Prefácio «Talvez um Anjo!» Li este livro da Filipa Sáragga com muita ternura, pela Maria, a figura central do livro, e pela autora. O livro da Filipa fez-me meditar numa afirmação de Jesus. Um dia, reagindo aos seus próprios seguidores, que impediam as crianças de se aproximarem de Jesus, Ele diz-lhes: «Deixai as criancinhas e não as impeçais de virem até Mim, porque o Reino dos Céus pertence àqueles que lhes são semelhantes» (Mt. 19, 20). 5
PREFÁCIO Há, nesta frase de Jesus, duas afirmações: que as crianças podem ser discípulos de Jesus e que os verdadeiros discípulos, aos quais pertence o Reino dos Céus, têm de ser como as crianças; têm de ter um coração de criança. Jesus admira nelas a candura da inocência, que lhes dá uma abertura, uma sintonia com a mensagem de Jesus. Está claramente dito que as crianças podem ser discípulas de Jesus, podem ser santas, e todos os que querem ser santos têm de ter um coração de criança, um «coração novo», conforme anunciado pelos profetas. A Filipa está convencida de que a Maria, sua afilhada, era santa. De facto, ela transmite-nos uma mensagem que anuncia um caminho de santidade. Faz a síntese, tão exigente para nós, entre o amor e o sofrimento; a sua doença nunca a impede de amar. Quem quer percorrer o caminho da santidade, como discípulo de Jesus, aprende que sofrer e amar encontram-se sempre no realismo da existência de cada um. A Filipa é uma artista, ilustra o que escreve com a beleza da arte que cria. Está mais preparada para perceber que a beleza é afirmação da verdade e linguagem do amor. O amor pela sua afilhada leva-a a amar todas as crianças que sofrem. Isso é a beleza do amor. JOSÉ, cardeal-patriarca 6
Ofereço este livro às crianças doentes, às carenciadas e desamparadas. Senti, ao escrevê-lo, que a Maria me pedia para que o fizesse. Se esta história fizer uma criança sorrir, ou se a sua mensagem der luz e esperança à vida de alguém que passe por momentos difíceis, então este ano e meio de trabalho já terá valido a pena.
Prólogo Não sou escritora, nem pretendo sê-lo. Vou apenas relatar a história de uma criança única com a qual tive a sorte de me cruzar. Faço-o porque ela mo pediu e porque existem vidas que devem ser partilhadas. Vidas que nos ajudam a perceber o propósito da nossa própria existência. Ao acompanhar tão de perto esta criança, com uma vida curta marcada pela doença e por uma lucidez invulgar, tive a oportunidade de refletir sobre o sofrimento e o amor. 9
FiLIPA SÁRAGGA É sobre a força extraordinária deste sentimento que quero falar. Um agradecimento especial à Rita e ao Nuno Archer de Carvalho Filipa 10
Talvez fosse um anjo Como é possível que uma criança sorria a quem lhe dá injeções? Que insista tanto na união da família e na importância da paz? Uma criança para a qual o lugar que melhor conheceu foi o Instituto Português de Oncologia, as salas de quimioterapia e radioterapia; uma criança que sofreu tanto até aos 7 anos, idade com que partiu. A Maria amava na dor, amava os que a picavam, da mesma maneira que amava todos os que lhe traziam alegria. Sorria e 11
FiLIPA SÁRAGGA brincava nos intervalos dos tratamentos mais dolorosos. Ela nunca soube o que era viver sem estar constantemente a ir ao médico, mas, de entre as inúmeras crianças com as quais me cruzo diariamente, em muito poucas vi um sorriso tão agradecido como o seu. Em geral, nós, pessoas comuns, temos dificuldade em aceitar quem, de alguma forma, nos incomoda, nos ofende ou nos faz sofrer. Talvez seja este o maior obstáculo: amar os que não devolvem o nosso amor, amar tudo e todos, independentemente das convicções, da personalidade, das crenças ou, até mesmo, das imperfeições. Em muito pouco tempo, esta criança ensinou a todos os que a rodeavam aquilo que alguns só descobrem horas antes de partirem. Ensinou- -nos a sorrir porque devemos ser gratos pela vida; ensinou-nos de uma forma tão esclarecedora as prioridades do nosso dia; mostrou-nos que o sofrimento é uma oportunidade, e que através dele podemos encontrar o nosso verdadeiro «eu» e, muitas vezes, a nossa verdadeira felicidade. A Maria deixou-nos aberto o livro da sua vida. É como um manual, que, através de cada capítulo, nos ensina como proceder no nosso dia a dia. 12
TALVEZ UM ANJO A felicidade não está num mundo feito à nossa medida; não está em acordarmos todos os dias de manhã cheios de nós mesmos, ou em acharmos que temos tudo, quando na realidade temos tão pouco. Talvez a felicidade esteja na forma como ultrapassamos as divergências e as adversidades que vão aparecendo no nosso caminho. Pois a forma como o fazemos reforça o nosso caráter e mantém-nos na estrada que nos leva aonde pretendemos chegar: a uma felicidade mais pura e mais inteira, em que não somos apenas nós que estamos felizes, mas também todos os que nos rodeiam. Para atingir este grau de sabedoria é preciso sofrer, é preciso cair. Ninguém o atinge sem humildade nem provações. Talvez a Maria tenha conquistado essa felicidade tão rapidamente, e sem que nós a conseguíssemos entender, pelo tanto que sofreu e pelo seu esforço constante para voltar ao caminho. Como tantas outras figuras de paz, a Maria aceitou com alegria o seu fardo. O Dalai Lama disse que «para lidar com o sofrimento é preciso perceber que ele faz parte da nossa vida». A madre Teresa de Calcutá, por sua vez, recordava que «a falta de amor é a maior de todas as pobrezas». 13