Análise Numérica do Ensaio de Indentação em WC-6Co

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Transcrição:

ISSN 1517-7076 Revista Matéria, v. 10, n. 1, pp. 101 110, Março de 2005 http://www.materia.coppe.ufrj.br/sarra/artigos/artigo10633 RESUMO Análise Numérica do Ensaio de Indentação em WC-6Co A.M.S. Dias 1, P.J. Modenesi 2, G.C. Godoy 2, P.R. Cetlin 2 1 Departamento de Mecânica Universidade Federal de São João del-rei (UFSJ). Praça Frei Orlando, 170 SJdRei MG Brasil CEP.: 36307-904 2 Departamento de Engenharia Metalúrgica Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Rua Espírito Santo, 35/104, Centro Belo Horizonte MG Brasil CEP.: 30160-030 e-mail: avelino@ufsj.edu.br O presente trabalho apresenta os resultados obtidos da simulação numérica através de modelos discretos de elementos finitos do comportamento mecânico de uma amostra de carboneto de tungstênio contendo 6% de cobalto durante o ciclo de indentação Vickers. Este material, o qual em sua forma sinterizada é utilizado na confecção de ferramentas de corte, apresenta altas dureza superficial e resistência mecânica à compressão, porém baixa tenacidade à fratura, o que diminui sua vida útil quando aplicado em severas condições de desgaste. Neste artigo estão apresentados os resultados de um modelo tridimensional com elementos cúbicos implementado em um código comercial de elementos finitos, o qual se mostra promissor para análises de problemas onde ocorrem processos de fratura. Os resultados numéricos de dureza superficial apresentam-se dentro da faixa dos valores experimentais presentes na literatura especializada, assim como o comportamento numérico da carga versus deslocamento, durante o ciclo de indentação, mostra-se compatível com valores teóricos e experimentais. Por fim, utiliza-se um modelo constitutivo de trinca difusa para identificar, a partir do campo das máximas tensões principais, as regiões mais susceptíveis para a nucleação de trincas que ocorrem durante estes ensaios de indentação em amostras de WC-6Co e, assim, identificar o tipo de trinca formado. Palavras chaves: Elementos finitos, ensaio Vickers, fratura. ABSTRACT Numerical Analysis of Indentation Testing in WC-6CO This work aims to use discreet models of finite elements to simulate mechanical behaviour of a tungsten carbide with 6% of cobalt specimen during the Vickers indentation testing. This material is commonly used, on its sintered form, as cutting tools for machining. It presents high surface hardness and mechanical strength under compression loads but its low fracture toughness can reduce its life cycle under severe wear conditions. In this paper, the results of a three dimensional model of finite brick elements developed in a commercial solver of finite elements are presented. The surface hardness numerical results that were obtained are close to the experimental values presented on the literature. The load versus displacement behaviour that was predicted numerically during an indentation cycle was similar to theoretical and experimental curves found in the literature. Finally, a diffuse crack constitutive model was used to identify the most probable crack nucleation sites that usually occur during real indentation testing of a WC- 6Co specimen. Keywords: Finite element, Vickers indentation testing, fracture. 1 INTRODUÇÃO Os ensaios de indentação Vickers têm sido amplamente utilizados para a determinação da dureza superficial em diferentes materiais [1]. Devido à sua grande versatilidade, numerosos trabalhos estão sendo desenvolvidos neste campo, estudando-se novas metodologias e aplicações para estes ensaios. Recentes trabalhos propõem a utilização dos ensaios de indentação como uma ferramenta capaz de avaliar características mecânicas como o módulo de Young (E), a tenacidade à fratura (K IC ) e uma possível curva de fluxo do comportamento elasto-plástico destes materiais [2]. Entretanto, a implementação destas Autor Responsável: A.M.S. Dias

