PRESERVAÇÃO DOCUMENTAL E ACESSO À INFORMAÇÃO: O NÚCLEO DE PESQUISA PRÓ-MEMÓRIA SÃO JOSÉ DOS CAMPOS/SP HENRIQUE DE PAIVA* ORIENTAÇÃO: PROF.ª.DRª. MARIA APARECIDA PAPALI Introdução Este artigo tem como objetivo apresentar o Núcleo de Pesquisa Pró-Memória de São José dos Campos, interior do Estado de São Paulo, bem como descrever suas práticas metodológicas de modo a evidenciar a importância deste núcleo para a preservação documental e democratização das informações que se constituem parte da memória da cidade joseense. Criado através do Decreto Legislativo Nº 32 de 30 de setembro de 2003, e com atuação a partir do ano de 2004, o Pró-Memória é resultado da parceria firmada entre a Câmara Municipal de São José dos Campos, a Fundação Valeparaibana de Ensino (FVE), mantenedora da Universidade do Vale do Paraíba (UNIVAP), e a Fundação Cultural Cassiano Ricardo (FCCR), através do Arquivo Público do Município. O Núcleo localiza-se no espaço da UNIVAP campus Urbanova, em seu Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento (IP&D), no qual encontra-se o Laboratório de Pesquisa e Documentação Histórica. Neste laboratório, abriga-se tanto o Núcleo Pró-Memória como também estudantes bolsistas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) e dos cursos de mestrado e doutorado em Planejamento Urbano e Regional (PLUR) oferecidos pela universidade. As responsáveis pela orientação e representatividade das produções relativas ao Laboratório são as professoras Dr a Maria Aparecida Chaves Ribeiro Papali e Dr a Valéria Regina Zanetti, que, com distintos projetos e trabalhos, elencaram elementos do cotidiano da cidade contribuindo para o levantamento da memória do município. De acordo com o artigo 1º do referido decreto, os objetivos do núcleo consistem em: * Graduando em História pela Universidade do Vale do Paraíba (UNIVAP). Projeto FAPESP 2016/12570-4
2 I. Resgatar, consolidar e preservar a história do Município de São José dos Campos; II. Manter arquivado metodologicamente e atualizados os dados coletados de forma a permitir o livre acesso aos mesmos; III. Firmar convênios não onerosos com entidades públicas e privadas visando a coordenação, metodologia e execução dos programas necessários; IV. Desenvolver iniciativas visando motivar a participação da comunidade no fornecimento de informações históricas relativas às pesquisas. No dia 06 de Junho de 2018, o convênio firmado entre estas três importantes instituições da cidade foi renovado por mais sessenta meses, e, durante esse novo período, o núcleo deve responder por novas demandas de pesquisa tais como o levantamento das biografias de personalidades que dão nome às ruas do centro da cidade. Com quatorze (14) anos de atuação, a cidade de São José dos Campos, através do Pró- Memória, é pioneira na área de patrimônio documental uma vez que há mais de uma década vem realizando uma atividade que hoje em dia está bastante em voga, que é o acesso à informação, disponibilizando o seu acervo digital e físico para munícipes e pesquisadores interessados. Metodologia do Laboratório O Pró-Memória é um núcleo de pesquisa e preservação documental que tem como especificidade ser resultado de uma parceria entre instituições de órgão público e uma universidade comunitária sem fins lucrativos. Além disso, o corpo de estagiários do laboratório é composto por estudantes de História da UNIVAP, remunerados pela Câmara Municipal de São José dos Campos.
3 Respectivamente: Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento da UNIVAP (IP&D); Universidade do Vale do Paraíba (UNIVAP); Fundação Cultural Cassiano Ricardo (FCCR) e Câmara Municipal de São José dos Campos/SP. Fonte: página oficial do Pró-Memória. Acesso: 12 de Julho de 2018. Essa parceria possibilita o cumprimento do artigo 5º inciso XXXIII da Constituição brasileira de 1988, no qual diz que todos os cidadãos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, e, já no artigo 216º, que a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitam é de responsabilidade da administração pública (BRASIL, 1988). A lei Nº 12.527 de 18 de novembro de 2011, conhecida como Lei de Acesso à Informação, reforça a Constituição ao afirmar que é dever do Estado garantir o direito de acesso à informação, que será franqueada, mediante procedimentos objetivos e ágeis, de forma transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão (LEI Nº 12.537/2011 Artigo 5º). Além da importância da preservação da documentação pública, e a divulgação das mesmas, o Pró-Memória também é essencial para a própria formação acadêmica de seus estagiários, uma vez que possibilita o contato direto com documentos considerados fontes primárias para a pesquisa e produção de artigos científicos. O serviço realizado pelos estagiários do núcleo se refere aos procedimentos de higienização e digitalização documental, catalogação do acervo, edição das imagens geradas e a divulgação das mesmas, através da página virtual da Câmara Municipal de São José dos Campos, em sua área intitulada Pró-Memória o maior acervo digital sobre a história da cidade.
