AS ISCAS DO MERCADO: RELAÇÕES DE TRABALHO NA PESCA DE BAGRES NO RIO SOLIMÕES1



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XIX ENCONTRO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA, São Paulo, 2009, pp. 1-18. AS ISCAS DO MERCADO: RELAÇÕES DE TRABALHO NA PESCA DE BAGRES NO RIO SOLIMÕES1 MORAES, André de Oliveira. Universidade Federal do Amazonas and.moraes@gmail.com SCHOR, Tatiana. Universidade Federal do Amazonas tschor@ufam.edu.br Resumo: A pesca é uma atividade intrínseca da população ribeirinha amazônica cuja dieta sempre contou com o peixe como item principal. Entretanto, a inserção do peixe no comércio de âmbito local, regional e até internacional tem dado um caráter de mercado a esse elemento que, fruto do extrativismo, têm se desdobrado em relações de trabalho complexas que são determinadas por inúmeros fatores dentre eles a espécie na qual se concentra a pesca. Este artigo se concentra em analisar tais relações de trabalho no âmbito da rede comercial dos peixes, especialmente dos bagres na calha do Rio Solimões, onde se desdobram a exportação de pescado. Introdução Welcomme (2006) afirma que estudos detalhados sobre a economia e o funcionamento da pesca nos rios tropicais são raros e a melhora na compreensão desses complexos sistemas sociais e ecológicos é de extrema importância (p. 11). A complexidade que envolve estes estudos a cerca da economia da pesca na Amazônia 1 O trabalho é resultado parcial do projeto de iniciação científica "Caiu na Rede é Peixe: um estudo sobre a rede urbana da calha do Rio Solimões a partir do mercado de peixes em Tabatinga, Tefé e Manaus" desenvolvido entre agosto de 2007 e julho de 2008 que, sob orientação de Dra. Tatiana Schor (UFAM) e Dr. José Antônio Alves Gomes (INPA), está vinculado ao programa "Estudos da Rede Urbana da Calha Solimões - Amazonas" coordenado pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas das Cidades da Amazônia Brasileira - NEPECAB/UFAM e ao Projeto PIRADA: genética, manejo e conservação dos grandes bagres migradores na Amazônia coordenado pelo Laboratório de Fisiologia Comportamental e Evolução LFCE e pelo Laboratório Temático de Biologia Molecular LTBM, ambos do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia INPA.

2 XIX ENGA, São Paulo, 2009 MORAES, A. O. e SCHOR, T. fica explícita quando se expõem as formas diversas que o peixe pode se apresentar tanto enquanto somente valor de uso quanto como mercadoria. O pescador artesanal, ao satisfazer suas necessidades alimentares a partir do produto de sua pesca faz do peixe apenas valor de uso, característica principal da pesca de subsistência. Essa condição, praticamente desaparecida no litoral brasileiro, ainda resiste em comunidades ribeirinhas do Amazonas (DIEGUES, 2004) e até mesmo em algumas cidades pequenas do Estado como Anamã, por exemplo. Embora represente uma porção irrisória do pescado quando analisado na escala estadual, essa condição acentua a complexidade na obtenção de dados de desembarque no sentido de ser mais difícil computar o pescado que não se torna mercadoria. Nas mercadorias, os preços são importantes indicadores de mercado. Porém o preço do peixe possui lógica própria, pois a mesma mercadoria-peixe pode variar de preço não só no decorrer do dia, mas, e principalmente, no decorrer das estações do ano no Amazonas, ditados pela sazonalidade do rio Solimões. A diferença no que tange ao preço considera fatores como a espécie, a época do ano, o tamanho do peixe, a aparência deste, se está ovado ou não, se fresco ou pescado no dia anterior, até mesmo o horário do dia, entre outros, que constituem variáveis de difícil apreensão, mas que determinam o preço do pescado (MORAES et al., 2007). A demanda pelo peixe, em geral, sempre esteve relacionada à alimentação local, entretanto Cruz (2007) afirma que a pesca no rio Solimões se intensificou devido à procura de bagres pelos grandes frigoríficos que estocam o pescado para exportação sendo que estas espécies perfazem cerca de 95% da pescaria existente hoje na Amazônia brasileira, colombiana, peruana, boliviana e venezuelana (BATISTA et al., 2005, p. 123). A situação dos bagres (popularmente conhecidos como peixes lisos ou de couro ) quanto a sua estrutura de mercado, apresenta outra lógica. Diferentemente do Pará, existe um tabu alimentar em torno do seu consumo entre a população amazonense (BARTHEM et al., 1997), ou seja, apenas uma pequena parte destes, geralmente surubins, seguem para o comercio local das cidades e isso tem reflexos diferentes pela motivação que os pescadores têm em pescá-lo, ou seja, com fins comerciais na intenção de aferir-lhe valor de troca. Por isso se faz necessário uma análise não generalizante quando no que se refere à pesca na Amazônia considerando as particularidades dos lugares e de cada espécie que, enquanto mercadoria, tem comercialmente caracterizando relações distintas nas diversas escalas. Mesmo assim, existem pescadores artesanais que praticam a pesca de ambos e que, por isso, se organizam em ambas as formas de

