APLICAÇÃO DE FOTOLUMINESCÊNCIA PARA DETERMINAÇÃO DA HUMIFICAÇÃO DA MATÉRIA ORGÂNICA EM SOLOS SOB PLANTIO DIRETO E MANEJO CONVENCIONAL

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Transcrição:

ISSN 1413-8808 Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Centro Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento de Instrumentação Agropecuária Ministério da Agricultura e do Abastecimento Rua XV de Novembro, 1452 - Caixa Postal 741 - CEP 13560-970 - São Carlos - SP Telefone: (16) 274 2477 - Fax: (16) 272 5958 - e-mail: postmaster@cnpdia.embrapa.br PESQUISA EM ANDAMENTO o N 30, out/99, p.1-10 APLICAÇÃO DE FOTOLUMINESCÊNCIA PARA DETERMINAÇÃO DA HUMIFICAÇÃO DA MATÉRIA ORGÂNICA EM SOLOS SOB PLANTIO DIRETO E MANEJO CONVENCIONAL Débora M.B.P. Milori¹ 1 Martha González Pérez Vanderlei S. Bagnato² Wanderley J. de Melo³ 1 Ladislau Martin-Neto O manejo convencional dos solos, envolvendo intensivo revolvimento, associado a fatores como a erosão hídrica tem ocasionado a degradação dos solos. Entre as medidas tomadas para deter o empobrecimento e a erosão dos solos está a busca de técnicas agrícolas alternativas às tradicionais. Uma alternativa para produção agrícola ao sistema convencional de manejo, que inclui aração, gradeação, plantio e cultivo mecânicos subseqüentes, é o chamado plantio direto, onde o solo praticamente não sofre revolvimento e aplica-se o controle químico das ervas daninhas. Price (1972) descreveu o conceito de plantio direto ou semeadura direta da seguinte forma: Na época da semeadura, no solo não arado, aplica-se um herbicida de contato, após alguns dias, utiliza-se um equipamento que abre o sulco de 15cm de largura, onde é depositada a semente e o fertilizante. Nestas condições, o solo é movimentado o mínimo possível. O sistema de semeadura direta comparado com o sistema convencional apresenta uma série de vantagens: controla a erosão, retém a umidade do solo, com melhor emergência e desenvolvimento inicial das plantas (Grant, 1997), além de economizar combustível, utilizar menor número de máquinas e menos mão-de-obra. Entre as desvantagens da semeadura direta se encontra o alto custo dos herbicidas e as dificuldades no controle de ervas daninhas. Finalmente, os sistemas conservacionistas, tais como o plantio direto, podem 2 contribuir para diminuição das quantidades de CO emitido na atmosfera porque o ¹Embrapa Instrumentação Agropecuária - Caixa Postal 741, CEP 13560-970, São Carlos/SP, e-mail: debora @cnpdia.embrapa.br, martha@cnpdia.embrapa.br, martin@cnpdia.embrapa.br ²IFSC-USP, Grupo de Óptica - Cx.P. 369, CEP 13560-970, tel. (16)271-2012, fax. (16)271-3616, e-mail, vander@if.sc.usp.br ³Unesp-Jaboticabal/SP

