PROJECTO DE LEI N.º 130/IX PROTECÇÃO DAS FONTES DOS JORNALISTAS. Exposição de motivos



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Transcrição:

PROJECTO DE LEI N.º 130/IX PROTECÇÃO DAS FONTES DOS JORNALISTAS Exposição de motivos A Constituição da República Portuguesa define, na alínea b) do n.º 2 do artigo 38.º, que a liberdade de imprensa implica «o direito dos jornalistas, nos termos da lei, ao acesso às fontes e à protecção da independência e do sigilo profissional, bem como o direito de elegerem conselhos de redacção». Apesar da norma constitucional remeter para a lei ordinária, é interpretação dos constitucionalistas Vital Moreira e J. J. Gomes Canotilho, que «a lei não pode limitar o direito ao sigilo profissional, apenas lhe cumpre garantir a sua protecção» (in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, Coimbra Editora, 1993). O Estatuto dos Jornalistas (Lei n.º 1/99, de 13 de Janeiro), no seu artigo 6.º, estipula, entre os direitos dos jornalistas, «a garantia do sigilo profissional», e no artigo 11.º, que define o sigilo profissional, estatui que «sem prejuízo do disposto na lei processual penal, os jornalistas não são obrigados a revelar as suas fontes de informação, não sendo o seu silêncio passível de qualquer sanção directa ou indirecta». Também a alínea b) do artigo 22.º da Lei de Imprensa (Lei n.º 2/99, de 13 de Janeiro) consagra como um dos direitos dos jornalistas «o direito

ao sigilo profissional», com a extensão definida na Constituição da República Portuguesa e no Estatuto dos Jornalistas. O Código Deontológico dos Jornalistas define que «o jornalista não deve revelar, mesmo em juízo, as suas fontes confidenciais de informação, nem desrespeitar os compromissos assumidos». É neste sentido restritivo que as várias instituições europeias têm entendido o levantamento do direito de não divulgação das fontes pelos jornalistas. É também esta a interpretação da Alta Autoridade para a Comunicação Social, em comunicado de 25 de Setembro de 2002: «Pela sua própria natureza, esta limitação do direito de não divulgação da fonte pelo jornalista não pode deixar de ser interpretada de forma restritiva e de aplicação circunscrita às situações expressamente previstas no referido preceito legal, cuja aplicabilidade ao sigilo dos jornalistas será mesmo questionável, dada a sua consagração profissional». No entanto, recentemente, um jornalista foi detido por se recusar a revelar uma fonte. Por se encontrar em segredo de justiça, não nos cabe aqui tecer grandes comentários sobre a decisão nem sobre os seus fundamentos. Contudo, e apesar da garantia constitucional, parece ter havido espaço suficiente no artigo 135.º do Código do Processo Penal para uma leitura abrangente sobre o levantamento do segredo profissional dos jornalistas. Uma das razões para uma interpretação mais lata do disposto na lei poderá ter sido uma confusão entre o sigilo a que estão obrigados os jornalistas e os outros profissionais, como os advogados, médicos ou ministros de confissão religiosa. Na realidade, trata-se de um sigilo de

diferente natureza, e cuja razão de ser é totalmente diversa, já que o dever do jornalista nada tem a ver com a obrigação de guardar segredo sobre uma determinada informação mas, sim, sobre a sua fonte. Assim, os advogados e os médicos devem manter sigilo sobre as informações que obtêm no âmbito das suas actividades para que exista uma total confiança na relação com os seus clientes, necessária à boa prossecução das referidas actividades. O jornalista, pelo contrário, tem como principal função divulgar as informações que obtém, incidindo o seu dever de sigilo sobre a protecção da sua fonte, pois sem esta protecção não haveria informação e, consequentemente, estaria limitado o direito a informar e ser informado. Sendo o sigilo de natureza diferente, dificilmente poderá ter igual tratamento. A protecção dessa fonte corresponde, pois, a um direito, que se liga a um valor fundamental para a nossa democracia, e só por isso tem tratamento constitucional: a liberdade de informação é a base de qualquer sistema democrático. Sabendo-se que não há imprensa livre e independente sem fontes não oficiais e que a defesa da liberdade de imprensa é um valor fundamental para a democracia, parece-nos importante especificar na letra da lei aquilo que, em nossa opinião, já resultaria do espírito da própria lei, com vista a uma clarificação das condições absolutamente excepcionais em que os jornalistas estejam obrigados a levantar a sua obrigação e direito de protecção das suas fontes. Nestes termos, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º (Objecto) O presente diploma altera o artigo 135.º do Código do Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 7/87, de 17 de Fevereiro, alterado pelos Decretos-Lei n.º 387-E/87, de 29 de Dezembro, e n.º 17/91, de 10 de Janeiro, pela Lei n.º 57/91, de 13 de Agosto, pelos Decretos-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro, n.º 343/93, de 1 de Outubro, n.º 317/95, de 28 de Novembro, pelas Leis n.º 59/98, de 25 de Agosto, n.º 3/99, de 13 de Janeiro, n.º 7/2000, de 27 de Maio, pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro, e pela Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, com vista à especificação dos motivos para o levantamento do sigilo profissional dos jornalistas. Artigo 2.º (Altera o artigo 135.º do Código do Processo Penal) redacção: O artigo 135.º do Código do Processo Penal passa a ter a seguinte «Artigo 135.º ( ) 1 ( )

2 ( ) 3 ( ) 4 O disposto no número anterior não se aplica ao segredo religioso e apenas se aplica aos jornalistas quando esta seja a única e última forma de prevenir, directamente, um crime. 5 ( )» Artigo 3.º (Entrada em vigor) O presente diploma entra em vigor no dia da sua publicação. Palácio de São Bento, 4 de Outubro de 2002. Os Deputados do BE: Francisco Louçã Ana Drago João Teixeira Lopes.