\l A ESCAVAÇÃO DA NAU DA CARREIRA DAS índias NOSSA SENHORA DOS MÁRTIRES. PROJETO SÃO JULlÃO DA BARRA, PORTUGAL: ESTÁGIO ORIENTADO FLÁVIO RICCI CALlPPO' RESUMO Exposição da participação do autor na escavação subaquática dos restos da Nau "Nossa Senhora dos Mártires", afundado na Saia do Rio Tejo - Portugal. PALAVRAS-CHAVE: Escavação subaquática; Arqueologia; Portugal. 1 - INTRODUÇÃO De 22 de julho a 6 de agosto de 1997, o autor participou da segunda etapa da escavação subaquática nos restos da nau da Companhia das índias Nossa Senhora dos Mártires, no âmbito do 'Projeto São Julião da Barra. O estágio foi realizado no Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática (CNANS), em Portugal, sob a orientação dos arqueólogos Francisco Alves e Filipe Castro. A motivação para a realização deste estágio surgiu da preocupante situação em que se encontrava, e ainda se encontra, a arqueologia subaquática no Brasil. Com exceção de trabalhos realizados por Rambelli (1994, 1996, 1998) e por Camargo (com. pess.)", nenhum trabalho arqueológico subaquático havia sido executado com fins claramente científicos. No Brasil, ainda se confunde a simples busca e recuperação de artefatos com arqueologia subaquática. Rambelli foi o primeiro a tratar estes vestígios arqueológicos como documentos materiais dos eventos e dos processos históricos. Analisou os vestígios de forma sistemática, buscando a reconstituição da informação histórica contextualizada e não o valor monetário dos espólios. Foi procurando colaborar com essa linha de pesquisa científica que o autor buscou se aprimorar. A escolha do CNANS - recomendado por Rambelli - se deu em função de sua idoneidade institucional, da experiência científica de seus integrantes e, principalmente, por sua participação no Graduando em Oceanologia pela FURG e integrante da equipe do Laboratório de Ensino e f'esquisas em Antropologia e Arqueologia (LEPAN) da mesma universidade. Dissertação de mestrado em andamento. BIBLOS. Rio Grande. 13: 7-18. 2001. 7
desenvolvimento e promulgação de uma das mais avançadas sobre o patrimônio arqueológico submerso. legislações 2 - A CARREIRA DAS índias Segundo Magalhães (1998), foi somente após a chegada de D. João 11 ao poder que se começou a delinear o projeto de chegar à índia por via marítima. O principal objetivo deste empreendimento, que mais tarde seria batizado com o nome de Companhia da índias, era o de trazer pimenta, outras especiarias e drogas asiáticas que seriam vendidas para a Europa. Inicialmente, não havia a pretensão de obter qualquer monopólio ou sequer preferência para Portugal no Oriente. Muito simplesmente, o rei português queria descobrir a rota de ligação e, eventualmente, entrar em tratados que pudessem proporcionar bons lucros à Coroa, não havendo projeto prévio de dominação. Para obter mais do que as informações difusas sobre o comércio asiático, que corriam por toda a Europa, D. João enviou à índia por terra, em 1487, Pêro de Covilhã e Afonso de Paiva. De Afonso de Paiva perdeuse o rastro, e de Pêro da Covilhã, sabe-se que foi à índia, pelo Egito, passando por Cananor, Calecute, Goa, Ormuz e Toro (no mar Roxo). De lá, veio ao Cairo, onde havia combinado de se encontrar com Afonso de Paiva. Através de dois judeus portugueses, enviou a D. João notícias do que encontrara. Informações de valor, porém demasiado breves, visto que os portugueses nada sabiam da Ásia e de seu comércio quando Vasco da Gama aportou em Calecute, em 1498 (Magalhães, 1998). Desde a viagem inaugural de Vasco da Gama (1497-1499) que abriu a rota para a índia, via cabo da Boa Esperança, todos os anos, às custas da Coroa, partiam uma ou duas armadas de quatro, seis e até onze navios, entre naus e galeões (D'lntino, 1998). 