PESQUISA EM ANDAMENTO PA/30, CNPDIA, out/99, p.2 carbono continuaria formando parte do solo, contribuindo assim na regulação das mudanças globais de temperatura provocadas pela oxidação acelerada da matéria orgânica nos sistemas convencionais de manejo. A procura de um manejo adequado do solo e a preocupação em se utilizar sistemas que favoreçam o seqüestro de carbono da atmosfera tendem a direcionar as pesquisas de solo para o desenvolvimento de novas técnicas que possam ser levadas para campo e que possibilitem uma análise rápida e precisa da matéria orgânica do solo. As substâncias húmicas são a maior parte dos constituintes orgânicos do solo e sedimentos. Elas estão amplamente distribuídas sobre toda a superfície terrestre e meios aquáticos. Estas substâncias são originadas da degradação de resíduos de plantas e animais e de atividades de microorganismos. Desempenham dois papeis principais na dinâmica do solos: são capazes de absorver água e nutrientes para as plantas, por esta razão, estão diretamente relacionadas de fertilidade e estrutura do solo, sendo, portanto, relevantes para o aumento da produção de alimentos e para evitar processos erosivos. As substâncias húmicas são os componentes mais recalcitrantes da matéria orgânica do solo, e são constituídas de uma mistura heterogênea de compostos altamente polimerizados. Sua estrutura, suponhe-se, é de alta complexidade e foi ao longo dos anos objeto de numerosas investigações por parte dos pesquisadores. A estrutura mais recente proposta para o ácido húmico (Schulten & Schnitzer,1993) (Figura 1) contém grupos OH fenólicos livres e ligados, estruturas de quinona, nitrogênio e oxigênio como ponte de ligação dos grupos de COOH localizados de diferentes formas nos anéis aromáticos. Fig. 1 - Modelo proposto para a estrutura do ácido húmico por Schulten & Schnitzer (1993).

PA/30, CNPDIA, out/99, p.3 Os anéis aromáticos exibem fluorescência quando excitados com luz. Esta fluorescência é significativamente influenciada pela condensação de anéis aromáticos quando estes fazem parte de uma estrutura molecular maior. A fotoluminescência de substâncias húmicas extraídas de solos já foi matéria de estudo de vários pesquisadores (Senesi et al., 1991); entretanto o enfoque que era empregado visava aplicar o método como um critério para diferenciação e classificação de solos segundo sua origem, gênesis e natureza. Neste trabalho propomos a utilização da técnica de fotoluminescência para avaliar a humificação de ácidos húmicos extraídos de um Latossolo Roxo submetido a diferentes manejos, visto que, a humificação é uma função do grau de condensação dos anéis aromáticos. CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS A energia total de uma molécula é a soma de sua energia eletrônica, vibracional e rotacional. A magnitude destas energias decresce na seguinte ordem: eletrônica, vibracional e rotacional. Quando uma molécula é irradiada com luz ultravioleta ou visível pode ocorrer uma transição eletrônica, durante a qual a molécula absorve um quantum de energia e um dos elétrons é excitado do orbital que ocupa no estado fundamental para outro de maior energia. Naturalmente, o processo somente pode ocorrer se a freqüência da radiação corresponde à separação de energia entre os dois orbitais moleculares envolvidos, E h (1) em que E é a diferença de energia entre os orbitais moleculares, h é a constante de -34 Planck (h=6,6260755 Js) e a freqüência da radiação. Portanto, a energia absorvida na região de ultravioleta-visível produz mudanças na energia eletrônica da molécula resultado da transição de elétrons de valência. Depois de um determinado tempo no estado excitado, a molécula pode reemitir a luz absorvida, converter esta energia na forma de calor, ou sofrer reações fotoquímicas. A emissão de luz da molécula pode ocorrer via luminescência da amostra, que é a emissão de luz em comprimentos de onda maiores do que a molécula foi excitada (deslocamento de Stokes). Sendo assim, presumimos que um elétron de valência da molécula de interesse é excitado (pois absorve a radiação eletromagnética incidente) e é transferido do orbital molecular do estado fundamental para um orbital do estado excitado antiligante. Transições típicas desse tipo envolvem a promoção de elétrons ou n para orbitais *. Esses processos são altamente prováveis em sistemas moleculares contendo átomos com pares solitários de elétrons tais como O 2, N ou aromáticos e/ou alifáticos conjugados com sistemas insaturados capazes de um alto grau de ressonância, isto é, de elétron delocalizado. Este é o caso de substâncias húmicas. A extensão do sistema elétron, o nível de substituição do heteroátomo, e o tipo e número de grupos substituintes no anel aromático afetam fortemente a intensidade da fluorescência molecular e o comprimento de onda de emissão. O comportamento da fluorescência total da molécula resulta, portanto, de um efeito

