60 Hydro Setembro 2010 Lúcia Helena de Oliveira é professora do Departamento de Engenharia de Construção Civil da Epusp Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e pesquisadora da área de sistemas prediais Gestão do uso da água em edifícios e critérios para obtenção do Selo Casa Azul da Caixa Serão contemplados com a marca os empreendimentos habitacionais que adotarem soluções mais eficientes nas fases de construção, uso e manutenção das edificações, de forma a propiciar o uso racional de recursos naturais e a melhoria da qualidade da habitação e de seu entorno. A gestão do uso da água em edifícios habitacionais é um dos pré-requisitos do Selo Casa Azul, lançado em junho/2010 pela Caixa Econômica Federal. O selo é um instrumento de classificação de projetos de empreendimentos habitacionais segundo critérios socioambientais, que priorizam a conservação de recursos naturais e de práticas sociais. Assim, os empreendimentos que adotarem soluções mais eficientes nas fases de construção, uso e manutenção das edificações, de forma a propiciar o uso racional de recursos naturais e a melhoria da qualidade da habitação e de seu entorno, são reconhecidos por meio do Selo Casa Azul. Para a concessão da marca o banco verifica, durante a análise de viabilidade técnica do empreendimento, o atendimento aos critérios agrupados em seis categorias: qualidade urbana; projeto e conforto; eficiência energética; conservação de recursos materiais; gestão da água; e práticas sociais. O selo é concedido ao projeto que evidenciar o cumprimento de critérios estabelecidos pelo instrumento que estimula a adoção de práticas que promovam habitações mais sustentáveis. A classificação socioambiental é feita em três níveis: bronze, caso sejam atendidos no mínimo 19 critérios obrigatórios; prata, se 25 critérios forem cumpridos, ou seja, os critérios obrigatórios mais seis de livre escolha; ouro, caso sejam atendidos 31 critérios, ou seja, os critérios obrigatórios mais 12 de livre escolha. Neste artigo são apresentados os oito critérios da categoria gestão da água, quais sejam: medição individualizada; bacia sanitária com volume nominal de descarga de 6 L; sistema de descarga com duplo acionamento (3/6 L); arejadores; registro regulador de vazão; aproveitamento de águas pluviais; retenção de águas pluviais; infiltração de águas pluviais; e áreas permeáveis. Desses oito critérios, somente três são obrigatórios: medição individualizada de água, bacia sanitária com duplo acionamento de descarga (3/6 L) e a consideração de áreas permeáveis no empreendimento.
Hydro Setembro 2010 61 Sistema de medição individualizada de água Como instrumento de gerenciamento do consumo de água potável em edificações, o sistema de medição individualizada contribui para a redução de desperdícios provenientes de perdas por vazamentos e de usos excessivos, o que propicia a redução do consumo de água. Esse critério é obrigatório e, portanto, todos os edifícios habitacionais devem contemplar sistema de medição individualizada de água. As recomendações técnicas para atender essa categoria consiste em empregar, no máximo, dois medidores por apartamento, sendo um para água fria e outro para água quente. Esses medidores serão, no mínimo, de classe B ou classe C preferencialmente, homologados pelo Inmetro e dimensionados com o emprego de vazões de projeto determinadas pelo método probabilístico (ver edições da Hydro nº 11 e 22). A recomendação para a utilização do método probabilístico deve-se ao fato de se obterem valores de vazão de projeto mais próximos das condições de operação do sistema predial de água, implicando maior confiabilidade da medição. O traçado do sistema predial de água fria pode apresentar diversas configurações em função do sistema de medição e da forma de leitura dos dados, tendo-se como premissa a instalação dos medidores na horizontal e em local acessível. Dentre as configurações possíveis dos medidores, destacam-se: agrupados no piso térreo; agrupados no barrilete; nos halls dos pavimentos; e nos halls dos pavimentos mas com a leitura