4 Página virtual do Núcleo de Pesquisa São José dos Campos/SP. Fonte: página oficial do Pró- Memória. Acesso: 12 de Julho de 2018. A metodologia descrita acima é aplicada a uma gama de itens que propiciam o estudo sobre o passado da cidade e da região do Vale do Paraíba paulista. O maior volume de documentos trabalhados e analisados pelo Pró-Memória são do Poder Judiciário, do 1º e 2º Cartório de Registro Civil de São José dos Campos, datados dos séculos XIX e XX. Contém uma quantidade significativa de informações acerca do funcionamento do poder público, de suas instituições e do cotidiano da cidade joseense do passado. A importância dos arquivos do Poder Judiciário para a pesquisa histórica, como mostra-nos o historiador Carlos Bacellar na coletânea Fontes Históricas (2011), é bastante evidente e contem informações dos mais variados temas que podem ser trabalhados pelo pesquisador. Trata-se de um tipo de documentação bastante rica em inventários, testamentos, processos crime e cíveis que possibilitam, dentre outras coisas, o conhecimento sobre os modos de vida e de pensamento de sociedades passadas, ou mesmo a compreensão de permanências na contemporaneidade da cidade de São José dos Campos, e sua transformação ao longo do tempo. Diversos são os trabalhos que se utilizam primordialmente da documentação judiciária. Boris Fausto, em Crime e cotidiano, traça um impressionante perfil da criminalidade em São Paulo utilizando como fonte de pesquisa os
5 processos do Tribunal de Justiça. Marcia Motta, em Nas fronteiras do poder, se vale dos processos de embargo para interpretar os litígios de terra no sudeste cafeeiro (BACELLAR, 2011: 37-38). Outras formas de publicações salvaguardadas pelo Núcleo Pró-Memória são livros, jornais antigos da região e mesmo de outras localidades, revistas regionais, nacionais e estrangeiras, almanaques e álbuns sobre a cidade de São José, álbuns de fotografia e acervo iconográfico digital, trabalhos de conclusão de curso, dissertações de mestrado e teses de doutorado, entre outros materiais. Essa gama de materiais cria a possibilidade da análise do contraste do passado com o presente. Estagiários do Pró-Memória durante o procedimento de higienização documental. Fotógrafo: Guilherme Escobar (2018). Antes do processo de digitalização documental e a divulgação do material, os estagiários do laboratório iniciam o procedimento de higienização do acervo, com a principal finalidade de retirar ao máximo sujidades encontradas nos documentos, tais como poeiras, fungos, dejetos de insetos, grampos, clipes, adesivos entre outros, que são uma das principais causas de deterioração destes materiais. Ao longo do tempo, arquivos ou mesmo bibliotecas transformam-se em verdadeiros depósitos de poeiras e outras sujidades, de modo que se faz necessário, tanto para a vida útil dos materiais quanto para a própria preservação da saúde dos que o manuseiam, a higienização destes materiais que se encontram sob custódia nestas instituições.
6 Em seguida, ocorre o processo de conversão dos documentos arquivísticos e bibliotecários em formato digital a digitalização documental. Trata-se de um procedimento bastante importante porque facilita o acesso e a difusão do acervo para munícipes e pesquisadores interessados. Além disso, o processo de digitalização do acervo também favorece a própria preservação física e estética dos materiais sob custódia, uma vez que restringe o manuseio aos originais e diminui os riscos inerentes ao seu contato direto. Estagiária do Pró-Memória no processo de digitalização documental. Fotógrafo: Guilherme Escobar (2018). É recomendável que durante o procedimento de digitalização, não se deixe de capturar a imagem digital dos documentos desde a sua capa e contracapa, bem como páginas sem impressão na sua frente e no seu verso, visando realizar a captura digital do modo mais próximo possível do original. No entanto, é importante lembrar que o produto dessa conversão não será igual ao original e, desse modo, não substitui o documento originário que deve ser preservado e guardado na instituição adequada. Após todo este procedimento, as imagens geradas dos documentos que passam pela digitalização são trabalhadas e editadas pelos estagiários através do software Adobe Photoshop Lightroom, permitindo a adequação dos formatos digitais para o melhor compartilhamento das imagens.
7 Todo esse material digitalizado é armazenado no laboratório através do hardware Storage em Rede do tipo NAS (Network Attached Storage), e divulgado no site da Câmara da cidade no espaço reservado para o Pró-Memória, tornando possível, dessa forma, o acesso a estas imagens e a sua utilização para pesquisa e produção acadêmica. Produção acadêmica O Pró-Memória, ao longo dos anos, realizou e publicou importantes estudos acerca da história do município de São José dos Campos, que, até então, contava somente com as obras produzidas por memorialistas que aqui viveram e escreveram sobre o passado desta cidade do interior paulista. Ao todo, foram oito livros produzidos pelo Núcleo Pró-Memória e todos eles contaram com a participação e contribuição de estagiários do laboratório para a compreensão do processo de desenvolvimento do município. Infelizmente, a maioria dos cursos de graduação em História no país prefere focar nas importantes discussões historiográficas de modo a deixar de lado o trabalho direto com fontes primárias, como os textos manuscritos, fato este notado por diversos historiadores (COSTA, 2010; BACELLAR, 2011; TUCHMAN, 1995; MIRANDA, 2012). A possibilidade de o graduando entrar em contato direto com a fonte primária é concretizada através do trabalho realizado pelos estagiários no Núcleo de Pesquisa Pró-Memória, seja por meio de todo processo descrito higienização, digitalização, edição e divulgação do acervo - seja pela leitura documental e transcrição paleográfica no momento de sua análise. Esta convivência diária com documentos, jornais e almanaques dos séculos XIX e XX da cidade de São José dos Campos ou mesmo de outras regiões, propicia aos estudantes do Núcleo Pró-Memória uma formação essencial e o aproxima do ofício do historiador. O estagiário-pesquisador, ao entrar em contato com manuscritos e documentos de sociedades passadas, passa por um processo de adaptação à ortografia e à gramática do documento que se tem em mãos.