PA/30, CNPDIA, out/99, p.4 acumulativo primariamente dependente dos vários componentes estruturais da molécula, e o espectro observado consiste na soma do espectro individual dos diversos fluoroforos presentes na molécula. MONTAGEM EXPERIMENTAL As medidas foram realizadas em solução utilizando a montagem experimental mostrada na figura 2. A fonte de excitação do sistema é uma lâmpada de Hg-Xe, cuja radiação é conduzida até a amostra através de uma lente. Essa lâmpada é dotada de um filtro que elimina boa parte do espectro visível e do ultravioleta abaixo de 300nm da radiação eletromagnética por ela emitida. Dessa forma, os comprimentos de onda de excitação mais significativos são 365, 405 e 436nm. A luminescência da amostra é coletada a 90º e focalizada sobre a fenda de um monocromador. Antes de entrar no monocromador a luz emitida pela amostra passa por um filtro e um chopper. A função do filtro é eliminar o espectro de excitação da lâmpada que inevitavelmente também é espalhado pela amostra e a função do chopper é fornecer uma freqüência de referência para o sistema de detecção. Uma vez no monocromador, a luz, devido à fluorescência, da amostra é decomposta em seu espectro característico através de uma grade de difração. A rotação da grade é comandada por um microcomputador dotado de uma placa de aquisição de dados, cujo programa também foi desenvolvido durante este projeto. Ao sair do monocromador o sinal luminoso é detectado por uma fotomultiplicadora que converte este sinal em um sinal de tensão elétrica que é enviado para um amplificador lock-in. Este equipamento tem a função de amplificar e retificar o sinal cuja freqüência de modulação é igual ao do produzido pelo chopper, que está injetado em sua referência. O sinal retificado é enviado para a placa de aquisição do microcomputador que faz a varredura do espectro. Para avaliar a resolução do sistema foi enviada a luz de um laser de He-Ne e obtido um valor em torno de 1,3nm. Fig. 2 - Montagem experimental utilizada para a realização de medidas de fotoluminescência de substâncias húmicas em solução.

PA/30, CNPDIA, out/99, p.5 PREPARAÇÃO DAS AMOSTRAS As amostras do solo foram coletadas em um experimento de campo na Fazenda de Ensino e Pesquisa da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da UNESP, Campus de Jaboticabal, Jaboticabal-SP. A área mencionada está localizada à altitude de 610m, com as seguintes coordenadas geográficas: 21º15'22 S e 48º15'18 W. O clima é subtropical temperado, seco no inverno, com temperatura média superior a 22ºC. O experimento foi instalado no ano agrícola 1992/93, em delineamento de blocos ao acaso, com sete tratamentos e quatro repetições, em solo Latossolo Roxo, de textura argilosa, distrófico; com o objetivo de avaliar os efeitos sobre a disponibilidade de nitrogênio para a planta, carbono orgânico e relação C/N do solo. Foram selecionados para este trabalho os seguintes tratamentos: PC1 - o milho foi semeado no verão e conduzido no sistema de plantio convencional (aração, gradagens, semeadura e controle mecânico de plantas daninhas), deixando o solo em pousio durante o inverno, sem acamamento da resteva. PC2 - o milho foi conduzido em rotação com soja na semeadura de verão no sistema de plantio convencional, mantendo-se o solo em pousio durante o inverno, sem acamamento da resteva. PD1 - o milho foi semeado em sistema de plantio direto no verão, com controle de ervas daninhas através de herbicidas, deixando o solo em pousio durante o inverno, sem acamamento da resteva. PD2 - o milho foi conduzido em rotação com soja na semeadura de verão no sistema de plantio direto, com controle de ervas daninhas através de herbicidas, mantendo-se o solo em pousio durante o inverno, sem acamamento da resteva. PD3 - o milho foi semeado em sistema de plantio direto no verão com controle de ervas daninhas através de herbicidas, colheita, roçagem e semeadura de mucunapreta no inverno. Esta foi roçada quando se encontrava com 50% de florescimento. F - solo não-cultivado. As amostras de solo foram coletadas no final do mês de outubro de 1997 (5 anos depois de iniciado o experimento). Foi formada uma amostra composta pela mistura de doze amostras simples, sendo três pontos retirados na área interior de cada parcela dos tratamentos selecionados e nas réplicas. As amostragens foram feitas na profundidade 0-5cm. Depois de coletadas as amostras de solo foram levadas para o laboratório onde se realizou uma limpeza manual cuidadosa para retirar as raízes e restos de folhas, assim como outros elementos contaminantes. Em seguida as amostras foram secas à temperatura ambiente e finalmente destorroadas em moinho para solos e passadas em peneira com 1mm de abertura de malha. As substâncias húmicas foram fracionadas com base em características de solubilidade (Stevenson, 1982). As frações obtidas fazem parte de uma mistura heterogênea de moléculas polidispersas que se situam no intervalo de pesos moleculares que varia de algumas centenas até milhões de unidades de massa atômica (Schnitzer & Khan, 1978). As frações são: ácido húmico-solúvel em álcali, mas que se precipita sob acidificação; ácido fúlvico-solúvel tanto em álcali como em ácido; e humina insolúvel em ambos, portanto, não pode ser extraída de solos e sedimentos.

