Cópia de PARECER Este parecer foi transcrito do original e digitado em 05/07/2004 pelo Escritório de Advocacia e Assessoria Jurídica Walter Franco Advogados, para divulgação entre os associados da SOCIEDADE PARAENSE DE OFTALMOLOGIA. Procuradoria Geral do Município de Uberlândia PARECER Memorando 093/SMS-VISA PGM 1751/2002 Requerente: Secretaria Municipal de Saúde Coordenação Programa de Vigilância em Estabelecimentos de Saúde. EMENTA: Adaptação de lentes de contato. Ato complexo que envolve exame oftalmológico completo: indicação, prescrição adaptação e controle da lente no olho do paciente. Ato privativo de médico oftalmologista que é o único profissional capacitado para detectar possíveis problemas relacionados com o uso de lentes de contato. RELATÓRIO: A Secretaria Municipal de Saúde, através da Coord. Programa de Vigilância em Estabelecimento de Saúde, solicitou parecer desta Procuradoria sobre a possibilidade de técnico em ótica fazer adaptação em lentes de contato. Explicou que o questionamento é resultado da polêmica levantada pelos médicos oftalmologistas deste Município de que a adaptação de lentes de contato feitas em óticas por técnicos caracteriza exercício ilegal da profissão médica. W:\_ADVOCACIA\1 CONTRATO PARTIDO\2 ATIVO\SPO\Optometria\Parecer Contatologia Pref Uberlandia.doc 1
DA ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO LEGAL: Antes da análise do questionamento da Secretaria solicitante compre salientar que a polêmica sobre a possibilidade dos técnicos em ótica fazerem adaptação de lentes de contato é a nível nacional e não apenas local, conforme colocado no requerimento em análise. DA ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO PERTINENTE: Em primeiro lugar, convém salientar que a competência para legislar sobre a organização do sistema nacional de empregos e condições para o exercício de profissões é privativa da União, de acordo como0 inciso XVI da Constituição Federal. Em 1932 foi editado o Decreto Federal 20.931 regulando o exercício da medicina, da odontologia, da medicina veterinária e das profissões de farmacêutico, parteira e enfermeira. Dito Decreto trouxe em seu art. 3 o : Os optometristas, práticos de farmácia, massagista e duchistas estão também sujeitos à fiscalização, só podendo exercer a profissão respectiva se provarem a sua habilitação a juízo da autoridade sanitária. No ano de 1934 foi editado outro Decreto de no. 24.492, que baixava instruções sobre o Decreto 20.931/32, na parte relativa a lentes de grau. Alguns artigos do Decreto supra citado merecem transcrição para continuação da explanação: Art. 4 o. Será permitida, a quem requerer, juntando prova de competência e de idoneidade, habilitar-se a ser registrado como óptico na Diretoria Nacional de Saúde e Assistência Médico Social, ou nas repartições de higiene estaduais, depois de prestar exames perante peritos designados para este fim pelo Diretor da Diretoria Nacional de Saúde e Assistência Médico-Social, no Distrito Federal ou pela autoridade competente nos Estados. Art. 9 o. Ao óptico prático do estabelecimento compete: a) manipulação ou fabrico de lentes de grau; b) o aviamento perfeito das lentes das fórmulas ópticas fornecidas por médico oculista; c) substituir por lentes de grau idêntico aquelas que lhe forem apresentadas danificadas; d) datar e assinar diariamente o livro de registro do receituário de óptica. W:\_ADVOCACIA\1 CONTRATO PARTIDO\2 ATIVO\SPO\Optometria\Parecer Contatologia Pref Uberlandia.doc 2
