IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA - ANPUH-BA HISTÓRIA: SUJEITOS, SABERES E PRÁTICAS. 29 de Julho a 1 de Agosto de 2008. Vitória da Conquista - BA. OS EVENTOS PROFISSIONAIS DE ENSINO DA MATEMÁTICA NO PROCESSO DE MODERNIZAÇÃO DA MATEMÁTICA ESCOLAR NO BRASIL (1955-1966) Mariana Moraes Lôbo Pinheiro Graduanda em Matemática pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) E-mail: mariana_mlp@hotmai l.com Palavras-chave: Eventos. Matemática. Ensino. Modernização. Desde os anos 70, uma nova abordagem historiográfica vem propondo a utilização de arquivos e documentos pessoais como novas fontes de pesquisa, as quais de acordo com essa perspectiva repre sentam elementos importantíssimos para uma compreensão que a historiografia tradicional não abrangia. Podemos considerar, então, a perspectiva de Pestre (1996, p. 17) sobre uma nova história das ciências e trazê -la para respaldar essa pesquisa, sem excluir a história composta por pessoas que exerceram atividades relevantes para a História da Matemática no Brasil, em particular, na Bahia. A partir do trabalho Organização do acervo de cartas de Omar Catunda (PINHEIRO, 2008), cujo objetivo foi organizar o a cervo de cartas de Omar Catunda, tivemos a oportunidade de tomar conhecimento de algumas cartas trocadas por Omar Catunda com, por exemplo, Marshall Stone, Leopoldo Nachbin e Alfredo Pereira Gomes, tratando sobre eventos de educação matemática no Brasil e na América Latina. Examinando cuidadosamente estas cartas e tomando informações de outras fontes, verificamos que tais eventos foram o princípio da organização e profissionalização da educação matemática no Brasil, à época orientada pelo Movimento da Matem ática Moderna, uma tentativa de âmbito internacional de modernização dos programas de ensino da matemática em escolas primárias e secundárias. Assim, acrescentamos ao trabalho anterior o intuito de aprofundar a discussão sobre esses primeiros eventos prof issionais no âmbito da Educação Matemática no Brasil, partindo da análise dessas cartas e buscando informações complementares em outros documentos históricos do período sobre essa temática, a exemplo dos anais desses eventos. Nesse âmbito e atendendo aos o bjetivos deste trabalho, destacamos as correspondências do acervo de Omar Catunda 1 localizadas no Instituto de Matemática da Universidade Federal da Bahia (IM -UFBA) por Dias e que apontam aspectos para as 1 Omar Catunda (1906-1986) participou da implantação do Departamento de Matemática da F FCL/USP em 1934. Entre os anos de 1938 e 1939, estagiou e na Universidade de Roma, passando também uma curta temporada em Princeton (EUA) entre 1946 e 1947, onde foi estudar com o auxílio de bolsa da Fundação Rockefeller. Ao perceber a situação da matemáti ca na Bahia, participando do I Congresso Nacional de Ensino de Matemática em 1955, passou a se dedicar ao projeto de modernização da matemática encabeçado por Martha Dantas, assumindo, após deixar a FFCL, a direção do IMF /UBA de 1963 a 1968, onde atuou ain da como professor titular até 1976, quando se aposentou definitivamente.
2 discussões sobre história da educação matemática du rante os anos de 1963 a 1968, período que Catunda dirigiu o Instituto de Matemática e Física (IMF) na Bahia, desempenhando um papel importante no que tange ao processo de apropriação de padrões modernos de ensino da matemática na Bahia. O Movimento da Mate mática Moderna, desde sua primeira tentativa com Felix Klein e a criação da Comissão Internacional de Ensino da Matemática (CIEM) em 1908, pretendia basicamente amenizar as disparidades entre o ensino superior e secundário, a partir de uma reformulação dos programas e métodos de ensino, diminuindo assim o rigor e o formalismo da matemática da escola de Berlim. Essas mudanças na concepção do ensino de matemática se deram, principalmente, por causa do momento político -econômico que a Alemanha vivia, deixando de ser agrária e cedendo espaço para indústria, o que acarretou em necessidade de modificações no sistema educacional, que agora deveria valorizar as ciências modernas e a matemática para aplicações técnicas e práticas na indústria (DIAS, 2008). Dessa forma, de modo semelhante ao que acontecera na primeira tentativa de modernização, para atender às necessidades da sociedade que vivia o momento posterior a II Guerra, motivada pela corrida armamentista e tecnológica, houve um segundo movimento de modernização do ensino de matemática a partir dos anos 50, já que os profissionais deveriam ter uma formação compatível com os avanços tecnológico, repercutindo também no Brasil. Vale destacar aqui o interesse norte -americano de expandir sua influência na América Lati na, o que justifica a vinda de matemático George David Birkhoff para alguns países latinoamericanos em 1942 a fim de aproximar os matemáticos da região à sua pesquisa, voltada para os temas da análise matemática moderna 2. A institucionalização da matemát ica no Brasil baseada nos padrões modernos de ensino se deu ainda com a criação de algumas instituições de ensino, fazendo parte do processo de institucionalização da matemática de influência européia. Essas instituições que, no início, contaram com a cola boração de matemáticos estrangeiros, como é o caso, por exemplo, do italiano Luigi Fantappiè na FFCL /USP, tiveram influência importante na formação, a partir desse padrão científico, de uma primeira geração de matemáticos brasileiros, sendo Omar Catunda e Leopoldo Nachbin 3 bons exemplos disso. 