PA/30, CNPDIA, out/99, p.6 Para a extração dos ácidos húmicos adicionou-se ao solo uma solução de -1 NaOH 0,5mol L na proporção de 1g solo :15ml de NaOH. O solo permaneceu na solução extratora por 24h com agitação ocasional. Após esse período o sobrenadante foi retirado por centrifugação e o precipitado foi novamente colocado em solução de -1 NaOH 0,5mol L. Repetiu-se este processo por 3 vezes. O sobrenadante foi novamente centrifugado a 9000rpm durante 20min, para eliminação da argila. Após a remoção da argila o sobrenadante foi acidificado com HCl até ph 2,0 permanecendo em repouso durante 24h. Nestas condições ocorre a precipitação da fração do ácido húmico, enquanto que a fração do ácido fúlvico continua em solução. O ácido húmico extraído dos solos freqüentemente contém uma quantidade considerável de impurezas inorgânicas. Um método satisfatório de redução do teor de cinzas pode ser obtido por repetidas etapas de dissolução-precipitação-centrifugação e utilização da diálise (Mc Phie, 1971). A diálise é um método amplamente usado para purificação de substâncias (proteínas, substâncias húmicas), sendo usada uma membrana hidrofóbica de celulose regenerada com microfiltros. Essa membrana é útil porque não fixa cargas e não adsorve os solutos. A celulose regenerada não tem estrutura altamente cristalina e rígida como a celulose natural. Sua estrutura é gel-amorfa, sendo mais flexível, elástica e permeável, permitindo melhor difusão das moléculas através da mesma. A purificação do ácido húmico foi realizada redissolvendo o precipitado em -1 solução diluída de NaOH 0,1 mol L. A solução foi filtrada com papel de filtro e posteriormente o ácido húmico foi reprecipitado. O ácido húmico precipitado foi mantido em solução e resfriado, depois foi lavado com água gelada para evitar as perdas por solubilização até total eliminação de íons cloreto e submetido a diálise durante seis dias em água grau-reagente tipo I (MiliQ). Finalmente o ácido húmico foi liofilizado e armazenado em dissecador. Foram utilizadas membranas de diálise Spectra/Por 6000-8000D, preparadas para uso segundo metodologia de Mc Phie (1971) limpando-as das substâncias preservadoras. RESULTADOS E DISCUSSÃO Na figura 3 têm-se os espectros de fluorescência obtidos para os 6 tipos diferentes de manejo do Latossolo Roxo já especificado. Calculando a área sob a curva de fluorescência para cada amostras foi obtivido o gráfico mostrado na figura 4. É extremamente difícil saber qual o cromóforo responsável pela fluorescência do ácido húmico, entretanto pode-se fazer algumas considerações que levem a chegar mais próximo a um modelo do processo. Na figura 1 é mostrada a proposta mais recente da molécula de ácido húmico e nela pode-se ver que este ácido é composto basicamente por anéis aromáticos e estruturas alifáticas. Os anéis aromáticos podem se encontrar sozinhos ou em agregados de dois, três, quatro ou mais anéis. Na figura 5 tem-se o espectro de absorção eletrônica de substâncias compostas por anéis aromáticos semelhantes a partes da molécula de ácido húmico.

