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Transcrição:

Acórdão nº 2 /CC/2018 de 22 de Março Processo nº 03/CC/2018 (Fiscalização concreta da constitucionalidade) Acordam os Juízes Conselheiros do Conselho Constitucional: I Relatório O Tribunal Administrativo da Província de Sofala, invocando o estabelecido nas disposições conjugadas dos artigos 214 e 247, nº 1, alínea a), da Constituição da República de Moçambique (CRM), e alínea a) do artigo 67 da Lei Orgânica do Conselho Constitucional (LOCC), remeteu ao Conselho Constitucional, através do ofício N/Refª. 136/GP/TAPS/2017, de 27 de Dezembro, o Processo nº 100/2016 - CA, Autos de Recurso Contencioso para a anulação de acto administrativo, em que é recorrente a empresa Lin Shen Import e Export e recorrida Inspecção- Geral do Trabalho, Delegação Provincial de Sofala. 1

O Tribunal a quo decidiu no Acórdão nº 71/2017 - CA desaplicar a norma contida no nº 2 do artigo 10 da Lei nº 18/92, de 14 de Outubro (Lei que cria os Tribunais de Trabalho), por considerar que a mesma conflitua com o consagrado na alínea a) do nº 1 do artigo 230 da CRM e na alínea a) do nº 2 do artigo 4 da Lei nº 24/2013, de 1 de Novembro, alterada e republicada pela Lei nº 7/2015, de 6 de Outubro, por isso inconstitucionalidade e ilegal. Na fundamentação da decisão de desaplicação da norma em causa, o Tribunal Administrativo da Província de Sofala usou, em resumo, os seguintes argumentos: - Veio a recorrente a este Tribunal pedir a anulação do despacho que mantém e ordena o pagamento da multa no prazo de 07 dias, notificado através da nota com referência 26/IGT/IE/2016, referente ao auto de notícia nº 42/IGT/IE/2016 para o pagamento da multa no valor de 240.000,00Mt (Duzentos e quarenta mil meticais), aplicada no âmbito da actividade inspectiva pela brigada de Inspecção-Geral do Trabalho, Delegação de Sofala, por se ter constatado a existência de dois trabalhadores de nacionalidade chinesa, alegadamente a prestar serviços à recorrente em violação do nº 1 do artigo 2 do Regulamento Relativo aos Mecanismos e Procedimentos para a Contratação de Cidadãos de Nacionalidade Estrangeira, aprovado pelo Decreto nº 55/2008, de 30 de Dezembro; - Nos termos do nº 1 do artigo 259 conjugado com o nº 1 do artigo 260, ambos da Lei nº 23/ 2007, de 1 de Agosto (Lei do Trabalho), o controlo da legalidade laboral é realizado pela Inspecção-Geral do Trabalho; - A violação dos procedimentos exigidos no Regulamento Relativo aos Mecanismos e Procedimentos para a Contratação de Cidadãos de Nacionalidade Estrangeira constitui contravenção e, havendo litígio, o julgamento de recursos interpostos das decisões de autoridades administrativas em matéria laboral e de segurança social é da competência dos Tribunais de Trabalho (nº 2 do artigo 10 da Lei nº 18/92, de 14 de Outubro); 2

