RESENHA: Avanços no tratamento do Câncer de Próstata Metastático Resistente à Castração, com base no artigo: Abiraterone acetate for treatment of metastatic castration-resistant prostate cancer: final overall survival analysis of the COU-AA-301 randomised, double-blind, placebo-controlled phase 3 study Karim Fizazi, Howard I Scher, Arturo Molina, Christopher J Logothetis, Kim N Chi, Robert J Jones, John N Staffurth, Scott North, Nicholas J Vogelzang, Fred Saad, Paul Mainwaring, Stephen Harland, Oscar B Goodman, Cora N Sternberg, Jin Hui Li, Thian Kheoh, Christopher M Haqq, Johann S de Bono, for the COU- AA-301 Investigators The Lancet Oncology, Volume 13, Issue 10, Pages 983-992, October 2012 Os avanços obtidos nos últimos dois anos em relação ao tratamento do câncer de próstata metastático foram de extrema relevância, gerando ganho em sobrevida e conseqüente redução significativa do risco de morte. A primeira demonstração da efetividade da castração no tratamento do câncer de próstata avançado ocorreu há cerca de 70 anos. Desde então, a busca por alvos hormonais tem sido realizada, com objetivo de reduzir a síntese hormonal ou de bloquear os receptores androgênicos. A estratégia do bloqueio hormonal via central, com uso dos agonistas LHRH, e via periférica, com a castração cirúrgica e uso dos anti-androgênicos, é temporária. Todos os homens com neoplasia metastática de próstata desenvolverão resistência a estas terapêuticas. Até 2010, a única droga com comprovação do aumento de sobrevida após a confirmação de hormônio-refratariedade era o docetaxel, mas seu uso não possibilita ultrapassar a barreira dos 24 meses. Acreditava-se que a progressão após castração química ou cirúrgica estava totalmente relacionada à chamada hormônio-refratariedade ou hormônio insensibilidade do câncer de próstata avançado. Entretanto, diversos estudos demonstraram que vias de sinalização continuam ativas, mesmo após falha terapêutica do análogo LHRH. Tais descobertas motivaram pesquisas com intuito de descobrir novos alvos na via de sinalização androgênica, através do bloqueio os receptores androgênicos ou da redução da síntese de androgênios. Em 2010 duas novas estratégias terapêuticas foram aprovadas pelo FDA para pacientes com câncer de próstata resistente à castração: sipuleucel-t e carbazitaxel. A primeira aprovada como primeira linha de tratamento para pacientes assintomáticos ou
minimamente sintomáticos. Já o carbazitaxel aprovado no contexto de segunda linha após falha do docetaxel. A abiraterona foi aprovada em 2011, baseada nos resultados preliminares do estudo COU-AA-301, para uso em segunda linha após falha do docetaxel. Os resultados preliminares do estudo comprovaram redução de 35,4% no risco de morte comparado ao grupo controle. SV mediana de 14,8m x 10,9m (p< 0,0001). Em agosto de 2010, com base em dados preliminares de SVG, este estudo foi aberto e recomendado cross over para aqueles pacientes incluídos no grupo placebo que preenchessem critério para uso da abiraterona. A abiraterona é um anti-androgênico que atua na inibição seletiva e irreversível da enzima CYP17, responsável pela síntese de androgênios na adrenal e intratumoral, a partir do precursor pregnenolona. A inibição seletiva da CYP17, poupando inibição das enzimas CYP11B1 e CYP11B2, minimiza os efeitos adversos relacionados à redução de síntese de glicocorticóides e mineralocorticóides. Entretanto, a CYP17 também gera impacto na produção de glicocorticóides, reduzindo produção do cortisol e gerando aumento do ACTH com conseqüente elevação da produção de mineralocorticóides. Por isso seus principais efeitos adversos são hipertensão, hipocalemia e edema. A administração concomitante de corticóide pode minimizar tais efeitos adversos. O estudo que discuto hoje descreve a análise final, antes do cross over, com 20.2 meses, quando 775 mortes haviam ocorrido. O COU-AA-301 é um estudo de fase III, multicêntrico, randomizado, duplo cego placebo controlado. Incluídos 1195 pacientes de 147 centros de 13 países, entre 8 de maio de 2008 e 28 de julho de 2009. Os critérios de inclusão foram câncer de próstata metastático refratário à castração, submetidos previamente a quimioterapia com docetaxel e no máximo mais um esquema de quimioterapia anterior. Progressão comprovada por elevação do PSA ou imagem com progressão em ossos ou partes moles independente do marcador. ECOG 0-2; Foram excluídos pacientes com histologia neuroendócrina e uso prévio de cetoconazol. A randomização foi 2:1 e ocorreu estratificação para posterior análise multivariada seguindo os seguintes fatores: PS 0-1 x 2; graduação de dor, um x dois regimes de quimioterapia prévios, progressão radiológica x PSA. Os grupos de tratamentos instituídos foram: abiraterona 1000mg/dia VO + prednisona 5mg duas vezes ao dia x placebo + prednisona.
