AS PREOCUPAÇÕES AMBIENTAIS NO BRASIL

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AS PREOCUPAÇÕES AMBIENTAIS NO BRASIL A Conferência Estocolmo-72 foi um marco para a consciência e as preocupações ambientais no mundo. A partir de então foram apresentados princípios e objetivos, abstratos vale dizer, relacionados à preservação ambiental e aos rumos que o desenvolvimento humano vinha tomando, uma vez que suas atividades se tornaram cada vez mais agressivas de danosas ao meio ambiente. A partir de Estocolmo, o mundo, de forma ainda tímida, passou a ver as questões ambientais não mais como possibilidades remotas e sim como uma realidade presente em toda a extensão social. Surgiram então ideias que colocavam o homem em seu devido lugar no meio natural, qual seja, de mero participante e inter-relacionador junto ao meio ambiente, e não mais como era anteriormente concebido, sob uma visão antropocêntrica em que o homem seria o ser dominante da natureza. Assim, todos os países participantes da Estocolmo-72 tomaram suas posições. O que foi proposto inicialmente dava conta de que os países em desenvolvimento deveriam sacrificar seu progresso em prol do meio ambiente, o qual se encontrava danificado pelos processos e atividades progressistas dos países desenvolvidos, fato que gerou certas divergências. Todavia, com a Conferência de Estocolmo, uma posição ficou assentada: Havia a urgente necessidade pela preservação ambiental e a redução de atividades danosas ao meio ambiente em todo o mundo. O Brasil na época da Conferência havia vivenciado poucos anos atrás um episódio conhecido como Milagre Econômico Brasileiro. Tratava-se de uma época em que houve excepcional euforia e entusiasmo social frente a um elevado índice de crescimento, desenvolvimento e industrialização nacional. Instaurou-se a ideia de Brasil potência mundial, ideia esta que se tornou ainda

mais evidente com a conquista brasileira da Copa do Mundo de 1970. Após alguns anos recessivos e de organização econômica, o país iniciou em 1968 grande expansão econômica, com o PIB brasileiro crescendo em torno de 10% ao ano e a construção civil crescendo anualmente a uma taxa de 15%. O repentino crescimento econômico brasileiro se deu devido ao que acontece atualmente com a China, ou seja, países e empresas transnacionais buscando novas áreas para investir, havendo grande aumento da atividade econômica por meio da abertura de novas áreas passíveis de exploração. Nesse período as desigualdades sociais se acentuaram ainda mais, uma vez que para o governo mais importava a classe alta, a qual realizava mais poupanças e, se as rendas nacionais fossem distribuídas às classes baixas a poupança interna cairia, observando-se que as classes baixas geralmente poupavam muito pouco. O crescimento econômico foi vigoroso: o consumo de energia elétrica crescia 10% ao ano, as montadoras de veículos produziram, em 1970, 307 mil carros de passeio, o triplo de 1964. Os trabalhadores tinham em casa 4,58 milhões de televisores, contra 1,66 milhão em 1964. Viveu-se um ciclo inédito de desenvolvimento no Brasil; o governo divulgava estes números em sua publicidade pela TV; criava-se bordões como "Brasil Potência", "Brasil Grande" e o mais famoso deles, "Brasil, ame-o ou deixe-o". Apesar de inúmeras consequências ruins do crescimento desenfreado, havia um furor popular super valorizando alguns índices e resultados do crescimento econômico, ignorando outros fatores, como o aumento da desigualdade social e o crescimento da miséria. Ao governo importava o crescimento.

Tal crescimento somente veio a ser barrado com a crise petrolífera de 1974, entrando então a economia brasileira em recessão, tendo seus efeitos perdurados até a década de 1990. Todavia, em Estocolmo-72, o Brasil vivenciava grande entusiasmo econômico e um constante processo de desenvolvimento interno: e a rápida industrialização era muito bem-vinda. Assim, a posição brasileira frente às premissas apresentadas na Suécia foi conflitante ao ponto de o país liderar um grupo de 77 outras nações reivindicando também o direito do crescimento econômico, o qual já havia sido atingido pelas nações desenvolvidas. A posição defendida era de que todos tinham direito ao crescimento econômico. O Brasil juntamente com os outros países deferiram acusações aos países industrializados em defesa do crescimento a qualquer custo. Em protesto estendeu uma faixa com os dizeres: Boas vindas à poluição, estamos abertos a ela. O Brasil é um país que não tem restrições, temos várias cidades que receberiam de braços abertos a sua poluição, porque nós queremos empregos, dólares para o nosso desenvolvimento (...), deixando claro que o país preferia promover o crescimento econômico a qualquer custo a se dedicar às políticas ambientais. Todavia tal posicionamento, após o evento, logo foi corrigido e o Brasil iniciou internamente o desenvolvimento de políticas condizentes com as ideias mundiais de preservação ambiental. Acompanhando a tendência global desse período de mundialização da proteção ambiental, o governo brasileiro implantou em 1973 a Secretaria Especial do Meio Ambiente, vinculada à Presidência da República. Esta Secretaria tinha atribuições especialmente voltadas para o controle da poluição, o uso racional dos recursos naturais e a preservação do estoque genético.