- Assim, o acto cuja anulação se pretende resulta da multa aplicada por contravenção das normas estabelecidas para a contratação de mão-de-obra estrangeira, pela recorrente; - Considera o Tribunal a quo que a apreciação da matéria colocada como objecto da causa (o pedido e a causa de pedir), enquadra-se nas situações que a lei atribui competência específica aos tribunais administrativos provinciais, por se tratar de acto administrativo; - Desse modo, a decisão que ordena o pagamento de multa constitui um acto administrativo por ter sido exarada por um órgão da administração pública, a Inspecção- Geral do Trabalho, no exercício do poder administrativo nos termos do disposto na alínea a) do nº 4 do artigo 4 do Regulamento da Inspecção-Geral do Trabalho, aprovado pelo Decreto nº 45/2009, 14 de Agosto; - Entende ainda o Tribunal a quo que o acto em causa visava a produção de efeitos jurídicos numa situação individual e concreta, pois, o mesmo recaiu sobre um determinado sujeito jurídico, concretamente a empresa Lin Shen Import e Export, o que evidência estar-se perante um acto administrativo; - Por isso, a alínea a) do nº 2 do artigo 4 da Lei nº 24/2013, de 1 de Novembro, alterada e republicada pela Lei nº 7/2015, de 6 de Outubro, estabelece que compete aos tribunais administrativos provinciais e ao Tribunal Administrativo da Cidade de Maputo julgar as acções e os recursos que tenham por objecto os litígios emergentes das relações jurídicoadministrativas em primeira instância ; - Assim, conclui parcialmente o Tribunal a quo que a norma citada entra em contradição com o estabelecido no nº 2 do artigo 10 da Lei nº 18/92, de 14 de Outubro, disposição que atribui a competência aos tribunais de trabalho para o julgamento de recursos interpostos das decisões de autoridades administrativas em matéria laboral e de segurança social; 3

- Além disso, o aludido nº 2 do artigo 10 da Lei nº 18/92, de 14 de Outubro, entra em contradição, também, com o preceituado na alínea a) do nº 1 artigo 230 da CRM que atribui competência ao Tribunal Administrativo para o julgamento de acções que tenham por objecto litígios emergentes das relações jurídico-administrativas; - Considera ainda o Tribunal a quo que apesar de o artigo 230 da CRM se referir apenas ao Tribunal Administrativo, é necessário ter em conta que a redacção dessa disposição constitucional é anterior à criação dos tribunais administrativos provinciais, por isso, a norma contida na alínea a) do nº 1 do artigo 230 da Constituição da República, deve ser harmonizada com o previsto na alínea a) do nº 2 do artigo 4 da Lei nº 24/2013, de 1 de Novembro, alterada e republicada pela Lei nº 7/2015, de 6 de Outubro. - O Tribunal Administrativo da Província de Sofala conclui que o acto recorrido é um acto administrativo praticado por um órgão da Administração Pública, no âmbito das relações jurídico-administrativas, regidas pelo Direito Administrativo (Direito Público), pelo que remeter a apreciação desta controvérsia, que resulta das relações jurídico-administrativas aos tribunais de trabalho, nos termos estabelecidos pelo nº 2 do artigo 10 da Lei citada, ofende a Constituição da República. - A terminar, os Juízes daquela instância jurisdicional deliberaram nos seguintes termos: a) Desaplicar a norma contida no nº 2 do artigo 10 da Lei 18/92, de 14 de Outubro, por conflituar com o estabelecido na alínea a) do nº 1 do artigo 230 da CRM e na alínea a) do nº 2 do artigo 4 da Lei nº 24/2013, de 1 de Novembro, alterada e republicada pela Lei nº 7/2015, de 6 de Outubro; b) Remeter os autos ao Conselho Constitucional, para efeitos de fiscalização concreta de constitucionalidade do nº 2 do artigo 10 da Lei citada, em cumprimento ao estabelecido nas disposições conjugadas dos artigos 214, 247, nº 1, alínea a) da CRM e da alínea a) do artigo 67 da LOCC; 4

