COMPORTAMENTO DE BLINDAGEM DE POLICARBONATO: INFLUÊNCIA DA IRRADIAÇÃO GAMA a



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COMPORTAMENTO DE BLINDAGEM DE POLICARBONATO: INFLUÊNCIA DA IRRADIAÇÃO GAMA a Ricardo Pondé Weber a ; João Carlos Miguez Suarez b a Seção de Engenharia Mecânica e de Materiais Instituto Militar de Engenharia; Praça General Tibúrcio, 80, 22290-270, Rio de Janeiro/RJ, Brasil. ABSTRACT Most materials, especially polymers, can, after exposure to environmental agents, degrade by chemical and physical processes and have their performance modified. The rate of degradation, slow or fast, which depends on the kind of agent, will influence the useful lifetime of the material. The increased use of the polymers in ballistic armor and the insufficient information about the influence of environmental degradation on the dynamic behavior show the need of additional studies. In the present work, using exposition to gamma radiation to accelerate degradation, the mechanical and ballistic behavior of a transparent laminate armor manufactured with polycarbonate plates was studied. The results are presented and discussed. RESUMO A maioria dos materiais, especialmente os polímeros, podem degradar após exposição a agentes ambientais, por processos químicos e físicos e terem o seu desempenho modificado. A velocidade de degradação, lenta ou rápida, que depende do tipo de agente, irá influenciar a vida útil do material. O aumento do emprego de polímeros em blindagens balísticas e a pequena disponibilidade de informações sobre a influência da degradação ambiental no comportamento dinâmico dos polímeros mostram a necessidade da realização de estudos adicionais. No presente trabalho foi estudado o comportamento mecânico e balístico de uma blindagem laminada transparente produzida com placas de policarbonato (PC), empregando- -se a exposição à radiação gama como um meio acelerado de degradação. Os resultados são apresentados e discutidos. Keywords: ballistic armor; polycarbonate; gamma radiation INTRODUÇÃO As blindagens balísticas, flexíveis ou rígidas, podem ser classificadas como de uso pessoal ou veicular e, dependendo do material empregado na sua fabricação, em opacas e transparentes. A violência urbana nas grandes cidades do planeta tem es- 42 1 o Trimestre de 2011

timulado o uso de proteções balísticas, em especial as de uso pessoal. O desenvolvimento de novos materiais para emprego em proteções balísticas está relacionado com uma maior mobilidade do soldado o que tem levado ao emprego de compósitos de matriz polimérica (PMC s) nas blindagens devido a sua boa relação proteção/peso. A pesquisa de materiais para emprego em blindagens balísticas transparentes tem, como exigência adicional, uma boa transparência, desde que a proteção dos olhos, bem como da cabeça, é considerada crítica (Patel, 2000; Kelly, 2001; Claudé, 2001). O vidro, ao longo dos anos, tem permanecido como o principal material de blindagem transparente, mas os plásticos podem substituí-lo com sucesso devido à sua superior capacidade de absorção da energia no impacto balístico e aos melhores preços. O policarbonato (PC), devido a ótima transparência e alta tenacidade, tem sido empregado na produção de blindagens transparentes para emprego militar e civil, principalmente sob a forma de laminados (Young, 1986; Hill, 1990; Pakull, 1991; Araujo, 1998). Os polímeros podem degradar quando expostos à agentes ambientais, sol, chuva, radiações etc., por reações físicas e/ou químicas envolvendo cisão de cadeias no esqueleto do polímero. Esta cisão de cadeias produz, nos polímeros lineares, redução do peso molecular; todavia, caso ocorra reticulação, pode acontecer um aumento no peso molecular (Ramani, 2000; Miguez, 2002; Geretovsky, 2002). As blindagens produzidas com compósitos de matriz polimérica estão sendo, cada vez mais, utilizadas em ambientes onde estão expostas a um ou mais agentes ambientais. Não existem suficientes informações sobre a influência do ambiente no comportamento balístico destes materiais, de tal maneira que muito trabalho necessita, ainda, ser realizado. O objetivo do presente trabalho foi estabelecer uma metodologia simples para a previsão da influência dos agentes de envelhecimento no desempenho balístico de blindagens produzidas com PMC s. MÉTODOS EXPERIMENTAIS Foi investigada, antes e após irradiação gama ao ar, uma blindagem laminada transparente empregada como escudo de proteção pessoal em tumultos, projetada e produzida para atender as exigências de uma blindagem Classe I (NIJ 0108-01, 1981). O compósito, com espessura de 12,7mm, foi produzido com 3 placas quadradas de 300mm de lado de policarbonato de Bisfenol A, marca Lexan (General Eletric Co, Indiana, USA) unidas por moldação por compressão a 135 ºC e 55Pa usando-se filmes adesivos de poliuretano (PU). A Tabela 1 apresenta as características comerciais do PC Lexan ( Catalogo comercial GE, 1980). Resistência a tração (MPa) Tabela 1. Propriedades mecânicas comerciais do policarbonato Lexan Tensão de escoamento (MPa) Módulo de elasticidade (MPa) Alongamento na fratura (%) Energia de impacto Izod (J/m) 62 65 1585 95 854 O envelhecimento do compósito foi realizado por exposição à radiação gama em um equipamento de irradiação dotado de uma fonte de 137 Cs, em uma taxa de dose de 2kGy, ao ar e na temperatura ambiente. O material foi exposto a duas doses totais, 130kGy e 340kGy, que foram selecionadas considerando a redução de dureza observada no PC após exposição à radiação gama em uma dose de 200kGy (Seguchi, 2002). As propriedades mecânicas do laminado de PC, antes e após irradiação gama, 1 o Trimestre de 2011 43