PA/30, CNPDIA, out/99, p.7 Como se pode observar, conforme aumenta o número de anéis agrupados aumenta a absortividade do composto no visível, ocorrendo uma espécie de deslocamento da banda para comprimento de onda maiores. Isso pode ser entendido como um aumento no grau de liberdade para os elétrons de valência, que passam a ser menos ligados aos núcleos benzênicos. Quando a amostra é excitada com a lâmpada de Hg-Xe estão sendo excitadas, preferencialmente, as transições que absorvam em 365, 404 e 436nm. Através da figura 5 pode-se observar que quem absorve preferencialmente nessa região são os aglomeradas de anéis aromáticos com três ou mais anéis. Fluorerscência (u.a.) 4 3 2 1 PC1 PC2 PD1 PD2 PD3 F 0 450 500 550 600 650 (nm) Fig. 3 - Espectros de emissão de fluorescência das amostras de ácido húmico de um solo latossolo roxo submetido a diferentes manejos quando excitadas em 365, 405 e 436nm. ÁREA SOB A CURVA DE FLUORESCÊNCIA NORMALIZADA 1,0 0,8 0,6 0,4 0,2 0,0 PC1 PC2 PD1 PD2 PD3 F Fig. 4 - Área sob a curva do espectros de fluorescência das amostras de ácido húmico de um solo latossolo roxo submetido a diferentes manejos. Portanto, a princípio poderíamos pensar que a fluorescência observada é originada por um decaimento para estados de mais baixa energia destas estruturas mais condensadas. Em outras palavras, para diferentes ácidos húmicos em solução com uma dada concentração e um ph definido, quanto maior for o número de estruturas condensadas presentes em sua molécula maior será sua fluorescência. Dessa forma, a medida de fotoluminescência com excitação acima de 360nm pode ser considerada como um indicador do grau de condensação de um ácido húmico, e portanto do grau de humificação da substância.

PA/30, CNPDIA, out/99, p.8 Outra técnica utilizada para avaliar o grau de humificação de ácidos húmicos é a medida de ressonância paramagnética eletrônica (EPR). Nesse tipo de medida o que se detectam são os radicais semiquinonas, que provavelmente estão associados com estruturas mais condensadas do ácido húmico. Para avaliarmos nossos resultados fizemos uma comparação com resultados de EPR feitos nas mesmas amostras. Na figura 6 temos uma comparação entre os resultados de EPR e os de fluorescência. Através deste gráfico podemos ver que a correlação entre os métodos é muito boa. É claro, que faltam ainda mais dados que venham a corroborar com nossa teoria, mas os resultados obtidos até agora sinalizam positivamente nesse sentido. Fig. 5 - Espectro de absorção eletrônica do benzeno, naftaleno, fenantreno, antraceno e naftaceno (Silverstein et al., 1991). Nº Radicais Semiquinonas/g de AH (10 17 ) 3,0 2,8 2,6 2,4 2,2 2,0 1,8 1,6 1,4 1,2 1,0 0,8 0,6 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1,0 1,1 Área sob a curva de Fluorescência Fig. 6 - Comparação entre o nível de radicais livres semiquinona dos AH calculados pela área da segunda derivada do espectro de EPR, para cada tratamento, e a área sob a curva de fluorescência. A correlação entre os dois métodos de medidas do 2 grau de humificação obteve um coeficiente de determinação r =0,98 significativo menor que 1%.