c) Na mesma senda, foram notificadas do referido Acórdão as partes litigantes no processo, para efeitos de recurso da decisão, querendo, ao abrigo do disposto no artigo 167 da Lei nº 7/2014, de 28 de Fevereiro. II Fundamentação Relatados os fundamentos da remessa dos autos pelo Tribunal Administrativo da Província de Sofala ao Conselho Constitucional, cumpre apreciar e decidir: O presente processo de fiscalização concreta de constitucionalidade foi remetido ao Conselho Constitucional, por quem tem legitimidade processual, por força das disposições combinadas, dos artigos 214 e 247, nº 1, alínea a), ambas da CRM e 67, alínea a) da LOCC. O Conselho Constitucional é competente em razão da matéria, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 244, conjugado com a alínea a) do nº 1 do artigo 247 da Constituição da República, para exercer a fiscalização concreta da constitucionalidade da questão que se suscita nos presentes autos. Conforme se extrai do requerimento de remessa dos autos ao Conselho Constitucional, o pedido de fiscalização concreta da constitucionalidade, tem a sua origem num Processo de Recurso Contencioso para a anulação de acto administrativo submetido a julgamento, no Tribunal Administrativo da Província de Sofala e a questão de inconstitucionalidade foi suscitada pelo Juiz Relator do processo, sendo, por isso, incidental em relação à matéria controvertida, de cujo conhecimento depende a decisão no processo principal. Contudo, compulsados os autos verifica-se que existem duas questões prévias que importa conhecer antes da questão de mérito: 5

Primeira, o Colectivo dos Juízes do Tribunal Administrativo da Província de Sofala deliberou por unanimidade desaplicar a norma ínsita no nº 2 do artigo 10 da Lei nº 18/92, de 14 de Outubro, alegadamente por contrariar a Constituição da República. Sobre o termo desaplicar tem, neste contexto, o significado de desviar a aplicação de ou deixar de aplicar; ou ainda de tirar o que estava aplicado. No caso em apreço, no contexto do regime de fiscalização concreta da constitucionalidade em vigor, não há lugar a desaplicação da norma pelo Tribunal remetente. Ainda assim, mesmo que tal facto tivesse ocorrido, nada legitimaria que o Tribunal remetente viesse a decidir pela desaplicação da norma questionada nos presentes autos alegadamente por contrariar uma norma da Constituição, sendo que é da exclusiva competência do Conselho Constitucional administrar a justiça, em matérias de natureza jurídico-constitucional, ao abrigo do disposto nos artigos 241, nº 1, 244, nº 1, alínea a) e 247, nº 1, alínea a), todos da Constituição da República. Nesse sentido, o Tribunal a quo ao afirmar que desaplica a norma em lide, tudo indica que se quis auto investir dos poderes do Conselho Constitucional em violação clara do nº 1 do artigo 241 conjugado com alínea a) do nº 1 do artigo 244, ambos da Constituição da Republica, e ainda do artigo 1 da LOCC, facto para se concluir que o Egrégio Tribunal agiu ao arrepio da lei (cfr. Acórdão nº 4/CC/2017, de 24 de Agosto). Segunda, foi também deliberada a remessa dos autos ao Conselho Constitucional, para efeitos de fiscalização concreta da constitucionalidade da norma constante no nº 2 do artigo 10 da Lei citada, em cumprimento ao estabelecido nas disposições conjugadas dos artigos 214, 247, nº 1, alínea a) da CRM e da alínea a) do artigo 67 da LOCC, só que o Tribunal a quo não se dignou em observar a disposição que trata especificamente da remessa dos autos, a qual impõe que se faça com efeitos suspensivos. Com efeito, o Conselho Constitucional considera que não é de todo despicienda a obrigatoriedade de suspensão dos autos prevista no artigo 68 da LOCC, porque visa 6