O estudo foi positivo em sua análise final, comprovando o beneficio em relação ao seu objetivo primário de Sobrevida Global (SVG mediana 15,8 x 11,2m - HR 0,74 p< 0,0001), assim como em relação aos objetivos secundários (redução do PSA em 50% ou mais confirmado em 4 semanas; tempo para progressão do PSA; SV livre de progressão radiologica - RECIST ou CO confirmados em 6 semanas). Os grupos foram bem balanceados, cerca de 70% submetidos apenas a uma linha de quimioterapia, com docetaxel prévio, cerca de 90% com PS 0-1, cerca de 90% com meta óssea. Na analise dos fatores de estratificação, dois subgrupos não revelaram diferença significativa em relação ao placebo: pacientes com uso de docetaxel por menos de 3 meses, mais de um regime de quimioterapia prévio, doença visceral à entrada no estudo, fosfatase alcalina normal e pacientes com PS 2 - talvez pelo N pequeno ou mesmo por se tratar de pacientes de pior prognóstico e maior volume tumoral. Os subgrupos de maior beneficio foram: PS0-1, ausência de dor, 1 regime de quimioterapia prévio, progressão exclusiva pelo marcador. Eventos adversos graus 3 e 4 foram similares em ambos os subgrupos. Eventos associados aos efeitos mineralocorticoides da abiraterona foram maiores no grupo do tratamento: edema graus 1 e 2, hipocalemia e desordens cardiacas (taquicardia e FA). Mortes por eventos adversos foram similares em ambos os grupos. A conclusão desta avaliação final do estudo foi a confirmação da eficácia e segurança da abiraterona associada a prednisona para pacientes resistentes à castração que receberam quimioterapia prévia com docetaxel exclusivo ou mais uma linha de quimioterapia prévia. Algumas questões ainda permanecem sem resposta em relação ao uso da abiraterona: a abiraterona deveria ser mantida após progressão para manutenção de bloqueio hormonal? O beneficio da abiraterona é reduzido pelo uso prévio de cetoconazol? Há mudança em sobrevida se utilizada antes da quimioterapia com docetaxel? Há como predizer resposta em algum subgrupo específico de paciente? Há beneficio em associar a abiraterona a outras estratégias de tratamento, seja quimioterapia ou até mesmo no contexto neoadjuvante concomitante ao análogo LHRH? Há beneficio em aumentar a dose da abiraterona diante da aquisição de resistência á medicação? Alguns destes questionamentos já estão sendo investigados em estudos em andamento. Há diversos estudos em fases I e II avaliando a associação da abiraterona a outras terapêuticas. Os
resultados referentes ao COU-AA-302 estudo fase III que avalia uso de abiraterona pré docetaxel são aguardados em breve. Desenvolvimento da resistência à abiraterona parece estar relacionado ao aumento de expressão da CYP17 intratumoral. Biomoarcadores preditores de resposta á abiraterona ainda precisam ser definidos, pois há pacientes que não apresentam resposta alguma com uso da droga. Apesar da evidente redução do risco de morte e do aumento de SVG, a sobrevida estimada aos dois anos parece semelhante entre os dois grupos. Os dados sugerem que o beneficio da abiraterona não tem duração prolongada para maioria dos pacientes. Outras drogas promissoras são as seguintes: Ortenorel: TAK-700 é uma segunda geração de inibidores da CYP17, com maior