Palavras-chave: pesca fantasma, habitats marinhos, polímeros sintéticos, reciclagem, petrechos fantasma, unidades de conservação

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Transcrição:

Projeto Petrechos de Pesca Perdidos no Mar e o Sistema Linha Azul de Logística Reversa. Luiz Miguel Casarini 1 ; Nathália Sousa Motta 2 ; José Edmilson de Araújo Mello Junior 3 ; Mônica Doll Costa 3 ; Júlia Alves Costa 3 ; Maria Tereza de Carvalho Lanza 3 ; Marisa Goulart 3 ; Letícia Borges Margonari 4 1 Instituto de Pesca SAA/SP lumicas@pesca.sp.gov.br 2 Instituto Biopesca - ONG 3 Fundação Florestal SMA/SP 4 Escola SENAI Mario Amato Resumo O efeito da pesca vai além da retirada de biomassa, também gera os petrechos de pesca perdidos, abandonados ou descartados, conhecidos como petrechos fantasmas, problema recorrente nas unidades de conservação integral e Áreas de Proteção Marinha. Desde 2009 o Projeto Petrechos de Pesca Perdidos no Mar, parceria entre o Instituto de Pesca e a Fundação Florestal, realiza pesquisas no desenvolvimento de tecnologias para detecção e remoção de petrechos de pesca fantasma. Dessa forma, foram realizadas várias pesquisas com publicações que mostram os impactos causados pelos petrechos de pesca fantasma e/ou ilegais em unidades de conservação. A remoção no mar de aproximadamente seis toneladas desses petrechos aponta para a pesca ilegal e a falta de boas práticas na pesca legalizada como as principais fontes desse impacto. A remoção dos petrechos fantasma e ilegais resolve parte do problema do lixo no mar. A caracterização dos materiais, magnitude do impacto e destino adequado desses petrechos é a outra parte do problema que vem sendo intensamente pesquisada e com soluções sustentáveis de sucesso. Assim como os plásticos, os petrechos removidos do mar ou apreendidos passam a ser considerados inservíveis. Atualmente esses materiais ficam depositados nas próprias instalações das UC ou seguem para aterros sanitários. A criação do Sistema Linha Azul representa a viabilização do fluxo natural para o reprocessamento dos petrechos inservíveis, gerando emprego e renda para as comunidades. Facilita uma abordagem inovadora à gestão das atividades humanas para proteger o ambiente marinho e transformar os petrechos fantasmas em produtos poliméricos sustentáveis de alto valor ambiental agregado (upcycling). Palavras-chave: pesca fantasma, habitats marinhos, polímeros sintéticos, reciclagem, petrechos fantasma, unidades de conservação UNISANTA Bioscience Vol. 7 nº 6 Edição Especial (2018) Página 62

Abstract The effect of fishing goes beyond the removal of biomass, it also generates lost, abandoned or discarded fishing gear, known as ghost gear, a recurrent problem in the integral conservation area and marine protected area. Since 2009, the "Lost Fishing Gear at Sea Project", a partnership among the Fisheries Institute and the Forestry Foundation, Sao Paulo State Government, carries out research on the development of technologies for detection and removal of ghost fishing gear. In this way, several surveys were carried out with publications that show the impacts caused by the ghost and/or illegal fishing gear in the marine protected area. The removal at sea of approximately six tons of these items points to illegal fishing and lack of best practices in legalized fishing as the main sources of this impact. Removal of ghost gear and illegal gear solves part of the problem of marine litter. The characterization of the materials, the magnitude of the impact and the appropriate destination of these items is the other part of the problem that has been intensively researched and with sustainable solutions for success. Like plastics, fishing gear removed from the sea or seized is now considered to be unusable. Currently these materials are deposited in the premises of the conservation area or go to landfills. The creation of the Blue Line System represents the feasible of the natural flow for the reprocessing for this kind of waste, generating employment and income for the communities. It facilitates an innovative approach to the management of human activities to protect the marine environment and transform the ghost gear into sustainable polymer products with high environmental value added (upcycling). Keywords: ghost fishing, marine habitats, synthetic polymers, recycling, ghost gear, conservation area Introdução O efeito da pesca extrativa marinha vai além da retirada de biomassa e gera o passivo ambiental dos petrechos de pesca perdidos, abandonados ou descartados denominados também como petrechos fantasmas (FAO, 2009). Os petrechos fantasmas representam uma ameaça global para a saúde e a produtividade de nossos oceanos. A cada ano aumenta a perda acidental ou abandono deliberado no mar dos petrechos de pesca devido ao maior esforço de pesca empregado, conflito entre as modalidades de pesca e os eventos climáticos de maior intensidade (Figura 1). Os petrechos de pesca são quase totalmente confeccionados por fios de polímeros sintéticos (Poliamida, Polietileno, Polipropileno e Poliéster), com uma expectativa de persistência no UNISANTA Bioscience Vol. 7 nº 6 Edição Especial (2018) Página 63