metodologias para a avaliação das propriedades mecânicas e os seus resultados obtidos ainda ocasionam dúvidas no meio científico [3, 4]. Estas dúvidas são mais intensas quando se pretende avaliar a tenacidade à fratura de carbonetos de tungstênio com cobalto que, apesar de serem considerados materiais frágeis, apresentam um certo comportamento dúctil [5]. Estes materiais são utilizados na fabricação de ferramentas de corte, as quais exigem uma grande dureza superficial aliada a grandes resistências à compressão e ao desgaste [6]. Devido a estas características mecânicas peculiares, estes carbonetos são difíceis de serem avaliados através dos ensaios mecânicos convencionais. Por isso, numerosos trabalhos utilizando testes não convencionais têm sido desenvolvidos para determinar suas propriedades mecânicas e, dentre estes, os ensaios Vickers têm se destacado [7, 8]. Contudo, esta técnica de indentação apresenta algumas limitações e complicações, principalmente na avaliação da tenacidade à fratura, das quais se destaca a diversidade de equações experimentais encontradas na literatura que utilizam dois possíveis modelos para prever os mecanismos de nucleação e propagação de trincas, Figura 1 [5, 9]. Figura 1: Comparação dos modelos geométricos de trincas radias Palmqvist: (a) Niihara [9]; (b) Laugier [5]. Em função destas limitações na análise dos ensaios experimentais Vickers e das diferentes equações semi-empíricas encontradas na literatura para avaliação da tenacidade à fratura do WC-Co, o uso de uma técnica numérica capaz de avaliar os campos de tensões e de deformações durante o ciclo do ensaio Vickers pode auxiliar em uma interpretação mais segura deste ensaio. Na última década, esta metodologia começou a ser estudada através de modelos discretos de elementos finitos para avaliar o comportamento de diferentes materiais sob ensaio de indentação [10-13]. Porém, esta técnica também tem apresentado problemas, principalmente devido às limitações computacionais e à dificuldade na implementação de critérios que sejam capazes de identificar os locais de nucleação e propagação de trincas e o tipo de trinca formada. Neste trabalho estão apresentados os resultados de análises numéricas do ciclo de indentação Vickers em uma amostra de carboneto de tungstênio contendo 6% cobalto (WC-Co), através de um solver comercial de elementos finitos, MARC [14]. 2 METODOLOGIA Para simular o carboneto de tungstênio contendo 6% de cobalto durante o ciclo de indentação Vickers e avaliar seus campos de tensões e de deformações, foram implementados modelos numéricos através da discretização do ensaio utilizando-se elementos tridimensionais e com a incorporação de um comportamento mecânico bimodular, Figura 2. O comportamento mecânico do material estudado se assemelha a este modelo de bimodularidade [6, 15]. 102

Este modelo constitutivo considera que o material apresenta uma baixa resistência à tração, porém possui boa resistência à compressão, podendo, inclusive, sofrer deformações plásticas com encruamento. O mesmo é capaz de incorporar características frágeis, pois, sob tração, admite um comportamento elástico até seu limite de ruptura (σ CR ). Após alcançar este limite, permite-se o trincamento, caracterizado por uma deformação inelástica de trincamento (dano) do material na direção normal à máxima tensão principal e o modelo passa a ter um comportamento ortotrópico, (Figura 3). Este modelo permite a formação de, no máximo, três trincas perpendiculares entre si, caso as tensões normais principais excedam o limite de ruptura do material e, assim sendo, após a nucleação da primeira trinca, uma segunda trinca pode se nuclear perpendicularmente a primeira e uma terceira trinca também se formaria perpendicularmente às duas anteriores. Ele também permite a incorporação de um comportamento de decréscimo na resistência da estrutura após a formação da primeira trinca descrito através de um parâmetro de amolecimento do módulo de elasticidade (E S ), Figura 2 [14, 15]. Figura 2: Diagrama uniaxial de tensão versus deformação para modelo de trinca difusa [15]. Neste trabalho, o modelo de bimodularidade foi testado para avaliar a fratura no ciclo de indentação do WC-6Co. O valor numérico do dano foi estimado através da determinação da deformação inelástica de trincamento que ocorre quando a máxima tensão principal ultrapassa a tensão crítica do material, Figura 2. Figura 3: Desenvolvimento de fissura perpendicular à direção da tensão principal [15]. Segundo a literatura, o WC-6Co, na sua forma sinterizada, apresenta uma distribuição uniforme de carbonetos na matriz de cobalto, além de manter características isotrópicas [15]. Por isso, a amostra estudada foi modelada como sendo um material isotrópico e homogêneo. Devido às dificuldades de se obter dados experimentais a partir de ensaios mecânicos convencionais para caracterizar o comportamento mecânico não 103