especificidade pela inibição da C17-20, poupando a inibição da 17alfahidroxilase e a necessidade conseqüente da reposição de corticóide. Há 2 estudos fase III em andamento, pré- QT e pós docetaxel. Ambos com administração concomitante do corticóide, o que não permitirá sua avaliação quanto á maior seletividade de inibição enzimática. Galeterone (TOK-001) é outro inibidor da CYP17 de segunda geração em estudo. Em andamento estudos fase I e II. Enzalutamida: liga-se ao receptor de androgênio antagonista exclusivo, sem efeito agonista associado, como por exemplo a bicalutamida. Estudos fase III AFFIRM uso pós docetaxel: beneficio em SV 18,4 x 13,6m p<0.0001; HR 0,631 para risco de morte. Estudo foi aberto após análise preliminar recente e aguarda-se aprovação breve da droga pelo FDA neste contexto. PREVAIL avaliação pré docetaxel: em fase de recrutamento, prevista até 2014. Grande vantagem sobre os inibidores da CYP17 é a ausência de necessidade do uso concomitante de corticosteróides. O seu uso no contexto da doença não metastática ou na recorrência bioquímica já está sendo estudado também. Certamente ainda não encontramos a estratégia ideal e tão desejada para transformar o câncer de próstata metastático e refratário á castração em uma doença de sobrevida muito longa e de qualidade. Mas o caminho está sendo traçado.a busca por alvos mais específicos e, sobretudo, a busca por marcadores preditivos de resposta para individualização da estratégia terapêutica diante de inúmeras opções que vêm surgindo
já tem sido iniciada e é fundamental para o exercício da prática médica oncológica de qualidade e responsável. Conforme discutido pelo Dr Luis Eugênio na última resenha apresentada, o cenário de opções terapêuticas passou de nenhuma droga com comprovado beneficio em sobrevida após falha do docetaxel a possibilidades terapêuticas que geram dúvidas em relação a qual esquema adotar neste contexto. Acredito ainda que muito em breve teremos dúvidas em relação inclusive ao uso do docetaxel em primeira linha para os pacientes resistentes á castração. Estas dúvidas são muito positivas e bem vindas, uma vez que se baseiam no surgimento de novas opções terapêuticas para uma doença de altas incidência e prevalência e de poucas opções terapêuticas disponíveis até 2 anos atrás. Entretanto, apesar de tantas opções recém-aprovadas para uso, o oncologista ainda não tem em suas mãos a liberdade de se utilizar deste arsenal terapêutico baseando-se nos elementos que deveria: comprovação de beneficio, toxicidade e individualização dos casos. Há uma barreira maior a ser atravessada, a barreira do custo e do acesso a tais medicamentos. Não apenas no Sistema Único de Saúde, mas também via financiamento de convênios de saúde, pois muitos ainda não aprovam liberação de drogas orais em nosso estado. O oncologista atual deve conhecer tanto de fatores comerciais, processos judiciais quanto conhece de oncologia clínica. Não oferecer o melhor tratamento disponível ao paciente que se encontra à sua frente não é aceitável. Mas a atuação médica deve ser pautada em atos responsáveis. Precisamos, sobretudo, de apoio dos órgãos governamentais para que não sejamos lesivos nem com o individuo `a nossa frente, nem a população como um todo.