ALTERAÇÕES PAISAGÍSTICAS PELA EXTRAÇÃO DO OURO DO SÉCULO XVIII NO DISTRITO DE PASSAGEM DE MARIANA (MUNICÍPIO DE MARIANA, MG)



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Transcrição:

ALTERAÇÕES PAISAGÍSTICAS PELA EXTRAÇÃO DO OURO DO SÉCULO XVIII NO DISTRITO DE PASSAGEM DE MARIANA (MUNICÍPIO DE MARIANA, MG) Frederico Garcia Sobreira 1 ; Hernani Mota de Lima 2 ; Alei Leite Alcântara Domingues 3 ; Fernando Valdeviti Vicentim 4 1 Depto. Geologia, UFOP (sobreira@degeo.ufop.br); 2 Depto. Minas, UFOP; 3 Depto. Geologia, UFOP; 4 Depto. Geologia, UFOP Abstract. The historical cities of Ouro Preto and Mariana appeared and grew under starting from the discovery of the gold in the end of the century XVII. The extraction of gold in the alluvia, underground works and open pit mining activities promoted intense pertubation on the landscape during the centuries XVII and XVIII resulting in huge changes of morfhology and dainage net of slopes, appearing of debris and rock bolders deposits on the slopes, steep and unstable cuts and acelerated gully erosion. These landscape changes give evidency of the first actions of man as a geological agent in the region. In this article, these human interventions in the landscape are approached and their consequences are analyzed thougth the estimation of the digging volume of rock and soils from slopes. Palavras-chave: Mudanças Geomorfológica, Mineração Século XVIII, Ouro Preto 1. Introdução A descoberta de ouro nas cabeceiras do Rio Doce no final do Século XVII implicou na ocupação deste local a partir de uma verdadeira corrida do ouro, que guardadas as relações de tempo, facilidade de comunicação e outras circunstâncias, foi talvez mais notável que os provocados pelos descobrimentos de ouro na Califórnia, na Austrália e no Transvaal. A importância histórica desta descoberta é incontestável, não apenas pela intensa relação com os principais acontecimentos políticos e econômicos da época, como também pela herança que legou ao Brasil, as cidades de Mariana e Ouro Preto, patrimônios nacionais e da humanidade. O auge da corrida do ouro ocorreu durante os primeiros quartéis do século XVIII, com intensas atividades mineradoras subterrâneas e a céu aberto, em vales e encostas, principalmente na Serra de Ouro Preto. A extração do ouro iniciou-se nos aluviões e terraços, prosseguindo nas encostas, geralmente através do desmonte dos depósitos e rochas mais friáveis e, finalmente, no próprio maciço rochoso, através da lavra subterrânea. Nos locais onde eram executadas as lavras de ouro a céu aberto, foram realizados grandes desmontes, escavações, transporte e deposição de material removido, abertura de poços, galerias e canais, além de desmatamento generalizado. Tais trabalhos deflagraram montanhas recortadas, cujos flancos rasgados dão testemunho dos ataques do homem; canais irregulares que cortam as encostas para condução de água, imensos depósitos de material estéril e blocos rochosos das mais diversas dimensões espalhados pelas encostas alteradas. A dimensão destes trabalhos e as formas resultantes na paisagem são exemplos marcantes da ação antrópica no meio físico, do trabalho do homem como agente geológico, e seus reflexos podem ser vistos não só nos locais de extração do material, mas também, por todo curso do