linear do WC-6Co, foram utilizados os valores encontrados na literatura para ensaios experimentais de indentação neste material [2]. A Tabela 1 ilustra os valores experimentais adotados para o módulo de Young, o coeficiente de Poisson (ν), o limite de escoamento (σ y ), o limite de ruptura (σ CR ) e o fator de intensidade de tensões crítico (K IC ), assim como os valores experimentais adotados para a curva de fluxo da Equação (1), representando o comportamento elasto-plástico deste material sob compressão σ e, ε e, ε e, m e n os quais são, respectivamente, tensão efetiva, deformação efetiva, velocidade de deformação efetiva, coeficiente de encruamento e coeficiente de sensibilidade à velocidade de deformação. m n e = Co + kε e ε e (1) σ Tabela 1: Propriedades mecânicas do WC-6Co [2, 6 e 15] E (GPa) ν σ CR (MPa) σ y (MPa) k (MPa) C o (GPa) n m K IC (MN/m 3/2 ) 619,5 0,28 3750 5760 18060 0,0 0,0 0,244 10,0 2.1 Discretização do Modelo Numérico O teste de dureza consiste na penetração de um indentador, considerado rígido, na superfície de uma amostra do material a ser avaliado. O indentador Vickers é uma pirâmide de diamante de base quadrada com ângulo de abertura entre as faces opostas de 136 o. Este ensaio apresenta uma particularidade muito importante do ponto de vista da análise numérica, pois o valor de sua dureza independe da carga aplicada e pode ser considerado proporcional à razão entre a força e a impressão do indentador na superfície da amostra [1]. Por isso, é possível realizar a simulação numérica da aplicação da carga do ensaio Vickers através do deslocamento prescrito do indentador, permitindo-se, assim, um melhor controle numérico no início e durante a simulação do ciclo de indentação [13]. Observando a Figura 1, verifica-se uma outra particularidade deste ensaio, que é sua simetria em relação à ¼ da geometria, assim como, a simetria da impressão da indentação na amostra ensaiada, neste caso, desconsiderando os defeitos de afundamento e de aderência que podem ocorrer durante o ensaio [13, 15]. Desta forma, pode-se modelar este problema considerando apenas ¼ de simetria reduzindo o esforço computacional, Figura 4. Nos ensaios experimentais de indentação Vickers, a carga é levemente aplicada na superfície da amostra com uma velocidade de penetração que deve estar entre 0,001mm/s a 0,02mm/s. Esta carga é mantida durante um tempo de trinta segundos, sendo depois retirada [1]. Para melhor representar numericamente estes ensaios, a simulação numérica foi executada em duas fases, uma de descida do indentador, seguida da subida do mesmo, completando-se o ciclo [13]. Na discretização do ensaio, o indentador Vickers foi considerado como sendo uma casca rígida com inclinação de 136 o penetrando numa placa circular plana com as características mecânicas do WC-6Co. Adotou-se um deslocamento prescrito de 0,02mm para o ciclo de indentação, pois este valor está compatível com os deslocamentos obtidos nos testes experimentais Vickers numa liga de WC-6Co sob ação de uma carga de 294N [15, 16]. Por fim, a velocidade de penetração utilizada foi de 0,01mm/s na descida, através de 800 incrementos, e de 0,02mm/s na subida do indentador em 200 incrementos. Como o modelo do comportamento mecânico do material permite simular possíveis fissuras na estrutura, as quais resultam em uma diminuição de sua capacidade de resistir à carga, o campo de tensões internas deve ser redistribuído para regiões onde não apareçam estas trincas. Para estudar a distribuição e redistribuição destas tensões internas, utilizaram-se três mil elementos isoparamétricos cúbicos de vinte nós na discretização da malha da amostra do modelo numérico, Figura 4. Esta placa possui restrição ao deslocamento na direção da indentação como condição de contorno de sua base. Para garantir a simetria do problema, foram aplicadas as condições de contorno relativas a esta simetria, impondo-se restrições aos deslocamentos nas direções radiais [15, 16]. 3 RESULTADOS E DISCUSSÕES. O solver de elementos finitos MARC é capaz de avaliar o valor da dureza superficial quando ocorre contato entre duas peças ou superfícies [14]. No presente modelo numérico, foi utilizada esta opção para o contato entre o indentador, modelado como um corpo do rígido, e a placa do WC-6Co, considerado como um material deformável. O valor obtido para a dureza superficial nesta simulação foi comparado com valores experimentais de dureza Vickers (H v ) encontrados na literatura, Tabela 2. Verifica-se que o valor obtido numericamente para a dureza superficial do WC-6Co está compreendido dentro da faixa de valores de 104