essencialmente acautelar o cumprimento do prescrito nos artigos 72 e 73 da Lei citada, especificamente no que respeita ao efeito útil da decisão que este Órgão vier a proferir no processo incidental de fiscalização concreta da constitucionalidade suscitada. Contudo, no presente processo de fiscalização da constitucionalidade, apesar da falta de declaração expressa sobre a atribuição dos efeitos suspensivos, tudo indicava que pelo facto de o Tribunal a quo ter remetido a esta instância o respectivo processo principal, nada ficaria prejudicado. Só que, examinados minuciosamente os autos, constata-se que após a tomada da decisão de remessa dos mesmos ao Conselho Constitucional foram feitas notificações sobre o conteúdo do referido Acórdão às partes litigantes no processo principal, concretamente a recorrente empresa Lin Shen Import e Export e recorrida Inspecção-Geral do Trabalho, Delegação Provincial de Sofala para efeitos de recurso da decisão, querendo, ao abrigo do disposto no artigo 167 da Lei nº 7/2014, de 28 de Fevereiro. Ora, no que concerne ao referido procedimento processual, este Órgão não pode deixar passar sem o devido reparo, por julgar que, eventualmente, podem estar a ser tramitados dois recursos em instâncias diferentes, nomeadamente, um sobre o incidente de inconstitucionalidade e outro ordinário, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 169 da Lei nº 7/2014, de 28 de Fevereiro, o que pode prejudicar o efeito útil da decisão do incidente de inconstitucionalidade suscitada. Nestes temos, ao Conselho Constitucional, assiste o poder de declarar oficiosamente a nulidade das notificações constantes nos autos (fls. 57 e 58), respectivamente, ao abrigo do disposto nos artigos 241, nº 1 conjugado com 244, nº 1 alínea a), ambos da Constituição da República e 286 do Código Civil, por violação de uma norma processual de natureza imperativa, prevista no artigo 68 (in fine) da LOCC, que obriga o juiz da causa (tribunal remetente) a suspender a tramitação do processo principal ou de não efectuar outras diligências processuais que possam prejudicar a eventual decisão de inconstitucionalidade suscitada. 7

Resolvidas as questões prévias, importa agora decidir sobre o mérito dos pedidos apresentados, tendo em conta que o seu objecto compreende as questões tanto de inconstitucionalidade como de ilegalidade da norma contida no nº 2 do artigo 10 da Lei nº 18/92, de 14 de Outubro. Quanto à questão de inconstitucionalidade No entendimento do Tribunal a quo o nº 2 do artigo 10 da Lei nº 18/92, de 14 de Outubro, Lei que cria os tribunais de trabalho, entra em contradição com o preceituado na alínea a) do nº 1 artigo 230 da CRM, que atribui competência ao Tribunal Administrativo para o julgamento de acções que tenham por objecto litígios emergentes das relações jurídico-administrativas. Considera ainda, o colectivo dos juízes que apesar de o artigo 230 da CRM, se referir apenas ao Tribunal Administrativo, é necessário ter em conta que a redacção dessa disposição constitucional é anterior à criação dos tribunais administrativos provinciais, por isso, a norma contida na alínea a) do nº 1 do artigo 230, da Constituição da República, deve ser interpretada de harmonia com o previsto na alínea a) do nº 2 do artigo 4 da Lei nº 24/2013, de 1 de Novembro, alterada e republicada pela Lei 7/2015, de 6 de Outubro. Nestes termos, cabe-nos verificar em que medida o preceito legal em questão é susceptível de violar as normas constitucional e legal apontadas, sendo necessário, para facilitar a discussão, transcrever as partes relevantes das mesmas disposições: Constituição da República TÍTULO IX Tribunais CAPÍTULO III 8

Organização dos Tribunais Secção III Tribunal Administrativo Artigo 230 (competências) 1. Compete, nomeadamente, ao Tribunal Administrativo: a) julgar as acções que tenham por objecto litígios emergentes das relações jurídicas administrativas; b) julgar os recursos contenciosos interpostos das decisões dos órgãos do Estado, dos respectivos titulares e agentes; (...). 1. (...). Lei nº 18/92, de 14 de Outubro CAPÍTULO II Competência e âmbito Artigo 10 2. O julgamento de recursos interpostos das decisões de autoridades administrativas nos domínios laboral e da segurança social é, igualmente, da competência dos tribunais de trabalho. 1. (...). Lei nº 24/2013, de 1 de Novembro, alterada e republicada pela Lei nº 7/2015, de 6 de Outubro Artigo 4 (Função jurisdicional) 9