foram avaliadas por meio de ensaios de dureza Rockwell, tração, flexão e impacto Charpy, utilizando-se, em cada ensaio, dois grupos de corpos de prova obtidos por usinagem mecânica, um transversal ao outro. O ensaio de dureza Rockwell foi realizado conforme a norma ASTM D785 (ASTM D785, 1998) em um durômetro marca Wolpert, modelo H71-A, usando-se a escala M (carga de 100kg e esfera de aço de 2,5 ). Para cada condição e direção foram feitas, pelo menos, 10 impressões em diferentes partes dos corpos de prova, determinando-se um valor médio de dureza. O ensaio de tração foi realizado em uma máquina universal de ensaios marca MTS modelo 810-22, de acordo com a norma ASTM D638 (ASTM D638, 2000), na velocidade de 5mm/min e na temperatura ambiente. Para cada condição e direção, foram ensaiados, pelo menos, 5 corpos de prova com dimensões de 165mm x 19mm x 12,7mm, determinando-se a resistência à tração. O ensaio de flexão em três pontos foi realizado em uma máquina universal de ensaios marca Emic modelo DL1000, segundo a norma ASTM D785 (ASTM D790, 2000), na velocidade de 5mm/min e na temperatura ambiente. Para cada condição e direção, foram ensaiados, pelo menos, 5 corpos de prova com dimensões de 160mm x 25mm x 12,7mm, determinando-se a resistência à flexão para 5% de deformação. O ensaio de impacto Charpy foi realizado em uma máquina convencional de impacto marca Panambra modelo PW 30, no sistema Wolpert, com escala máxima de 300J, de acordo com a norma ASTM D5942 (ASTM D5942, 2000). Para cada condição e direção, foram ensaiados, pelo menos, 10 corpos de prova não entalhados, 5 na direção da superfície (flat wise), com dimensões de 120mm x 13mm x 12,7mm e 5 na direção da aresta (edge wise), com dimensões de 120mm x 13mm x 12,7mm. Foi determinado, face a não fratura dos corpos de prova no ensaio, um valor da energia de impacto que foi considerada ser igual a energia absorvida pelos corpos de prova não fraturados. As mudanças estruturais produzidas pela irradiação gama foram avaliadas por meio de ensaios físico-químicos (determinação do peso molecular viscosimétrico, calorimetria diferencial de varredura, análise termogravimétrica e espectroscopia no infravermelho), utilizando-se amostras não envelhecidas (não irradiadas) e envelhecidas (expostas à radiação gama). A determinação do peso molecular viscosimétrico médio (M v ) foi realizada em um viscosímetro Ubbelohde 0B empregando-se soluções de clorofórmio a 0,5% (w/v) na temperatura de 25±0,1 C. C. Na determinação dos parâmetros viscosimétricos foram usados para as constantes k e a, respectivamente, os seguintes valores: 12x10-3 ml/g e 0,82 (Kurata, 1999). A análise por calorimetria diferencial de varredura (DSC) foi realizada em um equipamento Shimadzu modelo DSC-50, calibrado com padrão de índio. Amostras com peso de cerca de 10mg foram submetidas a um ciclo de aquecimento/resfriamento de 30 ºC a 300 ºC na taxa de aquecimento de 10 ºC/min e em atmosfera de nitrogênio. A temperatura de transição vítrea foi determinada de acordo com a norma ASTM D3418 (ASTM D3418, 1988). A análise termogravimétrica foi realizada em um equipamento Shimadzu modelo TGA-50. Amostras com peso variando entre 6mg e 9mg foram aquecidas em atmosfera de nitrogênio de 30 ºC a 700 ºC em uma taxa de aquecimento de 20 ºC/ 44 1 o Trimestre de 2011