ribeirão do Carmo a jusante de Ouro preto e Mariana. Este trabalho relata a análise e mapeamento de uma porção da Serra de Ouro Preto, onde se localiza a área urbana do distrito de Passagem de Mariana (Município de Mariana), local onde foram realizados grandes desmontes na encosta, no processo de lavra de ouro a céu aberto. 2. Aspectos Gerais O Distrito de Passagem de Mariana localiza-se entre as áreas urbanas de Ouro Preto e Mariana, alto rio do Carmo e cabeceira do rio Doce (Figura 1), região central do Estado de Minas Gerais, distando cerca de 95 km da capital, Belo Horizonte. O principal elemento da paisagem é a Serra de Ouro Preto, que se estende na direção E-W desde Ouro Preto até Mariana. A área urbana deste distrito está implantada nas encostas da Serra de Ouro Preto, na margem esquerda do Rio do Carmo (historicamente conhecido até este trecho como córrego do Tripuí). Os traços do relevo, acidentado com vertentes bem íngremes e vales profundos e encaixados, mostram uma clara dependência deste à geologia local. A Serra de Ouro Preto representa o flanco sul de uma grande estrutura regional conhecida como Anticlinal de Mariana. O substrato é constituído por metassedimentos de idade paleoproterozóica - filitos, quartzitos, xistos e formações ferríferas - profundamente afetados por eventos tectônicos. A estrutura regional orienta-se na direção leste-oeste, possuindo as camadas mergulhos gerais para sul, na ordem dos 30 o. É comum a ocorrência, nos topos e nas vertentes dos morros, de coberturas superficiais de crosta laterítica, localmente denominadas de canga. Os solos, quando ocorrem, são muito pouco espessos, na ordem dos centímetros, exceto por algumas manchas maiores de material coluvial. 3. Ação Antrópica no meio físico Os trabalhos a céu aberto no local envolveram extensa área (cerca de 4 ha) e o passivo ambiental deixado foi muito grande. Estas atividades buscavam a extração do ouro que ocorria em depósitos de encostas chamados grupiaras ou disseminado e em níveis estratiformes na formação ferrífera bandada, nos setores em que estes terrenos encontravam-se mais alterados e friáveis, portanto de mais fácil desmonte. O desmonte hidráulico era o processo mais comum, aproveitando águas de chuvas ou captadas de nascentes na Serra do Ouro Preto ou acumuladas em reservatórios espalhados a meia encosta, caracterizando um processo aleatório e predatório (Sobreira e Fonseca, 2001). Estes trabalhos de mineração representaram a primeira grande intervenção antrópica no meio físico na Serra de Ouro Preto, resultando na total descaracterização do ambiente natural. A atividade simultânea de milhares de escravos, durante um período de quase cem anos, provocou uma alteração paisagística e ambiental de grandes proporções, com a total mudança da geometria das encostas, alteração total da rede de drenagem natural, formação de grandes depósitos de detritos e blocos rochosos a meia encosta, criação de taludes íngremes e instáveis e desencadeamento de processos erosivos acelerados, que passaram a atuar como principal condicionante ao desenvolvimento e evolução das encostas. No local onde hoje está o distrito de Passagem de Mariana, conhecido então como morro de Santo Antônio, localizavamse as lavras do Padre Bento. Nesta área, foram realizados grandes desmontes na encosta, que resultaram na alteração total da morfologia local. Eschwege relatava em 1833 que as camadas que se estendem do Morro do Santo Antônio e constituem aqui o substratun geológico, foram completamente desnudados, em conseqüência das lavagens