2 Para repercussões da visita, ver Ortiz (2003). 3 Matemático brasileiro nascido em Recife, Pernambuco, o mais representativo e o primeiro mestre nacional desta ciência reconhec ido internacionalmente e que ficou famoso por seus estudos em holomorfia em espaços infinitos, que são funções polinômicas em espaços desiguais, usadas nos cálculos de integrais e de largo uso na engenharia, física, química e matemática aplicada. Formou -se em engenharia civil em 1943 pela Escola Nacional de Engenharia (ENE) e foi contratado como professor -regente da Faculdade Nacional de Filosofia (1947), defendendo, neste mesmo ano, a tese de livre -docência na área de topologia, e no ano seguinte, assumiu a cadeira de análise matemática. Participou da fundação do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, o CBPF (1949)
3 Essa viagem de BirKhoff à América impulsionou a visita de outros matemáticos norte - americanos ao Brasil, como foi o caso, por exemplo, de Marshall Stone 4 que ministrou um curso sobre anéis de funções contínuas na Fac uldade Nacional de Filosofia (FNFi) em 1946. Foi nessa época que Stone conheceu Leopoldo Nachbin e um grupo de professores que atuariam no Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) após uma temporada de estudos na Universidade de Chicago, viagem artic ulada por Stone e financiada pela política de bolsas da Fundação Guggenheim. Cabe mencionar aqui que o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), instituição de maior influência para desenvolvimento da matemática no Brasil, inclusive no que tange à modernização da matemática, foi fundado em 1952 e teve em Leopoldo Nachbin uma das principais lideranças durante, no mínimo, os dez primeiros anos. Há quem afirme, inclusive, que o IMPA foi criado para atender às necessidades de Nachbin. Entretanto, é sabido que a criação do IMPA está associada a uma nova etapa do processo de profissionalização do Brasil que contou com a fundação de várias instituições de pesquisa ou fomento, importantes para o desenvolvimento da ciência, a saber, o Centro Brasileiro de pesquisas Físicas (CBPF) em 1949 e o Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) em 1951, não se constituindo, portanto, em uma iniciativa isolada (RIOS, 2008). Esse contato de Nachbin com Stone resultaria no estreitamento de relações entre eles, ocasionando, inclusive, o seu retorno ao Brasil, pelo menos mais uma vez, para participar do V Congresso Brasileiro de Ensino de Matemática em 1966, organizado pelo Grupo de Estudos do Ensino da Matemática (GEEM) que teve no Movimento da Matemática Moderna, basicamente, a principal temática das discussões, desde a organização das atividades até a participação dos conferencistas, contando com a presença, por exemplo, de George Papy, que desenvolveu sessões de estudo sobre diversos tópicos de Matemática Moderna no ensino secundário e Hector Merklen, que realizou sessões sobre o ensino moderno da Geometria. Dessa forma, podemos considerar esse evento, tal como outras iniciativas de menor repercussão que aconteceram no Brasil, como uma importante etapa do processo de difusão desse padrão de ensino no Brasil, constituindo -se assim em ações paralelas fora do eixo Rio - São Paulo. Sobre esse aspecto, podemos mencionar as iniciativas encabeçadas por Omar Catunda, promovidas no IMF na Bahia, que julgando oportuna a visita de Stone ao Brasil em virtude de sua participação no V Congresso em 1966, facilitou a vinda deste matemático à e do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, o IMPA (1952), duas das mais importantes instituições de pesquisa brasileiras. 4 Marshall Harvey Stone (1903-1989) aos 16 anos entrou em Harvard e se graduou summa cum laude em 1922. Antes de ser professor em Harvard entre 1933 e 1946, foi professor em Columbia (1925-1927), Harvard (1929-1931), Yale (1931-1933) e Stanford no verão de 1933. Porém, grad uado e professor da Universidade de Harvard, é mais conhecido por transformar o Departamento de Matemática da Universidade de Chicago, enquanto foi seu diretor, num dos principais centros de matemática dos EUA. Teve papel importante na construção do Comitê Interamericano de Educação Matemática (CIAEM), sendo seu presidente de 1961 a 1972.