Art. 14. O estabelecimento comercial de venda de lentes de grau só poderá fornecer lentes de grau mediante apresentação da fórmula ótica de médico, cujo diploma se ache devidamente registrado na repartição competente. Pelas transcrições acima vê-se que tanto o Decreto 20.931/32, como o Decreto 24.492/34, não fizeram referência explicita à adaptação de lentes de contato, apenas à prescrição e manipulação ou fabrico de lentes de grau, certamente pela data de edição dos mesmos. A Secretaria de Estado de Saúde, através da Resolução no. 154/95, abordou especificamente, num primeiro momento, a questão da adaptação no parágrafo único do art. 14, vejamos: É vedada a adaptação e venda de lentes de contato nos estabelecimentos óticos. Entretanto, menos de 01 (um) ano depois da resolução 154/95, foi editada nova resolução pela mesma Secretaria de número 316/96, revogando o parágrafo único do artigo 14 acima transcrito. DAS TESES DE DEFESA DOS ENVOLVIDOS NA POLÊMICA SOBRE A COMPETÊNCIA PARA ADAPTAÇÃO DE LENTES DE CONTATO: O Conselho Federal de Educação, através do parecer 404/83, incluiu a matéria contatologia no currículo do técnico óptico, que já figurava na formação de ditos profissionais, entretanto, por omissão, não contava no currículo dos mesmos. O Ministério do Trabalho e Ação Social descreveu a atividade de contatólogo no Código Brasileiro de Ocupações, da seguinte forma: Adapta lentes de contato, ajustando-as ao globo ocular, seguindo as peculiaridades médicas apresentadas, para melhorar a capacidade do órgão visual: seleciona as lentes de contacto, atendendo às prescrições médicas relativas ao diâmetro, curvatura e capacidade, para testá-las no paciente; umedece a córnea do paciente, utilizando líquido específico, para favorecer a adaptação das lentes de contacto, verifica a tolerância do paciente às lentes, observando as reações físicas demonstradas de acordo com a sensibilidade, para fazer os ajustes necessários, com vistas à melhor adaptação; instrui o paciente sobre o uso das lentes, indicando processo de colocação e remoção e outros cuidados, para assegurar a correta utilização das mesmas. Pode trabalhar sob a supervisão do médico oftalmologista (0-61.47) A inclusão da disciplina contatologia no currículo do técnico ótico, devidamente descrita no Código Brasileiro de Ocupações aliada a falta de menção expressa sobre as lentes de contato nos Decretos acima citados, bem como a vedação com a posterior revogação da proibição de adaptação das mesmas nos estabelecimentos óticos pela Secretaria Estadual de Saúde (Resoluções 154/95 e W:\_ADVOCACIA\1 CONTRATO PARTIDO\2 ATIVO\SPO\Optometria\Parecer Contatologia Pref Uberlandia.doc 3
316/96), são responsáveis pela polêmica sobre a competência para a adaptação analisada, que se arrasta há vários anos. Tanto os contatólogos, como os médicos oftalmologistas, entendem ser aptos de forma exclusiva, para adaptarem as lentes de contato, sendo que as correntes existentes neste sentido se estribam em jurisprudências de diversos Tribunais brasileiros, pareceres e artigos de Conselhos de Medicina, estudiosos e interessados no assunto. As óticas defendem a possibilidade de adaptação de lentes de contato pelos contatólogos com alegações de que estão legalmente amparados pelo já citado art. 3 o do Decreto 20.931/32, pelo inciso XIII do art. 5 o da Constituição Federal: é livre o exercício de qualquer trabalho ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;, bem como pelo Código Brasileiro de Ocupações que classificou, como visto acima, a atividade de contatólogo. Por outro lado, atacam a pretensão dos médicos oftalmologistas de adaptarem lentes de contato, uma vez que com esta atitude, estão praticando, segundo os mesmos, atos de comércio, ferindo o art. 9 o do Código de Ética Médica: A Medicina não pode, em qualquer circunstância ou de qualquer forma, ser exercida como comércio., bem como os artigos 12 e 16 do Decreto 24.492/34: Art. 12. Nenhum médico oculista, na localidade em que exercer a clínica, nem a respectiva esposa, poderá possuir ou ter sociedade para explorar o comércio de lentes de grau. Art. 16. O estabelecimento comercial de venda de lentes de grau não pode ter consultório médico, em qualquer de seus compartimento ou dependências, não sendo permitido