Revista Eletrônica Novo Enfoque, ano 2013, v. 16, n. 16, p. 95 101 STAPHYLOCOCCUS AUREUS RESISTENTES EM ANIMAIS DE COMPANHIA FREITAS, Adriano Biase de 1 PEREIRA, Jeane Quintiliano 2 TEIXEIRA, Daniel Ribeiro 3 MOURA, Marcos de Assis 4 Resumo Staphylococcus aureus são bactérias envolvidas em infecções hospitalares. A aquisição de multirrestência tem sido demonstrada em diversos estudos, como da possibilidade de isolar S. aureus resistentes a meticilina em animais e seu potencial zoonótico. Este trabalho avaliou seus perfis de resistência aos principais antimicrobianos em amostras do ouvido externo de cães e gatos. Vinte por cento eram S. aureus, sendo que 35% dos isolamentos foram MRSA, tendo maior prevalência em gatos (57,1%). O animal positivo para MRSA pode ser visto como um reservatório, considerando as suas implicações em saúde pública. Palavras-chave: Estafilococos. Multirresistência à antimicrobianos. Zoonoses. MRSA. Abstract Staphylococcus aureus are known to cause hospital infections. Studies have shown the acquisition of multiresistance to antimicrobial through excessive use and few variation, the possibility of isolating MRSA in animals and their zoonotic potential. Thus, this work has evaluated the resistance S. aureus profiles in samples of dogs and cats external ears. There was a percentage of 20% S. aureus, however 35% of the isolates were MRSA, with higher prevalence in cats (57.1%). The positive animals for MRSA are reservoir and disseminator of the pathogen, considering their implications in public health. Keywords: Staphylococcus. Resistance to antimicrobial agents. Zoonosis. MRSA. 1 Acadêmico Bolsista PIBIC&T-UCB (Vigência: Ago/2011 a Ago/2012), Laboratório de Microbiologia e Imunologia Veterinária, Curso de Medicina Veterinária da Universidade Castelo Branco (UCB), Campus Penha, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 2 Acadêmica Voluntária PIBIC&T-UCB (Vigência: Ago/2011 a Ago/2012), Laboratório de Microbiologia e Imunologia Veterinária, Curso de Medicina Veterinária da Universidade Castelo Branco (UCB), Campus Penha, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 3 Médico Veterinário Autônomo, graduação pela Universidade Castelo Branco. 4 MV, PhD, Professor da Universidade Castelo Branco.
Introdução Nos últimos anos, diversos estudos foram desenvolvidos demonstrando a resistência do Staphylococcus sp. a antimicrobianos, destacando-o como multirresistente a pelo menos três classes de antibióticos. 8,12 Staphylococcus aureus é o agente de maior importância em infecções hospitalares e comunitárias, principalmente naqueles países onde as taxas de infecções nosocomiais em hospitais humanos são altas, prevalecendo Staphylococcus aureus resistentes à meticilina (MRSA) associados ou adquiridos na comunidade (CA-MRSA) em crianças e adultos em todo o mundo. No Brasil, cerca de 40% a 60% dos S. aureus isolados de amostras clínicas oriundas de animais são MRSA. 1,8,11 Penna et al. 10, analisando amostras de duzentos cães acometidos por dermatite, otite externa ou cistite, observaram um percentual de 86,5% de cepas multirresistentes, principalmente a beta-lactâmicos. Nas últimas décadas houve um aumento significativo da presença de MRSA em animais domésticos. Apesar de alguns autores considerarem o potencial zooantropozoonótico da infecção muito limitado, houve constatação nos Estados Unidos do aumento da presença de cepas resistentes à meticilina entre os anos de 2001 e 2005 em animais de companhia. 5 Staphylococcus aureus frequentemente colonizam a pele e mucosas de cães e gatos, sendo que felinos apresentam a maior frequência, e de forma assintomática, com grande capacidade de infectar seres humanos muito jovens ou imunossuprimidos ao manterem contato direto com animais de companhia, o que pode levar a infecções de difícil tratamento. Segundo estatísticas da ANVISA, infecções por MRSA em humanos têm uma mortalidade 2,5 vezes maior que as infecções por S.aureus sensíveis à meticilina. Gêneros de estafilococos coagulase positivos de animais apresentam considerável capacidade de transferir determinantes de resistência para cepas humanas, e, por isso, as infecções por S. aureus multirresistentes em animais de companhia devem ser interpretadas como um problema de saúde pública. No entanto, o inverso também ocorre e constitui um risco para a saúde do animal debilitado. 6,12 Artigos revelam que desde 1990 é possível isolar MRSA de indivíduos saudáveis, de qualquer faixa etária, ao entrarem em contato com bactérias pertencentes à microbiota comum de animais de companhia hígidos. Estudos estatísticos difundem que ao albergar essas bactérias como parte da microbiota comum, o indivíduo tem de 11% a 43% de chance de desenvolver a infecção, sendo essa variação resultado do estado imunológico do hospedeiro e/ou virulência do patógeno. Desta forma, é preocupante que haja uma seleção farmacológica em relação aos tratamentos utilizados por médicos veterinários a nível mundial, principalmente naqueles animais confinados, devido ao contato íntimo com o homem. 4,9 Em cães e gatos do Reino Unido e outros países europeus destacaram-se duas cepas, EMRSA-15 e EMRSA-16, indistinguíveis filogeneticamente das linhagens humanas, levando a 96