min. A perda de massa foi determinada como uma função da temperatura. As medidas por espectroscopia no infravermelho por transformada de Fourier (FTIR), na região entre 4000-400cm -1, foram determinadas em um espectrômetro Perkin-Elmer modelo 1720X. A análise foi realizada em filmes finos obtidos a partir de soluções fundidas de CHCl 3 em placas de KBr por evaporação do solvente na temperatura ambiente. Os espectros foram obtidos com resolução de 2cm -1, 80 varreduras por ensaio e processados em um gerenciador de dados IR Perkin-Elmer (IRDM). A perda de transparência das placas de PC foi avaliada pelo ensaio de transmitância realizado em um radiômetro de espectro marca Optronic Laboratories modelo OL747 na banda de 550cm -1. O ensaio balístico foi realizado de acordo com a norma NIJ 0108.01. As placas foram impactadas por projéteis de munição.38 com massa de 10,2g, atirados, em incidência normal (0 ), ), de uma arma fixada em um dispositivo localizado a 5m de distância do alvo. As placas, presas por grampos em um porta alvo, foram submetidas ao impacto de uma série de 5 tiros na velocidade de 295±15m/s. O desempenho balístico da blindagem transparente foi analisado considerando a falha do alvo e os danos produzidos pelo impacto. As faces frontais e posteriores das placas laminadas foram fotografadas após os testes e os danos produzidos pelo impacto de cada projétil foram avaliados visualmente determinando-se a deformação e os mecanismos de falha. RESULTADOS E DISCUSSÃO Ensaios mecânicos Os resultados dos ensaios mecânicos do laminado, média de todos os corpos de prova independentemente da direção de extração, estão mostrados na Figura 1. Figura 1 Resultados dos ensaios mecânicos da placa laminada, antes e após irradiação gama. Condição ambiental: (0) como recebido ; (1) irradiado com 130kGy; (2) irradiado com 340kGy 1 o Trimestre de 2011 45

Verifica-se, após a exposição à radiação gama, que ocorre uma redução nos valores de dureza, resistência à tração, alongamento na fratura e resistência à flexão. Os valores de resistência, em tração e em flexão, estão próximos ao do como recebido. Uma análise dos dados mostra que as amostras irradiadas, em especial a de 340kGy, apresentam um decréscimo acentuado nos valores do alongamento na fratura, contrastando com o comportamento da dureza, desde que materiais mais macios apresentam, normalmente, maior plasticidade. Esta discrepância pode ser atribuída a problemas na interface matriz/reforço, em face da ductilidade do laminado ser influenciada pela condição interfacial. Os resultados do ensaio de impacto do laminado, antes e após irradiação, são, também, apresentados na Figura 1 como energia absorvida no impacto. Todos os corpos de prova não quebraram no ensaio de impacto devido à alta tenacidade do material. Uma energia específica (energia por área unitária), relação entre a energia de impacto absorvida e a área resistente nos corpos de prova não fraturados, foi determinada, para fins de comparação, em cada condição do laminado. Observa-se que ocorre uma redução no valor da energia de impacto após exposição do material à dose de 130kGy e um aumento no material irradiado com a dose de 340kGy, quando alcança valores superiores ao da blindagem como recebido. Este comportamento sugere que, no material irradiado com a menor dose, 130kGy, a cisão da cadeia principal predomina sobre quaisquer outros mecanismos e que, provavelmente, o principal mecanismo de deformação para o material irradiado com 340kGy é a delaminação interfacial. Ensaios físico-químicos A Figura 2 apresenta, antes e após irradiação, os parâmetros físico-químicos determinados nos ensaios, peso molecular viscosimétrico médio, temperatura de transição vítrea (T g ), temperatura inicial de degradação (onset temperature), índice de oxidação e perda da transmitância na banda de 550cm -1. O policarbonato apresenta um decréscimo quase linear no peso molecular viscosimétrico médio, o que pode ser relacionado a cisão da cadeia principal do polímero (Acierno, 1980; Kalkar, 1992). Observa-se uma pequena redução na temperatura de transição vítrea e, para a menor dose de radiação, na temperatura inicial de degradação. A mais alta dose de irradiação (340kGy) produz uma redução mais acentuada na temperatura de degradação, indicando que a exposição a doses mais altas aumenta a instabilidade térmica. A Figura 2 apresenta, também, o índice de oxidação, uma relação entre as bandas da carbonila (Schariff, 2002). A redução do índice de oxidação, para a dose de 130kGy, indica que a ocorrência de cisão das cadeias nos grupos carbonila e o aumento observado para a dose de 340kGy indica o aparecimento de novos grupos carbonila com diferente estrutura, mostrando que ocorre a intensificação do processo de oxidação quando o material é exposto a agentes de envelhecimento mais severos (Vilensky, 1995). Os resultados dos ensaios físico-químicos apóiam os dos ensaios mecânicos. 46 1 o Trimestre de 2011

