Delimitação do tema Criptomoedas em sentido restrito: objectos digitais (pedaços de informação digital encriptada strings of bits ) que não
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- Filipe Palma Morais
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1 Delimitação do tema Criptomoedas em sentido restrito: objectos digitais (pedaços de informação digital encriptada strings of bits ) que não incorporam nem exprimem nenhuma relação jurídica especial (seja ela uma relação creditória ou uma relação jus-societária) entre o emissor e o seu concreto titular, constituindo, diversamente, meros símbolos ( tokens ) representativos de valor monetário.
2 Estão fora do perímetro do tema, portanto, outros tipos de activos digitais encriptados ( cryptoassets ), designadamente os chamados utility tokens e os investment tokens, que tem mais afinidade estrutural com a figura do valor mobiliário do que com a específica problemática do dinheiro
3 O artigo 135., n. 1, alínea e), da Diretiva IVA [art. 9.º/27- d) CIVA] deve ser interpretado no sentido de que prestações de serviços ( ) que consistem no câmbio de divisas tradicionais por unidades da divisa virtual «bitcoin», e vice versa, efetuadas mediante o pagamento de uma quantia correspondente à margem constituída pela diferença entre, por um lado, o preço pelo qual o operador em causa compra as divisas e, por outro, o preço a que as vende aos seus clientes, constituem operações isentas de IVA, na aceção dessa disposição. TJUE, 22/10/2015, Proc. C 264/14, Skatteverket/David Hedqvist Adv. Geral: Juliane Kokott
4 Art /1-e) da Diretiva IVA: Estão isentas de IVA as operações, incluindo a negociação, relativas a divisas, papel moeda e moeda com valor liberatório, com exceção das moedas e notas de coleção, nomeadamente as moedas de ouro, prata ou outro metal, e bem assim as notas que não sejam normalmente utilizadas pelo seu valor liberatório ou que apresentem um interesse numismático.
5 O TJUE, portanto, para efeitos de IVA, trata o Bitcoin como dinheiro (ou moeda), equiparando as respectivas unidades (monetárias) ao dinheiro com valor liberatório
6 Anwendungserlass de 27/02/2018 do Ministério das Finanças da Alemanha, sobre o tratamento, em sede de IVA, do Bitcoin e de outras moedas virtuais: As chamadas moedas virtuais (criptomoedas, por exemplo o Bitcoin) são equiparadas aos meios legais de pagamento, desde que sejam aceites pelas partes como imediato meio de pagamento e que não sirvam para qualquer outra finalidade que não seja a de funcionarem como meio de pagamento ( ).
7 2 questões: 1. Quando o preço é fixado numa criptomoeda, pode qualificar-se o contrato como compra e venda? 2. É aplicável a uma dívida denominada numa criptomoeda art. 558.º/1 do CC?
8 Art. 558.º/1 do CC? A estipulação do cumprimento em moeda com curso legal apenas no estrangeiro não impede o devedor de pagar em moeda com curso legal no País, segundo o câmbio do dia do cumprimento e do lugar para este estabelecido, salvo se essa faculdade houver sido afastada pelos interessados.
9 Se considerarmos que as criptomoedas são dinheiro (moeda), há boas razões para responder positivamente às duas questões (na linha da argumentação do TJUE no caso Hedqvist); Se considerarmos que não são dinheiro (não é um fenómeno monetário não tem o atributo de moneyness ), as respostas terão de ser negativas.
10 É preciso, assim, perguntar: as criptomoedas são dinheiro? As dívidas denominadas em criptomoedas são dívidas de dinheiro ( obrigações monetárias )?
11 O que é o dinheiro (moeda)? (É um objecto físico? Uma coisa corpórea? Uma mercadoria? Uma simples relação jurídica? Um facto institucional?)