8 Alguns dos livros da coleção São José dos Campos História e Cidade (UNIVAP). Fonte: página oficial do Pró-Memória. Acesso: 12 de Julho de 2018. Após a leitura documental e a transcrição paleográfica, a produção de artigos por parte dos estagiários que se utilizam destas fontes primárias vem acompanhada de certas precauções que se constituem como parte fundamental da produção historiográfica. O fato é que nenhum documento é neutro, pois carrega consigo opiniões, valores, visões de mundo, preconceitos da pessoa ou do órgão que as produziu. Portanto, a contextualização do manuscrito é essencial, assim como sua problematização (BACELLAR, 2011: p. 63). Para o ano de 2019, está prevista a publicação de mais uma importante obra do Pró-Memória que pretende suprir a falta de estudos sobre o município no período logo após a abolição da escravidão em 1888. Com o título provisório de Escravidão e pós-abolição no Vale do Paraíba paulista, este estudo também conta com a participação de estagiários do Pró- Memória de São José dos Campos. Considerações Finais O Núcleo de Pesquisa Pró-Memória São José dos Campos, atuando no município ao longo de quatorze anos, representa um marco para esta cidade na preservação de documentos e pesquisas que contam sua história, e na divulgação dos mesmos para munícipes e pesquisadores. Além disso, a cidade joseense vem cumprindo o que a própria constituição brasileira e a lei de acesso à informação declaram. Trata-se, por outro lado, de um espaço bastante instigante para
9 qualquer aluno de graduação ao poder trabalhar com documentos antigos e contribuir para a preservação da memória joseense. Como estagiário do Pró-Memória, estudante do curso de História, penso que ainda existe um longo caminho para o aperfeiçoamento deste núcleo em diversas áreas, mas com a compreensão da importância de sua atuação e contribuição já demonstrada para a cidade de São José dos Campos. Por este motivo, o presente artigo procura contribuir para a consolidação do Pró-Memória como espaço de pesquisa e democratização da informação. Referências Bibliográficas BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/consti/1988/constituicao-1988-5-outubro-1988-322142- publicacaooriginal-1-pl.html Acesso: 16 jul. 2018. BRASIL. Lei nº 12. 527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do 3º do art. 37 e no 2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei no 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei no 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 18 dez. 2011c. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm>. Acesso em: 16 jul. 2018. BACELLAR, Carlos. Uso e mau uso dos arquivos. In: PINSKY, Carla Bassanezi. Fontes históricas. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2011. p. 23-79. CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS. Com exposição de fotos antigas, convênio do Pró-Memória é renovado. Disponível em: http://www.camarasjc.sp.gov.br/noticias/6223/comexposicao-de-fotos-antigas-convenio-do-pro-memoria-e-renovado-na-camara. Acesso: 16 jul. 2018. COSTA, Ricardo da. O ofício do historiador. Revista International Studies on Law and Education, 5 jan-jun. 2010 CEMOrOc-Feusp / IJI-Univ. do Porto.
10 MIRANDA, Marcia Eckert. Os arquivos e o ofício do historiador. In: XI Encontro Estadual de História ANPHU RS, 23 a 27 de julho de 2012. Universidade Federal do Rio Grande (FURG) Rio Grande do Sul RS Brasil. PAIVA, Henrique de; BONDEZAN, Pedro Henrique Rangel. Arquivos e acervos: Núcleo de Pesquisa Pró-Memória São José dos Campos/SP. 2018. 85 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação)- Universidade do Vale do Paraíba, São José dos Campos, 2018. Disponível em: http://www.camarasjc.sp.gov.br/promemoria/wp-content/uploads/2018/07/arquivos-e-acervos_- N%C3%BAcleo-de-Pesquisa-Pr%C3%B3-Mem%C3%B3ria-S%C3%A3o-Jos%C3%A9-dos- Campos_SP.pdf. Acesso: 16 jul. 2018. SÃO JOSÉ DOS CAMPOS/SP. Decreto Legislativo Nº 32 de 30 de setembro de 2003 (Dispõe sobre a criação do Projeto Pró-Memória na Câmara Municipal). São José dos Campos: Câmara Municipal, 2003. TUCHMAN, Barbara Wertheim. A prática da história. 2. ed. Rio de Janeiro/José Olympio: Biblioteca do Exército Ed., 1995.