ao médico sua instalação em lugar de acesso obrigatório pelo estabelecimento. Já os médicos oftalmologistas, sustentam que apesar dos Decretos 20.931/32 e 24.492/34 não fazerem menção expressa às adaptações de lentes de contato, dito ato é exclusivamente médico, não sendo possível ser executado pelos óticos ou optometristas, que não possuindo conhecimentos profundos, próprios dos oftalmologistas, podem vir a causar, através da imperícia no trato com lentes em contato com os olhos, sérios problemas à visão de seus clientes. Em defesa da alegação referida, invocam os arts. 4 o e 5 o da Lei de Introdução ao Código Civil: Art. 4 o. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Art. 5. Na aplicação da lei, o juiz atenderá nos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. Quanto à venda de lentes de contato feita nos próprios consultórios, os mesmos se defendem afirmando não constituir comércio, mas apenas repasse das lentes de contato que constitui prática legal e necessária vez que não é possível dissociar a adaptação da efetiva aplicação das lentes, atos que se completam e são exclusivos de médicos. W:\_ADVOCACIA\1 CONTRATO PARTIDO\2 ATIVO\SPO\Optometria\Parecer Contatologia Pref Uberlandia.doc 4
Frisam a preocupação com a adaptação de lentes de contato feita pelos contatólogos, bem como a realização de exames oftalmológicos por alguns deles que no entendimento dos mesmos, constitui exercício ilegal da profissão de medicina. DA ADAPTAÇÃO DE LENTES DE CONTATO COMO ATO MÉDICO: Verificada a controvérsia existente a respeito do assunto em pauta e as teses de defesas dos contatólogos e médicos oftalmologista, passamos à análise do ato de adaptação de lentes de contato, propriamente dito. A adaptação de lentes de contato envolve um exame oftalmológico completo, quais sejam: indicação, prescrição, adaptação e controle da lente no olho do paciente. A intervenção direta do médico oftalmologista é necessária uma vez que uma lente mal adaptada pode ocasionar problemas por diminuição da oxigenação da córnea, por reações alérgicas e tantas outras complicações que vão desde simples conjuntivites à úlceras de córnea que podem levar à perda da visão do usuário. Isto porque as lentes de contato constituem objeto estranho ao olho do paciente, sendo possível, inclusive, a não adaptação por algumas pessoas, por motivos só detectáveis pelos oftalmologistas, que possui um mínimo de 08 anos de formação acadêmica, através de testes prévios que avaliam a adaptação. As causas mais comuns de não adaptação de lentes de contato são infecções, insuficiência de produção de lágrima, alergias, ou hipersensibilidade às lentes. Observe-se que até mesmo casos de boa adaptação de lentes de contato, pode, ao longo do tempo, apresentar problemas, o que torna necessário um acompanhamento periódico com o médico oftalmologista no intuito de evitar lesões ou úlceras de córnea que podem afetar seriamente a visão. Temos assim, que a adaptação de lentes de contato é ato complexo, não se restringindo ao simples aviar de receitas, como nos casos de óculos de grau, que são fabricados pelas óticas mediante apresentação de receita do médico oftalmologista, constituindo pois, ato médico. Ressalte-se, que por ato médico entende-se a ação o ou procedimento profissional praticado por um médico com os objetivos gerais de prestar assistência médica, investigar as enfermidades ou a condição de enfermo ou ensinar disciplinas médicas (conceito contido na exposição de motivos da resolução do Conselho Federal de Medicina no. 1.627/2001). Ademais, é do conhecimento geral, através de matérias disponíveis em todos os meios de informação, que a adaptação de lentes de contato, feita diretamente pelas óticas, têm aumentado o número de pacientes com doenças agudas ou crônicas da córnea, chegando, por vezes, a perda total e irreversível da visão. W:\_ADVOCACIA\1 CONTRATO PARTIDO\2 ATIVO\SPO\Optometria\Parecer Contatologia Pref Uberlandia.doc 5
