LIGAS AMORFAS DE MAGNÉSIO UTILIZADAS EM IMPLANTES CONSUMÍVEIS G. P. Danez 1, G.Y. Koga, 2, S.Tonucci 2, C. Bolfarini 2, C. S. Kiminami 2, W. J. Botta 2 gabidanez@hotmail.com, Rodovia Washington Luiz, km 235, 13565-905, São Carlos, SP, Brasil 1 Programa de Pós-Graduação em Ciência e Engenharia de Materiais, 2 Departamento de Engenharia de Materiais, Universidade Federal de São Carlos, A utilização de implantes consumíveis feitos de ligas amorfas a base de magnésio com adições de zinco e cálcio tem se mostrado promissora. Propriedades como biocompatibilidade, baixa densidade, alta resistência mecânica, módulo de elasticidade baixo (quando comparado a ligas como aço inox e titânio), resistência a corrosão e ao desgaste tornam-na atrativa para aplicação em implantes. Além disso, os sub-produtos de corrosão e desgaste são não tóxicos e podem contribuir para a osteossíntese. Visando entender a tendência à formação de amorfo desse ternário (Mg-Zn-Ca) e ampliar as informações a respeito desse sistema, o presente trabalho envolveu a utilização do critério de instabilidade topológica (λ) e do critério de eletronegatividade (Δe) para a escolha de composições. As ligas foram processadas em forma de cunha e analisadas e estruturalmente em difração de raios-x e microscopia eletrônica de varredura. Palavras-chave: ligas de magnésio, ligas amorfas, tendência a formação de amorfo INTRODUÇÃO O presente trabalho investiga ligas amorfas de Mg-Zn-Ca ricas em Mg que podem ser passíveis de utilização como implantes consumíveis. Essa classe de materiais exige propriedades diferenciadas e qualidade superior devido ao papel desempenhado, no qual qualquer falha poderá resultar em danos ao paciente. Podem ser citados como fundamentais: homogeneidade nas propriedades, biocompatibilidade, que compreende harmonia entre o material implantado e o hospedeiro sem reações inflamatórias, ausência de efeito cancerígeno, elevada resistência a corrosão e desgaste e baixa toxicidade. Atualmente, os materiais metálicos mais utilizados para implantes são: aço inox, ligas de cobalto e ligas de titânio (1). O emprego de ligas de magnésio é interessante quando implante deve atuar como facilitador para a regeneração do osso e depois perde a utilidade, exigindo uma cirurgia de retirada. A liga de magnésio, devido a sua propriedade altamente corrosiva, é consumida pelo corpo humano, gerando subprodutos não 6409
tóxicos e excretáveis, acabando com a necessidade de uma segunda cirurgia de retirada. Esse destaque na indústria biomédica também se deve a baixa densidade (1,74-2,00g/cm 3 ) e baixo modulo elástico (41-45GPa), valores semelhantes ao osso humano (densidade de 1,80 a 2,00g/cm 3 e módulo elástico de 3 a 20GPa) favorecendo a osteossíntese; além disso são biodegradáveis e tem custo baixo (2). As ligas de magnésio também têm recebido atenção não somente para aplicações biomédicas, mas também para utilização nas indústrias automotiva, aeroespacial e eletrônica devido a baixa densidade aliada a excelente resistência mecânica que pode ser melhorada com adição de elementos de liga (3), bem como estabilidade dimensional e boa capacidade de amortecimento (4). No estado a amorfo as ligas do sistema Mg-Zn-Ca podem apresentar propriedades superiores as equivalentes cristalinas. Isso porque as ligas cristalinas de magnésio tendem a apresentar baixa resistência à corrosão e fragilidade (5), já as ligas a amorfas são carentes de estrutura cristalinas e contornos de grão de forma que possuem maior resistência mecânica e a corrosão. Essas também apresentam homogeneidade de composição e diferentemente das ligas cristalinas que geram produtos indesejáveis de corrosão as ligas amorfas de magnésio têm apresentado resultados satisfatórios nos ensaios in-vivo. Isso ocorre porque a adição de Zn se mostra benéfica ao modificar o mecanismo de corrosão de forma a gerar um grossa camada amorfa de ZnO que suprime a liberação de gás hidrogênio o qual poderia resultar em bolhas no osso formado. Os teores de Zn em ligas amorfas seriam impraticáveis em ligas cristalinas porque excederiam a solubilidade sólida do Zn no Mg (6,2% em peso) formando fases intermetálicas indesejáveis (2, 6, 7). No entanto, a obtenção de estrutura amorfa só ocorre em condições especificas como a partir do superesfriamento rápido do líquido para que iniba a difusão e o ordenamento a longo alcance. Devido à necessidade do superesfriamento a obtenção de amorfo muitas vezes se restringe a peças com dimensões muito pequenas que favoreçam a retirada de calor, impossibilitando aplicações práticas que exigiriam dimensões maiores. Dessa forma, o estudo de ligas que tenham alta tendência a formação de amorfo (TFA) para que dimensões maiores sejam possíveis de ser obtidas é de fundamental importância. Egami e Waseda (8) propuseram uma concentração mínima de soluto que possibilitaria a formação de amorfo em ligas binárias, considerando a diferença de raios entre os elementos de liga e as tensões causadas pelo átomo de soluto na 6410
