GT 5: POLÍTICAS PÚBLICAS E PRÁTICAS SOCIAIS O PROJETO FALANDO EM FAMÍLIA COMO INSTRUMENTO DE FACILITAÇÃO DA AUTOCOMPOSIÇÃO NAS AÇÕES DE FAMÍLIA

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Transcrição:

GT 5: POLÍTICAS PÚBLICAS E PRÁTICAS SOCIAIS O PROJETO FALANDO EM FAMÍLIA COMO INSTRUMENTO DE FACILITAÇÃO DA AUTOCOMPOSIÇÃO NAS AÇÕES DE FAMÍLIA Fabiane Mazurok Schactae (Faculdades Santa Amélia Secal) email:fabiane.schactae@gmail.com Patrícia Machado Pereira Giardini (Faculdades Santa Amélia Secal) email: pattympg@ig.com.br RESUMO: O presente artigo pretende apresentar brevemente o projeto de extensão Falando em Família, que é fruto de uma parceria entre a UEPG, Secal e Tribunal de Justiça do Paraná através do CEJUSC. O objetivo do trabalho é apresentar a metodologia desenvolvida no projeto, que por meio da utilização de práticas restaurativas, com o esclarecimento e conscientização acerca dos direitos e deveres dos envolvidos, visa a solução consensual dos conflitos no âmbito familiar. Palavras chaves: famílias; conflitos; conciliação. 1. INTRODUÇÃO Da necessidade de se estabelecer maiores possibilidades de solução de conflitos de interesses nas ações judicias familiares é que surgiu o projeto de extensão Falando em Família, objeto deste estudo. Sem a pretensão de esgotar o tema, procura-se abordar a problemática que deriva dos conflitos existentes dentro das famílias e que repercutem sobremaneira na sociedade como um todo. Inicialmente, procura-se estabelecer o conceito de família e as características existentes no chamado núcleo social, principal nicho do presente estudo, bem como, que a convivência familiar, com o passar do tempo e a diversidade de ideias pode gerar conflitos e que quando eles aparecerem, podem e devem ser resolvidos da melhor maneira possível para todos. Quando a solução interna, de autocomposição, não é possível, apela-se para o Judiciário, que através da heterocomposição poderá trazer um resultado, que muitas vezes, não atende aos anseios das partes envolvidas, vez que somente estas sabem exatamente o que é melhor para si e sua família. Em seguida, busca-se analisar quais os principais e mais recorrentes conflitos existentes na área familiar e as ações judiciais destes derivadas, bem como, o modo pelo qual estas se operam no âmbito processual. Por fim, o estudo apresenta o projeto de extensão Falando em Família, como este é conduzido por seus parceiros e colaboradores, suas oficinas, bem como, os resultados obtidos no ano de 2016 e se seus objetivos principais estão sendo alcançados.