remota centralizada no térreo. São requisitos para a implementação de sistemas de medição individualizada: Todos os componentes do sistema de medição, como concentradores e sistema de gerenciamento devem estar localizados em área comum de fácil acesso para manutenção e realização das leituras e medições; Nas áreas onde estão posicionadas as unidades de medição recomenda-se a instalação de um sistema de drenagem para eventuais vazamentos ou descargas de água, passíveis de ocorrer durante a realização dos serviços de manutenção, testes ou manobras operacionais hidráulicas; e Caso o sistema disponha de concentrador geral, do qual são extraídos os dados para emissão da fatura,
62 Hydro Setembro 2010 ele deve ser colocado no pavimento térreo ou em outro local de fácil acesso, preferencialmente junto à portaria do condomínio. Componentes economizadores de água A redução do consumo de água em aparelhos sanitários pode ser obtida por meio de duas ações: redução de vazão e diminuição do tempo de utilização. Menores valores de vazão resultam da redução de pressão hidráulica. No caso das bacias sanitárias com caixa de descarga, o controle é feito pelo volume de descarga. Tendo-se em vista que esses componentes disponíveis no mercado nacional apresentam o volume nominal de descarga de 6 L, para obter a pontuação nesse critério deve-se fazer algo mais e por essa razão as bacias sanitárias com duplo acionamento de descarga de 3/6 L são as consideradas pelo Selo Casa Azul. Os componentes economizadores de água devem ser especificados tendo como premissa a pressão hidráulica disponível e a adequação às atividades dos usuários. Não é mérito algum reduzir o consumo de água e dificultar a realização da atividade do usuário. Um exemplo seria a instalação de torneira hidromecânica na pia de cozinha, a qual dificultaria as atividades ou, até mesmo, contribuiria para o desperdício de água, devido ao seu tempo de abertura preestabelecido e vazão constante em função da pressão hidráulica naquele ponto de consumo. A instalação de componentes economizadores de água contribui com a redução do volume de esgoto a ser coletado e tratado, diminuindo o uso de insumos aplicados tanto no tratamento da água quanto no tratamento Registros reguladores de vazão Tais componentes, diferentemente dos arejadores, são disponibilizados no mercado para toda a faixa de pressão hidráulica dos edifícios, ou seja, um mesmo componente pode ser utilizado nas duas faixas de pressão hidráulica, permitindo a regulagem da vazão nula à vazão máxima. Isso permite a regulagem da vazão em todos os pontos de utilização de diferentes pavimentos. Assim, menores valores de vazão implicam menores volumes de água consumidos, desde que os valores de vazão não aumentem o tempo de utilização. O indicador de atendimento a esse critério é a existência de registro regulador de vazão em chuveiro, torneiras de lavatório e de pias. Ressalta-se que em locais com baixa pressão hidráulica, com valores de pressão inferiores a 100 kpa, a instade esgoto, tais como: energia, sulfato de alumínio, cal, cloro, flúor, entre outros, preservando a qualidade das águas de superfície. Tendo-se em vista o contínuo avanço tecnológico de produtos economizadores de água, caso seja especificada uma tecnologia inovadora, como bacia sanitária com volume nominal de descarga inferior a 6 L, deve ser apresentado o Datec Documento de Avaliação Técnica conforme as diretrizes do Sinat Sistema Nacional de Avaliações Técnicas de Produtos Inovadores. A seguir são apresentados os componentes economizadores de água contemplados pelo Selo Casa Azul. Bacias sanitárias Em edificações residenciais, as bacias sanitárias e os chuveiros, em geral, representam as maiores parcelas do consumo de água. Assim, ações que visem à redução do volume consumido nesses aparelhos sanitários impactam sobremaneira o consumo total da unidade habitacional. No caso de bacias sanitárias o Selo Casa Azul prevê em todos os banheiros e lavabos a instalação de bacia sanitária dotada de sistema de descarga com volume nominal de 6 L e com duplo