RELAÇÃO DOS VENTOS INTENSOS NA COSTA DO SUL DO BRASIL COM O LAPLACIANO DA PRESSÃO DE CICLONES EXTRATROPICAIS Daniel Pires Bitencourt 1 Camila de Souza Cardoso 2 Márcia Vetromilla Fuentes 3 1 Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho FUNDACENTRO, Centro Estadual de Santa Catarina CESC, Rua Silva Jardim n. 213, Prainha, CEP: 88020-200, Florianópolis - SC, daniel@fundacentro.sc.gov.br 2 Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho FUNDACENTRO, Centro Estadual de Santa Catarina CESC, Florianópolis - SC, Bolsista DTI CNPq, Rua Silva Jardim n. 213, Prainha, CEP: 88020-200, camila.cardoso@fundacentro.sc.gov.br 3 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina IFSC, Curso Técnico de Meteorologia, Av. Mauro Ramos n. 950, Centro, Florianópolis - SC, marciaf@ifsc.edu.br Abstract: Intense winds normally cause severe socio-economic losses, as damage to communication and energy network. Extratropical cyclones have a important role to the intense winds along the Southern Brazilian coast because its horizontal pressure gradient is very strong. The objective of this work is to identify the occurrence rate that have shown relationship between intense wind and extratropical cyclone. For cases with presence of cyclones, it was identified the strength of cyclone, and distance between coast and system center. The wind data were collected by nine automatic meteorological stations and divided in 20% percentiles. The data in the fifth percentile were considered like intense wind events. In these situations, with cyclones near to coast, we have found the system intensity and the distance by use of an automatic identification and tracking scheme. The results reveal that the cyclones have a important role in the strong wind generation for locations southward. It occurs because the frequency and atuation near to coast of strong cyclones are greatest at higher latitude regions. Resumo: Ventos intensos normalmente causam muitos prejuízos sócio-econômicos, tais como danos às redes de comunicação e energia. Os ciclones extratropicais, devido às características de produzir fortes gradientes horizontais de pressão, possuem importante papel na geração de ventos intensos na costa sul brasileira. O objetivo desse trabalho é identificar qual a taxa de ocorrência que os ventos intensos estão relacionados com a presença de ciclones extratropicais. E, para esses casos, identificar qual a intensidade dos ciclones e a distância da costa que os mesmos atuam. A série de dados de vento, observado em 9 estações meteorológicas, foi dividida em percentis de 20 %. O quinto percentil é considerado como sendo as situações de vento intenso. Para essas situações, que coincidem com a presença de ciclone nas proximidades, verifica-se a intensidade e distância dos sistemas através de um esquema automático de identificação de ciclones. Os resultados mostram que os ciclones apresentam papel mais importante na geração de ventos intensos para as localidades mais ao sul. Isso ocorre porque os ciclones fortes são mais frequentes e ocorrem mais próximos da costa nas regiões de latitudes altas. 1 - Introdução Nas últimas décadas, os sistemas ciclônicos que atuam no leste da América do Sul foram estudados sob diferentes aspectos, como por exemplo, a influência da Cordilheira dos Andes (SATYAMURTY et al., 1980; GAN e RAO, 1994; SINCLAIR, 1995; SELUCHI et al., 1998; MENDES et al., 2007) e das condições da superfície do mar (PIVA et al., 2008) sobre as ciclogêneses. O estudo climatológico de GAN e RAO (1991) aborda sobre a relação da precipitação com o número de ciclones. FEITOSA et al. (2001) mostraram que a costa leste da região Sul do Brasil apresenta ventos mais intensos em relação às áreas mais continentais e isso muito provavelmente esteja relacionado com ciclones extratropicais, principalmente os que atuam sobre o Oceano Atlântico. Portanto, além das fortes precipitações, os ciclones causam ventos intensos e trazem elevados prejuízos sócio-econômicos. É bastante comum a ocorrência de ressaca, danos às redes de comunicação e energia, e acidentes com embarcações em conseqüência direta ou indireta da atuação de ciclones extratropicais. 1