2. A FAMÍLIA E SEUS CONFLITOS A palavra família possui vários conceitos, sendo que, no senso comum, exprime a ideia de formação através de fixação de coletividade, trazendo em seu conteúdo o sentido de casa, ninho, asilo inviolável, local onde ocorre a proteção e segurança para o crescimento do ser humano 1. No mundo jurídico, é conceituada de forma ampla e com vários sentidos. Maria Helena Diniz afirma que, existem três acepções fundamentais do vocábulo, sendo elas, em síntese: amplíssima, que abrange os componentes ligados pela consanguinidade ou afinidade; lata, onde além do casal e os filhos, estão incluídos os parentes da linha reta ou colateral e os afins; e restrita, que engloba o casal (independente do vínculo do casamento), sua prole (inclui-se a adoção) e os ascendentes, bem como, se houver, um só dos pais (família monoparental ou unilinear). Divide a família em quatro espécies, a matrimonial, não-matrimonial, monoparental e adotiva. Caracteriza-a nas formas biológica, psicológica, econômica, religiosa, política e jurídica 2. Dentro desse contexto, é possível imaginar o grande número de pessoas envolvidas em uma mesma família, com ideias, opiniões, culturas, objetivos pessoais e sociais diferentes. Disso decorre a enorme possibilidade de divergência de interesses, assuntos e ideais, o que nem sempre se dá de forma pacífica, surgindo então os conflitos familiares. A palavra conflito advém do latim conflictu e diz respeito ao combate, discussão, discórdia. Nem sempre tem uma conotação negativa, eis que por diversas vezes, através deste, pode-se iniciar um novo caminho, mais favorável. Pode significar um novo entendimento, possibilidade de crescimento e mudança, levando as partes a escolherem um método de resolução que se adapte tanto a elas como ao conflito 3. Pelos motivos já delineados, uma vez instalado o conflito, o que se pode fazer é entender os seus motivos e aprender a lidar com as diferenças. O que nem sempre é caminho fácil, dependendo muitas vezes de ajuda alheia. Cachapuz cita Dinamarco, a fim de explicar o conflito no âmbito jurídico: [...]os conflitos são caracterizados por situações em que uma pessoa, pretendendo para si determinado bem, não pode obtê-lo seja porque (a) aquele que poderia satisfazer a sua pretensão não a satisfaz, seja porque (b) o próprio direito proíbe a satisfação voluntária da pretensão 4. Desse modo, passa-se a analisar de forma sucinta, alguns dos tipos de conflitos mais comuns em âmbito de relações familiares, decorrentes das ideias acima citadas. 1 CACHAPUZ, Rozane da Rocha. Mediação nos conflitos & Direito de Família. 1ª. Ed. Curitiba: Juruá,2011. p.94. 2 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. v.05. 18. ed., São Paulo: Saraiva, 2002. p.9/16. 3 CACHAPUZ, Rozane da Rocha. Op. Cit.p.107. 4 Ibidem., p.109.

2.1. As Ações Judiciais na Área de Família Surgindo um conflito, normalmente os envolvidos buscam a obtenção de uma solução. Inicialmente não competia ao Estado a sua resolução, este não detinha o poder de ditar as leis nem impor a sua observação, e a solução se dava através força ou poder, prevalecia a justiça do mais forte sobre o mais fraco vigorava a regra do olho por olho, dente por dente, denominada autotutela. No entanto, a imposição da vontade de um sobre a do outro, não era uma forma ideal de busca da pacificação social pois, a vitória pela força ou pela astúcia não implicava na solução justa 5. Com o fortalecimento do Estado, este passa a ditar solução para os conflitos, independente da vontade dos particulares. Como regra geral, o fazer justiça com as próprias mãos é vedado pelo ordenamento jurídico e quando exercida pelo particular é tipificada como crime de exercício arbitrário das próprias razões e quando executada pelo Estado configura abuso de poder. Proibida a autotutela, surge o Poder do Estado de dizer o direto iuris dicto, ou seja, dizer quem tem a razão, assumindo assim o monopólio da jurisdição 6. Após rompimento das relações amorosas, nem sempre todas as questões decorrentes daquele relacionamento são resolvidas no âmbito familiar, levando as discussões para solução através do Poder Judiciário e gerando a propositura das chamadas ações de família, entendidas como as que evolvam divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, alimentos, guarda, visitação e filiação. A judicialização destas demandas dá azo à instauração de um processo que visa a prestação da tutela jurisdicional, que diz qual e de quem é o direito, por meio de uma sentença proferida por um terceiro, é a chamada resolução do conflito por heterocomposição, que tem como característica a substituição da vontade das partes, pela vontade do juiz prolator da decisão. Conforme afirma Chiovenda, ao exercer sua jurisdição, o Estado substitui, com uma atividades sua, as atividades daqueles que estão envolvidos no conflito trazido à jurisdição 7. Assim, quando é necessária a intervenção do Estado, o juiz ao proferir a decisão, exercendo a sua função jurisdicional, aplicará a lei ao caso concreto da maneira como considerar a melhor forma para a solução daquele conflito dentro dos liames do processo, a jurisdição é substitutiva da vontade dos litigantes porque a decisão a ser proferida pelo Estado juiz é imperativa a eles e de observância compulsória, obrigatória e, por que não dizer, forçada 8. Porém, embora o julgador acredite que aquela seja a melhor solução ao caso concreto, nem sempre trará satisfação às partes. Os conflitos que envolvam questões familiares devem ser tratados de maneira distinta dos meramente patrimoniais, pois o direito de família é o [...] ramo do 5 ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento. 3ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 29. 6 Idem. 7 CHIOVENDA apud DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17ª ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015, p. 154. 8 SÁ, Renato Montans. Manual de direito processual civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p.84.