ambiente de 600 anos. Os petrechos fantasmas se acumulam nos oceanos a uma taxa estimada de 640 mil t.ano -1 que representa 10% do total dos petrechos utilizados pela pesca mundial, ou seja, a cada 125 toneladas de pescados se perdem aproximadamente uma tonelada de petrechos nos oceanos (UNEP, 2009). Além disso, esses resíduos adicionam pressão sobre as espécies comerciais e aos meios de subsistência das comunidades costeiras e na produtividade da indústria da pesca, como exemplo, a perda global de 250 milhões de dólares por ano em lagosta comerciável devido à pesca fantasma (FAO, 2009). O Brasil importa milhares de toneladas de panos redes de pesca no valor de milhões de dólares (BRASIL, 2015), sendo que a destinação final desses panos é desconhecida, ou seja, ainda não existe uma logística reversa efetiva para o destino adequado desses resíduos (Figura 2). As causas e os impactos da pesca fantasma juntamente com outras questões urgentes que afetam a sustentabilidade das pescarias, incluindo a pesca ilegal, não declarada, a pesca não regulamentada e a segurança alimentar, torna a gestão responsável das artes de pesca de alta prioridade. O Estado de São Paulo considerou a questão dos petrechos de pesca no plano de resíduos sólidos (PRS, 2014), mas na prática ainda não existe nenhuma logística reversa implantada para esse tipo de material. Tais problemas causam intensa preocupação aos gestores e ambientalistas que se deparam com redes de emalhar de fundo presas nos costões rochosos ou em praias. Geralmente, situações como esta implica em sérios impactos à fauna marinha (tartarugas, toninhas e peixes comerciais), além de oferecer perigo à navegação e as diversas atividades aquáticas. A proporção de área marinha protegida atualmente é menor que nas áreas terrestres (CHAPE et al., 2005; IUCN & UNEP, 2010) e a necessidade de corrigir esse desequilíbrio está se tornando cada vez mais aparente. Isso se torna particularmente pertinente para a zona costeira que enfrenta grave degradação devido ao aumento da população humana nesses locais (GREEN & SHORT, 2003; HALPERN UNISANTA Bioscience Vol. 7 nº 6 Edição Especial (2018) Página 64

Panos de redes de pesca (toneladas) Capturas marinhas (toneladas) L.M. Casarini, N.S. Motta, J.E.A. Mello Junior, M. D. Costa, J.A. Costa, M.T.C. Lanza, M.Goulart, L.B. Margonari et al., 2008.; WAYCOTT et al, 2009). Geralmente a recuperação dos habitats perdidos favorece a manutenção dos estoques pesqueiros locais, propiciando a sustentabilidade dos recursos. Figura 1 - Diminuição das capturas (A) e o aumento do esforço de pesca, resultando no aumento das redes de emalhar (B) no Estado de São Paulo (fonte: Instituto de Pesca - www.pesca.sp.gov.br). 2000 1500 Variable Panos de redes (t) Capturas marinhas (t) 600000 550000 1000 500000 500 450000 0 1998 2000 2002 2004 2006 Ano 2008 2010 2012 400000 2014 Figura 2 Quantidades em toneladas por ano dos panos de redes de pesca importados pelo Brasil desde 1997 (fonte: aliceweb MIC) e a produção correspondente às capturas marinhas em toneladas (MPA). UNISANTA Bioscience Vol. 7 nº 6 Edição Especial (2018) Página 65