O objetivo desse trabalho é relacionar os ventos observados ao longo da costa do Sul do Brasil com ciclones extratropicais. A análise é realizada somente para os casos de vento intenso e a intensidade dos ciclones são quantificadas através do laplaciano da pressão no centro do sistema, conforme classificação proposta por SIMMONDS e MURRAY (1999). Considera-se também a distância entre o centro do ciclone e a estação meteorológica onde o vento foi observado. 2 - Dados e Metodologia A velocidade do vento foi medida na altura de 10 m em estações meteorológicas automáticas do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) e da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina S. A. (EPAGRI). Foram utilizadas as estações do Chuí - RS, Rio Grande - RS, Tramandaí - RS, Siderópolis - SC, Urussanga - SC, São José - SC, Ilha do Arvoredo - SC, São Francisco do Sul - SC e Ponta do Sul - PR. A série dos dados inicia em 04 de agosto de 2005 e finaliza em 19 de outubro de 2008. As análises são realizadas utilizando a média das 6 horas anteriores aos horários sinóticos 00, 06, 12 e 18 UTC, considerando o máximo valor de cada hora. O valor resultante desse cálculo é denominado de vento observado (V) na estação meteorológica. A área selecionada para identificação dos ciclones compreende as longitudes de 20 e 60 W e as latitudes de 15 e 45 S (figura 1). O laplaciano da pressão no centro do ciclone e a distância entre o centro do sistema e a estação meteorológica foram obtidos com base no esquema automático de identificação e monitoramento de ciclones desenvolvido por MURRAY e SIMMONDS (1991), que requer apenas o campo de pressão ao nível médio do mar (p). Os dados numéricos utilizados são da reanálise do National Center for Environmental Prediction / National Center for Atmospheric Research (NCEP/NCAR). Foram identificados apenas os sistemas ciclônicos fechados. O laplaciano da pressão na vizinhança do centro do ciclone ( 2 p c ) é considerado como uma medida da força do sistema e, nesse estudo, são descartados os sistemas com 2 p c < 0,2 hpa ºlat -2. Como critério de classificação, considerou-se os sistemas com 2 p c < 0,7 hpa ºlat -2 como ciclones fracos e os sistemas com 2 p c 0,7 hpa ºlat -2 como ciclones fortes (SIMMONDS e MURRAY, 1999). A distância (d) entre o centro do ciclone e o local onde as medidas de V são realizadas é obtida a partir das coordenadas da estação e do centro do sistema identificado. Nesse estudo, as comparações de V com os ciclones são realizadas sempre com o sistema ciclônico mais próximo da estação. 2
Figura 1 Setor da América do Sul e do Atlântico Sul (área em cinza) selecionado para identificação dos ciclones. Primeiramente, para cada estação, a série de dados do V foi dividida em cinco percentis. Separou-se o quinto quintil com intuito de avaliar apenas as situações de V intenso. Para cada uma dessas situações, identificou-se a presença ou ausência de ciclone nas proximidades das estações meteorológicas. Considerou-se ausência de ciclones quando nenhum sistema foi identificado no domínio mostrado na figura 1 ou quando o centro do sistema identificado apresentou distância superior a 1.500 km (BITENCOURT et al., 2010). Os sistemas com afastamento superior a essa distância dificilmente teria influência sobre os ventos na costa. Nos casos em que mais de um sistema foram identificados na área de estudo, considerou-se o ciclone mais próximo da estação. Para as situações em que há presença de ciclone, obteve-se o laplaciano da pressão em torno do centro do sistema ( 2 p c ) e a distância entre o centro do ciclone e a estação meteorológica (d) através do esquema de identificação e monitoramento de ciclones de MURRAY e SIMMONDS (1991). 3 - Resultados Os resultados mostram que entre 45 e 60 % dos casos o vento intenso registrado na estação não foi causado por ciclones extratropicais (Figura 2a). Para os casos de vento intenso que identificou-se pelo menos um ciclone na área estudada, com distância máxima de 1500 km da estação, quanto mais ao sul, menor é a taxa de ciclones fracos ( 2 p c < 0,7 hpa ºlat -2 ) (Figura 2b). Por outro lado, quanto mais ao sul está localizada a estação, maior é a taxa de ciclones com classificação forte ( 2 p c 0,7 hpa ºlat -2 ) (Figura 2c) que influencia o vento observado. Essas tendências aparecem porque climatologicamente a intensidade dos ciclones aumenta com a latitude (SIMMONDS e KEAY, 2000; BITENCOURT et al., 2010)). Supõe-se três fatores como causa para esses resultados não serem lineares entre as estações 1 e 9. Primeiro porque o ciclone mais próximo de uma estação pode não ser o mesmo sistema ciclônico mais próximo de outra estação. Segundo, existem as características de clima local de cada estação. Os efeitos atmosféricos de menor escala de uma determinada localidade podem enfraquecer ou fortalecer o V. E, por último, deve-se considerar que o laplaciano da pressão é uma estatística importante, entretanto, essa medida tem uma dependência implícita da escala. Um ciclone, com uma determinada profundidade, apresentará maior intensidade quanto menor for a escala horizontal (SIMMONDS e KEAY, 2000), ou seja, quanto menor for o raio médio entre o centro e a