rede hospedeira, podendo tornar a liga topologicamente instável e mudar o número de coordenação, conforme mostra a equação A, onde c min é a mínima concentração de soluto para que ocorra amorfização, R a é o raio do soluto e R b do solvente. (A) Em 2005 foi proposta (9) uma extensão do critério de Egami e Waseda que passava a considerar ligas de alumínio multicomponentes e previa o comportamento delas frente à cristalização. (B) Baseado no principio de competição de fases, foi apresentada uma nova abordagem do critério que passou a considerar fases intermetálicas e o volume molar dessas, assumindo as como solvente (10,12, 13,14) como mostra a equação C. (C) Recentemente foi desenvolvida uma nova abordagem para o critério de instabilidade topológica. Assumindo que o líquido é resfriado o suficientemente rápido para suprimir a difusão de longo alcance também como a segregação de soluto, duas possibilidades existem. Cristalização polimórfica de uma solução sólida (super saturada ou não), ou formação de amorfo. Em baixos valores de parâmetro λ a transformação polimórfica é mais provável de ocorrer sendo possível a formação de uma solução sólida super saturada. Por outro lado para valores mais altos de λ a formação de fase amorfa é favorecida. Baseado nestas suposições teóricas é possível se modificar a formulação do critério λ para um novo conceito de λ (14) mim. A transformação polimórfica ocorre quando exista um valor mínimo de instabilidade topológica entre no mínimo três compostos intermetálicos, formando um triângulo de compatibilidade e gera um mapa denominado de λ mim em que a instabilidade topológica varia e alcança um 6411
valor máximo que corresponde a maior TFA. Esta nova abordagem é possível um ranqueamento de metaestabilidade em cada composição de liga. Contudo o critério é fortemente dependente do conhecimento que se tenha dos compostos intermetálicos de um dado sistema, a falta de informação pode conduzir a erros grosseiros na determinação do mapa de instabilidade topológica, isso representa um grande desafio para o estudo de ligas no sistema Mg-Zn-Ca porque apesar do interesse crescente nesse no sistema ainda são escassas as informações. Esse trabalho teve por intuito ampliar as informações a respeito do sistema, principalmente na região rica em magnésio. MATERIAIS E MÉTODOS O mapa λ mim do sistema Mg-Zn-Ca foi gerado com base nos dados existentes na literatura (15,16,17). A partir dele e de informações colhidas no diagrama de fase (18) e na literatura (16) foram selecionadas as seguintes composições: A1 - Mg 65 Zn 13 Ca 22 (de alta tendência de amorfo de acordo com o mapa construído), A2 - Mg 67 Zn 28 Ca 5 (amorfizável de acordo com a literatura), A3 - Mg 62 Zn 35 Ca 3 (eutética) e A4 - Mg 75 Zn 20 Ca 5. Elementos de alta pureza foram utilizados para fabricação de cunhas com comprimento de 7 cm e espessura variável. A fusão foi realizada em forno centrífuga, cadinho de aço e em atmosfera inerte de Argônio. O vazamento ocorreu a aproximadamente 700 o C, com rotação de 400rpm em molde de cobre. Foi realizada análise estrutural por difração de raios-x (DRX) em difratômetro marca Siemens, modelo D5005 utilizando radiação Cu-Kα (α = 1,5418Å) e por microscopia eletrônica de varredura (MEV). Foram realizadas análises químicas por espectroscopia por energia dispersiva (EDS) para verificar a homogeneidade de composição e investigar possíveis intermetálicos e eutéticos. RESULTADOS E DISCUSSÃO O mapa λ mim,como mencionado anteriormente fornece um ranqueamento da tendência de formação de amorfo, de forma que quanto maior for λxδ maior a capacidade de amorfização. Todas as composições que foram elaboradas neste trabalho se encontram em regiões com alta possibilidade de formação de amorfo. A figura 1 apresenta o mapa λ mim e destaca as ligas fabricadas. 6412
Figura 1 Mapa λ min do sistema Mg-Zn-Ca e indicação das ligas a elaboradas. Os difratogramas de raios-x realizados na face das cunhas produzidas são reproduzidos na figura 2. Mg Mg 4 Zn 7 intensidade (u.a.) CaMg 2 Não Identificada Intensidade (u.a.) intensidade (u.a.) 20 30 40 50 60 70 80 90 (a) 2θ Mg MgZn 2 Não Indetificado intensidade (u.a.) 20 30 40 50 60 70 80 90 2θ (b) Mg Não Identificada 20 30 40 50 60 70 80 90 20 30 40 50 60 70 80 90 2θ (c) (d) Figura 2 Difratogramas de raio-x das amostras elaboradas em forma de cunha 2θ (a)mg 65 Zn 13 Ca 22, (b)mg 67 Zn 28 Ca 5, (c)mg 62 Zn 35 Ca 3, (d)mg 75 Zn 20 Ca 5 6413