direito que trata mais de perto com a pessoa, seus sentimentos, suas perdas e suas frustrações 9. Nas ações de família, não são, ao menos diretamente, questões patrimoniais que estão em disputa, mas, conflitos que decorrem de relações de afeto, conforme destaca acertadamente Rodrigo da Cunha Pereira: São os restos de amor que batem às portas do judiciário 10. Assim, nestas demandas nem sempre a sentença resolverá a situação conflituosa vivenciada pelas partes. Conforme destaca Maria Berenice Dias: A sentença raramente produz efeito apaziguador desejado, principalmente nos processos que envolvem vínculos afetivos. A resposta judicial nunca corresponde aos anseios de quem busca muito mais resgatar prejuízos emocionais pelo sofrimento de sonhos acabados do que reparações patrimoniais ou compensações de ordem econômica. Independentemente do término do processo judicial, subsiste o sentimento de impotência dos componentes do litigio familiar 11. Diante da carga emocional e afetiva presente nestes conflitos familiares os atores do processo, advogados, juízes, membros do Ministério Público, devem se portar de forma distinta do que se portariam em questões estritamente patrimoniais, conforme ressalta Silvio Venosa: O tradicional papel do advogado litigando cede lugar ao advogado negociador, que, juntamente com o juiz conciliador, aposta ao interessado, aponto ao interessado o modo mais conveniente para a solução do conflito que lhe aflige 12. É nesta perspectiva da singularidade das ações de família, que a heterocomposição, não é a melhor forma de solução, pois na maioria das vezes não concretiza o fim almejado que é a pacificação social e preservação dos laços afetivos que envolvem as partes litigantes, trazendo-lhes bem-estar. Ao tratar das ações de família Maria Berenice Dias nos faz refletir acerca de que o juiz não pode decidir de maneira imperativa e autoritária encaixando o fato ao modelo legal, pois se trata da vida, dignidade e sobrevivência das pessoas, amoldando-se a vida à norma. Deve-se buscar a identificação dos princípios, sem esquecer o preceito fundamental da dignidade da pessoa humana e sem esquecer da ética. Para a autora, de há muito o processo deixou de ser visto como instrumento meramente técnico para assumir a dimensão de instrumento ético, voltado a pacificar com justiça 13. Partindo do pressuposto que a heterocomposição não se apresenta como a melhor forma de solucionar conflitos judiciais, em 2010 foi editada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a resolução 125 que dispõe sobre a Política Judiciária 9 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 11ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 66. 10 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Comentários ao Novo Código Civil. v. XX. Rio de Janeiro: Forense. 2006, p.13 11 DIAS, Maria Berenice. Op. Cit. p. 69. 12 DIAS, Maria Berenice.Op. Cit. p. 67 apud Silvio Salvo Venosa. 13 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 11ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 66

