IBP1741_08 BIOGÁS E O MERCADO DE CRÉDITOS DE CARBONO Vanessa Pecora 1, Natalie J. V. Figueiredo 2, Suani T. Coelho 3, Sílvia M. S. G.



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IBP1741_08 BIOGÁS E O MERCADO DE CRÉDITOS DE CARBONO Vanessa Pecora 1, Natalie J. V. Figueiredo 2, Suani T. Coelho 3, Sílvia M. S. G. Velázquez 4 Copyright 2008, Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis - IBP Este Trabalho Técnico foi preparado para apresentação na Rio Oil & Gas Expo and Conference 2008, realizada no período de 15 a 18 de setembro de 2008, no Rio de Janeiro. Este Trabalho Técnico foi selecionado para apresentação pelo Comitê Técnico do evento, seguindo as informações contidas na sinopse submetida pelo(s) autor (es). O conteúdo do Trabalho Técnico, como apresentado, não foi revisado pelo IBP. Os organizadores não irão traduzir ou corrigir os textos recebidos. O material conforme, apresentado, não necessariamente reflete as opiniões do Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis, seus Associados e Representantes. É de conhecimento e aprovação do(s) autor (es) que este Trabalho Técnico seja publicado nos Anais da Rio Oil & Gas Expo and Conference 2008. Resumo O biogás é formado a partir da degradação da matéria orgânica, composto tipicamente por gás carbônico e gás metano e é um gás de efeito estufa (GEE) com potencial de aquecimento global cerca de 20 vezes maior quando comparado ao dióxido de carbono. O Brasil possui grande potencial de aproveitamento energético do biogás, no tratamento de esgoto, resíduos rurais como suinocultura e, principalmente, no tratamento de resíduos sólidos urbanos. Sua conversão energética pode ser apresentada como uma solução viável e eficaz para o grande volume de resíduos produzidos, já que reduz as emissões de metano, ao mesmo tempo em que produz energia elétrica. Neste contexto, o aproveitamento dos resíduos sólidos explora um recurso de energia renovável e, portanto, é passível de receber a Redução Certificada de Emissões (RCE) no que diz respeito ao MDL, visto que contribui para a preservação do meio ambiente. A perspectiva da venda de RCE s aumenta a atratividade do negócio, devido às oportunidades de diversificação da matriz energética brasileira, além de representar uma forma descentralizada de geração de energia, diminuindo a dependência das concessionárias locais. Abstract Biogas is formed from degradation of the organic matter and it is typically composed by carbon dioxide and methane gas, this last one being a greenhouse effect gas (GHG) with global warming potential approximately 20 times bigger when compared to carbon dioxide. Brazil has a great potential of energetic use of biogas, in sewer treatment, rural residues such as pig breeding and, mainly, in the treatment of urban solid residues. Its energetic conversion can be presented as a viable and efficient solution to the great volume of produced residues, since it reduces the methane emissions, at the same time that it produces electric energy. In this context, the good use of solid residues explores a resource of renewable energy and, therefore, it is susceptible of receiving the Certified Emissions Reduction (RCE) regarding the CDM, since it contributes to the environment preservation. The perspective of sale of RCE s improves the attractiveness of the business, due to the opportunities of diversification of the Brazilian energetic matrix, besides representing a decentralized way of energy generation, diminishing the dependence of local concessionaires. 1. Introdução O biogás, formado a partir da degradação da matéria orgânica, pode ser produzido a partir de uma grande variedade de resíduos orgânicos como lixo doméstico, resíduos de atividades agrícolas e pecuárias, suinocultura, lodo de 1 Mestre, Engenheira Química Centro Nacional de Referência em Biomassa CENBIO, Pesquisadora. 2 Mestranda do PIPGE, Engenheira Mecânica CENBIO, Pesquisadora. 3 Doutora, Engenheira Química CENBIO, Secretária Executiva. 4 Doutora, Engenheira Química CENBIO, Coordenadora Técnica / Universidade Presbiteriana Mackenzie, Professora.