2. Compete aos tribunais administrativos províncias e ao Tribunal Administrativo da Cidade de Maputo: a) julgar as acções e os recursos que tenham por objecto litígios emergentes das relações jurídico-administrativas em primeira instância; (...). Para uma correcta discussão da questão suscitada nos presentes autos, importa que se reexamine os argumentos relevantes apresentados pelo remetente relativamente à norma cuja constitucionalidade se questiona. Entende o remetente que a norma contida na alínea a) do nº 1 do artigo 230 da Constituição da República, deve ser interpretada de harmonia com o previsto na alínea a) do nº 2 do artigo 4 da Lei nº 24/2013, de 1 de Novembro, alterada e republicada pela Lei 7/2015, de 6 de Outubro. Note-se que, com este argumento o remetente coloca perante o Conselho Constitucional um problema de interpretação de leis, propondo que uma norma da Constituição deva ser interpretada em conformidade com a outra constante de lei ordinária, o que constitui uma verdadeira aberração jurídica, tomando em consideração o postulado da supremacia da Constituição. Na verdade, decorre do postulado da supremacia constitucional que a lei e todo Direito infraconstitucional devem ser interpretados em conformidade com a Constituição e nunca no sentido contrário como se pretende no caso vertente. Em resumo, o móbil da questão em julgamento é a interpretação do nº 2 do artigo 10 da Lei nº 18/92, de 14 de Outubro, (Lei que cria os tribunais de trabalho), em relação ao preceituado na alínea a) do nº 1 artigo 230 da Constituição da República, ou seja, é o problema da conformidade ou desconformidade de uma norma ordinária (infraconstitucional) com a norma da Constituição, o que tecnicamente se reduz ao princípio da interpretação conforme a Constituição. 10

Nessa matéria, o Conselho Constitucional se pauta pela doutrina constitucional segundo a qual a interpretação conforme a Constituição pode ser considerada como um princípio de interpretação, ou como técnica de controlo de constitucionalidade. Como princípio de interpretação, resulta da junção de dois princípios, nomeadamente, o da supremacia da Constituição e o da presunção de constitucionalidade. Como técnica de controlo de constitucionalidade, a interpretação conforme com a Constituição consiste na exclusão de uma determinada interpretação da norma infraconstitucional, em forma de acção correctiva 1. Outrossim, importa referir que a questão suscitada no processo em apreço, já foi objecto de apreciação em processos de fiscalização concreta de constitucionalidade por este Conselho Constitucional, onde teve a oportunidade de esgrimir a tese fazendo jurisprudência sobre o assunto, concretamente no Acórdão nº 04/CC/2010, de 7 de Maio 2. No citado Acórdão, o Conselho Constitucional começou por se debruçar sobre o sentido e alcance do nº 2 do artigo 10 da Lei nº 18/92, de 14 de Outubro, tendo considerado que para um melhor julgamento da questão de inconstitucionalidade é necessário que se apurem os vários significados possíveis da referida norma, uma vez que o legislador empregou expressões polissémicas, designadamente, autoridades administrativas, domínio laboral e segurança social. Naquele Acórdão, considerou-se que antes de fazer qualquer juízo de inconstitucionalidade, é prudente ao aplicador da lei verificar se de entre os vários sentidos de interpretação possíveis do texto do preceito questionado, qual é mais conforme com a Constituição (princípio da supremacia da constituição). Na base dos argumentos expostos, o Conselho Constitucional no Acórdão citado, concluiu que o nº 2 do artigo 10 da Lei nº 18/92, de 14 de Outubro, deve ser interpretado de forma a excluirse qualquer sentido que possa retirar ao Tribunal Administrativo, a competência que lhe é 1 BARROSO, Luís Roberto e BARCELLOS, Ana Paula de. (...) A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios do Direito Brasileiro. Trabalho em homenagem a Raymundo Faoro, 1970, pg. 31. 2 Acórdão n. 04/CC/2010, de 7 de Maio, publicado no BR n. 21 I Série, de 26 de Maio de 2010. 11

