NOS ESCRITOS DE CAROLINA: A VOZ E A VEZ DA MULHER NEGRA E DE PERIFERIA NA ESCOLA

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Transcrição:

NOS ESCRITOS DE CAROLINA: A VOZ E A VEZ DA MULHER NEGRA E DE PERIFERIA NA ESCOLA Introdução Raquel Borges Salvador 1 Esse trabalho aborda relato de experiência sobre um projeto de literatura desenvolvido na Sala de Leitura 2 de uma escola municipal da cidade de Juiz de Fora/MG. O tema foi a escritora Carolina Maria de Jesus, mulher negra, semialfabetizada e de periferia, que conheceu a fome, a pobreza e a violência ao viver com seus filhos na Favela do Canindé, em São Paulo, nos anos 1950 e 1960. Ao protagonizar Carolina e sua obra, compreender questões concernentes a tríade gênero, raça/etnia e classe foi objetivo geral desse trabalho. Nessa Sala de Leitura, locus do desenvolvimento do projeto, não havia nenhuma obra da escritora, e poucas de outras autoras negras, verificado em levantamento 3 do acervo. Escritoras mulheres negras são minoria nesse espaço, em relação a autores homens brancos. Nesse sentido, é preciso considerar Scott ao definir gênero como...elemento constitutivo das relações sociais, pautado nas diferenças entre homens e mulheres, e que dá sentidos as relações de poder (SCOTT,1995, p.86). Tais diferenças estabelecem uma hierarquização entre mulheres e homens que, historicamente, deixou as primeiras mais invisibilizadas nos contextos sociais, políticos e culturais. Essas hierarquizações se tornam mais profundas e mais opressoras, à medida que as categorias sociais se interseccionalizam. A interseccionalidade é apontada por Crenshaw...como uma conceituação do problema que busca capturar as consequências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos de subordinação (CRENSHAW, 2002, p. 177). Assim, o cruzamento do racismo, o patriarcalismo e a opressão de classe criam desigualdades que impactam grupos 1 Mestra em Educação pela Universidade Federal de Juiz de Fora/UFJF Pedagoga formada pela Universidade Federal de Juiz de Fora/UFJF Professora de Educação Básica da Rede Municipal de Ensino de Juiz de Fora/MG - Email: kelborgessalvador2@gmail.com 2 A Biblioteca Escolar aqui recebe a denominação de Sala de Leitura devido fato de que as profissionais que atuam em seu interior são professoras, e não bibliotecárias. A organização do acervo e livros didáticos ficam por conta dessas educadoras, mas a função primordial dessas profissionais é o trabalho com a leitura, a contação de histórias e desenvolvimento de projetos pedagógicos com todas as turmas da escola. 3 Tal levantamento foi realizado a partir da consulta e pesquisa no livro de cadastros e registros das obras que compõem o acervo da Sala de Leitura/Biblioteca Escolar aonde foi desenvolvido o projeto.

não hegemônicos. Crenshaw assevera que sexismo e racismo não são sofridos da mesma maneira por sujeitos diferentes, pertencentes a uma mesma categoria. Afirmação que conflui nas abordagens de Davis sobre a escravatura, e no tratamento desigual entre as mulheres negras e brancas, pois Embora as mulheres negras usufruíssem de poucos dos dúbios benefícios da ideologia da condição das mulheres, é algumas vezes assumido que a típica mulher escrava era serva de casa- cozinheira, criada ou mãe das crianças da casa grande. (DAVIS, 1981, P. 10) É pertinente concluir que mulheres negras sempre sofreram maior opressão, e Carolina Maria de Jesus é um exemplo, pois...pertenceu a um meio que a excluiu por ser letrada e apreciar as artes; e, ao mesmo tempo, não se encaixava na sociedade erudita pela sua história de vida, raça e audácia (TOLEDO, 2010, p. 249). A escritora, além de ser mulher, é negra e de periferia, elementos que, ao se interseccionalizarem, acentuam ainda mais as desigualdades. Desenvolvimento do projeto: a voz e a vez de Carolina Esse projeto literário envolveu turmas de 6ºs anos do Ensino Fundamental, no segundo semestre do ano de 2017, as quartas feiras do mês de outubro, com módulos de 50 minutos. No primeiro encontro, as turmas foram apresentadas a um poema da escritora, intitulado [Muitas fugiam ao me ver], no qual Carolina expressa seus sentimentos como catadora de papéis. Esse poema foi entregue em uma folha, não identificando a autora, pois a intenção era fazer leitura, interpretações e debates, bem como instigar comentários. O que sentiram naqueles escritos? Era de autoria de uma mulher ou um homem? Como seria essa poetisa ou poeta? Tais indagações fizeram parte do processo de reflexão. Cabe ressaltar que a maioria das meninas dessas turmas alegou que a autora era uma mulher, e argumentaram que poderia também ser uma pessoa negra, pois tal escrito4 expõe angústias sobre preconceito racial. Essas percepções foram fundamentais, possibilitando observar como muitas crianças negras se percebem no contexto ao qual estão inseridas, e como a escola deve ser seara de ações para a representatividade, pois A identidade da criança negra está em processo de construção e se constitui nas interações sociais, por isso, é 4 [...]Se eu extinguir quero renascer Num país que predomina o preto [...] Trecho do poema [Muitas fugiam ao me ver], de Carolina Maria de Jesus.