esgoto, entre outros. É composto tipicamente por metano e dióxido de carbono e, dependendo da eficiência do processo, chega a conter entre 40% e 80% de metano, 15% a 55% de dióxido de carbono e 5% de outros gases (PECORA, 2006). O metano é um gás de efeito estufa com potencial de aquecimento global cerca de 20 vezes maior quando comparado ao dióxido de carbono e é responsável por 20% do aquecimento global (EPA, 2007). Portanto, a conversão energética do biogás pode ser apresentada como uma solução para o grande volume de resíduos produzidos, visto que reduz o potencial tóxico das emissões de metano, ao mesmo tempo em que produz energia elétrica agregando, desta forma, ganho ambiental e redução de custos, devido à diminuição de compra da energia consumida da concessionária local (COSTA, 2002). 2. Biogás Proveniente do Tratamento de Resíduos Sólidos em Aterros Sanitários Aterro sanitário é uma das formas de disposição de resíduos sólidos urbanos mais econômica e segura ambientalmente. Consiste na disposição de resíduos no solo por meio do seu confinamento em camadas cobertas com terra, atendendo às normas operacionais, de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança, e minimizando os impactos ambientais. A impermeabilização do solo, antes da deposição do lixo, é feita por meio de camadas de argila e uma geomembrana de polietileno de alta densidade (PEAD) para evitar infiltração dos líquidos percolados (chorume) no solo. O lixo é depositado sobre o terreno e depois recoberto com camadas do solo do próprio local, isolando-o do meio ambiente. Formam-se então câmaras, nas quais é produzido o gás e liberado o chorume. O chorume é captado por meio de tubulações e escoado para tanques de tratamento, enquanto os gases produzidos são captados e podem ser queimados em flare ou ainda utilizados como fonte de energia. O local da instalação do aterro deve ser cuidadosamente escolhido, abrangendo grandes dimensões e, devido a alguns inconvenientes como mau cheiro e tráfego de caminhões de lixo, deve estar localizado distante das concentrações urbanas. Atualmente o CENBIO está desenvolvendo um projeto de geração de energia elétrica e iluminação a gás, financiado pelo Ministério de Minas e Energia MME que utilizará biogás proveniente da Central de Tratamento de Resíduos CTR de Caieiras controlada pelo Grupo Essencis. O projeto consiste na instalação e operação dos sistemas, além da análise técnica e econômica dos mesmos. O sistema de iluminação a gás tem por objetivo iluminar a planta de biogás no período noturno, por meio de 7 postes automatizados contendo 4 pontos luminosos cada um. A tecnologia a ser utilizada na conversão energética do biogás é um motor ciclo Otto adaptado de potência nominal de 230 kw. Além de promover a diminuição da dependência da energia da concessionária local e de desenvolver um modelo passível de ser replicado em outros aterros sanitários, este projeto visa analisar as barreiras existentes na utilização do biogás como fonte de energia, realizando a análise técnica e econômica dos sistemas a biogás, a fim de verificar a viabilidade de implementação em outros aterros sanitários. 3. Biogás Proveniente do Tratamento de Efluentes Para o tratamento de efluentes líquidos, a digestão anaeróbia representa importante papel, pois além de permitir a redução significativa do potencial poluidor, permite a recuperação da energia na forma de biogás (FISHER et al., 1979; LUCAS JÚNIOR, 1994). Os biodigestores são equipamentos utilizados para digestão de matérias orgânicas e constituem-se de câmara fechada, onde o material orgânico é colocado em solução aquosa e, por meio da decomposição anaeróbia, ocorre diminuição do volume de sólidos e estabilização do lodo bruto (BRAILE, 1983). Para a escolha do modelo e tamanho ideal de biodigestor, é levado em consideração, o tipo da matéria orgânica de entrada, características como a DBO e DQO, as condições locais do solo, capital e custo de manutenção, alta eficiência compatibilizada com custos e operacionalidade, necessidade energética da propriedade e disponibilidade de matéria-prima. Os biodigestores mais utilizados são: modelo Indiano, modelo Chinês e o RAFA (Reator Anaeróbio de Fluxo Ascendente). Nos biodigestores, a coleta do biogás é realizada por meio de tubulação conectada à parte superior dos equipamentos, que o direciona ao sistema de purificação para, em seguida, ser encaminhado ao sistema de conversão energética. Devido às impurezas contidas no biogás, torna-se necessário o tratamento do mesmo de acordo com sua aplicação final. Na utilização do biogás como combustível, por exemplo, em motores ciclo Otto ou em turbinas a gás, o tratamento mínimo requerido refere-se à retirada de umidade e do ácido sulfídrico (H 2 S), que por ser corrosivo, pode causar danos aos equipamentos. O CENBIO desenvolveu dois projetos referentes à conversão energética do biogás proveniente do tratamento de esgoto, o projeto Energ-Biog e o projeto PUREFA. O projeto Energ-Biog, instalado na Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo SABESP de Barueri / SP, teve como objetivo a geração de energia elétrica a partir do biogás, utilizando uma microturbina e um motor ciclo Otto, ambos de 30 kw, como tecnologias de conversão 2