dureza Vickers deste material e, portanto, esta análise numérica parece representar bem o comportamento global destes ensaios. Tabela 2: Comparação dos valores de dureza Vickers para o WC-6Co Modelo numérico avaliado Análise numérica 17,42 GPa Trent [6] Análise experimental 16,70 18,00 GPa Dias et al. [16] Análise experimental 15,50 18,30 GPa Figura 4: Modelo numérico da amostra de WC-6Co em um ensaio Vickers. A Figura 5 mostra o gráfico do comportamento global do carregamento no indentador em função de seu deslocamento para o modelo numérico implementado. Este gráfico se mostra compatível com curvas similares encontradas na literatura para os ensaios de indentação Vickers em materiais frágeis [2, 11, 17]. Essa curva indica que o carboneto de tungstênio contendo 6% de cobalto apresenta uma pequena deformação plástica ao final do descarregamento. Este campo de deformações plásticas é o responsável pelo aparecimento de um campo de tensões residuais durante a fase de descarregamento do ciclo de indentação que é considerado como um fator importante para a formação e propagação de trincas neste material durante o ensaio de indentação [9, 15, 17]. Uma vez determinado que o modelo desenvolvido reproduzia adequadamente o comportamento global do ensaio Vickers, analisou-se a distribuição das máximas tensões principais previstas pelas simulações numéricas. Conforme descrito na metodologia, usou-se a teoria de Rankine para levantar as regiões, pontos, ou nós, que apresentaram condições para a nucleação de trincas, conforme a Equação (2) [15]. σ 1 σ CR (2) 105

Figura 5: Curva de carga versus deslocamento (Pxh) da simulação do ensaio Vickers em um WC-6Co. Figura 6: Distribuição da máxima tensão principal na direção da diagonal do indentador. A Figura 6 ilustra a distribuição da máxima tensão principal no plano da diagonal do indentador após o ensaio. Neste plano encontram-se as regiões que se mostram críticas para a nucleação de trincas a partir de ensaios experimentais e numéricos encontrados na literatura [5, 8 e 9]. Como esperado, constata-se a 106

existência de um campo de tensões residuais de tração próximo à superfície da amostra na direção da diagonal do indentador [17]. Esta Figura também mostra uma região com pouca possibilidade de nucleação e crescimento de trincas, localizada abaixo da indentação, na qual o campo de tensões residuais é de compressão [9]. Para acompanhar a evolução da distribuição prevista numericamente das tensões durante o ciclo de indentação, escolheram-se quatro nós (13122, 321, 12802 e 311) situados na superfície da amostra e na direção radial da diagonal do indentador. Estes foram selecionados por se encontrarem situados próximos ao campo das máximas tensões principais bem como na interface das regiões deformadas elástica e plasticamente, Figura 7. Os valores numéricos para o campo de deformação plástica no modelo numérico que considera a formação de trinca difusa foram similares aos resultados encontrados na literatura [15, 17]. Os valores da máxima tensão principal obtidos numericamente para os nós selecionados, Figura 6, para o instante de aplicação da carga máxima (interação 800) e ao final do ensaio (interação 1000) estão discriminados na Tabela 3. A Figura 8 ilustra a evolução da máxima tensão principal durante o ciclo de indentação para este modelo numérico mostra que a região na direção radial da diagonal do indentador é crítica do ponto de vista da máxima tensão principal. Tabela 3: Valores da máxima tensão principal na região da diagonal do indentador. Nó Distância da ponta do indentador mm Tensão MPa (interação 800) Tensão Mpa (interação 1000) 13122 0,065-2775 3217 321 0,07 1827 3193 12802 0,075 4233 3071 311 0,08 3574 3222 Figura 7: Campo de deformação plástica equivalente após o ensaio de indentação. O modelo de trinca difusa avalia o mecanismo de fratura através da incorporação de trincas no modelo numérico e da determinação do dano em seus elementos. Este dano é a componente inelástica que aparece quando ocorre a formação de trincas na estrutura, conforme anteriormente descrito [15]. A Figura 9 mostra a evolução do dano equivalente para os nós selecionados na direção da diagonal do indentador durante o ciclo de indentação. Avaliando-se qualitativamente o comportamento deste dano, nota-se que, segundo este modelo numérico, o trincamento se inicia próximo à fase final de carregamento do 107

ensaio e se desenvolve durante o descarregamento. Esta evolução parece ser consistente com a descrição da nucleação das trincas Palmqvist encontrada na literatura para os carbonetos de tungstênio com cobalto [3, 9 e 15]. Figura 8: Comportamento da máxima tensão principal para os nós selecionados no ciclo de indentação. Figura 9: Evolução do dano para os nós selecionados no ciclo de indentação. 108