12 Habitualmente, nos manuais de economia política e de direito bancário, o dinheiro é definido pelas suas funções (unidade de conta; meio de pagamento; reserva de valor) Trata-se de uma perspectiva que, não sendo errada, é geradora de equívocos e confusão, porque as funções do dinheiro são desempenhadas por elementos diferentes o dinheiro não é uma coisa que desempenhe todas essas funções
13 Em alternativa a esta perspectiva realistafuncionalista, proponho uma compreensão sistémica do dinheiro: para compreender o que é o dinheiro é preciso analisar o conceito geral de sistema monetário (o conjunto de objectos, processos, sujeitos, relações e mecanismos institucionais envolvidos na produção, circulação e extinção de dinheiro) Definição inspirada em Randall Wray
14 O conceito geral de sistema monetário permite comparar, diacronicamente, sistemas antigos (por exemplo, os sistemas metalistas) e actuais, e, sincronicamente, diferentes sistemas monetários da actualidade, desde o Euro ao Bitcoin (dois sistemas monetários com características diferentes mas que são, ambos, sistemas monetários)
15 Elementos de qualquer sistema monetário - Unidade monetária (unidade de conta money of account) entidade puramente racional-institucional; denominação e quantificação das obrigações monetárias (fixação de preços e cálculos monetários); uma quantidade de poder abstracto de adquirir bens e serviços (isto é: de pagar dívidas expressas em unidades monetárias) - Suportes monetários (objectos monetários e registos monetários money of payment) pagamento de obrigações monetárias - Sujeitos produtores de dinheiro (suportes monetários) - Comunidade monetária
16 O sistema monetário europeu - Unidade monetária: o euro - Suportes monetários: moedas (Estados membros), notas (bancos centrais), reservas (bancos centrais) e depósitos bancários (bancos comerciais) (Regulamento(CE) 974/98, do Conselho, de 3 de Maio de 1998, relativo à introdução do euro) - a natureza puramente escritural-obrigacional das reservas e do depósito bancário (o acto de inscrição em conta)
17 Sistema monetário Bitcoin - Unidade monetária: bitcoin - Suportes monetários: bits (informação digital electromagnética alojada em digital wallets ) - Produtores: miners (utilizadores com elevado poder computacional que validam as transacções, adicionando-as ao blockchain ); não há banco central (sistema monetário algorítmico, descentralizado e distribuído o sonho de Hayek) - Comunidade monetária: os utilizadores que fixam preços em bitcoins e pagam com os correspondentes dados electro-magnéticos
18 Não deve confundir-se o fenómeno das cripto-moedas com a ideia, mais abrangente, de dinheiro electrónico, que abarca todos os suportes monetários que se materializem em registos informáticos, seja em discos de computador, cartões ou outros dispositivos de armazenamento de dados digitais. Neste sentido (amplo), tanto é dinheiro electrónico as reservas inscritas nas contas dos bancos centrais, como os depósitos criados pelos bancos comerciais, as unidades monetárias registadas numa instituição de moeda electrónica, como, enfim, os bitcoins ou qualquer outra digital currency.
19 Num sentido restrito, e técnico-jurídico, a moeda electrónica ( E-money : software E-money ou hardware E-money ), é o valor monetário armazenado eletronicamente, inclusive de forma magnética, representado por um crédito sobre o emitente e emitido após receção de notas de banco, moedas e moeda escritural, para efetuar operações de pagamento ( ) - no art. 2.º-d) do Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica (D.L. nº 242/2012, de 7/11.
20 O reduto absolutamente essencial do fenómeno monetário (dinheiro) é a unidade monetária que é uma quantidade de valor abstracto (poder de adquirir), independentemente dos suportes em que se materialize e que a transportem (e até independentemente da existência destes) As dívidas de dinheiro (obrigações monetárias que não se confundem com as obrigações pecuniárias ) são obrigações de prestar valor (um certo número de unidades monetárias), através de suportes representativos desse valor (desse número de unidades monetárias)
21 Neste sentido, há uma distinção que atravessa todo o direito das obrigações: a distinção entre as obrigações de prestação de valor (obrigações de dinheiro ou monetárias) e as obrigações de prestação de coisa. No plano jurídico-monetário, uma obrigação denominada em bitcoins é estruturalmente igual a uma obrigação denominada em euros, dólares ou renminbis: em todas as hipóteses se trata de dívidas de dinheiro (de valor ou monetárias).
22 Respondendo às duas questões iniciais: 1. Um contrato que produza o efeito real da transferência da propriedade de uma coisa e gere, em contrapartida, a obrigação de proporcionar uma certa quantidade de bitcoins, por exemplo, é, portanto, um contrato de compra e venda (e não um contrato de troca): o preço fixado em bitcoins é um preço como outro qualquer.
23 2. Admitindo que o âmbito de aplicação do art. 588.º/1 do CC se estende a todas obrigações de dinheiro (na linha da argumentação em que se apoia o acórdão do TJUE no caso Hedqvist), o devedor de bitcoins, ou de unidades de outra criptomoeda, pode pagar em euros, à taxa de câmbio do dia do cumprimento
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