Nacional (PJN) de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário 14. Na esteira da resolução do CNJ o Código de Processo Civil, que entrou em vigor em 2016 15 foi estruturado no sentido de promover e estimular a autocomposição. No âmbito das ações de família, o legislador foi enfático, prescrevendo no art. 694 [...] todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor de auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação 16. É nesta perspectiva de resolução consensual e pacífica das ações de família, de modo a preservar-lhe a paz e os laços familiares que surge o Falando em Família. 3. O PROJETO FALANDO EM FAMÍLIA O Falando em Família é um projeto de extensão lançado em maio de 2015 pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), vinculado à Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Culturais (Proex), em parceria com a Faculdades Secal (Faculdade Santa Amélia) e do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná por meio do Centro Judiciário de Solução de Conflitos de Ponta Grossa (CEJUSC). O projeto atualmente conta com 59 integrantes, professores e alunos das duas instituições de ensino citadas. A metodologia desenvolvida se dá por meio de oficinas que são realizadas semanalmente, às quintas-feiras, na sede do CEJUSC, sendo que os processos participantes são selecionados diretamente pela varas de família da Comarca de Ponta Grossa-PR, conforme o perfil estabelecido por estas. Em regra, abarca causas referentes à guarda, visitas, alimentos, separação, divórcio, alienação parental e em todos os processos selecionados, há envolvimento de crianças ou adolescentes. Após a seleção dos participantes, chamados jurisdicionados, estes são convidados a participar das oficinas, não sendo esta obrigatória. Os jurisdicionados são convidados a participar em datas diferentes, visando que cada um possa separadamente, expor o conflito que está vivenciando e refletir acerca do mesmo sem se constranger com a presença da parte adversa. As oficinas são realizadas no início do procedimento judicial. De acordo com o atual regramento processual recebida a petição inicial, decididos eventuais pedidos de tutela provisória, o juiz determinará a citação do réu para que compareça à audiência de conciliação ou mediação designada. Se nessa audiência as partes chegarem a um consenso, o acordo será homologado e colocará fim ao processo. Não havendo acordo, iniciará o prazo de 15 dias para que o réu apresente sua defesa, posteriormente haverá a instrução do feito com a produção das provas requeridas pelas partes para comprovar a alegação, finalizada a colheita de provas o 14 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA Resolução 125 de 29 de novembro de 2010. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=2579> Acesso em 18 de jun. 2017. 15 BRASIL. Código de Processo Civil. Lei 13.105 de 16 de março de 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm> acesso em 18 de jun. de 2017. 16 Idem.

juiz proferirá sentença, a qual poderá ser objeto de interposição de recurso pela parte que não estiver satisfeita com seu conteúdo. Nos processos selecionados para o projeto, juntamente com a citação para comparecer a audiência de conciliação e mediação, o réu receberá também o convite para participar da oficina, convite este que também será encaminhado para a parte autora, como já dito, participar em outra oficina, ocorrendo antes da audiência de conciliação. A metodologia utilizada nas oficinas do projeto remonta aos procedimentos circulares, eis que todos os participantes sentam-se em disposição circular, a fim de que não haja hierarquia e que todos possam se olhar. Em um primeiro momento há a apresentação de todos os presentes, posteriormente é explicado o motivo de terem recebido o convite para participar da oficina, e em um terceiro momento cada um dos litigantes, tem a oportunidade, caso queira, uma vez que não obrigatoriedade de falar, de contar acerca do conflito familiar vivenciado que desencadeou na propositura da ação judicial. Durante o momento em que os litigantes estão contanto suas histórias, relatando os conflitos decorrentes do rompimento das relações familiares, surgem dúvidas jurídicas, sejam relacionadas com o curso do processo judicial, seja com existência ou não direitos, questões que são esclarecidas pelos integrantes do projeto. O fechamento da oficina ocorre com a realização de dinâmica e/ou exposição de um vídeo, de acordo com o critério de equipe integrante, objetivando a reflexão acerca do necessidade de diálogo para que as próprias partes litigantes possam por meio da autocomposição, solucionar o conflito existente da melhor forma possível para todos, pondo fim ao processo judicial. Ao término da oficina é solicitado para que o jurisdicionado preencha a um questionário, a fim de que se possa verificar a evolução do projeto e possibilitar o seu aperfeiçoamento. As questões a serem respondidas tratam: da motivação para a ação judicial, faixas etárias das partes, grau de instrução, renda familiar, existência de filhos, conhecimento anterior acerca de questões jurídicas provenientes do processo, se a oficina colaborou no modo de pensar do convidado, do interesse para realização de acordo no processo, motivações para a atual forma de agir perante o conflito existente. O intuito da realização das oficinas, que ocorrem em momento anterior a audiência de conciliação, na qual é realizada a tentativa de acordo que se frutífera porá fim à ação judicial, é que cada parte tenha oportunidade de falar sobre a situação conflituosa que está vivenciando, partilhar de sua experiência, ouvir histórias de pessoas que estão passando por momentos semelhantes, mais ou menos complexos, e esclarecer dúvidas acerca de seus direitos e deveres, conflitos internos e externos e principalmente do entendimento de que, ao conciliar não está perdendo ou ganhando a ação, mas sim decidindo sobre a melhor solução para suas pendências familiares. Assim, pretende-se informar, ouvir e sensibilizar buscando a resolução definitiva do conflito.