A política ambiental nacional sofreu grande e benéfica modificação a partir da Constituição Federal de 1988, a qual expressamente apresentou a matéria ambiental como de essencial importância à sociedade, tanto atual como futura, o que será visto adiante em momento oportuno. No ano de 1992, na cidade do Rio de Janeiro, ocorreu a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, tendo como objetivo principal buscar meios de conciliar o desenvolvimento sócio-econômico com a conservação e proteção dos ecossistemas da Terra. Além da consagração do conceito de Desenvolvimento Sustentável, a conferência também foi responsável pela afirmação de que os danos ambientais eram de forma majoritária de responsabilidade dos países desenvolvidos e que, os países em desenvolvimento necessitavam de ajuda financeira e tecnológica a fim de atingirem determinados níveis de Desenvolvimento Sustentável. Tais postulações favoreceram a aceitação, por parte dos países em desenvolvimento, das premissas de proteção ambiental ate então refutadas. Da Eco-92 ou Rio-92, como ficou conhecido mundialmente o evento, destacaram-se dois importantes documentos produzidos no seio das discussões, os quais serão apresentados abaixo: A Carta da Terra: Uma declaração de princípios éticos fundamentais para a construção, no século XXI, de uma sociedade global justa, sustentável e pacífica. Busca inspirar todos os povos a um novo sentido de interdependência global e responsabilidade compartilhada, voltado para o bem-estar de toda a família humana, da grande comunidade da vida atual e das futuras gerações. Oferece um novo marco inclusivo e integralmente ético para guiar a transição para um futuro sustentável. Ela reconhece que os objetivos de proteção ecológica, erradicação da pobreza, desenvolvimento econômico equitativo, respeito aos direitos humanos, democracia e paz são

interdependentes e indivisíveis. O documento é resultado de uma década de diálogo intercultural, em torno de objetivos comuns e valores compartilhados. O projeto começou como uma iniciativa das Nações Unidas, mas se desenvolveu e finalizou como uma iniciativa global da sociedade civil. Em 2000 a Comissão da Carta da Terra, uma entidade internacional independente, concluiu e divulgou o documento como a carta dos povos. PREÂMBULO Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro reserva, ao mesmo tempo, grande perigo e grande esperança. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio de uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos nos juntar para gerar uma sociedade sustentável global fundada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade de vida e com as futuras gerações. TERRA, NOSSO LAR A humanidade é parte de um vasto universo em evolução. A Terra, nosso lar, é viva como uma comunidade de vida incomparável. As forças da natureza fazem da existência uma aventura exigente e incerta, mas a Terra providenciou as condições essenciais para a evolução da vida. A capacidade de recuperação da comunidade de vida e o bem-estar da humanidade dependem da preservação de uma biosfera saudável com todos seus sistemas ecológicos, uma rica variedade de plantas e animais, solos férteis, águas puras e ar limpo. O meio ambiente global com seus recursos finitos é uma preocupação comum de todos os povos. A proteção da vitalidade, diversidade e beleza da Terra é um dever sagrado. A SITUAÇÃO GLOBAL Os padrões dominantes de produção e consumo estão causando devastação ambiental, esgotamento dos recursos e uma massiva extinção de espécies. Comunidades estão sendo arruinadas. Os benefícios do desenvolvimento não estão sendo divididos eqüitativamente e a diferença entre ricos e pobres está aumentando. A