4 Bahia para oferecer algumas conferências sobre temas relacionados à matemática moderna, o que é possível ser identificado em algumas correspondências datadas desse período, resultantes da comunicação que se estabeleceu entre Catunda, matemáticos brasileiros e estrangeiros, sendo que sua viagem ao Brasil fazia parte, na verdade, de uma política norte - americana de desenvolvimento da ciência na América Latina. Nesse contexto, merece ser mencionado o I Congresso Brasileiro de Ensino de Matemática ocorrido em 1955, organizado por Martha Dantas em Salvador, cuja relevância nesse processo está nos reflexos da sua realização, ou seja, a partir da participação das professoras da Faculdade de Filosofia (FF) nesse evento, algumas delas partiram para estágios de formação científica na FFCL e no IMPA, o que veio a transformar as concepções dessas professoras com relação ao ensino de matemática, impulsionando o projeto de ren ovação desse ensino também na Bahia. Podemos concluir, portanto, diante do exposto e baseado nos estudos realizados sobre esse aspecto, que esses eventos constituíram -se em um dos atores fundamentais da rede social desenvolvida no processo de difusão de sse novo padrão de ensino que começava a se estabelecer nas instituições de ensino, o que permitiu, durante algum tempo, o intenso intercâmbio de professores entre tais instituições brasileiras e estrangeiras. Referências BONFIM, Luís Américo. Lavagem do Bonfim: tradições e representações de fé na Bahia. Disponível em: < www.naya.org.ar/congreso2000/ponencias/luis_americo.htm>. Acesso em: 14 jun. 2008. DIAS, André L. Mattedi. Engenheiros, mulheres, matemáticos: interesses e disputas na profissionalização da matemática na Bahia (1896-1968). São Paulo, 2002. 308 p. Tese (Doutorado em História Social) Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002.. Omar Catunda: alguns aspectos de sua trajetória e das suas concepções científicas e educacionais. História & Educação Matemática, Rio Claro, v. 1, n. 1, p. 39-48, 2001.. O movimento da matemática moderna: uma rede internacional científica -pedagógica no período da Guerra Fria. In: ESOCITE, 7., 2008, Rio de Janeiro. Anais..., Rio de Janeiro, 2008. 1 CD-ROM. FUNDAÇÃO PIERRE VERGER. Biografia. Salvador. Disponível em: <www.pierreverger.org/br/pierre_verger/biografia.htm>. Acesso em: 14 jun. 2008. INTERAMERICAN COMMITTEE OF MATHEMATICS EDUCACION, 12., 2007, Querétaro, México. Disponível em: <http://ww w.ciaem.furb.br/ciaem/ing/index.htm>. Acesso em: 20 dez. 2007.
5 INSTITUTO DE FÍSICA. UFBA, Salvador. Disponível em: <http://www.fis.ufba.br/>. Acesso em: 12 jan. 2008. INSTITUTO DE MATEMÁTICA. UFBA, Salvador. Disponível em: <http://twiki.dcc.ufba.br/bin/v iew/im/webhome>. Acesso em: 12 jan. 2008. LIMA, Eliene Barbosa. Dos infinitésimos aos limites: a contribuição de Omar Catunda para a modernização da análise matemática no Brasil. Salvador, 2006. 155p. Dissertação (Mestrado em Ensino, Filosofia e Históri a das Ciências) UFBA/UEFS, Salvador, 2006. MARAFON, Adriana Cesar de Mattos. Vocação matemática como reconhecimento acadêmico. 2001. Tese (Doutorado em Educação) Faculdade de Educação, Un iversidade Estadual de Campinas, Campinas, 2001. MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. Memória e cultura material: documentos pessoais no espaço público. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 21, 1998. Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/238.pdf >. Acesso em: 30 nov. 2006. ORTIZ, E. L. La política intera mericana de Roosevelt: George D. Birkhoff y la inclusión de América Latina en las redes matemáticas internacionales (Parte I). Saber y tiempo, Buenos Aires, v. 4, n. 15, p. 54, 2003.. El viaje de Birkhoff a la Argentina y la política interamericana de Roosevelt. Saber y tiempo, Buenos Aires, v. 4, n. 15, p. 53-111, 2003. PESTRE, Dominique. Por uma nova história social e cultural das ciências: novas definições, novos objetos, novas abordagens. Cadernos IG, Campinas, n. 1, v. 6, p. 3-55, 1996. RIOS, Diogo Franco. Memória e história da Matemática no Brasil: a saída de Leopoldo Nachbin do IMPA. Salvador, 2008. 143p. Dissertação (Mestrado em Ensino, Filosofia e História das Ciências) UFBA/UEFS, Salvador/Feira de Santana, 2008. SILVA, Circe Mary Silv a da. Lélio Itapuambyra Gama e a modernização do ensino da matemática no Brasil. In: SEMINÁRIO NACIONAL DE HISTÓRIA DA CIÊNCIA E DA TECNOLOGIA, 7., 1999, São Paulo. Anais..., São Paulo: EDUSP; Editora UNESP; Imprensa Oficial do Estado, 2001. p. 369-377. SILVA, Clóvis Pereira da. A Matemática no Brasil: uma história do seu desenvolvimento. 3. ed. São Paulo: E. Blücher, 2003. VALENTE, Wagner Rodrigues. Uma história da matemática escolar no Brasil: 1730-1930. São Paulo: Annablume /FAPESP, 1999.