acionamento (3/6 L). Para maior conhecimento do desempenho dessas bacias sanitárias, ver matéria publicada na Hydro nº 6. Arejadores Esses componentes propiciam a redução dos valores de vazões de água em torneiras e também proporcionam maior conforto ao usuário, resultante da melhor dispersão do jato em torneiras e da eliminação de respingos. Desse modo, todas as torneiras de lavatórios e de pias de cozinha devem contemplar arejadores. Considerando-se que são componentes simples e de baixo custo, é recomendável a sua instalação em todos os pontos de consumo, tendo o cuidado de compatibilizar o componente especificado com os níveis de pressão do local em que será instalado. Os arejadores são disponibilizados para alta e baixa pressão hidráulica. Há também no mercado nacional arejadores que mantêm a vazão constante, independentemente do valor da pressão, desde que esta última seja superior ao valor de 100 kpa. Em casas com sistema misto, ou seja, pontos de consumo alimentados diretamente da rede pública e por reservatório, esta ação deve ser considerada apenas naqueles pontos abastecidos diretamente pela rede pública de água, como a torneira de tanque, pois em geral os valores de pressão hidráulica nessas condições são elevados.
Hydro Setembro 2010 63 de drenagem urbana. Ao utilizar água pluvial para aqueles usos, economiza-se a água que foi captada, tratada e transportada pelo sistema público, viabilizando a sua oferta a um número maior de usuários com a mesma infraestrutura de saneamento básico implantada. O cumprimento desse quesito é opcional e a pontuação é obtida pela implantação de sistema de aproveitamento de águas pluviais independentemente do sistema de água potável. Os pontos de consumo que recebem água pluvial, exceto os que alimentam as bacias sanitárias, devem ser instalados somente em áreas técnicas e ser de uso também restrito por meio de torneiras de acionamento reduzido. Esses pontos terão comunicação visual, indicando o forlação de arejador e de registro regulador de vazão é desnecessária, uma vez que somente a ação de um deles é suficiente para reduzir o valor de vazão em níveis desejáveis. Nesse caso, o registro regulador de vazão pode ser substituído pelo arejador. Águas pluviais Sistema de aproveitamento A execução desse sistema tem como objetivo ampliar a oferta de água e possibilitar a redução do consumo de água potável para determinados usos, tais como em descarga de bacia sanitária, irrigação de áreas verdes, lavagem de pisos, lavagem de veículos e espelhos d água. O aproveitamento de águas pluviais possibilita também a redução de vazão de contribuição para o sistema necimento de água não potável, e serão operados somente por usuários habilitados. É necessário também que os subsistemas de coleta, armazenamento, tratamento e distribuição sejam operados segundo um plano de gestão, de forma a evitar riscos para a saúde dos usuários. Devem ser previstas medidas que impeçam o contato da água pluvial com a água potável, tais como a separação atmosférica e o emprego de componentes antirretrossifonagem, e de prevenção contra refluxo segundo as recomendações da NBR 5626/1998 e da NBR 15527/2007. Sistema de retenção A solicitação para a implementação desse sistema tem como objetivo propiciar o escoamento de águas plu-
64 Hydro Setembro 2010 viais de modo controlado, com objetivo de prevenir o risco de inundações em regiões com alta impermeabilização do solo devido ao amortecimento das vazões no sistema de drenagem urbana. Atender a esse critério é opcional e a pontuação é obtida pela implantação de reservatório de retenção de águas pluviais, com escoamento para o sistema de drenagem urbana nos empreendimentos com área de terreno impermeabilizada superior a 500 m². A implantação de sistemas de retenção de águas pluviais possibilita que, em cada elemento de ocupação urbana, seja residencial, comercial ou industrial, haja redução da vazão de contribuição para os sistemas de drenagem urbana. Desse modo, o efeito multiplicativo de redução da vazão de contribuição, devido à adoção de vários pontos