3 - O NAUFRÁGIO DA NOSSA SENHORA DOS MÁRTIRES A Nossa Senhora dos Mártires era uma das naus da armada de Brás Teles de Menezes que zarpou de Lisboa em direção às índias, no dia 27 de março de 1605. "As naus realizaram uma travessia calma, chegando a Goa por volta do dia 28 de setembro. Após rápido apresto e o carregamento dos navios, a armada, com exceção da Nossa Senhora dos Mártires e da Nossa Senhora da Salvação, iniciara a viagem de retorno a Lisboa no dia 30 de dezembro". (D'lntino, 1998, p.157-163). A Nossa Senhora dos Mártires, carregada ~om volumosa carga de pimenta, junto com a Nossa Senhora da Salvaçao, partiram quinze dias depois, em 16 de janeiro de 1606 (D'lntino, 1998). 8 Apesar de não haver documentação sobre a viagem de regresso das duas naus, não parece que o atraso tenha sido a causa de seus naufrágios. A nau Salvação chegou à vista de Cascais na tarde do dia 12 de setembro de 1606. Devido ao vento sul, foi lançada em direção à costa, encalhando no fundo arenoso e naufragando na baía de Cascais a 13 setembro de 1606. Na tarde desta mesma data, a Nossa Senhora dos Mártires fundearia em Cascais (D'lntino, 1998). O naufrágio da Nossa Senhora dos Mártires ocorreu na entrada da barra do Tejo. Existe uma quase unanimidade das fontes históricas quanto à data do naufrágio. Com exceção do Memorial de Pero Roiz Soares, que aponta para o dia 14 de setembro de 1606, todas as outras fontes indicam como data mais provável o dia 15. Apesar disto, o naufrágio pode ter realmente ocorrido no dia 14, visto que a Nossa Senhora dos Mártires esteve fundeada em Cascais no dia 13. Levando-se em conta que poucas horas separam Cascais de São Julião da Barra, parece duvidoso que a nau tenha esperado quase dois dias para levantar ferro (Alves et ai., 1998). O que tudo indica é que, com o porão alagado, fustigada pela chuva e pelo vento, a Nossa Senhora dos Mártires deva ter ultrapassado largamente o meridiano da fortaleza de São Julião da Barra, e, devido ao efeito cumulativo do vento sul, do mar de sudoeste e da corrente de maré vazante, tenha se desgovernado. A trajetória final teve provavelmente a direção sudestenoroeste, levando a nau a colidir com um proeminente esporão rochoso, conhecido como Ponta da Laje (figura 1). A maré, as correntes e o vento teriam arrastado a nau em direção à fortaleza até que a quilha tenha se chocado contra o fundo rochoso, rompendo-se em vários pontos. Perdendo parte do fundo da carena do casco, ficaram depositados nesse local parte substancial da carga e das peças de artilharia (Alves et ai., 1998). BIBLOS. Rio Grande. 13: 7 18. 2001. II II FIGURA BlBLOS. 1 - Carta Hidrográfica Rio Grande. 13: 7 18. 2001. da barra do Tejo. Lisboa, Instituto Hidrográfico. 9
Todo o restante do que compunha a embarcação teria se espalhado pelas imediações e pelas praias que circundam São Julião da Barra. A parte mais substancial dos destroços teria se espalhado pela praia de Carcavelos, a oeste, e com a virada da maré, também em direção ao Tejo. As praias da região ficaram cobertas por inúmeros destroços da embarcação e pelos cadáveres das mais de duzentas pessoas que morreram no naufrágio. Segundo o relato de D. Luís Bravo de Acufía, pode-se imaginar o Tejo coalhado de pimenta, que, como um gigantesco manto preto, subia e descia ao sabor das marés, enegrecendo as praias a montante e a jusante da fortaleza (Alves et ai., 1998). A carga da nau, principalmente pimenta da Coroa e inúmeros fardos e barris, foi se espalhando por cinco léguas ao longo de toda a costa entre a barra do Tejo e