3.1 Resultados No ano de 2016, foram selecionados 146 processos oriundos das varas de família da Comarca de Ponta Grossa-PR, sendo convidados a participar das oficinas 294 jurisdicionados, sendo que destes 157 compareceram. Observou-se uma maior participação dos autores em relação aos réus. No total foram convidados 147 autores, comparecendo 114. Dos 147 réus convidados apenas 43 compareceram. Dos processos selecionados para o projeto, em 81 deles foi realizado acordo em audiência de conciliação realizada no CEJUSC, pondo fim ao conflito, antes mesmo da apresentação de defesa pelo réu. Em 6 processos houve acordo parcial na audiência de conciliação, seguindo o processo com relação as questões sobre as quais as partes não chegaram a um consenso. Em 19 processos o acordo não foi realizado na audiência de conciliação que ocorre no CEJUSC mas, posteriormente, as partes realizaram o acordo na vara de família onde o processo tramitava. Ainda dos processos selecionados, houve 5 desistências, ou seja, a parte que propôs a ação não teve mais interesse no seu prosseguimento. Do total, em 7 processos foi proferida sentença e 28 ainda estavam em andamento quando da coleta dos dados. Em suma, foi possível verificar que dos 146 processos selecionados para o projeto, em 100 deles as partes entraram em um acordo pondo fim ao litígio e em 6 deles o acordo se referiu a parte do processo. Computando-se os acordos que colocaram fim ao processo e os parciais estes atingem o percentual de 73% dos processos selecionados para a oficina, restando assim atingido o objetivo da resolução consensual das ações de família. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Diante do presente estudo, é possível concluir que o projeto de extensão Falando em Família tem alcançado o seu propósito, não somente quanto à conscientização da necessidade da composição nos conflitos de âmbito familiar, bem como quanto aos resultados que tal posicionamento pode trazer para a família envolvida. Os núcleos familiares têm passado, através do tempo, por grandes modificações de costumes, pensamentos, comportamentos e ações, fatos que se podem verificar através da diversidade de ideias existentes em uma mesma família, o que por vezes gera conflitos, algumas das vezes de grande complexidade. Quando acontecem os conflitos e estes não conseguem ser resolvidos dentro do próprio núcleo familiar, uma ou ambas as partes podem entender que há a necessidade da demanda judicial para resolvê-los e é nesse momento que surge a atuação do presente projeto. Assim sendo, depois de dois anos de existência do projeto em estudo, através dos números obtidos durante o ano de 2016 foi possível avaliar que, embora autores e réus sejam convidados para as oficinas no mesmo número, são os autores que comparecem em maior quantidade. Também avaliou-se que em mais da metade dos processos selecionados, foi possível obter-se um acordo durante a audiência de conciliação, alguns acordos parciais e outros vários acordos realizados, após a audiência de instrução, na própria vara de família onde tramitavam. Um pequeno

número de desistência do processo. Dos processos que ainda estão tramitando, em menos de uma dezena as sentenças já haviam sido proferidas e outros tantos continuam em andamento, ainda sem solução definitiva. Conclui-se por fim que, o projeto Falando em Família, desde a sua criação em 2015, tem conseguido atingir seus principais objetivos que são os de solucionar conflitos familiares de forma mais rápida e autocomposta. REFERÊNCIAS ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento. 3ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. BRASIL. Código de Processo Civil. Lei 13.105 de 16 de março de 2015. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm> acesso em 18 de jun. de 2017. CACHAPUZ, Rozane da Rocha. Mediação nos conflitos & Direito de Família. 1ª. Ed. Curitiba: Juruá,2011. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA Resolução 125 de 29 de novembro de 2010. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=2579> Acesso em 18 de jun. 2017. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 11ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17ª ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. v.05. 18. ed., São Paulo: Saraiva, 2002. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Comentários ao Novo Código Civil. v. XX. Rio de Janeiro: Forense. 2006. SÁ, Renato Montans. Manual de direito processual civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016.