somos a sufragar o entendimento de que a acção de justificação judicial está feita a pensar na desconformidade entre o facto relevante para o acto de registo e não para a desconformidade com o mundo naturalístico. Para estas desconformidades, ainda que relevantes, o legislador pensou noutros meios, as dos processos comuns. Só assim se compreende que o legislador permita, num primeiro relance até estranhamente, que alguém possa aparecer no Registo a dizer que nasceu uma criança e que é o pai, sem mais. Estamos aí perante uma perfilhação em que o que se mostra relevante não é já a conformidade da paternidade biológica, mas sim a declarada. Claro que são razões de incentivo ao Registo que fazem compreender a opção legislativa. 4. Ainda que de contornos algo difusos o estabelecimento da 2 - Ac. STJ, de 29/2/72, BMJ 214 3 - Neste sentido, Guilherme de Oliveira, in Estabelecimento da Filiação, Almedina, 2003, 107 e 108 e Pereira Coelho, Curso Dto Família, 1969, 129 361/2009 12/17

fronteira entre as situações que justifiquem o recurso a uma acção de justificação judicial privativa do registo e as dos meios comuns, somos a entender, sob pena de duplicação ou de não haver lugar às acções de impugnação de paternidade, estabelecida por via da perfilhação ou da presunção, que as acções privativas do Registo Civil estão reservadas para as situações referentes às declarações de vontade ou inexactidões referentes à pessoa dos declarantes e não já aos factos submetidos a registo. Este o entendimento sufragado pela Doutrina e Jurisprudência Comparada que têm procedido à referida distinção, essencialmente com base no critério da correspondência ou não do registo à verdade na altura da sua feitura, tal como delineado pelo Digno Magistrado do MP. Nessa perspectiva, tem-se considerado, por um lado, que se o registo em causa corresponder à verdade ao tempo da sua feitura e se pretende alterar o estado civil que ele reflecte, a modificação só pode operar por via de uma acção de estado pessoal, por exemplo acções tendentes à impugnação da paternidade presumida, de investigação de paternidade, de investigação de maternidade ou de impugnação de perfilhação, conforme os casos; se se tratar de um erro ou de uma omissão, designadamente de omissão da feitura do registo de nascimento ou de algumas da suas formalidades, de se mencionar erradamente a data do 361/2009 13/17

nascimento ou de se inserir um nascimento suposto, a acção a intentar é a de registo. 4 As acções de registo têm essencialmente por objecto o acerto ou o desacerto de um acto de registo, por exemplo a omissão, a inexistência jurídica, a nulidade ou o erro de elaboração, e as acções de estado pessoal o apuramento real do facto registado ou registando. 5 Na esteira do referido entendimento doutrinal e jurisprudencial será de considerar que o objecto das acções de registo consiste na correcção de erros, no suprimento das omissões e na declaração das consequências dos vícios dos actos de registo civil, e o objecto das acções de estado o apuramento real ou a modificação dos factos relativos ao estado das pessoas. Dir-se-á que as acções de registo, ao invés das acções de estado pessoal, não incidem directamente sobre o facto registado, antes se reportam ao próprio acto de registo em si, visando suprir uma omissão, operar uma reconstituição avulsa ou declarar vícios de natureza formal que o afectam. 6 5. Neste enquadramento, entendemos que neste caso o meio 4 - Cfr. Pires de Lima, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 96º, nº. 3255, pág. 287. 5 - Acs. do STJ, de 4.4.78, BMJ 276,. 287; de 7.6.77, BMJ 268, 229; de 26.11.81, BMJ 311, 398, e de 7.6.94, BMJ 438, 365 6 - Citado Ac. do STJ, de 13/5/03, proc. 03P3409 361/2009 14/17

próprio seria a acção de impugnação de perfilhação, tal como prevista no art. 1710º, n.º 1, do CC, onde se estabelece que a perfilhação que não corresponde à verdade é impugnável em juízo mesmo depois da morte do perfilhado. Tal acção pode ser intentada a todo o tempo - n.º 2 - e o MP detém legitimidade para o efeito. Da regulamentação específica aí prevista, bem como do decorrente do n.º 3 a 5 do art. 1665º, ex vi art. 1710º, n.º 3 do CC resulta, aliás, claramente, uma autonomização desta acção em relação justificação judicial própria do Registo Civil. Bem terá, pois, andado o MP na propositura da apontada acção para impugnação da paternidade registada por via da apontada perfilhação. 6. A rectificação do registo é uma consequência decorrente desse desfecho com resulta do art. 178º, n.º 3 do CRC. 7. Voltemos ao pedido de reconhecimento da paternidade. Excluído que se mostra o entendimento de que se está perante uma averiguação oficiosa, mas sim perante uma acção de reconhecimento da paternidade, impugnada que seja a perfilhação existente no Registo, 361/2009 15/17

situamo-nos dentro do regime previsto no art. 1719º e segs do CC. E aí esbarramos com o limite decorrente da ilegitimidade do MP para propor tal acção que só pode ser especialmente intentada pelo filho e importa não esquecer que neste caso o MP actuou dentro das competências próprias e não em representação da menor que aparece até como demandada na acção, enquanto 2º R. Assim sendo, pelas supra apontadas razões, a acção só não deve prosseguir quanto ao 3º pedido de reconhecimento de paternidade por falta da apontada legitimidade activa. IV - DECISÃ O Nos termos e fundamentos expostos, pelas apontadas razões, acordam em conceder parcial provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida, indeferindo-se parcialmente a petição por falta de legitimidade activa do MP quanto ao 3º pedido, devendo prosseguir em relação aos demais. Sem custas por não serem devidas e por delas estar isento o MP. Macau, 16 de Setembro de 2010, João A. G. Gil de Oliveira Tam Hio Wa 361/2009 16/17

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