periferia do sistema. Nos casos onde pelo menos um ciclone foi identificado aparecem grandes variações de distância entre o centro do sistema e a estação meteorológica (figuras 2b-c). Supõe-se que para as distâncias mais próximas o V intenso seja causado diretamente pela circulação dos ciclones. Por outro lado, quando as distâncias são maiores, é possível que o V intenso seja causado pela circulação anticiclônica dos sistemas de alta pressão que avançam sobre a região Sul do Brasil na retaguarda da frente fria, à oeste do ciclone. Nota-se também que a distância média entre a estação meteorológica e os ciclones fortes aumenta, quanto mais ao norte está localizada a estação. Isso mostra que, para as latitudes mais altas (ex.: Chui e Rio Grande, est. 1 e 2, respectivamente), os ciclones fortes podem ocorrer mais próximos da costa (em média ~ 770 km para o exemplo das est. 1 e 2), enquanto que para latitudes mais baixas (ex.: São Francisco do Sul e Ponta do Sul, est. 8 e 9, respectivamente), os ciclones ganham força somente quando deslocam-se para alto mar (distância média da costa de ~ 1.080 km para o exemplo das est. 8 e 9). 3
Figura 2 - Linha grossa: Taxa [escala da esquerda (%)] de casos com vento intenso (5 percentil) com (a) ausência de ciclones, (b) presença de ciclone fraco e (c) presença de ciclone forte. Linha fina: Média ( ) e desvio padrão ( ) da distância [escala da direita (km)] entre o centro do ciclone e a estação meteorológica. Os números de 1 a 9 correspondem, respectivamente, as estações do Chui, Rio Grande, Tramandaí, Siderópolis, Urussanga, São José, Ilha do Arvoredo, São Francisco do Sul e Ponta do Sul. 4 - Conclusões A avaliação da relação do vento observado na costa sul brasileira com os ciclones extratropicais, para os casos de vento intenso, apontou importantes constatações com respeito as variações latitudinais da influência dos ciclones sobre os ventos. Chama-se atenção primeiramente para a taxa de casos em que os ventos intensos não são causados pelos ciclones extratropicais, entre 45 e 60 %, tendendo a ser maior nas latitudes mais baixas (para norte). Para os demais casos, nos quais os ciclones possuem papel importante na geração dos ventos intensos, os ciclones fortes apresentam maior influência para as estações localizadas mais ao sul. Esse fato se deve a climatologia dos ciclones, pois os sistemas ciclônicos com 2 p c > 0,7 hpa ºlat -2 ocorrerem com maior freqüência e mais próximos da costa nas regiões de latitudes mais altas. 5 - Agradecimentos Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq (Projeto 471917/2008-7) e a Financiadora de Estudos e Projetos FINEP (Projeto 01.09.0295.00) pelo suporte à pesquisa. Também agradecemos ao INMET e EPAGRI pela cessão dos dados de vento. 6 - Referências Bibliográficas 4
BITENCOURT, D. P.; GAN, M. A.; ACEVEDO, O. C.; FUENTES, M. V.; MUZA, M. N.; RODRIGUES, M. L.; QUADRO, M. F. L., 2010: Relating winds along the Southern Brazilian coast to extratropical cyclones. Meteorological Applications. DOI: 10.1002/met.232. FEITOSA, E.; PEREIRA, A.; Veleda, D. Brazilian wind atlas project. In: European Wind Energy Conference, 2001, Copenhage, Dinamarca, Anais... in CD-ROM, 2001. GAN, M. A.; RAO, V. B. Surface cyclogenesis over South America. Mon. Wea. Rev., 119, 1293-1302, 1991. GAN, M. A., RAO, V. B. The influence of the Andes Cordillera on transient disturbances. Mon. Wea. Rev., 122, 1141-1157, 1994. MENDES, D.; SOUZA, E. P.; Trigo, I. F.; Miranda, P. M. A. On precursors of South American cyclogenesis. Tellus, 59A, 114-121, 2007. MURRAY, R. J.; SIMMONDS, I. A numerical scheme for tracking cyclone centers from digital data. Part I: development and operation of the scheme. Aust. Met. Mag., 39, 155-166, 1991. PIVA, E. D.; MOSCATI, M. C. L.; GAN, M. A. Papel dos fluxos de calor latente e sensível em superfície associado a um caso de ciclogênese na costa leste a América do Sul. Rev. Bras. Meteor., 23, 450-476, 2008. SATYAMURTY, P., SANTOS, R. P.; LEMS, M. A. M. On the stationary trough generated by the Andes. Mon. Wea. Rev., 108, 510-520, 1980. SELUCHI, M.; SAULO, A. C. Posible mechanisms yielding an explosive coastal cyclogenesis over South America: experiments using a limited area model. Aust. Meteor. Mag., 47, 309-320, 1998. SIMMONDS, I.; MURRAY, R. J. Southern extratropical cyclone behavior in ECMWF analyses during the FROST Special Observing Periods. Wea. Forecasting, 14, 878-891, 1999. SIMMONDS, I.; Keay, K. Mean Southern Hemisphere extratropical cyclone behavior in the 40-Year NCEP-NCAR Reanalysis. J. Climate, 13, 873-885, 2000. SINCLAIR, M. R., A climatology of cyclogenesis for the Southern Hemispheric. Mon. Wea. Rev., 123, 1601 1619, 1995. 5