As iscas do mercado: relações de trabalho na pesca de bagres no Rio Solimões, pp. 1-18. 3 mercado. Isso gera a necessidade de uma análise conjunta no que tange ao trabalho do pescador dos dois tipos resguardando as distinções e relações que apresentam. Os trabalhos de campo foram realizados nas cidades de Tabatinga, Benjamim Constant, São Paulo de Olivença, Amaturá e Santo Antônio do Içá no mês de setembro de 2007 (vazante) e em Tefé em abril de 2008 (enchente). Excursões para estas e para as demais cidades da área de estudos foram anteriormente realizados no âmbito dos projetos, cujos dados puderam subsidiar as análises desta pesquisa. Os dados foram coletados junto aos frigoríficos e mercados municipais, principalmente, e ainda nas associações de pescadores e de compradores e vendedores de peixe (Tefé), e permitiram a visualização da estrutura de mercado e da rede urbana da comercialização de bagres, descritos e analisados na discussão dos resultados da pesquisa. A Mercadoria-Peixe O pescado no estado do Amazonas está permeado por uma situação que transita desde aspectos relacionados ao cotidiano alimentar da população regional até diferenciadas relações de mercados que extrapolam o local adotando novas lógicas na divisão territorial do trabalho que envolve sua estrutura de mercado no Amazonas, principalmente quando se trata de bagres. Uma consideração importante a ser feita é a condição do peixe enquanto mercadoria. Segundo Marx (1985) a utilidade de uma coisa faz dela valor de uso (p. 45) sendo que o valor de uso realiza-se somente no uso ou no consumo (p. 46). Por outro lado as coisas também possuem uma propriedade intrínseca a si que as faz permutáveis por outras e o que há de comum, que se revela na relação de troca ou valor de troca da mercadoria, é, portanto, seu valor (MARX, 1985, p. 47). Com isso, a pesca apresenta outra perspectiva de mercado abrangendo uma diferenciação na raiz das relações capitalistas de produção que é a discussão do valor de uso e valor de troca. O peixe pode ser ainda algo que não necessariamente passa por relações de mercado, mas sua função no abastecimento alimentar da população urbana é cumprida. Isso ocorre pois,

4 XIX ENGA, São Paulo, 2009 MORAES, A. O. e SCHOR, T. uma coisa pode ser valor de uso, sem ser valor de troca. É esse o caso, quando sua utilidade para o homem não é mediada pelo trabalho. (...) Quem com seu produto satisfaz sua própria necessidade cria valor de uso mas não mercadoria. (...) Para tornar-se mercadoria, é necessário que o produto seja transferido a quem vai servir como valor de uso por meio da troca. (MARX, 1985, p. 49). Tal particularidade do pescado no Amazonas representa uma forma diferenciada de suprir as demandas de abastecimento. Essa condição de apenas valor de uso reflete as relações sociais que compõem, ainda, o ribeirinho enquanto um sujeito social que ainda não está inserido totalmente nas relações capitalistas de produção. Contudo, a análise do trabalho é do peixe enquanto mercadoria. Constituído de valor de uso e valor de troca. Tal status, que tem o trabalho como propriedade que determina o valor das mercadorias, evidencia uma organização das forças de trabalho em torno de uma estrutura de mercado que viabilizará, da forma capitalista, a comercialização do peixe. Abramovay (2008) afirma que mercados devem ser estudados sob o ângulo institucional, sociológico, histórico, como construções sociais (p. 20). Isso indica que a mera restrição do estudo de estruturas de mercado às relações econômicas se mostra insuficiente. As relações sociais que constroem os mercados são marcadamente particulares no que tange ao pescado. O mercado capitalista é uma forma de interação social que distorce, corrompe, polui, degrada a nobreza da cooperação direta, não mediatizada pelo dinheiro, entre atores (ABRAMOVAY, 2008, p. 21) que protagonizam ainda apenas valor de uso, no caso da pesca. A Tipologia Comercial da Pesca no Amazonas A pesca no Rio Solimões se apresenta diversificada em função de algumas variáveis que são determinantes para a compreensão da atividade, principalmente no Estado do Amazonas. As diferentes espécies de peixes caracterizam-se como o fator de maior influência na determinação das várias formas com as quais a estrutura de mercado será organizada. Tal fator considera questões biogeográficas, econômicas e culturais, cujo nível de articulação dessas redundará numa maior ou menor