atribuída pelo nº 2 do artigo 228 conjugado com alínea a) do nº 1 do artigo 230, ambos da Constituição da República 3. Contudo, no âmbito da dinâmica legislativa, o legislador ordinário cedo se apercebeu das possíveis ambiguidades práticas que a referida interpretação acarretava aos aplicadores da norma em causa, por isso, em concretização do previsto no nº 2 do artigo 223 da Constituição da República, foi aprovada uma nova Lei Orgânica da Jurisdição Administrativa a Lei nº 24/2013, de 1 de Novembro, alterada e republicada pela Lei nº 7/2015, de 6 de Outubro, onde expressamente se afirma que Havendo necessidade de clarificar o âmbito da jurisdição da actuação territorial e das competências do Tribunal Administrativo, dos Tribunais Administrativos Provinciais e do Tribunal Administrativo da Cidade de Maputo,.... E especificamente, a alínea a) do nº 2 do artigo 4 da Lei citada, prescreve nos seguintes termos: 1. (...). Artigo 4 (Função jurisdicional) 2. Compete aos tribunais administrativos provinciais e ao Tribunal Administrativo da Cidade de Maputo: a) julgar as acções e os recursos que tenham por objecto litígios emergentes das relações jurídico-administrativas em primeira instância; (...). Assim, verifica-se que há circunstâncias objectivas (normativas) que justificam ou mesmo que obrigam ao Conselho Constitucional a decidir de forma diferente no presente processo, em homenagem ao princípio da segurança jurídica, isto porque ficou claro que depois da fixação do 3 Ibidem 12

sentido de interpretação constitucional do preceito em lide por este Órgão, o legislador ordinário aprovou duas leis consecutivas que derrogaram expressamente a disposição posta em crise. Com os fundamentos que antecedem, fica manifesto, que o preceito submetido a verificação da sua constitucionalidade, foi derrogado pela Lei nº 24/2013, de 1 de Novembro, alterada e republicada pela Lei nº 7/2015, de 6 de Outubro. A doutrina considera derrogação como a revogação parcial de um diploma legal, podendo ser expressa ou tácita, sendo expressa àquela que menciona directamente a norma revogada e tácita quando a nova disposição dispõe de modo diferente da anterior, retirando lhe a sua aplicabilidade. A jurisprudência consolidada do Conselho Constitucional fixou a orientação segundo a qual O controlo da constitucionalidade visa, em princípio, apreciar a conformidade ou desconformidade com a Constituição de normas existentes no ordenamento jurídico (...), ficando de fora do objecto de controlo as normas já revogadas 4. No caso sub judice, a norma contida no nº 2 do artigo 10 da Lei 18/92, de 14 de Outubro, foi tacitamente derrogada pelo estabelecido na alínea a) do nº 2 do artigo 4 da Lei nº 24/2013, de 1 de Novembro, alterada e republicada pela Lei nº 7/2015, de 6 de Outubro, pelo que não se mostra existir interesse jurídico-constitucional relevante para justificar a declaração de inconstitucionalidade de uma norma já derrogada, concluindo-se pela inutilidade de uma decisão de mérito. 4 Acórdão nº 07/CC/2009, de 24 de Junho, publicado no BR nº 27, I Série, de 8 de Julho de 2009. 13

III Decisão Em face do exposto, o Conselho Constitucional decide não se pronunciar sobre a inconstitucionalidade do nº 2 do artigo 10 da Lei 18/92, de 14 de Outubro, por ter sido derrogado, determinando, assim, a inutilidade de uma decisão de mérito. Notifique e publique-se. Maputo, 22 de Março de 2018 Hermenegildo Maria Cepeda Gamito, Domingos Hermínio Cintura, Lúcia da Luz Ribeiro, Manuel Henrique Franque, Mateus da Cecília Feniasse Saize, Ozías Pondja. 14