energética. Este projeto possibilitou o estudo comparativo entre a tecnologia das microturbinas e dos grupos-geradores de pequeno porte, permitindo a identificação de fornecedores, equipamentos e tecnologias nacionais de grupo-geradores capazes de facilitar a replicabilidade deste tipo de projeto devido, principalmente, ao menor custo, menor complexidade da instalação, operação e manutenção. O projeto Programa de Uso Racional de Energia e Fontes Alternativas (PUREFA) foi um projeto da Universidade de São Paulo - USP, em que o CENBIO desenvolveu duas metas relativas ao uso do biogás para geração de energia. A primeira teve por objetivo a implementação de um sistema de captação, purificação e armazenamento do biogás, produzido por um Reator Anaeróbio de Fluxo Ascendente com manta de lodo, também conhecido como biodigestor RAFA, localizado no Centro Tecnológico de Hidráulica da USP. O esgoto tratado é proveniente do Conjunto Residencial da USP (CRUSP) e é equivalente à cerca de 439 pessoas, segundo cálculos demonstrados por Pecora (2006). A segunda meta objetivou-se na utilização do biogás, armazenado na meta anterior, como combustível em um sistema de geração de energia elétrica. A tecnologia utilizada na conversão energética é um motor ciclo Otto de 18 kw. Para esta pequena planta, o aproveitamento do biogás para geração de energia elétrica torna-se inviável economicamente, pois a quantidade de energia gerada pelo sistema é baixa em relação à demanda de energia do CTH. As metas desenvolvidas no estudo de caso tiveram como finalidade verificar a viabilidade do uso de biogás para geração de energia elétrica em um motor ciclo Otto. Sendo assim, a inviabilidade econômica do sistema não foi levada em consideração, já que se trata de projeto piloto. 4. Biogás Proveniente do Tratamento de Resíduos Rurais Os resíduos rurais incluem todos os tipos de resíduos gerados pelas atividades produtivas nas zonas rurais, quais sejam: os resíduos agrícolas, florestais e pecuários. As propriedades rurais, em especial as voltadas para a criação e abate de animais e aves, produzem diariamente uma enorme quantidade de dejetos oriundos destes animais e/ou aves, bem como resíduos derivados da terminação destes rebanhos. A atividade mais importante da zona rural para a produção e utilização do biogás como fonte de energia é o manejo e disposição dos dejetos de suínos, devido ao seu alto potencial poluidor e ao crescimento cada vez maior do rebanho nacional. A suinocultura no Brasil é uma atividade importante do ponto de vista social, econômico e, especialmente, como instrumento de fixação do homem no campo. Essa atividade é considerada pelos órgãos ambientais uma "atividade potencialmente causadora de degradação ambiental", sendo enquadrada como uma atividade de grande potencial poluidor. Pela Legislação Ambiental (Lei 9.605/98 - Lei de Crimes Ambientais), o produtor pode ser responsabilizado criminalmente por eventuais danos causados ao meio ambiente e à saúde dos homens e animais. Os dejetos suínos, até a década de 70, não constituíam fator preocupante, pois a concentração de animais era pequena e o solo das propriedades tinha capacidade para absorvê-los ou eram utilizados como adubo orgânico. Porém, o desenvolvimento da suinocultura trouxe a produção de grandes quantidades de dejetos que, pela falta de tratamento adequado, se transformou na maior fonte poluidora dos mananciais de água (PERDOMO et.al., 2004). As etapas da suinocultura e produção de dejetos consistem na gestação, maternidade, engorda e terminação, sendo desejável que todo suinocultor tenha um programa racional de controle dos dejetos, visando a sua correta utilização, evitando, assim, problemas de poluição. O programa deve atender às exigências e às características específicas de cada criador, levando em conta, no planejamento, as etapas de produção, coleta, armazenagem, tratamento, distribuição e utilização dos dejetos na forma sólida, pastosa ou líquida. O conhecimento de cada etapa é fundamental para o sucesso e sustentabilidade do sistema. 