As iscas do mercado: relações de trabalho na pesca de bagres no Rio Solimões, pp. 1-18. 5 complexidade dessa estrutura tendo reflexos diretos e indiretos na configuração da rede estabelecida pelo mercado pesqueiro. A tipologia comercial e a lógica de mercado estão ligadas por meio das relações sociais e culturais que delineiam o mercado. O fato de não haver consumo de bagres no Amazonas por um tabu alimentar, ou seja, um fator cultural, impulsiona o mercado desses para a exportação. Ao contrário, o alto consumo dos peixes de escama populares nas cidades da calha do Rio Solimões, faz com que a lógica de mercado deste seja local, ou seja, o maior consumo se dá no âmbito da cidade, quando o peixe também é estabelecido como valor de troca. Tipologia Comercial Peixes de Escama Populares Peixes de Escama Nobre Bagres Espécies (estudadas) Jaraqui (Semaprochilodua insignis); Pacu (Mylossoma spp.); Curimatã (Prochilodus nigricans). Pirarucu (Arapaima gigas); Tambaqui (Colossoma macropomum); Matrinxã (Brycon cephalus). Dourada (Brachyplatystoma flavicans); Piramutaba (Brachyplatystoma vaillantti); Piraíba (Brachyplatystoma filamentosum). Lógica de Mercado Local Regional Internaciona l Tabela 1 Tipologia comercial e a lógica de mercado das espécies estudadas. FONTE: Dados da pesquisa, 2007. A característica marcante dos aqui classificados como peixes de escama populares é a ampla difusão do seu consumo no âmbito local conseqüência de sua relativa abundância. Nas cidades onde o mercado municipal possui o preço do peixe tabelado e por quilograma, o preço destes geralmente é agrupado variando entre R$ 2,00 em Benjamim Constant e R$ 3,50 em Tefé. Outra característica marcantes nos peixes de escama populares é o seu mercado com base local, o que significa uma estrutura de mercado simplificada. Isso acarreta uma menor complexidade no tocante a divisão do trabalho na pesca que, ao produzir mercadoria, não necessariamente produz capital. Tefé possui a Associação

6 XIX ENGA, São Paulo, 2009 MORAES, A. O. e SCHOR, T. dos Compradores e Vendedores de Peixe de Tefé ASCOMVEPT, que compra o peixe direto do pescador e o vende na feira ou mesmo em bairros (figura 1). Figura 1 Venda de Peixe na feira de Tefé (em azul os associados da ASCOMVEPT). FONTE: Acervo NEPECAB (mar/2007). As relações estabelecidas diretamente entre o pescador e o comprador final da mercadoria peixe são, do ponto de vista das relações de trabalho, ideais para que o pescador artesanal obtenha a maior renda a partir da atividade pesqueira. São relações simplificadas (figura 2), mas que redundam no aumento da jornada de trabalho do pescador que terá que vender sua produção. Em Santo Antônio do Içá foi possível identificar essa condição. Embora haja um mercado para a venda do peixe na cidade este não se localiza próximo ao porto onde os pescadores dão preferência como local de venda por concentrar mais pessoas (figura 3). Pescador Artesanal Atravessador / Comprador Consumidor Final Figura 2 Fluxograma da Cadeia Produtiva dos peixes de escama populares em escala local. FONTE: Dados da pesquisa, 2007.