Cascais. Oficiais régios, soldados e alguns voluntários entre a população fizeram todas as diligências possíveis para recuperar a pimenta. Apesar da constante vigilância, inúmeros foram os roubos cometidos (D'lntino, 1998). De acordo com o livro do escrivão da nau, havia um total de 150 membros da tripulação, a qual era a mesma da viagem de ida. O gênero de passageiros, pelo contrário, variava conforme o trajeto: padres missionários, soldados e outros oficiais régios e jovens sem família, que iam para a índia casar-se às custas da Coroa, bem como as inúmeras mulheres e crianças que embarcavam clandestinamente, constituíam a maior parte dos passageiros que iam para a índia. De Goa para Lisboa, viajavam clandestinamente os soldados e oficiais menores em fuga de suas praças orientais. Em grande número eram ainda os pajens orientais e africanos que viajavam com seus senhores, registrados ou não. A maioria das fontes concordam em afirmar que no naufrágio morreu "muita gente" e "a maior parte da gente". O relato do oficial régio Luís Bravo de Acufía fala de duzentos mortos, muito embora acredite-se que este número seja relativo a uma primeira contagem. Sendo esta carta datada de 19 de setembro, provavelmente só alguns dias mais tarde teria sido possível saber a dimensão exata da tragédia (D'lntino, 1998). 4 - A ARQUEOLOGIA DO NAUFRÁGIO A participação do autor na escavação dos restos da Nossa Senhora dos Mártires ocorreu ao longo da segunda campanha de arqueologia subaquática nos arredores da fortaleza de São Julião da Barra. Nesta etapa, a estratégia de intervenção subaquática concentrou-se principalmente na zona de prospecção que recebera o nome de SJB2 (figura 2). Além de participar das atividades de escavação arqueológica subaquática, o autor também colaborou nos trabalhos de apoio de superfície e retaguarda, principalmente na gestão dos espólios, no registro arqueográfico e na organização e planejamento dos mergulhos. 10 13: 7-18, 2001. FIGURA 2 - Localização das subzonas de São Julião da Barra (Alves et ai., 1998). A primeira etapa dos trabalhos, em 1994, apontou para a ocorrência de vestígios arqueológicos em todo o entorno da fortaleza, em especial na pequena e bem protegida baía sul (SBJ1). Ao final desta primeira etapa, foram localizados em SBJ2 uma área com vários fragmentos de diversos tipos de cerâmica oriental e um conjunto de vestígios de madeira, muito deteriorados, de um casco de navio (figura 3). Estes achados, junto com um astrolábio encontrado entre a zonas SBJ1 e SBJ2, aconselhavam que os trabalhos deveriam se desenvolver em direção à fortaleza (Alves et ai., 1998). Com o início da segunda etapa, em outubro de 1996, verificou-se que a zona a leste do casco estava sulcada com buracos e fendas colmatados, cuja escavação metódica produziria resultados arqueológicos de grande interesse. Em função disto, os trabalhos de escavação passaram a ser desenvolvidos em SJB2, sobre duas frentes prioritárias: uma sobre os vestígios do casco e a outra sobre a região imediatamente envolvente (Alves et ai., 1998). Os primeiros resultados das escavações arqueológicas realizadas em ~996-97 levaram à conclusão de que os destroços localizados nas Imediações da Fortaleza de São Julião da Barra pertenceriam a uma nau da carreira da índia, perdida na porção final da viagem de retorno. Fato documentado principalmente pela quantidade de pimenta ainda presente entre os destroços e de cerâmicas extremo-orientais, típicas do reinado Wanli (1573-1620) (Alves et ai., 1998). 13: 7-18, 2001. 11