5. Vantagem do Aproveitamento do Biogás para Fins Energéticos O biogás, até pouco tempo, era considerado como um subproduto obtido por meio da decomposição de lixo urbano, do tratamento de efluentes domésticos e resíduos animais. Porém, a alta dos preços dos combustíveis convencionais e o crescente desenvolvimento econômico vêm estimulando pesquisas de fontes renováveis para produção de energia tentando criar, deste modo, novas formas de produção energética que possibilitem a redução da utilização dos recursos naturais esgotáveis (FIGUEIREDO, 2007). Em termos ambientais a utilização do biogás representa uma melhoria global no rendimento do processo. Como, em geral, o biogás é um resíduo do processo de decomposição da matéria orgânica, os benefícios atribuídos a sua utilização estão vinculados ao tipo de aproveitamento a que ele será destinado. As duas principais alternativas para o aproveitamento energético do biogás são a conversão em energia elétrica e o aproveitamento térmico. A emissão de biogás para a atmosfera provoca impactos negativos ao meio ambiente e para a sociedade, na medida em que contribui para o agravamento do efeito estufa por meio da emissão de metano para atmosfera. Além 3

disso, provoca odores desagradáveis pela emissão de gases fétidos e tóxicos, devido à concentração de compostos de enxofre presentes no gás, além de uma pequena, porém não desprezível, presença de bactérias responsáveis pela digestão anaeróbia dos resíduos orgânicos. Quando convertido em energia elétrica, as vantagens da utilização do biogás estão relacionadas às emissões evitadas pela geração de energia elétrica utilizando uma fonte renovável, à eficiência dos sistemas de conversão e à redução da dependência de energia da rede, diminuindo a sobrecarga da concessionária local. 6. Mercado de Créditos de Carbono O aproveitamento dos recursos renováveis de energia vem ganhando importância no cenário nacional e internacional devido ao aquecimento global causado pela intensificação das emissões antrópicas dos gases de efeito estufa (GEE). O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), estabelecido no âmbito do Protocolo de Quioto, representa uma grande oportunidade para projetos nos países em desenvolvimento, na área de energia renovável, principalmente aqueles que substituem combustíveis fósseis, emissores de GEE (OLIVEIRA, RIBEIRO, 2006). O Brasil possui grande potencial de aproveitamento energético do biogás, no tratamento de esgoto, suinocultura e, principalmente, no depósito de resíduos sólidos. Segundo o Primeiro Inventário Brasileiro de Emissões Antrópicas de GEE, feito pela CETESB em 1994, cerca de 805 mil toneladas de metano foram geradas naquele ano, com 84% desse total sendo resultante de resíduos sólidos urbanos. Portanto, a destruição do metano, que outrora seria lançado na atmosfera, é fundamental para a mitigação do efeito estufa (POPPE, ROVERE, 2005). Outra forma de emissão de metano na atmosfera é por meio dos ruminantes, visto que o sistema digestivo produz grandes quantidades do gás metano que são liberadas na atmosfera digamos pelo método natural. Adicionalmente, os ruminantes são acusados de causarem chuva ácida uma vez que, segundo a FAO - Food and Agriculture Organization, eles são responsáveis por 64% da emissão global de amônia. A FAO afirma que os gases do esterco e da flatulência dos animais, o desmatamento para criar pastagem e a energia usada nas fazendas fazem com que a pecuária responda por 18% dos gases do efeito estufa. Dentre as recomendações para diminuir o problema, a FAO cita a melhoria substancial da dieta dos ruminantes para reduzir a fermentação e as conseqüentes emissões de metano. Não foi cogitado o desenvolvimento de algum inventivo sistema coletor que, seguramente, poderia ser adaptado às vacas européias estabuladas e, de quebra, geraria eletricidade de fonte ambientalmente amigável. O aproveitamento dos resíduos sólidos explora um recurso de energia renovável e, portanto, é passível de receber a Redução Certificada de Emissões (RCE) no que diz respeito ao MDL. A perspectiva da venda de RCE s aumenta a atratividade de um negócio de extrema relevância para o Brasil, tendo em vista a oportunidade de contribuir para a diversificação da matriz energética nacional por meio de uma fonte alternativa de energia. Também representa um estímulo para a geração de energia descentralizada (OLIVEIRA, RIBEIRO, 2006). O Brasil está em quarto lugar entre os países mais procurados para a instalação de projetos de geração de créditos de carbono. Mais de 220 projetos brasileiros estão registrados no Conselho Executivo da ONU para que sejam aprovados. Em setembro de 2007 aconteceu o primeiro leilão de créditos de carbono em bolsa de valores regulada, em âmbito mundial. Os créditos foram obtidos pela Prefeitura de São Paulo com o aproveitamento do biogás do Aterro Bandeirantes, em Perus, zona norte da cidade. No Aterro Bandeirantes, 80% do biogás é utilizado na geração de energia elétrica e 20% restante é queimado em flare. A prefeitura tem direito a 50% de todo