As iscas do mercado: relações de trabalho na pesca de bagres no Rio Solimões, pp. 1-18. 7 Figura 3 Venda de peixe no porto em dias úteis em Santo Antônio do Içá. FONTE: Acervo NEPECAB (set/2007). As características em comum das espécies que compõem os peixes de escama nobres são os altos valores de mercado diretamente proporcionais à alta procura destes. As relações partem do princípio da oferta e da procura onde os elevados preços podem ser justificados pela escassez deste ou a escassez deste é quem justifica os altos preços. A pressão sobre os estoques aponta a necessidade de manejo destas espécies, cujas tentativas estão sendo empreendidas pela piscicultura em vários municípios, para o tambaqui e a matrinxã, e o manejo do pirarucu, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá em Tefé, por exemplo. No tocante a estrutura de mercado que envolve esta classe, sua complexidade se apresenta pelas várias modalidades de pesca empregadas nas diferentes espécies. A estrutura de mercado abarca maior complexidade com Manaus detendo boa parte do mercado consumidor. O pescador artesanal o vende diretamente no mercado da cidade ou por encomenda de alguém da cidade, no caso do comércio local. Quando regional, existe um série de agentes na cadeia produtiva que desempenham papeis de mediação. Os principais são os donos de frigoríficos, os donos de barcos com frigoríficos, e os negociantes em Manaus onde, em alguns casos já existe contratos firmado com restaurantes e hospitais e, em outros, o pescado segue diretamente para o mercado onde terá mais um intermediário (figura 4).

8 XIX ENGA, São Paulo, 2009 Pescador Artesanal MORAES, A. O. e SCHOR, T. Piscicultor Atravessador Barco com Câmara Frigorífica Negociante em Manaus Feirante em Manaus Consumidor Final Figura 4 Fluxograma da cadeia produtiva dos peixes de escama nobres. FONTE: Dados da pesquisa, 2007. O mercado dos bagres possui lógica internacional para o Alto e Médio Solimões embora se tenha registros de mercado para esses em Manaus que, entretanto, participa de outra rede que não da exportação para Letícia. A diferenciação do mercado dos bagres comporta dimensões ecológicas das espécies no tocante ao ciclo de vida e questões relacionadas ao mercado e seu caráter de exportação, ou, nãolocal. A cadeia produtiva dos bagres (figura 5) conta com a participação de vários agentes que intermedeiam o processo. Entretanto, em algumas cidades como Tabatinga, esta se torna simplificada pela proximidade com o destino, o que permite que os próprios pescadores artesanais comercializem diretamente o seu pescado para as bodegas de Letícia (linha tracejada na figura 5). As relações de venda direta entre pescador e as bodegas de Letícia são percebidas também em Benjamim Constant, entretanto ainda foram identificados dois frigoríficos (figura 5) que compram bagres e mantém contrato com uma das bodegas que, na maioria das vezes vai até estes para buscar os peixes.

As iscas do mercado: relações de trabalho na pesca de bagres no Rio Solimões, pp. 1-18. Pescador Artesanal Pequenos Frigoríficos Barcos com Câmara Frigorífica Consumidor Final (Colômbia) 9 Grandes Frigoríficos Barcos de Linha (Recreios) Bodegas em Letícia Sede do Frigorífico Em Tabatinga Figura 5 Fluxograma da cadeia produtiva dos bagres nas cidades estudadas. FONTE: Dados da pesquisa, 2008. As Relações de Trabalho na Rede de Pesca A pesca geralmente é associada à atividade rural principalmente em se tratando do Amazonas onde os ribeirinhos ainda têm-na como uma das principais atividades para subsistência (DIEGUES, 2004), além da função de obtenção de renda (figura 6). Entretanto, a realidade da pesca na calha do Rio Solimões está, também, associada ao contexto urbano, pois, quando atividade rural, tem-se a cidade como lócus da comercialização da produção (CORRÊA, 2006; SINGER, 2002) e ainda há o caso de vários que a praticam e residem nas cidades e ali comercializam sua produção diretamente ao consumidor final ou com o intermédio dos atravessadores no âmbito do comércio local. A análise se concentrará nestes pescadores urbanos. Nesse contexto, as relações de trabalho podem ser tidas como simplificadas ou complexas de acordo com a escala adotada para a análise, pois o que se faz importante em uma escala não se manifesta na outra automaticamente (HARVEY, 2004).