das camadas sobrejacentes, em toda extensão que vai da margem do ribeirão até a lavra do Padre Bento. O autor observa ainda que sobre esses paredões ainda se observam, aqui e ali, como verdadeiras ilhas, restos da camada sobrejacente de itacolomito e de itabirito com crosta de tapanhocanga. Paul Ferrand, em 1894 descreveu que os trabalhos feitos no flanco da montanha devem ter sido muito importantes, a julgar pelo aspecto completamente remexido do terreno. Distribuem-se ao longo do ribeirão, desde a queda d água, por uma extensão de mais de 1 km, e constantemente se percebem seus traços numa extensão de aproximadamente 600m morro acima. Ainda segundo o autor as numerosas escavações superficiais feitas pelos antigos mineradores no Morro de Santo Antônio são uma prova evidente de que a jazida existia e era lucrativa Ainda hoje são bem visíveis nas vertentes da Serra de Ouro Preto as escavações realizadas e um grande conjunto de ruínas, testemunhos dos antigos trabalhos de mineração no morro de Santo Antônio (Figura 2). Atualmente a Cia Mina de Passagem, que é detentora do manifesto de lavra da área, vem restringindo o acesso aos locais onde ainda existem ruínas remanescentes das estruturas de lavra do ouro e outras edificações de modo a efetivar sua proteção. 4. Caracterização e quantificação dos desmontes Os trabalhos para a caracterização e quantificação dos desmontes começaram pela fotointerpretação do local. Para tal, foram utilizadas fotografias aéreas de 1986 em escala 1:30000 (Esteio Engenharia e Aerolevantamentos S.A.), com o objetivo de delimitar a área alterada pelos desmontes da mineração. Após essa etapa, foram realizados trabalhos de campo com a finalidade de confirmar e alterar a área estipulada, obtendo assim uma melhor delimitação da área afetada pelos trabalhos de escavação (figura 3). A área delimitada na fotointerpretação foi lançada na base topográfica 1:5000, obtendo-se assim a representação tridimensional da área afetada pelos trabalhos pretéritos (figura 4a). A partir desta base foi feito um trabalho de reconstituição da topografia anterior aos trabalhos mineiros. Esta reconstituição levou em conta os testemunhos existentes no interior da área afetada e o relevo das encostas circunvizinhas, não atingidas pelos trabalhos. O resultado foi uma aproximação do que seria a topografia original da região antes dos desmontes (figura 4b). Com essas duas superfícies topográficas delimitadas, aplicou-se o software Surpac Vision, gerando-se assim dois modelos de terreno (antes e depois dos desmontes) (figura 5) e calculou-se o volume de material escavado a partir da diferença entre as duas superfícies, chegando-se a um valor aproximado de 5.975.645 m 3. 5. Conclusões As intervenções humanas no meio físico na área onde hoje se instala a cidade de Ouro Preto provocaram grandes alterações na paisagem natural, principalmente no local conhecido como serra de Ouro Preto. Como conseqüência destas mudanças, as antigas atividades de mineração do ouro desencadearam o desenvolvimento de processos geodinâmicos superficiais em muitas áreas, proporcionando uma rápida evolução do relevo, até que fosse atingido um equilíbrio precário. A magnitude dos volumes mobilizados indica que grandes áreas podem ter sido assoreadas a jusante no ribeirão do Carmo. Estudos estão sendo desenvolvidos no sentido de efetuar estimativas semelhantes

em outros pontos da Serra do Ouro Preto, bem como detectar áreas de deposição ainda não alteradas pelos trabalhos de garimpo ao longo do ribeirão do Carmo. Este trabalho teve o suporte financeiro da FAPEMIG e CNPq. 6. Referências Eschwege, W.L. 1833. Pluto Brasiliensis. Berlin: G. Reimer, 1833. 622p. Ferrand P. 1998. O ouro em Minas Gerais. FAPEMIG/Fundação João Pinheiro. Belo Horizonte. 366p. Sobreira, F.G. & Fonseca, M.A. 2001. Impactos físicos e sociais de antigas actividades de mineração em Ouro Preto, Brasil. Lisboa: Geotecnia: 92: 5-28. Fig. 1. Mapa esquemático da área de estudo: sub-bacia do alto rio do Carmo, incluindo as áreas urbanas de Ouro Preto, Mariana e Passagem de Mariana.

Fig. 2. Vista geral da encosta do morro de Santo Antônio no local onde foram realizados os trabalhos de mineração do ouro a céu aberto. Fig. 3. Limite das áreas onde foram identificados os desmontes, em ortofoto de 1987 na escala 1:10000.

Fig. 4. Representação da topografia atual (A) e reconstituída (B), base para a estimativa do volume de material extraído da encosta. A B Fig. 5. Representação das superfícies, atual (A) e reconstituída (B), gerada pelo software Surpac Vision, com destaque para as principais alterações.