o volume certificado pela ONU, sendo que a outra metade fica com a empresa Biogás, por ter investido no projeto. É importante ressaltar que, do ponto de vista energético, a queima do biogás em flare representa desperdício de energia, visto que o biogás poderia ser utilizado em um sistema de conversão energética para o aproveitamento/consumo da energia gerada. Neste primeiro leilão, foram vendidos 800 mil certificados (RCE), sendo que cada certificado equivale a uma tonelada de carbono não lançada na atmosfera. Cada tonelada de crédito de carbono RCE foi negociada a 16,2 Euros, sendo que no mercado internacional, costuma ser vendida por 19 Euros (MATSUURA, 2007). Para que um projeto de captação e utilização de biogás consiga gerar os RCE s é necessário que reduza as emissões de GEE ou promova o aumento de remoções de CO 2, de forma adicional ao que ocorreria na ausência deste. Portanto, se o governo instituir uma legislação onde torne obrigatório o uso de biodigestores na suinocultura, ou a queima de biogás de aterros sanitários em flare, não seriam gerados impactos ambientais adicionais e, portanto, não haveria a geração de créditos de carbono. 7. Conclusões O biogás possui diversas aplicações de caráter energético. Embora sua principal aplicação seja como combustível em um motor de combustão interna a gás, que movimenta um gerador de energia elétrica, ele pode ser direcionado para outros fins. Dentre suas aplicações destacam-se o uso do biogás em aquecedores a gás para produção 4

de água quente para condicionamento ambiental ou para calor de processo, uso para secagem de grãos em propriedades rurais, secagem de lodo em ETE s, queima em caldeiras, no aquecimento de granjas de suínos, uso veicular, iluminação a gás, entre outros. O aproveitamento energético do biogás, além de contribuir para a preservação do meio ambiente, também traz benefícios para a sociedade, pois promove a utilização ou reaproveitamento de recursos descartáveis e/ou de baixo custo; colabora com a não dependência da fonte de energia fóssil, oferecendo maior variedade de combustíveis, possibilita a geração descentralizada de energia, aumenta a oferta de energia, possibilita a geração local de empregos, reduz os odores e as toxinas do ar, diminui a emissão de poluentes pela substituição de combustíveis fósseis, colabora para a viabilidade econômica dos aterros sanitários e Estações de Tratamento de Efluentes, otimiza a utilização local de recursos e aumenta a viabilidade do saneamento básico no país, permitindo o desenvolvimento tecnológico de empresas de saneamento e energéticas. 8. Referências BRAILE, P.M. Dicionário inglês português de poluição industrial. Serviço Social da Indústria. Rio de Janeiro, 1983. COSTA, D. F. Biomassa como fonte de energia, conversão e utilização. (Monografia). Programa Interunidades de Pós- Graduação em Energia (PIPGE) do Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE) da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002. EPA - Environmental Protection Agency. Methane. Disponível em: www.epa.gov/methane/. Acesso em: 09/08/2006. FAO - Food and Agriculture Organization Killer cow emissions.matéria de 15 de outubro de 2007. Disponível em: http://www.latimes.com. Acesso em: Dez/2007. FIGUEIREDO, N. J. V., Utilização do biogás de aterro sanitário para geração de energia elétrica e iluminação a gás estudo de caso. Trabalho de Graduação Interdisciplinar. Universidade Presbiteriana Mackenzie. Escola de Engenharia, Departamento de Engenharia Mecânica. São Paulo, 2007. FISHER, J.R.; IANNOTTI, E.L.; PORTER, J.H.; GARCIA, A. Producing methane gas from swine manure in a pilotsize digester. Transactions of the ASAE, St. Joseph, v. 22, n. 2, p. 370-4, 1979. MATSUURA, L. Dinheiro Verde Leilão de Créditos de Carbono rende 34 Milhões. Disponível em: http://www.azevedosette.com.br/noticias/noticia?id=1168. Acesso em: Dez/2007. OLIVEIRA, A. S., RIBEIRO, L. S. Ciclo do MDL e Implicações no Aproveitamento Energético do Biogás a partir de Resíduos Sólidos. Biogás Pesquisas e Projetos no Brasil / CETESB, Secretaria do Meio Ambiente. São Paulo, 184 p. SMA, 2006. PECORA, V., Implantação de uma unidade demonstrativa de geração de energia elétrica a partir do biogás de tratamento do esgoto residencial da USP Estudo de Caso (Dissertação de Mestrado). Programa Interunidades de Pós-Graduação em Energia (PIPGE) do Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE) da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006. PERDOMO, C.C.L.; GUSTAVO J.; SCOLARI, T. M. Dejetos de Suinocultura, 2004. Data de acesso 09/2004. Disponível em: http://www.ambientebrasil.com.br/ POPPE, M. K.; ROVERE, E. L. Cadernos NAE Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República Mudança do Clima - vol. 2. Brasília, Fevereiro de 2005. 5