10 XIX ENGA, São Paulo, 2009 MORAES, A. O. e SCHOR, T. Figura 6 Família ribeirinha chegando à cidade para vender bagres. FONTE: Acervo NEPECAB (Tefé, mar/2008). Localmente, as relações de trabalho são simplificadas quando se referencia a atividade por meio da rede urbana, no que tange ao número de agentes envolvidos na estrutura de mercado e suas funções nesta. Ao ampliar a escala, adequada aos peixes de escama nobres e bagres, percebe-se a presença de mais agentes nesse processo que agem em níveis hierárquicos e as relações de produção mudam em cada um desses níveis. Tais relações que trazem uma nova conotação à estrutura de mercado estabelecida. Nesse caso, as setas de orientação apresentadas na figura 5 podem, metaforicamente, ser comparadas ao princípio matemático de serem linhas (fluxos) compostas por vários pontos (relações sociais). A princípio, a relações entre o pescador e os frigoríficos, por exemplo, seriam de venda de peixes, pois aqueles são detentores dos meios de produção (apetrechos de pesca) (figura 7). Embora isso seja uma realidade para os peixes de escama, tanto os populares, quanto os nobres, na estrutura de mercado dos bagres o processo assume um caráter cíclico. Embora o pescador artesanal de bagres tenha os instrumentos básicos para a atividade pesqueira, este não possui capital para a realização da atividade. Os donos dos frigoríficos assumem um caráter de agentes financeiros e viabilizam a pescaria por meio da disponibilização de objetos de necessidade primária para o pescador, que já possui os apetrechos de pesca, durante a pescaria que são o gelo, o combustível e o rancho que, são pagos com peixe, ou seja, no retorno da pescaria, se paga ao(s) pescador(es) a diferença entre a produção e o valor do financiamento. Um sistema semelhante era praticado no início do século XIX na

As iscas do mercado: relações de trabalho na pesca de bagres no Rio Solimões, pp. 1-18. 11 Inglaterra onde havia financiamento por parte dos proprietários de barcos de pesca, inclusive, com o rancho aparecendo como parte do financiamento (DIEGUES, 1983). Figura 7 Rede de Emalhar dos pescadores de São Paulo de Olivença. FONTE: Acervo NEPECAB (set/2007). O financiamento dos donos de frigoríficos também pode ser em espécie por aspectos relacionados à família do pescador. Em vários casos ao longo das cidades do Solimões detectaram-se pescadores que, para sair para a pescaria, tem que deixar uma importância em dinheiro para pagar contas ou manter sua família enquanto este estiver na jornada de trabalho que pode durar até duas semanas nos períodos de entressafra quando o pescado está escasso. Mesmo no caso do financiamento em dinheiro, os pescadores das cidades mais distantes de Tabatinga não abrem mão dos objetos de primeira necessidade financiados pelos donos de frigoríficos, pois estes possuem melhores fontes para o gelo e a gasolina que têm mercados irregulares nessas cidades. As fabricas públicas de gelo têm sérios problemas sendo que as que são relativamente bem geridas (Benjamim Constant e Santo Antônio do Içá) não atendem as demandas assim como a gasolina que é vendida em garrafas nas ruas e nas casas (figura 8). Em outras etapas da cadeia produtiva, as relações podem não obedecer a uma hierarquia por outros fatores que devem ser considerados nesse processo. À exemplo disso, os donos de pequenos frigoríficos de Benjamim Constant têm que estabelecer relações de financiamento e ser atencioso quanto ao preço para garantirem que os pecadores venderão sua produção para ele pois a proximidade permitiria a venda direta para a Letícia em cadeia simplificada. Outro aspecto são os financiamento que podem ser maiores como alguns casos em São Paulo de Olivença onde os donos de