FIGURA 4 - Recuperação FIGURA 3 - Vista do casco. Foto: Francisco da âncora. Foto: Francisco Alves. Alves. Progressivamente, emergiam múltiplas evidências arqueológicas que viriam a reforçar esta hipótese. Destaca-se um conjunto representado por uma âncora de ferro (figura 4) que se encontrava praticamente encostada a uma colubrina" típica do período do domínio filipino em Portugal (15801640). Mais tarde, descobriu-se que esta colubrina é atribuída a um fundidor belga chamado Remigy de Halut, responsável pela fundição de vários canhões para Filipe 11no final do século XVI. Do mesmo modo, a pouco mais de uma dezena de metros foi encontrado um pequeno canhão de ferro (figura 5), que balizava uma área onde, posteriormente, seriam encontrados numerosos vestígios coerentes, nomeadamente pratos de porcelana empilhados (figura 6), instrumentos náuticos, etc. (Alves et alo, 1998). Família de bocas de fogo caracterizáveis por terem um comprimento cano) entre 25 e 30 calibres (diâmetro da alma) (Alves et ai., 1998). 2 de alma (vulg. interior do BIBLOS. 12 13: 7 18, 2001. FIGURA 5 - Recuperação B1BLOS, do canhão de ferro. Foto: Francisco Alves. 13: 7-18, 2001. 13
A descoberta de um colaborar também para a correlacionar-se com o fato Francisco Rodrigues, vindo et ai., 1998). 3 tsuba de Wakisach,4 (figura 8) japonês veio a identificação da nau. Sua descoberta vem a de que entre os passageiros constavam o padre do Japão, e um jovem natural desse país (Alves FIGURA 6 - Pilha de pratos de porcelana achados in situo Foto: Francisco Alves. FIGURA 8 - Tsuba. Foto: Francisco Alves. De todos estes indicadores, o mais significativo foi a descoberta do último dos três astrolábios recuperados (figura 7), o qual apresentava duas inscrições gravadas, a sigla do fundidor e a data de 1605. Este astro lábio constitui um argumento incontornável para a identificação da nau, tornandose legítimo presumir que tenha sido fabricado no período imediatamente anterior à partida da Nossa Senhora dos Mártires para a índia, no final de março de 1605 (Alves et ai., 1998). o estudo arqueológico e arquitetônico do casco testemunham em todos os pormenores uma nau típica do final do século XVI e início do século XVII (figura 9). A começar pelas madeiras utilizadas: o sobro para o liame (quilha, cavernas, braços, etc.) e pinheiro-manso para o tabuado do forro do casco. Além disso, através da descoberta de números de estaleiro ainda gravados nas cavernas subsistentes, pôde ser identificado entre os restos do casco um conjunto seqüencial de três cavernas mestras (Alves et ai., 1998). Segundo Filipe Castro (com. pess.), estas marcas de construção eram de três tipos: números romanos nas cavernas mestras, marcas verticais posicionando a quilha e marcas horizontais posicionando os Côvados. Com estas indicações foi possível fazer uma reconstrução hipotética do fundo da nau, pois permitiram que se determinassem as razões aritméticas das duas seqüências de números que representam o recolhimento e o levantamento das pontas das cavernas (côvados), evidenciando que dezoito cavernas tinham sido gabaritadas a partir de três cavernas mestras, e que os braços tinham sido pregados a estas cavernas antes de serem montados sobre a quilha". Embora a caverna mestra seja 3 4 5 FIGURA 7-14 o 3 astrolábio da Nossa Senhora dos Mártires. Foto: João Pessoa. BIBLOS. Rio Grande. 13: 7 18. 2001. Guarda-mão típico de um Wakisachi (Alves et ai., 1998). Sabre curto japonês (Alves et ai., 1998). No Mediterrâneo, os navios construidos a partir de cavernas (em oposição aos navios construidos a partir do casco) eram desenhados em função do comprimento da quilha, do lançamento dos postes e da largura da caverna-mestra. O fundo era definido a partir das BIBlOS. Rio Grande. 13: 7-18. 2001.