crer que o potencial zoonótico é considerável e pode influenciar a efetividade da terapêutica humana. 8 A presença e potencial transmissão de cepas de S. aureus resistentes entre animais domésticos e o homem tem sido relacionados ao uso indiscriminado de antibióticos betalactâmicos por clínicos veterinários na terapêutica de animais de companhia sem realização prévia de um antibiograma, o que contribui para uma alteração proteica na PBP2a (Penicillin binding protein), que possui resistência baixa à penicilinas. O mecanismo se deve à expressão do gene meca, presente no Staphylococcal Cassete no cromossomo (SCCmec), levando ao perfil de resistência às penicilinas, cefalosporinas e carbapenens. 15 O foco da preocupação seria àqueles que sofram alta exposição ao microrganismo, pessoas imunossuprimidas, como nos casos de HIV, portadores de neoplasias e pacientes pós-cirúrgicos que mantenham contato com animais positivos. Sendo assim, este trabalho teve como objetivo caracterizar os perfis de resistência in vitro de cepas S. aureus obtidas de amostras do ouvido externo de cães e gatos em atendimento na Clínica Escola Dr. Paulo Alfredo Gissoni, da Universidade Castelo Branco, analisadas pelo Laboratório de Microbiologia e Imunologia Veterinária (LMIV). As justificativas para a realização deste estudo são o aumento da convivência entre seres humanos e animais de companhia, uso indiscriminado e inadequado de antimicrobianos por clínicos veterinários, escassez de dados trabalhados na literatura, potencial zoonótico das cepas bacterianas presentes em animais, níveis de biossegurança muito baixos e possibilidade de não atenção as suas normas em clínicas e hospitais veterinários, pouca variação nos tratamentos e o impacto na saúde pública, seja regional, nacional ou mundial. Procedimentos Metodológicos Todos os procedimentos e técnicas utilizadas neste trabalho foram previamente aprovados pelo Comitê de Ética no Uso de Animais da Universidade Castelo Branco (CEUA - UCB), sob lincença 020/11, coletas com auxílio de swabs Stuart (Meus S.R.L Itália ) identificados com o nome do animal, número de registro clínico e ouvido correspondente. As amostras foram mantidas refrigeradas entre 8-10ºC por no máximo 4 horas e transportadas ao LMIV, onde receberam numeração sequencial. O swabs foram semeados em caldo BHI (Brain Heart Infusion Oxoid ) para enriquecimento primário. Em seguida, as amostras foram semeadas em ágar Sal Manitol (Mannitol Salt Agar Base - HMEDIA ). Após o crescimento, as colônias que continham bactérias gram positivas foram submetidas ao Teste de Catalase 7, Proteína A, Coagulase (Staphclin ) e Teste de Voges-Proskauer 7. Finalmente, as cepas positivas para todos os testes laboratoriais foram consideradas S. aureus e destas, feitos os testes de susceptibilidade a antibióticos (TSA), seguindo o padrão estabelecido pelo CLSI (2011) em 97
Muller-Hinton Agar (MicroMED ). Os antimicrobianos testados foram: Cefalexina, Cefoxitina, Ceftriaxona, Cefuroxima, Ciprofloxacino, Clindamicina, Gentamicina, Meropenem, Oxacilina, Penicilina e Vancomicina. Todas as análises foram realizadas em triplicata e os resultados foram analisados e processados em banco dados da Microsoft Office Excel (Microsoft ). Análise de Dados Foram obtidas 100 amostras, sendo 70 delas provenientes de caninos e 30 de felinos. Setenta e um por cento foram negativas para o gênero Staphylococcus sp., ou não obtiveram crescimento; 9% foram positivas para S. pseuintermedius e 20% para S. aureus, totalizando 20 cepas destinadas ao antibiograma, podendo os resultados serem observados conforme a Tabela 1: Tabela 1 - Perfil de resistência dos Staphylococcus aureus isolados de cães e gatos, 2012. Antibiótico Sensível Intermediário Resistente Cefalexina Cefoxitina Ceftriaxona Cefuroxima Ciprofloxacino Clindamicina Gentamicina Meropenem Oxacilina Penicilina Vancomicina 18 (90,0%) 13 (65,0%) 14 (70,0%) 18 (90,0%) 18 (90,0%) 10 (52,6%) 12 (60,0%) 20 (100,0%) 13 (65,0%) 7 (35,0%) 17 (85,0%) 0 (00%) 1 (05,0%) 4 (20,0%) 1 (05,0%) 4 (21,1%) 5 (25,0%) 2 (10,0%) 6 (30,0%) 2 (10,0%) 1 (05,0%) 2 (10,0%) 5 (26,3%) 3 (15,0%) 7 (35,0%) 13 (65,0%) 3 (15,0%) A resistência a penicilina (65,0%) está entre os dados de estudos britânicos que encontraram 74,0% de resistência 3, norte-americanos com percentual de 55,0% 5, no entanto o perfil de resistência obtido se mostrou abaixo do relatado por PENNA et al. 10, sugerindo que a avaliação do resistograma e monitoramento de bactérias resistentes apresente variações conforme a região estudada. 98