injustiça, a pobreza, a ignorância e os conflitos violentos têm aumentado e são causas de grande sofrimento. O crescimento sem precedentes da população humana tem sobrecarregado os sistemas ecológico e social. As bases da segurança global estão ameaçadas. Essas tendências são perigosas, mas não inevitáveis. DESAFIOS FUTUROS A escolha é nossa: formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros ou arriscar a nossa destruição e a da diversidade da vida. São necessárias mudanças fundamentais em nossos valores, instituições e modos de vida. Devemos entender que, quando as necessidades básicas forem supridas, o desenvolvimento humano será primariamente voltado a ser mais e não a ter mais. Temos o conhecimento e a tecnologia necessários para abastecer a todos e reduzir nossos impactos no meio ambiente. O surgimento de uma sociedade civil global está criando novas oportunidades para construir um mundo democrático e humano. Nossos desafios ambientais, econômicos, políticos, sociais e espirituais estão interligados e juntos podemos forjar soluções inclusivas. RESPONSABILIDADE UNIVERSAL Para realizar estas aspirações, devemos decidir viver com um sentido de responsabilidade universal, identificando-nos com a comunidade terrestre como um todo, bem como com nossas comunidades locais. Somos, ao mesmo tempo, cidadãos de nações diferentes e de um mundo no qual as dimensões local e global estão ligadas. Cada um compartilha responsabilidade pelo presente e pelo futuro bem-estar da família humana e de todo o mundo dos seres vivos. O espírito de solidariedade humana e de parentesco com toda a vida é fortalecido quando vivemos com reverência o mistério da existência, com gratidão pelo dom da vida e com humildade em relação ao lugar que o ser humano ocupa na natureza. Necessitamos com urgência de uma visão compartilhada de valores básicos para proporcionar um fundamento ético à comunidade mundial emergente. Portanto, juntos na esperança, afirmamos os seguintes princípios, interdependentes, visando a um modo de vida sustentável como padrão comum, através dos quais a conduta de todos os indivíduos, organizações, empresas, governos e instituições transnacionais será dirigida e avaliada. PRINCÍPIOS I. RESPEITAR E CUIDAR DA COMUNIDADE DE VIDA 1. Respeitar a Terra e a vida em toda sua diversidade.

Reconhecer que todos os seres são interdependentes e cada forma de vida tem valor, independentemente de sua utilidade para os seres humanos. Afirmar a fé na dignidade inerente de todos os seres humanos e no potencial intelectual, artístico, ético e espiritual da humanidade. 2. Cuidar da comunidade da vida com compreensão, compaixão e amor. Aceitar que, com o direito de possuir, administrar e usar os recursos naturais, vem o dever de prevenir os danos ao meio ambiente e de proteger os direitos das pessoas. Assumir que, com o aumento da liberdade, dos conhecimentos e do poder, vem a maior responsabilidade de promover o bem comum. 3. Construir sociedades democráticas que sejam justas, participativas, sustentáveis e pacíficas. Assegurar que as comunidades em todos os níveis garantam os direitos humanos e as liberdades fundamentais e proporcionem a cada pessoa a oportunidade de realizar seu pleno potencial. Promover a justiça econômica e social, propiciando a todos a obtenção de uma condição de vida significativa e segura, que seja ecologicamente responsável. 4. Assegurar a generosidade e a beleza da Terra para as atuais e às futuras gerações. Reconhecer que a liberdade de ação de cada geração é condicionada pelas necessidades das gerações futuras. Transmitir às futuras gerações valores, tradições e instituições que apóiem a prosperidade das comunidades humanas e ecológicas da Terra a longo prazo. II. INTEGRIDADE ECOLÓGICA 5. Proteger e restaurar a integridade dos sistemas ecológicos da Terra, com especial atenção à diversidade biológica e aos processos naturais que sustentam a vida. Adotar, em todos os níveis, planos e regulamentações de desenvolvimento sustentável que façam com que a conservação e a reabilitação ambiental sejam parte integral de todas as iniciativas de desenvolvimento.