A necessidade de maior proteção do ambiente marinho faz com que as áreas de proteção marinha se tornem importantes ferramentas de gestão para a conservação da biodiversidade em praticamente todos os oceanos e mares do mundo (AGARDY, 2003). Qualquer grave impacto sobre esse ecossistema prejudica não só os organismos, mas também as populações humanas que dependem diretamente ou indiretamente dessa unidade (JORGE, 2012). Dentro desse contexto, a prospecção, remoção e destino adequado dos petrechos fantasmas contribuem na recuperação dos habitats e evita a pesca fantasma, gerando benefícios socioeconômicos, indicando uma solução viável frente ao desenvolvimento costeiro insustentável e a pesca colapsada. Os objetivos do projeto são mapear e classificar os habitats em áreas prioritárias dentro de unidades de conservação para detectar, quantificar, remover, caracterizar e dar destino sustentável aos petrechos fantasmas, visando à conservação dos recursos pesqueiros e da fauna vulnerável. Figura 3 Mapa da Área de Proteção Ambiental Marinha Litoral Centro, destacando os limites, unidades de conservação e as áreas prioritárias para o estudo. UNISANTA Bioscience Vol. 7 nº 6 Edição Especial (2018) Página 66

Relatos das atividades A maioria das ações foi desenvolvida nas unidades de conservação no Estado de São Paulo (Figura 3). Dessa forma, a Área de Proteção Ambiental Marinha do Litoral Centro (APAMLC) do Estado de São Paulo que abrange os municípios de Bertioga, Guarujá, Santos, São Vicente, Praia Grande, Mongaguá, Itanhaém e Peruíbe, onde foi observada uma diversidade de usos relacionados à pesca e fonte geradora de petrechos fantasmas. Em 2009 o Instituto de Pesca da Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, atento ao impacto da pesca fantasma, em parceria com o PEMLS criou o Projeto Petrechos de Pesca Perdidos no Mar, (www.bluelinesystem.blogspot.com.br), para desenvolver metodologias inovadoras e eficientes a partir de tecnologias de baixo custo na detecção e remoção dos petrechos fantasmas (Figura 4). Figura 4 Fluxograma da metodologia desenvolvida pelo Projeto Petrechos de Pesca Perdidos no Mar do Instituto de Pesca SAA/SP. UNISANTA Bioscience Vol. 7 nº 6 Edição Especial (2018) Página 67

A metodologia desenvolvida de prevenção e mitigação foi apresentada na Iniciativa Global de Petrechos Fantasma (Global Ghost Gear Initiative GGGI https://www.ghostgear.org/solutions/los t-fishing-gear-project-projeto-petrechosde-pesca-perdidos-no-mar), onde foram apresentados importantes resultados durante a participação de dois encontros internacionais (1 st GGGI Meeting, Liubliana/2014 e 2nd GGGI Meeting, Londres/2015, Miami/2016). O projeto também mantém banco de dados dos petrechos fantasmas recolhidos e divulga sobre esse problema ambiental para as comunidades de pescadores, consumidores, gestores e polícia ambiental, além de trabalhos científicos apresentados em congressos nacionais e internacionais e publicações diversas (Figura 5). A educação ambiental é parte importante na prevenção da pesca fantasma por meio da conscientização do problema e consumo responsável. Desde 2014 o projeto utiliza o Espaço Submergir no Museu do Instituto de Pesca com uma exposição permanente sobre pesca fantasma, com milhares de visitantes ao ano (Figura 6). Figura 5 Atividades científicas e prevenção da pesca fantasma, com a divulgação do problema em reuniões, além da caracterização dos petrechos fantasmas para o banco de dados. UNISANTA Bioscience Vol. 7 nº 6 Edição Especial (2018) Página 68