A respeito do assunto, o Conselho Federal de Medicina já pronunciou, por diversas vezes, atreves de pareceres que diferenciam o ato de prescrever receita para óculos, do ato de adaptação de lentes de contato, tendo se pronunciado, também, sobre o repasse do produto aos usuários, que não constitui ato de mercancia, da seguinte forma: O oftalmologista, ao prescrever óculos para um paciente submetido a exame de refração, terá esgotado o ato médico no fornecimento da receita, quando então, o paciente, de posse desta dirigese a ótica, para comprar os óculos, Entretanto, muito diferente é a situação quando se trata de lentes de contato, pois neste caso, não basta diagnosticar o tipo de grau do defeito de refração, tornando-se necessário todo um trabalho de ADAPTAÇÃO das lentes que envolve atos médicos. Assim sendo, o oftalmologista não vende lentes de contato, mas executa um trabalho médico, presta um serviço, pelo qual cobra honorários que englobem o custo das lentes, material essencial à prestação do serviço. Este é o entendimento também do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo, que tem isentado os oftalmologistas que adaptam lentes de contato em seus consultórios do imposto sobre circulação de mercadorias. (Proc. DRT-6-1.874/73) Processo Consulta 134557/81 de 27.08.83. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e o Superior Tribunal de Justiça têm entendido, também, que o repasse de lentes de contato pelos médicos oftalmologistas não constitui ato de mercancia, não incidindo desta forma tributos sobre o mesmo. Vejamos as ementas abaixo que ilustram o ora exposto: EMENTA: TRIBUTÁRIO. ICMS. LENTES DE CONTATO USADAS NA ATIVIDADE MÉDICA. ATO DE MERCANCIA. INEXISTÊNCIA. NÃO INCIDÊNCIA DO TRIBUTO. DECRETO-LEI 406/68. EMBARGANTES PROVIDOS. Fazendo a lente de contato parte de específica da atividade médica, não há que se falar em ato de venda, inserindo-se na prática do exercício da oftalmologia, excluída, portanto, da incidência do ICMS. TJDF 1 a C.Cível processo no. 36.806/98. Rel. Des. Nívio Gonçalves. EMENTA: TRIBUTÁRIO, RECURSO ESPECIAL. IMPOSTO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS (ICM). LENTES INTRA- OCULARES. INCIDÊNCIA DO TRIBUTO. DECRETO-LEI 406/68. 1. A aplicação de lentes de contato se insere na prática da medicina oftalmológica não constituindo, propriamente, mercancia, por isso que excluída da incidência do ICM. 2. Recurso conhecido e provido com apoio do art. 8 o, 1. do Decreto-Lei n. 406/68. STJ 2ª Turma REsp nº. 11.639-0 Rel. Min. Peçanha Martins W:\_ADVOCACIA\1 CONTRATO PARTIDO\2 ATIVO\SPO\Optometria\Parecer Contatologia Pref Uberlandia.doc 6
CONCLUSÃO: Considerando a complexidade do ato de adaptação de lentes de contato que exige um exame oftalmológico completo, quais sejam: indicação, prescrição, adaptação e controle da lente no olho do paciente. E, considerando, também, que é do conhecimento geral que a adaptação de lentes de contato, feita diretamente pelas óticas, têm aumentado o número de pacientes com doenças agudas ou crônicas da córnea, chegando, por vezes, a perda total e irreversível da visão dos usuários, concluímos que a adaptação de lentes de contato é ato médico que só pode ser realizada por médicos oftalmologistas, que não os únicos profissionais, devido a formação acadêmica, capacitados para detectar possíveis problemas relacionados como o uso das lentes de contato. É o parecer, sob censura. Uberlândia, 06 de março de 2003. Jane Aparecida Teixeira Carrijo Assessora Jurídica Irany Gonçalves da Costa Procurador Jurídico De acordo com o parecer. Encaminhe-se ao Secretário Municipal de Saúde para conhecimento e providências necessárias: Marcos José Vedovoto Procurador Geral do Município W:\_ADVOCACIA\1 CONTRATO PARTIDO\2 ATIVO\SPO\Optometria\Parecer Contatologia Pref Uberlandia.doc 7