Estabelecer e proteger reservas naturais e da biosfera viáveis, incluindo terras selvagens e áreas marinhas, para proteger os sistemas de sustento à vida da Terra, manter a biodiversidade e preservar nossa herança natural. Promover a recuperação de espécies e ecossistemas ameaçados. Controlar e erradicar organismos não-nativos ou modificados geneticamente que causem dano às espécies nativas e ao meio ambiente e impedir a introdução desses organismos prejudiciais. Administrar o uso de recursos renováveis como água, solo, produtos florestais e vida marinha de forma que não excedam às taxas de regeneração e que protejam a saúde dos ecossistemas. Administrar a extração e o uso de recursos não-renováveis, como minerais e combustíveis fósseis de forma que minimizem o esgotamento e não causem dano ambiental grave. 6. Prevenir o dano ao ambiente como o melhor método de proteção ambiental e, quando o conhecimento for limitado, assumir uma postura de precaução. Agir para evitar a possibilidade de danos ambientais sérios ou irreversíveis, mesmo quando o conhecimento científico for incompleto ou não-conclusivo. Impor o ônus da prova naqueles que afirmarem que a atividade proposta não causará dano significativo e fazer com que as partes interessadas sejam responsabilizadas pelo dano ambiental. Assegurar que as tomadas de decisão considerem as conseqüências cumulativas, a longo prazo, indiretas, de longo alcance e globais das atividades humanas. Impedir a poluição de qualquer parte do meio ambiente e não permitir o aumento de substâncias radioativas, tóxicas ou outras substâncias perigosas. Evitar atividades militares que causem dano ao meio ambiente. 7. Adotar padrões de produção, consumo e reprodução que protejam as capacidades regenerativas da Terra, os direitos humanos e o bem-estar comunitário. Reduzir, reutilizar e reciclar materiais usados nos sistemas de produção e consumo e garantir que os resíduos possam ser assimilados pelos sistemas ecológicos.

Atuar com moderação e eficiência no uso de energia e contar cada vez mais com fontes energéticas renováveis, como a energia solar e do vento. Promover o desenvolvimento, a adoção e a transferência eqüitativa de tecnologias ambientais seguras. Incluir totalmente os custos ambientais e sociais de bens e serviços no preço de venda e habilitar os consumidores a identificar produtos que satisfaçam às mais altas normas sociais e ambientais. Garantir acesso universal à assistência de saúde que fomente a saúde reprodutiva e a reprodução responsável. Adotar estilos de vida que acentuem a qualidade de vida e subsistência material num mundo finito. 8. Avançar o estudo da sustentabilidade ecológica e promover o intercâmbio aberto e aplicação ampla do conhecimento adquirido. Apoiar a cooperação científica e técnica internacional relacionada à sustentabilidade, com especial atenção às necessidades das nações em desenvolvimento. Reconhecer e preservar os conhecimentos tradicionais e a sabedoria espiritual em todas as culturas que contribuem para a proteção ambiental e o bem-estar humano. Garantir que informações de vital importância para a saúde humana e para a proteção ambiental, incluindo informação genética, permaneçam disponíveis ao domínio público. III. JUSTIÇA SOCIAL E ECONÔMICA 9. Erradicar a pobreza como um imperativo ético, social e ambiental. Garantir o direito à água potável, ao ar puro, à segurança alimentar, aos solos não contaminados, ao abrigo e saneamento seguro, alocando os recursos nacionais e internacionais demandados. Prover cada ser humano de educação e recursos para assegurar uma condição de vida sustentável e proporcionar seguro social e segurança coletiva aos que não são capazes de se manter por conta própria. Reconhecer os ignorados, proteger os vulneráveis, servir àqueles que sofrem e habilitá-los a desenvolverem suas capacidades e alcançarem suas aspirações. 10. Garantir que as atividades e instituições econômicas em todos os níveis promovam o desenvolvimento humano de forma eqüitativa e sustentável.

