AQUISIÇÃO DE NÚMERO GRAMATICAL NO PORTUGUÊS BRASILEIRO: PROCESSAMENTO DE INFORMAÇÃO DE INTERFACE E CONCORDÂNCIA

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1 1 José Ferrari Neto AQUISIÇÃO DE NÚMERO GRAMATICAL NO PORTUGUÊS BRASILEIRO: PROCESSAMENTO DE INFORMAÇÃO DE INTERFACE E CONCORDÂNCIA Tese de Doutorado Tese apresentada ao Departamento de Letras da PUC/RJ como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Letras - Estudos da Linguagem Orientadora: Prof.ª Dr.ª Letícia Maria Sicuro Corrêa Rio de Janeiro Setembro de 2008

2 2 José Ferrari Neto Aquisição de Número Gramatical no Português Brasileiro: Processamento de Informação de Interface e Concordância Tese apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor pelo programa de Pós-Graduação em Letras do Departamento de Letras do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC - Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada. Prof.ª Drª. Letícia Maria Sicuro Corrêa Orientadora PUC-RJ Prof. Dr. Jürgen Heye PUC/RJ Prof.ª Drª. Eneida do Rêgo Monteiro Bonfim PUC-RJ Prof ª. Dr ª Ruth Elizabeth Vasconcelos Lopes UNICAMP/SP Prof. Dr. Marcus Maia UFRJ/RJ Prof.ª Drª.Maria Cristina Lobo Name UFJF/MG (suplente) Prof ª. Dr. Marina Ana Rosa Augusto UERJ/PUC-RJ (suplente) Rio de Janeiro, 17 de setembro de 2008.

3 3 Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, do autor e do orientador. José Ferrari Neto Graduou-se em Letras (Português/Literatura) pela UCP (Universidade Católica de Petrópolis) em Obteve o título de especialista em Língua Portuguesa ao concluir o curso de pós-graduação latu-sensu na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) em 2000, e o de Mestre em Letras ao concluir o curso de mestrado em Estudos da Linguagem (ênfase em Psicolingüística e Aquisição da Linguagem) na PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) em Trabalhou como docente de Língua Portuguesa e Lingüística em várias instituições de ensino superior no Estado do Rio de Janeiro. Atua, desde 2001, como pesquisador do LAPAL (Laboratório de Psicolingüística e Aquisição da Linguagem), da PUC/RJ. Ferrari Neto, José Ficha Catalográfica Aquisição de número gramatical no português brasileiro: processamento de informação de interface e concordância / José Ferrari Neto ; orientadora: Letícia Maria Sicuro Corrêa f. : il. ; 30 cm Tese (Doutorado em Letras) Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Inclui bibliografia 1. Letras Teses. 2. Aquisição da linguagem. 3. Psicolinguística. 4. Teoria linguística. 5. Processamento. 6. Concordância. 7. Número gramatical. 8. I. Corrêa, Letícia Maria Sicuro. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Letras. III. Título.

4 4 Dedicatória Os discípulos não lutam para superar os mestres, lutam para deles se libertarem. Seria algo tolo, um exercício de vaidade inútil, que em nada condiz com o verdadeiro espírito científico, simplesmente querer provar estarem os mestres errados, e que as teorias tão arduamente por eles desenvolvidas, tão generosamente aos discípulos ensinadas, e que por nós tão penosamente aprendidas, agora são passado, um capítulo a mais no longo livro da história do conhecimento. O que não quer dizer que discípulos devam ser como caixas d água para dentro da qual os mestres jorram seu saber no rio do conhecer, mestres são o leito, discípulos, a corrente, a foz, o trabalho concluído. A Ciência, destino final nessa geografia do saber, é o mar onde desemboca a foz, e que, como tal, nunca enche ou transborda, como a indicar que o conhecer nunca se esgota ou termina, há sempre mais para descobrir e saber e esta é maior ensinamento que nós, discípulos, podemos receber. Porque outra coisa não nos fizeram os mestres, senão nos ensinar não apenas o conhecer, mas sim o como conhecer, e, uma vez que tenhamos aprendido esta lição, possamos humildemente dar a nossa contribuição ao mundo do conhecimento e da sabedoria. Eis a libertação pela qual lutamos, libertarmo-nos dos meandros inescapáveis do leito para tornarmo-nos nós mesmos leito para os que nele serão corrente. Por vezes tentei escapar a tais meandros mas...o grande drama do discípulo é ser original, diante do mestre para quem tudo parece trivial...hoje, estando finalmente à foz, posso virar-me para trás e ver como tive um leito bem desenhado, de contornos delicados e sutis, com margens seguras e firmes, que passou por onde tinha mesmo de passar, sem deixar nenhum lugar sem as bênçãos de suas águas. Da mesma forma que assombra o rio a chegada da foz, que o fará tornar-se mar, neste momento não posso me furtar ao assombro de estar diante do mestre que me fará ser mestre. E perceber que, antes de tudo e mais que tudo, estou livre a dar a minha contribuição. Que talvez não seja a maior ou a melhor, mas que traz, indelevelmente, as marcas daquele a que tornou possível. Quiçá Deus eu possa contribuir um dia com muitas coisas mais, e, em todas elas, eu possa dedicá-las a você, como eu faço agora, minha professora, Letícia.