12 XIX ENGA, São Paulo, 2009 MORAES, A. O. e SCHOR, T. frigoríficos grandes chegam a financiar motores de rabeta e apetrechos de pesca aos pescadores e donos de frigoríficos menores. Um aspecto interessante nesse contexto é que não foram identificados casos em que os donos de frigoríficos que financiam os pescadores fossem donos dos meios de produção (canoa, motor, apetrechos, etc.). Figura 8 Forma de abastecimento de combustível no Alto Solimões (Benjamim Constant) FONTE: Acervo NEPECAB (set/2007). Mesmo quando existe o financiamento desses bens, o objetivo é que os pescadores sejam proprietários destes constituindo uma monopolização do território pelo capital (OLIVEIRA, 2005). A aplicação do conceito de território na pesca é apontada por Cruz (2007) quando mostra a territorialização das águas pelos pescadores de Manacapuru, ou seja, a apropriação do espaço onde que passará a ter uso exclusivo. Tal condição também foi identificada no Alto Solimões. Em São Paulo de Olivença a parte do rio Solimões correspondente ao território municipal foi dividida em 20 partes que foram distribuídas para 20 grupos de associados da colônia onde cada grupo atua em uma parcela do rio. As margens de atuação foram definidas de acordo com o tipo de sedimento transportado pelo rio, de forma que as escolhidas foram aquelas cujos sedimentos não eram compostos por grandes volumes como troncos de árvores visto que poderiam danificar os apetrechos de pesca como as redes, por exemplo. Isso indica a influência das condições naturais nas relações sociais de produção no contexto amazônico no âmbito da territorialização das áreas de uso da pesca. As relações de trabalho são presentes em todas as etapas da estrutura de mercado da pesca de bagres não somente vertical como também horizontalmente com a condição em que se encontram os funcionários dos donos de frigoríficos grandes e

As iscas do mercado: relações de trabalho na pesca de bagres no Rio Solimões, pp. 1-18. 13 dos donos de barcos de transporte. As funções destes são basicamente em torno da manutenção do flutuante/barco e da compra dos bagres (figura 9) sendo a venda sempre de responsabilidade do dono a quem compete as negociações. Presente nas relações de trabalho, a discussão do peixe como mercadoria projeta pareceres sobre as relações de trabalho que são estabelecidas no âmbito da captura e da comercialização deste. Os hábitos de pesca, entendidos como os processos socioculturais, sejam eles de mercado ou não, que constituem a atividade pesqueira, são modificados por contato com o mercado. Os pescadores artesanais modificam desde os ambientes de pesca, o tipo de apetrecho utilizado, a jornada de trabalho e outros aspectos, quando passam da pesca de peixes com escama populares e nobres, para a pesca de bagres. Além disso, a partir de tal mudança inauguram-se, ainda, as relações de financiamento supracitadas e a condição de pesca inscrita no modo capitalista de produção tendo a produção de valor de troca como objetivo (DIEGUES, 1983). Figura 9 Funcionário de Frigorífico realizando a compra de bagres. FONTE: Acervo NEPECAB (São Paulo de Olivença, set/2007). O Transporte e as Relações de Trabalho Assim como os peixes realizam suas migrações para completar seu ciclo de vida, fora d água estes também migram para completar o ciclo da mercadoria agora

14 XIX ENGA, São Paulo, 2009 MORAES, A. O. e SCHOR, T. dentro dos barcos. No transporte do pescado também residem elementos fundamentais para a compreensão da estrutura de mercado como a relação já abordada entre a proximidade e tipo de transporte. O transporte de peixe está sujeito à condição do peixe de produto in natura, ou seja, são exigidos mecanismos de conservação das propriedades físicas do peixe sob pena deste estragar e não poder mais ser vendido. Tais mecanismos estão ligados ao resfriamento e/ou congelamento do pescado como forma de mantê-los qualitativamente (figura 19). Tal motivo também abarca dimensões de valor no sentido de o pescador, que não tem como manter o peixe conservado, ter que vender o peixe imediatamente não havendo como agregar valor neste. Figura 1 Armazenamento de bagres em frigorífico. FONTE: Acervo NEPECAB (Santo Antônio do Içá, set/2007). Os tipos de transporte utilizados para o deslocamento dos bagres são submetidos à distância do local de produção ou de estocagem de produção até o seu destino, Letícia. A produção do entorno de Tabatinga e Benjamim Constant tem o transporte realizado ou em canoas dos próprios pescadores, ou no caso de Benjamim Constant, os patrões (donos das bodegas de Letícia com o qual se tem contrato) enviam embarcações para recolherem o pescado nos frigoríficos locais. Nesse caso, sem gastos com os insumos para o transporte (gasolina, manutenção, trabalhadores, etc.) são poupados. A produção da região do Médio Solimões que se concentra em Tefé necessita de embarcações específicas que possuam frigoríficos para o transporte do pescado, o que representa um ônus a mais no processo. Havendo essa diferenciada configuração de fluxos de transporte entre as regiões do Alto e do Médio Solimões, os dados de preço de compra de bagres ao