O sistema de marcação dos petrechos de pesca pode ser eficaz para as boas práticas das operações de pesca (FAO, 1995) e melhorar a qualidade do meio marinho, prevenindo a pesca fantasma pelo abandono ou descarte desses materiais, facilita a identificação e incentiva a devolução para o correto descarte. Também fornece informações importantes para rastrear a origem das componentes associadas ao enredamento de mamíferos marinhos, tartarugas e de espécies ameaçadas/protegidas (FAO, 2016). Figura 6 Exposições e monitoria sobre pesca fantasma no Museu do Instituto de Pesca. Durante esse período foram removidas aproximadamente seis toneladas de petrechos fantasmas em parceria com as unidades de conservação (Figura 7). A caracterização e mensuração de centenas de petrechos de pesca proporcionaram material suficiente para desenvolver uma manufatura reversa eficiente e disponibilizar para cooperativas e indústrias de reprocessamento. Os petrechos de pesca utilizados no arrasto de praia dentro da UNISANTA Bioscience Vol. 7 nº 6 Edição Especial (2018) Página 69

APAMLC foram lacrados com numero de identificação após as redes serem mensuradas, caracterizadas e os dados inseridos em banco específico (Figura 8). Principais contribuições Científicas Fornece informação fundamental para o entendimento dos impactos da pesca fantasma em UC, auxiliando nas estratégias para o plano de manejo, além da conservação de recursos pesqueiros. Abordagem sustentável à gestão das atividades humanas para proteger o ambiente marinho frente à questão do lixo no mar e especificamente os petrechos de pesca fantasma (CASARINI, et al 2011; FORTUNA et al, 2012; COSTA, et al 2014; GOMES et al 2014; LINK et al 2017; PROJETO PETRECHOS DE PESCA PERDIDOS NO MAR, 2016). Tecnológicas Transfere tecnologia de baixo custo para aquisição e processamento de imagens sonar e digitais de alta resolução para aplicação no monitoramento das áreas de proteção ambiental marinha ou outras áreas de interesse com foco na classificação dos habitats e detecção de anomalias, tais como os petrechos de pesca fantasma (CASARINI et al, 2015; PROJETO PETRECHOS DE PESCA PERDIDOS NO MAR, 2016). Inovação Obtém produtos poliméricos de elevado valor ambiental agregado a partir da cadeia de reprocessamento das componentes dos petrechos fantasmas rastreados (PROJETO PETRECHOS DE PESCA PERDIDOS NO MAR, 2017). Grau de interesse e comprometimento Cooperativas de reciclagem e/ou sucatas, empresas de reciclagem, indústria de reprocessamento de polímeros, indústria de manufatura e comércio de produto poliméricos com elevado valor ambiental agregado. UNISANTA Bioscience Vol. 7 nº 6 Edição Especial (2018) Página 70

Figura 7 Exemplos de petrechos fantasmas removidos em unidades de conservação. Figura 8 Marcação com lacre plástico numérico em tralha superior da rede de arrasto de praia pela gestora da APAMLC (Novembro/2017). As parcerias com a Escola SENAI Mario Amato em São Bernardo do Campo SP, Indústria de reprocessamento e a Cooperativa de Reciclagem de Sucatas União Bertioga (COOPERSUBERT) mostram o esforço UNISANTA Bioscience Vol. 7 nº 6 Edição Especial (2018) Página 71

colaborativo na busca por soluções sustentáveis no enfrentamento ao grave impacto causado pelos petrechos fantasmas (Figuras 9, 10 e 11). Por meio da reportagem fica mais fácil entender a sequência lógica do Sistema Linha Azul: https://www.youtube.com/watch?v=e 2MKWm8hfts Figura 9 Capacitação em manufatura reversa de petrechos de pesca na Cooperativa de Reciclagem de Sucatas União Bertioga COOPERSUBERT. Figura 10 Reprocessamento da Poliamida-6 (nylon) a partir de redes fantasmas removidas do mar. UNISANTA Bioscience Vol. 7 nº 6 Edição Especial (2018) Página 72