PA/30, CNPDIA, out/99, p.9 CONCLUSÕES A técnica de EPR fornece informações a respeito da condensação e aromaticidade dos ácidos húmicos pois mede o número de radicais semiquinonas (característico de estruturas condensadas) dentro de uma determinada massa total de ácido húmico. Quando se obtém um sinal menor para solos não-cultivados significa que o ácido húmico extraído desta amostra possui uma densidade de aromáticos menor do que os solos cultivados. Medidas de NMR deste tipo de solo indicam uma grande fração de alifáticos em relação aos grupos aromáticos (González Pérez, 1999). A técnica de fotoluminescência parece ser uma alternativa mais simples e viável para a análise de solos, no que diz respeito à condensação e aromaticidade de ácidos húmicos. Os resultados obtidos se correlacionam bem com os obtidos por EPR e a técnica se revelou bastante sensível, fornecendo informações relevantes a respeito da densidade de grupos de anéis condensados presentes nos ácidos húmicos estudados. Nos resultados apresentados não se observa variação significativa entre plantio direto e convencional, no que diz respeito a grau de condensação ou aromaticidade. A princípio, o esperado era que o plantio direto apresentasse uma maior densidade de aromáticos condensados porque a ação de microorganismos nas porções alifáticas da matéria orgânica é muito mais intensa do que nas porções aromáticas. Esse resultado pode ser devido à proteção física da matéria orgânica nesse latossolo, com alto teor de argila e óxidos, conforme já observado por Bayer (Bayer, 1996) em um latossolo na região de Porto Alegre/R.S. Observamos também que a técnica de fotoluminescência, assim como a de EPR, é sensível para medir mudanças estruturais sofridas através da utilização de rotações e culturas diferentes. O plantio direto milho pousio se mostrou menos favorável a formação de estruturas alifáticas do que o plantio direto milho mucuna. Dessa forma, com este trabalho, demonstramos que a técnica de fotoluminescência nos dá informações a respeito da condensação e aromaticidade das substâncias húmicas e pode ser aplicada para o estudo de solos, permitindo avaliar e equacionar melhor manejos e culturas na agricultura. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAYER, C. Dinâmica da matéria orgânica em sistemas de manejos de solos. Porto Alegre: UFRGS-PPG-Agronomia, 1996. Tese de Doutorado. GONZáLEZ PéREZ, M. Análises químicas e espectroscópicas para estudos da matéria orgânica de solos sob diferentes manejos. São Carlos: USP-IQSC, 1999. Tese de Mestrado. GRANT, R.F. Changes in soil organic matter under tillage and rotation: mathematical modeling in ecosys. Soil Science Society of America Journal, Madison, v.61, p.1159-1175, 1997. MC PHIE, P. Enzyme purification and related techniques: dialysis. In: JACOBY W.B., ed. Methods in enzymology. New York: Academic Press, 1971. v.22, cap.14. PRICE, V.J. Minimum tillage: loks a winner. Soil Conservation, Washington, v.38, n.3, p.43-45, 1972.

PA/30, CNPDIA, out/99, p.10 SCHNITZER, M.; KHAN, S.U. Soil organic matter. Amsterdam: Elsevier, 1978. SCHULTEN, H.R.; SCHNITZER, M.A. State of the art structural concept for humic substances. Naturwissenschaften, Berlin, v.80, p.29-30, 1993. SENESI, N.T.; MIANO, M.; PROVEZANO, M.R.; BRUNETTI, G. Characterization, differentiation, and classification of humic substances by fluorescence spectroscopy. Soil Science, Baltimore, v.152, n.4, p.259-271, Oct. 1991. SILVERSTEIN, R.M.; BASSLER, G.C.; MORRIL, T.C. Spectrometric identification of organic compounds. 5.ed. New York: J. Wiley, 1991. p.311. STEVENSON, F.J. Humus chemistry: genesis, composition, reactions. New York: J. Wiley, 1982.