Os difratogramas apresentam informações a respeito das estruturas e mostram que a composição correspondente a liga comercial (Mg 67 Zn 28 Ca 5 ) se encontra no estado amorfo. As outras composições exibem picos referentes a fases cristalinas, sendo o magnésio metálico uma fase unânime, também é constatada a presença de outras fases como: Mg 4 Zn 7, CaMg 2 e MgZn 2, e fases não identificadas. O mapa λ mim tem se mostrado eficiente quando aplicado a diversos sistemas, como a base de Al, Ni, Ti (19,20,21,22), o que torna interessante o estudo deste em outros sistemas como Mg-Zn-Ca, no entanto, como explicado anteriormente, é imprescindível a coleta de todas as informações possíveis a respeito do sistema, principalmente fases intermetálicas, para obtenção de um mapa com o máximo de confiança. As análises químicas por espectroscopia de energia dispersiva (EDS) realizadas tiveram o intuito de contribuir para essa ampliação. A tabela 3 mostra as analises químicas realizadas nas regiões indicadas na figura 3. A B B A C (a) (b) Figura 3 Microscopias eletrônicas com indicação das regiões analisadas quimicamente (a) A3 - Mg 62 Zn 35 Ca 3 (b) A4 - Mg 75 Zn 20 Ca 5 Tabela 1: Análises químicas referentes aos pontos e regiões indicados na figura 3 Elemento A3 - Mg 62 Zn 35 Ca 3 A4 - Mg 75 Zn 20 Ca 5 Não Considerando considerando Oxigênio oxigênio Considerando oxigênio Não considerando Oxigênio A B A B A B C A B C Mg 52,3 14,2 57,9 52,2 71,9 56,9 56,5 84,8 60,1 62,3 Zn 35,0 12,2 38,8 44,8 11,0 28,6 26,4 13,0 30,3 29,1 Ca 2,90 0,80 3,30 3,00 1,90 9,10 7,80 2,20 9,60 8,60 O 9,80 72,9 - - 15,2 5,40 9,30 - - - 6414
São obervadas algumas fases diferentes das reportadas pela literatura (16,18), que poderão ser futuramente utilizadas para o refino do mapa. E também é obervado o teor de oxigênio alto que pode estar ligado ao processamento, devido a alta reatividade dos elementos Mg e Ca. Também foi analisada quimicamente uma região com estrutura eutética, para verificar se correspondia a algum eutético reportado na literatura. O conhecimento de composições eutéticas é essencial visto que há evidências de que quanto mais estreito o intervalo de solidificação maior a facilidade de obtenção de amorfo. A composição eutética encontrada quando comparada as informaçãoes da literatura, que reporta seis eutéticos, se assemelha a Mg 68 Zn 30 Ca 2. CONCLUSÕES Conclui-se que o estudo de ligas amorfas no sistema Mg-Zn-Ca tem relevância tanto do ponto científico como tecnológico, em uma área de grande interesse para a sociedade. Atenta-se também que a coleta de informações acerca do sistema Mg- Zn- Ca é imprescindível para o refinamento do mapa λ min. Além disso, é possível observar que as ligas do sistema Mg-Zn-Ca necessitam de um processamento extremamente cuidadoso devido a alta reatividade dos elementos que o compõem. AGRADECIMENTOS Agradecemos o auxílio da CNPq pela bolsa de mestrado, processo: 132203/2010-3. REFERENCIAS 1. T.S.HIN, Engineering Materials for Biomedical Applications World Scientific Publishing Co. Pte. Ltd. 2004 cap 1 pp 1-15 2. E. MA, The glass window of opportunities Nature Materials 2009 volume 8 3. P.M. JARDIM, Precipitate Crystal Structure Determination in Melt Spun MgZnCa alloys Microscopy and Microanalysis 2002 - pp 4. Z. YANG, Review on research and development of magnesium alloys Acta Metallurgica Snica 2008 - pp 5. Q.F. LI, Microstructure and mechanical properties of bulk Mg Zn Ca amorphous alloys and amorphous matrix composites- Materials Science and Engineering A 2008 - pp 6. S. ZHANG, Research on an Mg Zn alloy as a degradable biomaterial- Acta Biomaterials 2010 - pp 6415
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Mg AMORPHOUS ALLOYS FOR BIODEGRADABLE IMPLANTS The use of implants made from amorphous alloys magnesium-based with additions of zinc and calcium are promising. Properties such as biocompatibility, low density, high mechanical strength, low modulus (as compared to alloys such as stainless steel and titanium), corrosion resistance and wear resistance make it attractive for use in implants. Moreover, the by-products of corrosion and wear are not toxic and may contribute to fixation. Aiming to understand the tendency of this amorphous ternary (Mg-Zn-Ca) and expand the information about this system, this work involved the use of the topological criterion of instability (λ) and the criterion of electronegativity (Δe) to the choice of compositions. The alloys were processed into wedge-shaped and analyzed structurally and in X-ray diffraction and scanning electron microscopy. Key-words: magnesium alloys, amorphous alloys, glass forming ability 6417