4 CONCLUSÕES Os modelos discretos tridimensionais desenvolvidos neste trabalho para representar numericamente os ensaios de indentação Vickers em uma amostra de WC-6Co apresentaram bons resultados para o seu comportamento global. Tanto o valor numérico da dureza superficial quanto o comportamento da curva (Pxh) se mostraram similares aos resultados encontrados na literatura. Este modelo indicou que a região da direção radial da diagonal do indentador apresenta-se como uma região crítica para a formação de trincas do ponto de vista da máxima tensão principal. A evolução dos valores numéricos encontrados para o dano durante o ciclo do ensaio de indentação também mostrou que a região da diagonal do indentador é crítica. Os elementos desta região apresentaram um decréscimo na sua resistência, associado à nucleação de trincas prevista numericamente, devido as características do modelo de trinca difusa utilizado. Por fim, este modelo de bimodularidade foi capaz de representar o comportamento do WC-6Co, ou seja, de suportar grandes deformações plásticas sob compressão e de apresentar características frágeis sob tração. As simulações numéricas mostraram que este modelo é capaz de capturar algumas características da formação de trincas durante o ciclo de indentação. Outro ponto relevante é que além de prever a nucleação de trincas radiais, este modelo identificou uma possível nucleação de trincas ao redor da região de indentação no descarregamento do ensaio. Entretanto, o modelo de trinca difusa apresenta algumas limitações, uma delas é que após a iniciação da primeira trinca em um ponto, há a possibilidade da formação de novas trincas, porém sempre perpendiculares entre si. Uma outra limitação é que o modelo não consegue prever a direção de propagação das trincas, identificando apenas os elementos que começam a apresentar formação de trincas. Apesar dos resultados obtidos indicarem a possibilidade da nucleação de trincas radiais Palmqvist durante o ciclo do ensaio no WC-6Co, a falta de parâmetros para se calcular o valor do dano crítico para este material impendem um maior avanço nestas análises. Como alternativa para se tentar avaliar o crescimento de trincas, propõe-se utilizar em trabalhos futuros o fator de intensidade de tensões crítico (K IC ) como critério de falha. 5 AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao suporte financeiro provido pelas agências de fomento à pesquisa CAPES/PICDT e FAPEMIG. 6 REFERÊNCIAS [1] SOUZA, S.A., Ensaios Mecânicos de Materiais Metálicos: Fundamentos Teóricos e Práticos, Ed. Edgard Blücher LTD, 5 th Ed., 2000. [2] ZENG, K., CHIU, C.-H, An Analysis of Load-Penetration Curves from Instrumented Indentation, Acta Materialia, v. 49, pp. 3539-3551, 2001. [3] PONTON, C.B., RAWLINGS, R.D., Vickers Indentation Fracture Toughness Test, Part 1: Review of Literature and Formulation of Standardised Indentation Toughness Equations, Materials Science and Technology, v. 5, pp. 865-872, 1989. [4] SCHUBERT, W.D., NEUMEISTER, H., KINGER, G., LUX, B., 1998, Hardness to Toughness Relationship of Fine-grain WC-Co Hardmetals, International Journal of Refractory Metals & Hard Metals, v. 16, pp. 133-142, 1998. [5] LAUGIER, M. T., Palmqvist Crack Extension and the Center Loaded Penny Crack Analogy, Journal of American Ceramic Society, v. 68, pp. 51-52, 1985. [6] TRENT, E.M., Metal Cutting, Butterworths & Co. LTD., 2 nd Edition, 1984. [7] DENSLEY, J.M., HIRTH, J.P., Fracture Toughness of a Nanoscale WC-Co Tool Steel, Scripta Materialia, v. 38, pp. 239-2444, 1998. [8] SZUTKOWSKA, M., Fracture Toughness Measurement of WC-Co Hardmetals by Indentation Method, Journal of Advanced Materials, v. 31, n. 3, pp. 3-7, 1999. 109

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