Discussão de Resultados Nosso trabalho revelou que o Meropenem foi sensível para todas as amostras testadas, seguido da cefuroxima, ciprofloxacino, cefalexina, vancomicina e ceftriaxona. A gentamicina e clindamicina apresentaram apenas 15,0% de resistência, mas também um alto percentual de amostras com sensibilidade intermediária (21,1% e 25,0% respectivamente). A oxacilina é o antimicrobiano de eleição para o tratamento de infecções por estafilococos em humanos, principalmente nas Unidades de tratamento intensivo (UTI) e teve um perfil preocupante, pois das 20 amostras positivas para S. aureus, sete delas foram resistentes ao fármaco (35,0%) e mostraram-se mais elevados que os 17,0% obtidos por Tunon e colaboradores 14 no que concerne ao isolamento de MRSA em otites caninas. Nos felinos, houve uma maior prevalência de cepas resistentes a oxacilina (57,1%). Já em caninos, foi 42,8%. As medidas de controle e triagem de MRSA realizadas hospitais humanos brasileiros deveriam ser adotadas também pela Medicina Veterinária, considerando sempre o animal positivo como um importante reservatório e disseminador da infecção entre animais, seres humanos e no ambiente. De acordo as diretrizes do Centro Americano de Controle de Doenças, é recomendado que hospitais tenham mecanismos eficientes de descontaminação de superfícies de contato, limpeza e descontaminação do ambiente, assim como procedimentos para pacientes em cuidados intensivos, como a identificação dos reservatórios por meio de triagem com cultura bacteriana de regiões anatômicas como o ouvido externo e comissura nasal, isolamento dos pacientes positivos, implementação de sistemas de monitoramento dos pacientes colonizados por MRSA e alertas nas readmissões, a manipulação destes animais sempre usando capote e luvas, e lavagem das mãos antes e depois da manipulação de qualquer animal. O médico veterinário como profissional de saúde, deve atentar a todas as normas de biossegurança, melhorando, assim, o controle da disseminação deste patógeno na comunidade. É importante também que este profissional seja visto como um possível reservatório e fator de risco para a saúde animal, o que contribui indiretamente para a saúde pública humana, tendo em vista que este paciente hígido ou apresentando doença por estafilococos pode ser considerado um disseminador para seus proprietários e estes, para terceiros. 99
Conclusão Os resultados observados neste estudo nos mostram que os animais de companhia positivos para MRSA devem ser vistos como reservatórios e disseminadores do patógeno entre outros animais, seres humanos e no ambiente, considerando as suas implicações em saúde pública. É evidente a importância da utilização racional e precisa de antibioticoterapia em animais domésticos, objetivando que a realidade de resistência encontrada medicina humana não se torne uma realidade em medicina veterinária, cabendo desta forma um incentivo a realização do antibiograma com maior frequência pelos clínicos, tentando evitar assim a multirresistência e ineficácia dos antibióticos mais usados, principalmente na clínica de pequenos animais. Além disso, os problemas envolvendo as doenças emergentes por MRSA são de extrema importância em saúde pública, devendo as pesquisas sobre seleção de cepas resistentes serem sempre mantidas para monitoramento, assim como a determinação da origem destas cepas, ou seja, se é de origem humana, veterinárias ou ambas, com a observação da presença real de genes de resistência. Referências 1. BAPTISTE, K. E. et al..methicillin-resistant Staphylococci in Companion Animals. Emerging Infectious Diseases, Atlanta, v. 11, n. 12, p. 1942-1944, 2005. 2. BIBERSTEIN, E.L.; HIRSH, D.C. Microbiologia Veterinária. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2003, 464p. 3. DUIJEKEREN, E.V. et al. Human-to-dog transmission of Methicillin-Resistant Staphylococcus aureus. Emerging Infectious Diseases, v. 10, n. 5, p. 2235-2236, 2004. 4. GELATTI, L. C. et al. Sepse por Staphylococcus aureus resistente à meticilina adquirida na comunidade no sul do Brasil. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. n. 42(4), p. 458-460, 2009. 5. JONES, R. D. et al. Prevalence of oxacillin- and multirresistant Staphylococci in clinical samples from dogs. Journal of American Veterinary Medical Association, v. 230, 2007. 6. JUNCO, M. T. T.; BARRASA, J. L. M. Identification and Antimicrobial Susceptibility of Coagulase Positive Staphylococci Isolated from Healthy Dogs and Dogs Suffering from Otitis Externa. Journal of Veterinary Medicine B. n. 49, p. 419-423, 2002. 7. KONEMAN, E. W. et al. Diagnóstico Microbiológico Texto e Atlas Colorido. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008, 1565p. 100
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