de controle na fonte, pode evitar o aumento das vazões máximas a jusante de uma bacia hidrográfica urbana, minimizando a ocorrência de enchentes. O sistema de retenção opera adequadamente quando está vazio em um período de chuva. Para que mantenha o desempenho durante um período chuvoso recomenda-se que seja integrado a um sistema de infiltração ou a um sistema de aproveitamento de águas pluviais (ver Hydro nº 26). Considerando-se que a facilidade de manutenção é indispensável para o desempenho desse sistema, recomenda-se a instalação de sistema de recalque com dois conjuntos motobomba, de forma que, se um deles estiver em manutenção, o outro garanta o recalque da água pluvial, tão logo seja possível, após um evento de chuva. O acesso para a limpeza do reservatório do sistema de retenção também deve ser previsto no projeto. Sistema de infiltração Da mesma forma que o sistema de retenção, esse sistema tem como objetivo permitir o escoamento de águas pluviais de modo controlado ou favorecer a sua infiltração no solo, como prevenção do risco de inundações, além de reduzir a poluição difusa, amenizar a solicitação do sistema público de drenagem e propiciar a recarga do lençol freático. Para que mantenha o desempenho durante um período chuvoso, recomenda-se que o sistema de infiltração seja integrado a um sistema de aproveitamento de águas pluviais. Assim como o sistema de aproveitamento, a execução de sistemas de infiltração também depende da determinação de alguns parâmetros locais, quais sejam: nível do lençol freático; perfil característico do solo local; coeficiente de permeabilidade; taxa de infiltração; tempo de esvaziamento; intensidade pluviométrica; tempo de recorrência da chuva; tempo de duração da chuva; e área de contribuição. Esses parâmetros são utilizados no dimensionamento do sistema, na verificação de desempenho e na viabilidade de implementação dos sistemas de infiltração de águas pluviais. Áreas permeáveis O cumprimento desse critério é obrigatório e a consideração de áreas permeáveis visa, tanto quanto possível, melhorar as condições de infiltração no solo, prevenir o risco de inundações em áreas com alta impermeabilização do solo e amenizar a solicitação do sistema de drenagem urbana. A existência de áreas permeáveis em pelo menos 10% acima do exigido pela legislação local indica que o critério foi atendido. No caso de inexistência de legislação local, será considerado, para o cumprimento desse item, um coeficiente de permeabilidade (CP) igual ou superior a 20%. Esse sistema promove o restabelecimento, a manutenção do equilíbrio natural do balanço hídrico nas áreas edificadas, por meio da infiltração da água de chuva através do solo e, consequentemente, a reposição do nível do lençol freático. Um dos sistemas de infiltração mais simples e de baixo custo é o pavimento permeável, que consiste no assentamento de blocos vazados, intertravados ou concregrama, sobre uma camada de brita e areia ou diretamente sobre um solo com boa capacidade de infiltração. Para isso, o solo deve ter coeficiente de permeabilidade (k) superior a 1 x 10-4 cm/s, como pedregulho, areia e mistura de pedregulho e areia. Quando são utilizados blocos vazados, seu preenchimento pode ser feito com grama que auxilia a retenção do escoamento superficial e infiltração da água de chuva. Quando são executados sobre terrenos naturais compactados, recomenda-se que sejam assentados sobre uma camada de brita ou de pedregulhos e areia, formando um reservatório que facilita o processo de infiltração, o que melhora consideravelmente o desempenho de infiltração do sistema. No caso de utilização de pavimento do tipo concregrama, o preenchimento com vegetação gramínea auxilia na retenção do escoamento superficial e na infiltração das águas pluviais. Assim, por meio do Selo Casa Azul, a Caixa Econômica Federal tem por objetivo estimular o aumento do número de empreendimentos mais sustentáveis, mostrando que é possível estabelecer um equilíbrio entre a proteção ambiental e a justiça social para diferentes níveis de orçamentos disponíveis.