Figura 11 Protótipos obtidos pela Escola SENAI Mario Amato a partir do reprocessamento dos petrechos de pesca, gerando objetos sustentáveis (upcycling). Conclusão Ao longo de quase 10 anos o Projeto Petrechos de Pesca Perdidos no Mar desenvolveu metodologias para detecção e remoção, mitigação e reciclagem dos petrechos fantasmas. O Sistema Linha Azul mostra que é possível desenvolver metodologias a partir de tecnologias de baixo custo, gerando renda e fazendo o reprocessamento deste passivo ambiental, que são as redes de pesca abandonadas, perdidas e/ou descartadas. Esse reprocessamento das redes fantasmas geram novos produtos com significado ambiental, já que antes eram petrechos que causavam um grande impacto negativo no ambiente e nos animais marinhos. Ainda há muito trabalho para ser desenvolvido, por exemplo, incentivos para produtos eco inovadores a partir das redes de pesca, aprimoramento da logística reversa com a implantação do Sistema Linha Azul. A educação ambiental como forma de prevenção para o combate à pesca fantasma deve ser implementada UNISANTA Bioscience Vol. 7 nº 6 Edição Especial (2018) Página 73

com o auxílio de tecnologias apropriadas para aumentar a eficiência no processo de prevenção desse grave impacto no ambiente marinho. Agradecimentos A indústria P & P Polímeros (Grupo Pieralini) pelo reprocessamento da poliamida-6, Cooperativa de Reciclagem de Sucatas União Bertioga (COOPERSUBERT) pela manufatura reversa das redes de pesca e Escola SENAI Mario Amato, curso superior em Tecnologia em Polímeros pela manufatura de novos produtos a partir das redes de pesca. Referências AGARDY, T.; BRIDGEWATER, P.; CROSBY, M. P.; DAYD, J. D., DAYTON, P. K.; KENCHINGTON, R.; LAFOOLEY, D.; MCCONNEY, P.; MURRAY, P. A.; PARKS, J. E.; PEAUK, L. Dangerous targets? Unresolved issues and ideological clashes around marine protected areas. Aquatic Conserv: Mar. Freshw. Ecosyst. 13: 353 367, 2003. BRASIL, Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. URL http://aliceweb.desenvolvimento.gov.br/. Acessado em agosto 2015. CASARINI, L. M.; CAMPOLIM, M. B.; CASTILHO-BARROS, L.; GRAÇA-LOPES, R.; FORTUNA, M. D.; MELLO-JUNIOR,J. E. A; SCOLA, D. C. A. Avaliação dos petrechos de pesca recolhidos em unidades de conservação. In: V Simpósio Brasileiro de Oceanografia, p. 1 5, 2011. CASARINI, L. M.; COSTA, M. D.; COSTA, J. A.; MELLO JUNIOR, J. E. A. Sidescan Sonar and Towed Camera: a Combined System of Low-Cost Mapping for Shallow Water. Acoustics in Underwater Geosciences Symposium. Rio de Janeiro, RJ: 2015. CHAPE, S.; HARRISON, J.; SPALDING, M.; LYSENKO; I. Measuring the extent and effectiveness of protected areas as an indicator for meeting global biodiversity targets. Philosophical Transactions of the Royal Society B: Biological Sciences, 360, 443 455, 2005. COSTA, J. A.; COSTA, M. D.; MELLO JUNIOR, J. E. A.; UNISANTA Bioscience Vol. 7 nº 6 Edição Especial (2018) Página 74