Humanas e F.:ciuc21çao c:,:, UFPr. W. " ~t.a'a.mi;tlu.ruitu:u.l.u.u.wt;tt:utiu mais estreita do que Fernando Oliveira preconiza em 1570-80 no Livro da Fábrica das Naus, exatamente um palmo de Goa (25,667 em), tanto o levantamento como o recolhimento dos fundos seguem graminhos desse tratadista. FIGURA 9 - Representação de uma nau de quatro cobertas. Manuel Fernandes, Livro de traças de carpintaria, 1616, fi. 71 v, Lisboa, Biblioteca da Ajuda, in Alves et ai., (1998). Foto: João Pessoa. Em face desses padrões arquiteturais, pôde-se comprovar que se tratava de uma nau com pelo menos 18 rumos de quilha (27,72 metros), medida padrão de uma nau da Companhia das índias dessa época. Este fato vem atestar a grande dimensão e a importante tonelagem da Nossa Senhora dos Mártires, pelo menos 40 metros de esloria'', 13 de manga e 600 tonéis de arqueamento. Esta evidência também se expressa na maioria dos seus pormenores arquiteturais de base, como as espessuras do cavername e do tabuado do casco (Alves et ai., 1998). cavernas-mestras, por cavernas gabaritadas (estruturas pré-desenhadas e pré-construídas, pregadas à quilha antes de se colocar o tabuado). A largura do fundo de cada uma destas cavernas gabaritadas era reduzida à medida que se afastavam da caverna mestra, para dar a forma do casco. A redução de cada caverna (incremento) era determinada por um esquema geométrico muito simples e por urna régua de madeira obtida através deste, denominada graminho. Ao mesmo tempo que as cavernas se tornavam mais estreitas em direção à popa e à proa do navio (recolhimento), também se tornavam mais altas (levantamento). O recolhimento destas cavernas também era determinado por um graminho (Filipe Castro, com. pess.). 6 Comprimento do navio quando tomado, à altura do rio grande, entre a almeida e a roda de ~roa (Alves et ai., 1998). Conjunto de balizas de um navio, formando 16 seu esqueleto ou ossada (Alves et ai., 1998). 13: 7,18, 2001. 5 - A PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO SUBAQUÁTICO Além da oportunidade de aprimorar técnicas de mergulho e de aplicar novas metodologias de pesquisa e intervenção subaquática, o estágio no CNANS também permitiu um maior contato com uma das principais problemáticas quanto ao patrimônio arqueológico submerso: a legislação. Em 1993, foi promulgada em Portugal uma legislação que permitia a comercialização de artefatos arqueológicos subaquáticos. Esse lamentável quadro foi revertido graças aos esforços de vários profissionais, entre eles, alguns integrantes do Centro de Estudos Arqueonáutica" e do próprio CNANS. O contato com tais profissionais, além de propiciar um maior esclarecimento sobre as bases de uma legislação eficiente, permitiu um maior entendimento sobre os interesses, as estratégias e as justificativas usadas por aqueles que "pilham" o patrimônio arqueológico submerso, ou seja, os "caçadores de tesouros". Segundo o Livro Branco do Centro de Estudos Arqueonáutica (1995)9, a "caça ao tesouro" não tem nenhuma ligação com a ciência Arqueologia. E simplesmente a tradição do resgate de artefatos submersos. Com a finalidade de conseguirem autorizações que Ihes permitam "pilhar" legalmente, os "caçadores de tesouro" apresentam como justificativa o propósito "filantrópico" de pretenderem apenas salvar o pouco que ainda há para se salvar. A verdade sobre a maioria desses projetos é que o patrimônio em questão não corre qualquer risco. Ou, corre um risco muito menor do que todo o restante do patrimônio sem valor financeiro, que na maioria dos casos não é recuperado. Para realizar estes projetos, os "caçadores de tesouro" camuflam suas atividades através de dois atributos principais: o da respeitabilidade social, através de um persistente lobbying junto aos mais destacados meios da cultura e da comunicação, da política, da