As iscas do mercado: relações de trabalho na pesca de bagres no Rio Solimões, pp. 1-18. 15 pescador pelos donos de frigorífico sofrem pequenas variações. Harvey (2005) afirma que as mercadorias têm preço sensível aos custos de transporte, sendo isso sentido no mercado dos bagres que, dependentes do transporte específico, tem preço ao pescador sujeito às condições de mercado do transporte não se sujeitando apenas a distância física, mas também a acessibilidade e a composição da rede urbana estabelecida entre as cidades que participam desse mercado. Na vazante, a dourada custava em média R$ 5,50 o kg em Benjamim Constant e R$ 4,25 o kg em Santo Antônio do Içá que possui menor preço que Amaturá, embora esta esteja mais próximo de Letícia. Os pescadores de Tabatinga e benjamim Constant alcançam melhores preços de venda nos peixe pelo seu acesso direto ao consumidor final da estrutura considerada nesta pesquisa, as bodegas de Letícia. Existe ainda o caso dos pescadores de São Paulo de Olivença cuja condição para se definir a cadeia produtiva do pescado, e consequentemente a forma de transporte, será a produção nas proporções explicadas no item anterior (tabela 3). Tabela de Preço do Peixe Liso Preço de Compra Preço de Compra Espécie (Letícia) (Frigoríficos locais) R$ 7,00 R$ 4,90 Dourada R$ 6,00 R$ 2,90 Surubim Acima de 20 kg R$ 7,00 R$ 4,90 Paraíba Abaixo de 20 kg R$ 5,50 R$ 3,00 R$ 4,00 R$ 2,50 Pacamum R$ 2,00 R$ 1,90 Pirarara R$ 1,50 R$ 1,00 Piramutaba R$ 1,50 R$ 0,80 Bocão Tabela 2 Tabela comparativa de preço de venda do pescador de São Paulo de Olivença diretamente para Letícia e para frigoríficos locais. FONTE: Dados da pesquisa de campo, 2007. A importância do transporte fomenta a criação de um mercado específico para esse fim. No Alto Solimões, mais especificamente em São Paulo de Olivença há a família do Sr. Gib que possui dois barcos para transporte de pescado que atuam na maior parte da calha do Solimões direta ou indiretamente abrangendo as cidades de Carauari, Tefé, Uarini, Alvarães, Fonte Boa, Jutaí, Tonantins, Santo Antônio do Içá e Amaturá e transporta peixes de frigoríficos que já o compraram de pescadores de outras cidades. O sistema de cidades prioritárias (Carauari, Uarini, Fonte Boa e Tonatins) na área de atuação dessas embarcações é estabelecido apenas na vazante, quando o

16 XIX ENGA, São Paulo, 2009 MORAES, A. O. e SCHOR, T. pescado é abundante e falta logística para manter a estrutura de mercado dos bagres, na enchente (entressafra) os barcos passam em todas as cidades. A escolha é feita com base nos investimentos que se tem nestas. Os proprietários dessas embarcações financiam pescadores e donos de frigoríficos pequenos. Sendo assim, tais relações não são estabelecidas, a princípio, por produção, ou por representatividade da cidade da rede urbana da calha do rio Solimões. Outras importantes funções ainda são exercidas pelas embarcações do Sr. Gib como a articulação entre as cidades e a possibilidade de mercado para o mercado de bagres, já que localmente este não tem aceitação por questões culturais. Além disso, estes exercem um importante papel alfandegário, pois depois de embarcado o peixe, todo processo de exportação é encargo dos barcos, sendo que a negociação é préestabelecida por telefone com a bodega a qual se destinará o peixe. Um fator importante é que no preço do frete já está contido esse fator. Os navios a motor, popularmente conhecidos como barcos de recreio, são bastante utilizados no transporte de pescado de forma mais comum para peixes de escama populares e nobres, entretanto utilizado também para bagres (figura 20). Em alguns casos, a mesma câmara frigorífica desses barcos que sai de Manaus com frango congelado e outros frios para as cidades, volta com peixes como forma de aproveitar ao máximo a viagem e o transporte. Figura 2 Transporte de pescado em câmara frigorífica de um barco de recreio com destaque para o surubim. FONTE: Acervo NEPECAB (set/2007). Considerações Finais A pesca, ainda não industrializada no Amazonas, sofre as conseqüências de não contar com arranjos produtivos locais que, justaposto à alta perecibilidade do peixe, condiciona as relações de trabalho ao imediatismo que delineia tais relações com o