CASARINI, L. M. Imageamento em fundo marinho raso para prospecção dos petrechos de pesca perdidos. Congresso Brasileiro de Oceanografia. 2014. FAO. Abandoned, lost or otherwise discarded fishing gear. Fisheries ed. Rome, Italy: Fisheries and Aquaculture Technical Paper, 2009. v. 523. FORTUNA, M. A.; CAMPOLIM, M.B; CASARINI, L.M, JÚNIOR, J. E. A. M. Mitigação e Prevenção dos Impactos Causados pelos Petrechos de Pesca Perdidos no Mar em Unidades de Conservação. Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação, 2012. GOMES, L. P., COSTA, J. A., MELLO JUNIOR, J. E. A., CASARINI, L. M. Caracterização dos Petrechos de Pesca Removidos das Unidades de Conservação no Litoral do Estado de São Paulo. Congresso Brasileiro de Oceanografia (CBO), p. 153-154, 2014. GREEN, E. & SHORT, F. World atlas of seagrasses (ed. by E.P. Green and F.T. Short). University of California Press, Berkeley, CA, 2003. HALPERN, B.S., WALBRIDGE, S., SELKOE, K.A., KAPPEL, C.V., MICHELI, F., D'AGROSA, C., BRUNO, J.F., CASEY, K.S., EBERT, C., FOX, H.E., FUJITA, R., HEINEMANN, D., LENIHAN, H.S., MADIN, E.M.P., PERRY, M.T., SELIG, E.R., SPALDING, M., STENECK, R. & WATSON, R. A. Global map of human impact on marine ecosystems. Science, 319, 948 952, 2008. IUCN & UNEP-WCMC. The world database on Protected Areas (WDPA). Cambridge, UK. URL http://www.protectedplanet.net. Acessado em março/2016. LINK, J. T.; SEGAL, B.; CASARINI, L. M. Petrechos de Pesca Abandonados, Perdidos ou Descartados na Reserva Biológica Marinha do Arvoredo, SC. 17o Congresso Latino-Americano de Ciências do Mar COLACMAR, p. 1598 1600, 2017. PERS - Plano de resíduos sólidos do estado de São Paulo - [recurso eletrônico] / Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, Coordenadoria de Planejamento Ambiental, CETESB; Autores André Luiz Fernandes Simas Christiane Aparecida Hatsumi Tajiri Maria UNISANTA Bioscience Vol. 7 nº 6 Edição Especial (2018) Página 75

Fernanda Romanelli Maria Teresa Castilho Mansor Marina Balestero dos Santos Mônica Laís Storolli Wagner Luiz Cabelho da Silva Zuleica Maria de Lisboa Perez Pedro Penteado de Castro Neto Cristiano Kenji Iwai Maria Heloisa P. L. Assumpção Flávio de Miranda Ribeiro Edgar César de Barros Nádia Gilma Beserra de Lima Jorge Toshiyuki Ogata Fernando Antônio Wolmer; Organizadores André Luiz Fernandes Simas, Zuleica Maria de Lisboa Perez - 1a ed. - São Paulo: SMA, 2014. WAYCOTT, M.; DUARTE, C.M.; CARRUTHERS, T.J.B.; ORTH, R.J.; DENNISON, W.C.; OLYARNIK, S.; CALLADINE, A.; FOURQUREAN, J.W.; HECK, K.L.J.R.; HUGHES, A.R.; KENDRICK, G.A.; KENWORTHY, W.J.; SHORT, F.T.; WILLIAMS, S.L. 2009. Accelerating loss of seagrasses across the globe threatens coastal ecosystems. Proceedings of the National Academy of Sciences USA, 106, 12377 12381. PROJETO PETRECHOS DE PESCA PERDIDOS NO MAR. Disponível em: < http://bluelinesystem.blogspot.com.br/2 010/10/dive-clean-laje-de-santos.html >. Acesso em: 05 junho. 2018. UNEP/IOC. Guidelines on Survey and Monitoring of Marine Litter. United Nations Environment Programme / Intergovernmental Oceanographic Commission. Regional Seas Reports and Studies No. 186. IOC Technical Series No. 83, 2009. UNISANTA Bioscience Vol. 7 nº 6 Edição Especial (2018) Página 76