economia e até mesmo das forças armadas; e o da respeitabilidade científica, quer através da invocação de prioritários pressupostos histórico-arqueológicos (de que um dos aspectos crônicos é a mistificação sobre a qualidade das suas obras, em que se confunde sempre ciência e divulgação científica com "entretenimento"), quer ainda recorrendo à contratação de arqueólogos de serviço (Centro de Estudos Arqueonáutica, 1995). Ora, os empreendimentos do tipo caça ao tesouro, mesmo na sua forma mais "civilizada", têm na sua essência um elemento contraditório e mistificador, que é a pretensão de poderem obedecer simultaneamente a puros critérios científicos e à lógica da rentabilidade financeira. Com efeito, não se conhece B O Centro de Estudos Arqueonáutica é uma organização cultural, sem fins lucrativos, que tern ror finalidade promover o estudo e a salvaguarda do patrimônio cultural arqueonáutico. O LIVro Branco foi publicado em 1995, pelo Centro de Estudos Arqueonáutica, com o intuito de contribuir ao debate sobre a legislação do patrimônio arqueológico subaquático em Portugal. 13: 7 18, 2001. 17
um UnlCO exemplo de empreendimentos desse tipo em que o componente científico tenha prevalecido (Centro de Estudos Arqueonáutica, 1995). Acima de tudo, a experiência em Portugal reafirmou que existe a possibilidade de se realizar uma:arqueologia subaquática séria, com bases metodológicas e científicas, e também a importância de uma legislação eficiente que proíba, combata e penalize a comercialização do patrimônio arqueológico submerso. AGRADECIMENTOS "11 Gostaria de agradecer primeiramente a Francisco Alves e a Filipe Castro, pela oportunidade de participar dos trabalhos na escavação da nau Nossa Senhora dos Mártires, e a Gilson Rambelli, pelos contatos e por todo o apoio. Agradeço também aos amigos e companheiros de trabalho, Filipe, Catarina, Miguel, Armando, Gustavo, Paulo Jorge, Ana, Tiago e aos demais integrantes e colaboradores do CNANS, por terem tornado minha estadia em Portugal tão proveitosa. Agradecimentos especiais a Francisco, Rosa, Fúlvio, Siaska, Filipe e aos "miúdos"! REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIAS ALVES, Francisco, CASTRO, L. Filipe V., RODRIGUES, Paulo, GARCIA, Catarina e ALELUIA, Miguel. Arqueologia de um naufrágio. In: AFFONSO, Simonetta Luz (org.). Nossa Senhora dos Mártires. A última viagem. Lisboa: Verbo, 1998. p. 182-215. CENTRO DE ESTUDOS ARQUEONÁUTICA. Livro Branco. Para um debate sobre a legislação do patrimônio arqueológico subaquático em Portugal. Lisboa, 1995. D'INTINO, Raffaela. História de uma viagem. In: AFFONSO, Simonetta Luz (org.). Nossa Senhora dos Mártires. A última viagem. Lisboa: Verbo, 1998, p. 157-163. MAGALHÃES, Joaquim Romero. Na rota das especiarias. In: AFFONSO, Simonetta Luz (org.). Nossa Senhora dos Mártires. A última viagem. Lisboa: Verbo, 1998, p. 115-122. RAMBELLI, Gilson. A prática da arqueologia subaquática no Brasil. Revista de Arqueologia. Anais da VII Reunião Científica da Sociedade de Arqueologia Brasileira, v. 8, n. 2, p. 435-437, 1994-1995. ---o A arqueologia subaquática e sua aplicação ao Projeto Arqueológico do Baixo Vale do Ribeira de Iguape (litoral sul-paulista). Revista de Arqueologia. Anais da VIII Reunião Científica da Sociedade de Arqueologia Brasileira. Porto Alegre, p. 542-561, 1996. ---o Usos nos sítios arqueológicos: arqueologia subaquática - o patrimônio cultural subaquático no Brasil (resumo). Anais ICOMOS - BRASIL (Seminário Internacional: "Caminhos da Preservação li: Usos do Patrimônio" 1997). Série Cadernos do ICOMOS/BRASIL, v. 2, 1998, p. 57-58. ---o A arqueologia subaquática e sua aplicação à arqueologia brasileira: o exemplo do Baixo Ribeira de Iguape". Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - Departamento de Arqueologia, 1998., QJQ.u:.\o...~ ~ _ \