Estado de Mato Grosso do Sul Poder Judiciário Corregedoria-Geral de Justiça Gabinete Juiz Auxiliar Consulta nº 126.122.0010/2007 Consulente: Francisco Mecchi Neto CONSULTA CONDICIONAMENTO DO REGISTRO À RE-RATIFICAÇÃO DE ESCRITURA, CONSTANDO DO ATO NOTARIAL O MEMORIAL DESCRITIVO GEORREFERENCIADO E CERTIFICADO PELO INCRA. Parecer nº 125/2007. FRANCISCO MECCHI NETO formula CONSULTA COM PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO a esta Corregedoria de Justiça objetivando a revisão de determinação constante no Termo de Correição, realizada na Comarca de Porto Murtinho, junto ao Serviço Notarial e de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, Civil das Pessoas Jurídicas e Tabelionato de Protesto, que condicionou o registro à re-ratificação da escritura constante às f. 197-198v, do livro nº 47, constando do ato notarial o memorial descritivo georreferenciado e certificado pela INCRA. Sustenta o consulente, em apertada síntese, que não há lei que exija o prévio georreferenciamento do imóvel para a lavratura de escritura pública, de modo que a ausência de descrição georreferenciada e da respectiva certificação não se constituem em impeditivo à lavratura da escritura. É o breve relato. Passa-se a opinar. Inicialmente cumpre contextualizar as circunstâncias que ensejaram a propositura da presente consulta. Consta às f. 13-23, que em correição realizada em data de 01/08/06, junto ao Cartório Notarial da Comarca de Porto Murtinho/MS, constatou-se certa irregularidade na lavratura da escritura de compra e venda de imóvel rural de f. 197-198vº,
realizada em 16/06/06, eis que fora lavrada sem a apresentação do memorial descritivo devidamente georreferenciado e certificado pelo INCRA, sendo o consulente, posteriormente, impedido de lavrar nova escritura. Diante de tal deficiência, restou determinado que a escritura mencionada somente poderia ser registrada após a apresentação de memorial descritivo de georreferenciamento certificado pelo INCRA, ocasião em deveria ser re-ratificada pelo notário responsável (f. 17). Conforme se infere da inicial, o consulente defende a possibilidade de as escrituras públicas referentes a imóveis rurais serem lavradas sem o prévio georreferenciamento, ao argumento de que citada exigência não encontra amparo legal. Com efeito, a Lei 10.267/01, que acrescentou o 3º ao artigo 176 da Lei 6.015/73, e foi regulamentada pelo Decreto nº 4.449/02, disciplina acerca dos requisitos necessários à matrícula de imóvel rural, dispondo o seguinte: 3º. Nos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, a identificação prevista na alínea a do item 3 do inciso II do 1º será obtida a partir de memorial descritivo, assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica ART, contendo as coordenadas das vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com a precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda 4 (quatro) módulos fiscais. Mais à frente, o 4º, também acrescentado pela mencionada lei, determina: 4º. A identificação de que trata o 3º torna-se-á obrigatória para efetivação de registro, em qualquer situação de transferência de imóvel rural nos prazos fixados por ato do Poder Executivo. (grifei) Nessa esteira, percebe-se que a legislação em comento, tem por objetivo, como bem argumentado por Gustavo Burgos de Oliveira, em artigo publicado em 27/03/07, denominado
Georreferenciamento dos Imóveis Rurais: Aspectos Relevantes, promover a identificação, estreme de dúvidas, dos imóveis rurais, com nítido objetivo de fiscalização e segurança nos negócios jurídicos entabulados, evitando-se com isso a indesejável sobreposição de áreas, fato recorrente num país de dimensões continentais como o Brasil (em www.lfg.com.br, acessado em 14/06/07). Diante desse quadro, objetivando sanar a tormentosa controvérsia que vinha se apresentando a este órgão e buscando o exato cumprimento das normas acima citadas, foi editado o Provimento nº 03/04 da Corregedoria-Geral de Justiça, que em seu artigo 2º estipulou: Art. 2º. A exigência de identificação geodésica somente se aplica aos casos de transferência, parcelamento, desmembramento ou remembramento de imóveis rurais, sendo vedada essa imposição quando se tratar de simples registros de cédulas rurais, hipoteca ou averbações legais, que não implique mudança de titularidade. Desse modo, resta plenamente demonstrada a existência de exigência legal de apresentação de prévio georrefereciamento para o registro imobiliário nos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, bem como nas hipóteses de transferência de imóvel rural. Contudo, a questão ainda apresenta relevante controvérsia no que diz respeito à extensão daquela exigência (georreferenciamento) aos casos de lavratura de escritura pública. Em termos técnicos, como bem definido pela ilustre professora Maria Helena Diniz, em seu dicionário jurídico, escritura pública nada mais é do que um instrumento público. Feito pelo oficial público, de acordo com as solenidades legais. Por sua vez, o registro de imóveis, segundo a festejada professora, seria o fiel repositório de informações, contendo todos os dados alusivos à propriedade imobiliária, por acompanhar a vida dos direitos reais sobre bens de raiz. Assim, nota-se que há uma distinção entre os dois institutos, de modo que a exigência de georreferenciamento não pode ser aplicada indistintamente.