As iscas do mercado: relações de trabalho na pesca de bagres no Rio Solimões, pp. 1-18. 17 agravante de um Estado ausente. A atividade pesqueira se apresenta em um momento de transição que comporta a complexidade de novas formas de produção introduzidas num contexto específico. Mesmo a pesca mantendo-se constante no que tange à demanda no âmbito local e estadual, esta passa a ter novas demandas a partir do mercado internacional que rearranja o espaço produtivo e estabelecem novas relações que, ainda em processo, são determinantes para a configuração dessas estruturas de mercado. Ainda há muito que dizer sobre o comércio de peixes no Amazonas. Essa atividade tem importância histórica para toda a região e começa a se inserir no modo de produção capitalista onde ocorrem mudanças estruturais que alteram de forma substancial o cotidiano dos pescadores artesanais. Além disso, tende ao aumento da produção para fins comerciais sem a sensibilidade devida em relação ao manejo e conservação das espécies, o que pode gerar perda da diversidade ainda por ser descoberta em sua maioria. Os esforços empreendidos no estudo biogeográfico do ciclo de vida desses cardumes por meio da biologia molecular e da estrutura de mercado destes com abordagens da geografia econômica e urbana apresentam novas problemáticas e perspectivas quando justapostos. O desafio de cruzar os dados no intuito de obter resultados social e ambientalmente relevantes motiva as pesquisas que, ao explorar a cultura amazônica, faz o pesquisador, nascido no Amazonas e criado à base de peixe com farinha, cometer uma metalinguagem científica.

18 XIX ENGA, São Paulo, 2009 MORAES, A. O. e SCHOR, T. Referências ABRAMOVAY, Ricardo. Entre Deus e o Diabo: mercado e interações humanas nas ciências sociais. Disponível em <http://www.econ.fea.usp.br/abramovay/>. Acesso em 23 de janeiro de 2008. BARTHEM, R. B. GOULDING, M. Os Bagres Balizadores: ecologia, migração e conservação de peixes amazônicos. Tefé: Sociedade Civil Mamirauá; Brasília: CNPq, 1997. BATISTA, J. S. Estimativa da variabilidade genética intra-específica da dourada Brachyplatystoma flavicans Castelnau 1855 (Pimelodidae Siluriformes) no Sistema Estuário- Amazonas-Solimões. Dissertação de Mestrado, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia INPA. Manaus, Amazonas. 2001. 113pp. CORRËA, Roberto Lobato. Estudos Sobre a Rede Urbana. Rio de Janeiro: BERTRAND BRASIL, 2006. CRUZ, Manuel de Jesus Masulo. Rios e Lagos: apropriação da pesca pelos camponeses-ribeirinhos na Amazônia. in: BRAGA, Sérgio Ivan Gil. (org.) Cultura Popular, Patrimônio Material e Cidades. Manaus: EDUA, 2007. DIEGUES, Antonio Carlos Sant Ana. A Pesca Constituindo Sociedades. São Paulo: Núcleo de Apoio à Pesquisa Sobre Populações Humanas e Áreas Úmidas Brasileiras/USP, 2004.. Pescadores, Camponeses e Trabalhadores do Mar. São Paulo: ÁTICA, 1983. (Ensaios 94). HARVEY, David. A Produção Capitalista do Espaço. Tradução de Carlos Szlak. São Paulo: ANNABLUME, 2005. (Coleção Geografia e Adjacências).. Espaços de Esperança. Tradução de Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. São Paulo: LOYOLA, 2004. MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. 2 ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985. (Os Economistas). MORAES, André de Oliveira. SHOR, Tatiana. A Geografia do Abastecimento Alimentar na Amazônia dos Grandes Rios. in: Anais do X Simpósio Nacional de Geografia Urbana (SIMPURB) Florianópolis, SC. 29 de outubro a 2 de novembro de 2007. OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A Geografia Agrária e as Transformações Atuais no Campo Brasileiro. in: CARLOS, Ana Fani Alessandri. (org.). Novos Caminhos da Geografia. 5 ed. São Paulo: CONTEXTO, 2005. (Caminhos da Geografia). SINGER, Paul. Economia Política da Urbanização. 2 ed. São Paulo: CONTEXTO, 2002. WELCOMME, Robin. Prefácio. in: ALMEIDA, Oriana trindade de. (org.). Manejo de Pesca na Amazônia Brasileira. São Paulo: PEIRÓPOLIS, 2006.