Figura 2 - Resultados dos ensaios físico-químicos do policarbonato, antes e após irradiação gama. Condição ambiental: (0) como recebido ; (1) irradiado com 130kGy; (2) irradiado com 340kGy. Ensaio balístico As placas laminadas, antes e após irradiação, não apresentaram perfuração nos ensaios balísticos. A Figura 3 mostra, para cada condição, a vista frontal das placas de blindagem; a placa laminada apresenta, após a irradiação, uma mudança de coloração. O material, que é incolor e transparente na condição como recebido (Figura 3a), apresenta um escurecimento progressivo e uma perda de transparência à medida que a dose de radiação aumenta (Figuras 3b e 3c). Estas modificações no laminado podem ser atribuídas à intensificação de grupos cromóforos, como indicado pela redução observada no ensaio de transmitância (Figura 2). Figura 3 Fotografias da face frontal das placas após o teste balístico: (a) como recebido ; (b) irradiado com 130kGy; (c) irradiado com 340kGy As áreas circulares, claramente visíveis em torno de cada ponto de impacto, correspondem às áreas danificadas por cada tiro. O material não irradiado permanece, praticamente, não deformado. A face frontal mostra, nos pontos de impacto, crateras semi-esféricas, depressões centrais fechadas. As depressões são contornadas por círculos quase concêntricos formados por pequenas trincas; a face 1 o Trimestre de 2011 47

oposta (distal) apresenta regiões em destaque que resultaram da deformação plástica produzida no PC pelo impacto dos projéteis. O exame das placas mostra que a blindagem irradiada apresenta um diferente padrão de danos; uma combinação de trincas radiais e conoidais em torno de crateras semi-esféricas na face frontal e a ocorrência de estilhaçamento (spalling) na face distal, indicando um comportamento frágil. Os danos aumentaram com a dose de radiação; a placa exposta à dose de 340kGy apresenta uma maior quantidade de trincas grosseiras. Estes diferentes aspectos dos danos indicam que o PC irradiado mostra uma tendência de fragilização, que aumenta com a dose de radiação gama e que, provavelmente, pode estar relacionado com a redução do peso molecular e com a consequente menor plasticidade. Os resultados dos ensaios balísticos concordam com os dos ensaios mecânicos e físico-químicos. CONCLUSÕES As seguintes conclusões podem ser apresentadas: a. A exposição à radiação gama modifica as cadeias macromoleculares do policarbonato, alterando as características mecânicas do laminado de PC. b. O desempenho balístico da blindagem laminada de PC é afetado pela exposição à radiação gama. c. A irradiação gama produz uma transição dúctil-frágil no comportamento do laminado de policarbonato. d. O controle de qualidade da blindagem laminada de PC deve ser realizada periodicamente para verificar se o envelhecimento não reduz a sua capacidade de proteção. e. A investigação sugere que a exposição à radiação gama pode ser um modo simples para se prever a influência dos agentes ambientais no desempenho balístico de blindagens transparentes. AGRADECIMENTOS Os Autores agradecem às agencias brasileiras FAPERJ, CNPq e CAPES pelo apoio financeiro e a Inbra Blindados pelo fornecimento das placas de blindagem. 48 1 o Trimestre de 2011

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