Promover a distribuição eqüitativa da riqueza dentro das e entre as nações. Incrementar os recursos intelectuais, financeiros, técnicos e sociais das nações em desenvolvimento e liberá-las de dívidas internacionais onerosas. Assegurar que todas as transações comerciais apóiem o uso de recursos sustentáveis, a proteção ambiental e normas trabalhistas progressistas. Exigir que corporações multinacionais e organizações financeiras internacionais atuem com transparência em benefício do bem comum e responsabilizálas pelas conseqüências de suas atividades. 11. Afirmar a igualdade e a eqüidade dos gêneros como pré-requisitos para o desenvolvimento sustentável e assegurar o acesso universal à educação, assistência de saúde e às oportunidades econômicas. Assegurar os direitos humanos das mulheres e das meninas e acabar com toda violência contra elas. Promover a participação ativa das mulheres em todos os aspectos da vida econômica, política, civil, social e cultural como parceiras plenas e paritárias, tomadoras de decisão, líderes e beneficiárias. Fortalecer as famílias e garantir a segurança e o carinho de todos os membros da família. 12. Defender, sem discriminação, os direitos de todas as pessoas a um ambiente natural e social capaz de assegurar a dignidade humana, a saúde corporal e o bem-estar espiritual, com especial atenção aos direitos dos povos indígenas e minorias. Eliminar a discriminação em todas as suas formas, como as baseadas em raça, cor, gênero, orientação sexual, religião, idioma e origem nacional, étnica ou social. Afirmar o direito dos povos indígenas à sua espiritualidade, conhecimentos, terras e recursos, assim como às suas práticas relacionadas com condições de vida sustentáveis. Honrar e apoiar os jovens das nossas comunidades, habilitando-os a cumprir seu papel essencial na criação de sociedades sustentáveis. Proteger e restaurar lugares notáveis pelo significado cultural e

espiritual. IV. DEMOCRACIA, NÃO-VIOLÊNCIA E PAZ 13. Fortalecer as instituições democráticas em todos os níveis e prover transparência e responsabilização no exercício do governo, participação inclusiva na tomada de decisões e acesso à justiça. Defender o direito de todas as pessoas receberem informação clara e oportuna sobre assuntos ambientais e todos os planos de desenvolvimento e atividades que possam afetá-las ou nos quais tenham interesse. Apoiar sociedades civis locais, regionais e globais e promover a participação significativa de todos os indivíduos e organizações interessados na tomada de decisões. Proteger os direitos à liberdade de opinião, de expressão, de reunião pacífica, de associação e de oposição. Instituir o acesso efetivo e eficiente a procedimentos judiciais administrativos e independentes, incluindo retificação e compensação por danos ambientais e pela ameaça de tais danos. Eliminar a corrupção em todas as instituições públicas e privadas. Fortalecer as comunidades locais, habilitando-as a cuidar dos seus próprios ambientes, e atribuir responsabilidades ambientais aos níveis governamentais onde possam ser cumpridas mais efetivamente. 14. Integrar, na educação formal e na aprendizagem ao longo da vida, os conhecimentos, valores e habilidades necessárias para um modo de vida sustentável. Prover a todos, especialmente a crianças e jovens, oportunidades educativas que lhes permitam contribuir ativamente para o desenvolvimento sustentável. Promover a contribuição das artes e humanidades, assim como das ciências, na educação para sustentabilidade. Intensificar o papel dos meios de comunicação de massa no aumento da conscientização sobre os desafios ecológicos e sociais. Reconhecer a importância da educação moral e espiritual para uma condição de vida sustentável. 15. Tratar todos os seres vivos com respeito e consideração. Impedir crueldades aos animais mantidos em sociedades humanas e protegê-los de sofrimento. Proteger animais selvagens de métodos de caça, armadilhas e pesca que

causem sofrimento extremo, prolongado ou evitável. Evitar ou eliminar ao máximo possível a captura ou destruição de espécies não visadas. 16. Promover uma cultura de tolerância, não-violência e paz. Estimular e apoiar o entendimento mútuo, a solidariedade e a cooperação entre todas as pessoas, dentro das e entre as nações. Implementar estratégias amplas para prevenir conflitos violentos e usar a colaboração na resolução de problemas para administrar e resolver conflitos ambientais e outras disputas. Desmilitarizar os sistemas de segurança nacional até o nível de uma postura defensiva não-provocativa e converter os recursos militares para propósitos pacíficos, incluindo restauração ecológica. Eliminar armas nucleares, biológicas e tóxicas e outras armas de destruição em massa. Assegurar que o uso do espaço orbital e cósmico ajude a proteção ambiental e a paz. Reconhecer que a paz é a plenitude criada por relações corretas consigo mesmo, com outras pessoas, outras culturas, outras vidas, com a Terra e com a totalidade maior da qual somos parte. O CAMINHO ADIANTE Como nunca antes na História, o destino comum nos conclama a buscar um novo começo. Tal renovação é a promessa destes princípios da Carta da Terra. Para cumprir esta promessa, temos que nos comprometer a adotar e promover os valores e objetivos da Carta. Isto requer uma mudança na mente e no coração. Requer um novo sentido de interdependência global e de responsabilidade universal. Devemos desenvolver e aplicar com imaginação a visão de um modo de vida sustentável nos níveis local, nacional, regional e global. Nossa diversidade cultural é uma herança preciosa e diferentes culturas encontrarão suas próprias e distintas formas de realizar esta visão. Devemos aprofundar e expandir o diálogo global que gerou a Carta da Terra, porque temos muito que aprender a partir da busca conjunta em andamento por verdade e sabedoria. A vida muitas vezes envolve tensões entre valores importantes. Isto pode significar escolhas difíceis. Entretanto, necessitamos encontrar caminhos para harmonizar a diversidade com a unidade, o exercício da liberdade com o bem comum, objetivos de curto prazo com metas de