Citada diferenciação, ademais, ficou clara com a redação do 3º artigo 225 da Lei 6.015/73, incluído pela Lei 10.267/01, onde o legislador ressaltou ser necessária a realização de georreferenciamento apenas nos autos judiciais, enquanto o caput daquele dispositivo aponta os requisitos a serem indicados em escrituras e nos autos judiciais. Confira-se: Art. 225 - Os tabeliães, escrivães e juizes farão com que, nas escrituras e nos autos judiciais, as partes indiquem, com precisão, os característicos, as confrontações e as localizações dos imóveis, mencionando os nomes dos confrontantes e, ainda, quando se tratar só de terreno, se esse fica do lado par ou do lado ímpar do logradouro, em que quadra e a que distância métrica da edificação ou da esquina mais próxima, exigindo dos interessados certidão do registro imobiliário. 1º As mesmas minúcias, com relação à caracterização do imóvel, devem constar dos instrumentos particulares apresentados em cartório para registro. 2º Consideram-se irregulares, para efeito de matrícula, os títulos nos quais a caracterização do imóvel não coincida com a que consta do registro anterior. 3o Nos autos judiciais que versem sobre imóveis rurais, a localização, os limites e as confrontações serão obtidos a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais.(incluído pela Lei nº 10.267, de 2001) A lei 4.947/66, no 6º do artigo 22, parágrafo inserido pela Lei 10.267/01, arrola quais os dados do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural devem ser mencionados nas escrituras:
6o Além dos requisitos previstos no art. 134 do Código Civil e na Lei no 7.433, de 18 de dezembro de 1985, os serviços notariais são obrigados a mencionar nas escrituras os seguintes dados do CCIR: I código do imóvel; II nome do detentor; III nacionalidade do detentor; IV denominação do imóvel; V localização do imóvel. Destarte, extrai-se que para a lavratura de escritura pública referente a imóveis rurais não é exigível o prévio georreferenciamento, o que está corroborado pela Instrução Normativa nº 26, de 28 de novembro de 2005, editada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA, que em seu ANEXO I, item 5, preceitua: 5. Da Lavratura da Escritura Com a finalidade de lavrar a escritura na forma prevista no 6º do artigo 22, da Lei nº 4.947, de 1966, com a nova redação dada pela Lei nº 10.267, de 2001, os interessados deverão comparecer ao serviço notarial munidos do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural CCIR em vigor e do comprovante de quitação do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural ITR relativo aos últimos 5 (cinco) exercícios, conforme previsto na Lei nº 7.433 de 18 de dezembro de 1985 e no Decreto nº 93.240 de 09 de setembro de 1986, devendo ser indicado na escritura os endereços completos do adquirente e do transmitente. Se no momento da lavratura da escritura, já houver sido obtida a Certificação do INCRA, o notário deverá fazer constar da escritura o número da certificação, bem como transcreverá o memorial descritivo. A ausência da descrição georreferenciada e da respectiva certificação não se constituem em im peditivo à lavratura da escritura. (negritei) Aliás, citada situação vem sendo adotada com grande expressão, por configurar meio de não inviabilizar os negócios jurídicos e sua segurança. Colhe-se, a propósito, a seguinte orientação:
(...) As referidas normas legais determinam a obrigatoriedade da apresentação do georreferenciamento do imóvel rural apenas no momento da apresentação da escritura pública ao Serviço Registral competente, conforme o parágrafo 2º, do art. 10, do Decreto 4.449/02. 6. Assim sendo, o Colégio Notarial do Brasil, buscando resguardar o direito de propriedade constitucionalmente previsto e proteger o cidadão brasileiro nos seus negócios imobiliários, evitando a informalidade, a marginalidade e o prejuízo à regularização fundiária, esclarece à sociedade e a todos os tabeliães brasileiros que é possível a lavratura de escrituras públicas de imóveis rurais, sem a necessidade da apresentação do georreferenciam ento do imóvel e sem a certificação do INCRA, devendo contudo, constar do texto do instrumento a seguinte orientação: As partes contratantes foram orientadas pelo tabelião e declaram conhecer o teor do Decreto 4.449/2002, especialmente do art 10, 2, que impõe o dever de apresentar a documentação prevista por ocasião do registro desta escritura. 7. O Colégio Notarial do Brasil roga às autoridades da República para que busquem solucionar o quanto antes esta situação de insegurança jurídica e dominial decorrente da falta do indispensável registro imobiliário. (Artigo extraído do site www.irib.org.br, Georreferenciamento de Imóveis Rurais, do Colégio Notorial do Brasil Conselho Federal, subscrito por seu presidente, José Flávio Bueno Fischer, acessado 14/06/06). Idêntico entendimento se recolhe do artigo entitulado Requisitos de Escritura de Imóvel Rural e Aquisição de Imóveis Rurais por Estrangeiros, de autoria de Paulo Tupinambá Vampré, publicado naquele mesmo sítio eletrônico, acessado em 14/06/06:
(...) Como proceder na lavratura de escritura sem a apresentação do georreferenciamento certificado pelo Incra, sendo este obrigatório. A instrução normativa nº 26, de 28/11/2005 do Incra confirmou a orientação do Colégio Notarial do Brasil e do IRIB, de que a falta de apresentação do documento de georreferenciamento ao tabelião, sendo este obrigado, não é motivo impediente da lavratura da escritura. É impediente do registro. Assim, sugerimos a seguinte orientação: a) Evitar lavrar escritura antes de apresentação do georreferenciamento, ao registro de imóveis, quando este for necessário. b) Se, porém, as partes insistirem na lavratura da escritura, alegando que sua falta pode acarretar prejuízos irreparáveis, estas deverão declarar na escritura que: b1) têm conhecimento da necessidade de se fazer o georreferenciamento; b2) têm conhecimento de que a escritura somente será aceita para registro, depois de feito o georreferenciamento e que se responsabilizam expressamente pelo registro da escritura; b3) se responsabilizam por todas as conseqüências cíveis, tributárias e administrativas que possam advir da falta de apresentação do georreferenciamento; b4) se responsabilizam pelo pagamento de eventual escritura de retificação e pela convocação das demais partes para assinála.(...). Portanto, tem procedência o pedido de reconsideração formulado pelo consulente quanto à determinação constante do termo de correição, uma vez que para formalização de escritura pública não é exigível o prévio georreferencimento, o que se apresenta como requisito indispensável para o registro, de maneira que não pode ser-lhe obstacularizada a pretensão. Sublinhe-se, no entanto, ser imprescindível que ao se formalizar a escritura nela se faça consignar a ressalva aludida nos artigos acima colacionados, anotando que as partes foram orientadas pelo tabelião e declaram, caso insistirem na lavratura da
escritura, alegando que sua falta pode acarretar prejuízos irreparáveis, que têm conhecimento da necessidade de se fazer o georreferenciamento, declarando ciência de que a escritura somente será aceita para registro, depois de sua feitura, responsabilizando-se expressamente pelo registro da escritura e por todas as conseqüências cíveis, tributárias e administrativas que possam advir da falta de sua apresentação, bem assim pelo pagamento de eventual escritura de retificação e pela convocação das demais partes para assiná-la. Ante o exposto, opino pela reconsideração da determinação constante do termo de correição realizada na Comarca de Porto Murtinho, junto ao Serviço Notarial e de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, Civil das Pessoas Jurídicas e Tabelionato de Protesto, que condicionou o registro à re-ratificação da escritura constante às f. 197-198v, do livro nº 47, exigindo constar do ato notarial o memorial descritivo georreferenciado e certificado pela INCRA, deixando-se assentado que para formalização de escritura pública não é exigível o prévio georreferenciamento, o que se apresenta como requisito indispensável para o registro, de maneira que não pode ser obstacularizada a pretensão da lavratura, com os cuidados do tabelião em relação à declaração das partes e às ressalvas sublinhadas linhas acima. É o parecer, sub censura que submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência. Campo Grande, 28 de junho de 2007. Paulo Rodrigues Juiz Auxiliar da CGJ/MS
Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul Corregedoria-Geral de Justiça Consulta nº 126.122.0010/2007 Consulente: Francisco Mecchi Neto Homologo, em todos os seus termos, o parecer emitido pelo Juiz Auxiliar da Corregedoria, Dr. Paulo Rodrigues nos autos em epígrafe, determinando o arquivamento dos autos. Intime-se o requerente, remetendo-se cópia do parecer e desta decisão ao Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Porto Murtinho para conhecimento e cumprimento. Campo Grande, 28 de Junho de 2.007.
Des. Divoncir Schreiner Maran Corregedor-Geral de Justiça