fundamental que ela encontre na escola elementos significativo referente à sua etnia, proporcionando a percepção de sua autoestima. (SOUZA, LOPES, SANTOS, 2007, p. 4) Ao término das discussões sobre o poema, foi entregue as turmas um texto com foto e biografia de Carolina, reiniciando o debate, que incluiu questões de gênero, raça, classe, visto que Carolina expunha as feridas da pobreza, do racismo e da fome. Cabe ressaltar que, a maioria de estudantes e docentes não conhecia a escritora. No segundo encontro, o livro Quarto de despejo: diário de uma favelada, foi apresentado. Nele a escritora analisa o cenário político, econômico e social de sua época. Foram extraídos trechos do livro, relatos reais da autora, contextualizados ao que estava registrado no poema. No terceiro encontro, cada estudante recebeu orientação para relatar por escrito o que sentiu sobre Carolina, ressaltando sua obra como resistência, reconhecida mundialmente e uma voz que se levantou em um cenário de silenciamentos aos grupos excluídos. Considerações nada finais Ao apresentar Carolina em um projeto de leitura, concluiu-se que essa proposta pretende uma continuidade e expansão no decorrer dos anos subsequentes, partindo do princípio de que expor seus escritos é mote para desconstrução de variadas formas de racismo e machismo na escola. Com o objetivo de compreender como o gênero, a raça e a classe são fatores que culturalmente, visibilizam determinados grupos e apagam outros, o projeto buscou mostrar essas vozes silenciadas, a saber, as mulheres negras na literatura, protagonizando-as como sujeitos de representatividade e empoderamento. Portanto, a obra de Carolina foi trabalhada como uma importante ferramenta de contestação e resistência, pois apresentar uma escritora que foge ao padrão hegemônico, branco, masculino, de elite, é trilhar um caminho para uma educação não excludente, não racista, não machista, não desigual. Referências CRENSHAW, Kimberlé. Documento para o encontro de especialistas em aspectos de discriminação racial relativos ao gênero. Estudos Feministas, Florianópolis, UFSC, p. 171-188, 2002. Disponível em: <www.scielo.br/pdf>. Acesso em 06 out. de 2015. DAVIS, Ângela. Mulheres, Raça e Classe. São Paulo: Boitempo, 2016.

SCOTT, Joan Wallach. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade. Porto Alegre, vol.20, n. 2, pp.77-99, 1995. SOUZA, Sephora Santana; LOPES, Tarcília Melo; SANTOS, Fabianne Gomes da Silva. Infâncias Negras: a representação da figura do negro no início da construção de sua identidade. In. III Jornada Internacional de Políticas Públicas, 2007. São Luís. Anais...São Luís: UFMA. Disponível em www.joinpp.ufma.br. Acesso em 30/04/2018. TOLEDO, Christiane Vieira Soares. Carolina Maria de Jesus: a escrita em si. Letrônica, Porto Alegre v.3, n.1, p.248, jul. 2010. revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/letronica/article. Acesso em 30/04/2018.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE - FURG Catalogação na Publicação: Bibliotecária Simone Godinho Maisonave CRB -10/1733 S471a Seminário Corpo, Gênero e Sexualidade (7. : 2018 : Rio Grande, RS) Anais eletrônicos do VII Seminário Corpo, Gênero e Sexualidade, do III Seminário Internacional Corpo, Gênero e Sexualidade e do III Luso-Brasileiro Educação em Sexualidade, Gênero, Saúde e Sustentabilidade [recurso eletrônico] / organizadoras, Paula Regina Costa Ribeiro... [et al.] Rio Grande : Ed. da FURG, 2018. PDF Disponível em: http://www.7seminario.furg.br/ http://www.seminariocorpogenerosexualidade.furg.br/ ISBN:978-85-7566-547-3 1. Educação sexual - Seminário 2. Corpo. 3. Gênero 4. Sexualidade I. Ribeiro, Paula Regina Costa, org. [et al.] II. Título III. Título: III Seminário Internacional Corpo, Gênero e Sexualidade. IV.Título: III Luso-Brasileiro Educação em Sexualidade, Gênero, Saúde e Sustentabilidade. CDU 37:613.88 Capa e Projeto Gráfico: Thomas de Aguiar de Oliveira Diagramação: Thomas de Aguiar de Oliveira