longo prazo. Todo indivíduo, família, organização e comunidade tem um papel vital a desempenhar. As artes, as ciências, as religiões, as instituições educativas, os meios de comunicação, as empresas, as organizações não-governamentais e os governos são todos chamados a oferecer uma liderança criativa. A parceria entre governo, sociedade civil e empresas é essencial para uma governabilidade efetiva. Para construir uma comunidade global sustentável, as nações do mundo devem renovar seu compromisso com as Nações Unidas, cumprir com suas obrigações respeitando os acordos internacionais existentes e apoiar a implementação dos princípios da Carta da Terra com um instrumento internacionalmente legalizado e contratual sobre o ambiente e o desenvolvimento. Que o nosso tempo seja lembrado pelo despertar de uma nova reverência face à vida, pelo compromisso firme de alcançar a sustentabilidade, a intensificação dos esforços pela justiça e pela paz e a alegre celebração da vida. A Agenda 21: Um documento que estabeleceu a importância de cada país a se comprometer a refletir, global e localmente, sobre a forma pela qual governos, empresas, organizações não governamentais e todos os setores da sociedade poderiam cooperar no estudo de soluções para os problemas sócio ambientais. Cada país desenvolve a sua Agenda 21 e no Brasil as discussões são coordenadas pela Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21 Nacional (CPDS). A Agenda 21 se constitui num poderoso instrumento de reconversão da sociedade industrial rumo a um novo paradigma, que exige a reinterpretação do conceito de progresso, contemplando maior harmonia e equilíbrio holístico entre o todo e as partes, promovendo a qualidade, não apenas a quantidade do crescimento. Um programa de ação baseado num documento de 40 capítulos que constitui a mais ousada e abrangente tentativa já realizada de se promover, em escala planetária, um novo padrão de desenvolvimento, conciliando métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica.

Trata-se de um documento consensual para o qual contribuíram governos e instituições da sociedade civil de 179 países num processo preparatório que durou dois anos e culminou com a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), em 1992, no Rio de Janeiro, também conhecida por ECO-92. Além da Agenda 21, resultaram desse processo cinco outros acordos: a Declaração do Rio, a Declaração de Princípios sobre o Uso das Florestas, o Convênio sobre a Diversidade Biológica e a Convenção sobre Mudanças Climáticas. Dentre os temas desenvolvidos e discutidos destacaram-se: Mudanças do Clima, Ar e Água, Transporte Alternativo, Ecoturismo, Redução do Desperdício e Redução da Chuva Ácida. A partir de então a consciência ambiental no Brasil desenvolveu-se de forma avantajada e com a inovação da Constituição de 1988 o tema evoluiu muito. Posteriormente, a Comissão sobre o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (CDS) organizou para dez anos depois da Conferência do Rio a Conferência Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável em Johannesburgo, África do Sul. Essa conferência reuniu chefes de Estado e de Governo, organizações não-governamentais e empresários, que revisaram e avaliaram o progresso do estabelecimento da Agenda 21, um plano de ação mundial para promover o desenvolvimento sustentável a uma escala local, nacional, regional e internacional. A meta geral da Conferência foi revigorar o compromisso mundial a fim de um desenvolvimento sustentável e a cooperação Norte-Sul, além de elevar a solidariedade internacional para a execução acelerada da Agenda 21. Um dos êxitos desta reunião foi o estabelecimento da necessidade de se criarem metas regionais e nacionais para o uso da energia renovável.

Após Estocolmo-72 e principalmente a partir da RIO-92 o Brasil tem papel atuante no cenário mundial quando o assunto é preservação ambiental, participando de eventos mundiais relacionados ao tema, e atualmente tornando-se grande formador de opinião e pioneiro tomador de posições.