5 5 Agradecimentos Um trabalho de pesquisa nunca é um trabalho individual, bem ao contrário: é a soma de pequenas contribuições dadas ao longo de muito tempo, tempo presente ou passado, passado distante ou próximo, um próximo próximo ou não, enfim, todo o tempo e espaço antes diluídos em domínios alheios e agora concentrados nestas páginas, após uma dura compilação. Essa situação torna a tarefa de agradecer algo árdua as contribuições aqui presentes são tantas e tamanhas, provindas de outros tantos e cantos do mundo que se torna difícil citar pessoas aqui, sem cometer o fatal deslize da omissão, marca maior da ingratidão. Em todo o caso, convém arriscar alguns nomes, desde já pedindo perdão a todos que, tendo contribuído para esse trabalho, não vão citados aqui. Assim, agradecimentos especiais à turma do LAPAL, companheiros de briga acadêmica, parceiros de viagem e de apresentações: Marina (quase uma coorientadora e uma grande amiga), Érica, Claver, Tatiana, Mercedes, Clara e Renê (que chegaram depois, mas que fazem parte da turma também), Lia, Olívia, Ronald...Aos amigos de longe, que os anos de pesquisa me permitiram conhecer: Márcio Leitão, Eduardo Kenedy, Claudia Roberta, Ana Castro, Sabrina Casagrande, Leonor Simioni (para essa, um agradecimento mais que especial, um reconhecimento da uma amizade surgida nos congressos da vida, mas que pretendo não perder jamais). À diretoras das creches e escolas onde foi colher sujeitos de pesquisa, notadamente a Alessandra Silva, da creche da Mosela, ótima profissional e educadora atenta à importância da pesquisa. Devo agradecer também aos meus alunos e professores na UCP, às minha irmãs Jaceni, Anique, Andréia e Carol, à minha mãe Maria Cristina, aos amigos de ontem, hoje e sempre Rogério e César, à minha esposa Luciana, meus filhos José Miguel e Fernando, ao CNPQ...é gente demais, não me lembro de todos...mas considerem-se agradecidos todos os que por acaso passarem os olhos por essas linhas: de algum modo, vocês também fizeram parte disso.

6 6 Resumo Ferrari-Neto, José. Aquisição de Número Gramatical no Português Brasileiro: Processamento de Informação de Interface e Concordância. Rio de Janeiro, 1999, 154 p. Tese de Doutorado. Departamento de Letras. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Este trabalho discute o processo de aquisição do número gramatical por crianças falantes de português brasileiro (PB). A hipótese de trabalho que o orienta é a de que a percepção de distinções morfo-fonológicas, por parte da criança, nos elementos da categoria funcional D (Determinante) é crucial para a identificação de número como um traço formal do português. Fundamenta-se nos pressupostos do Programa Minimalista (Chomsky, 1995, 1999) e na proposta teórica elaborada no LAPAL, a qual visa a uma articulação entre teoria lingüística e psicolingüística na teorização sobre a Aquisição da Linguagem (Corrêa, 2002; 2006). Foram realizados quatro testes experimentais, valendo-se da Tarefa de Reconhecimento de Imagens (Picture Identification Task), cujo objetivo foi obter evidências sobre como a criança processa o material lingüístico a que é exposta, extraindo informação relativa a número presente nas interfaces, tendo o processamento da concordância um papel fundamental neste processo. O experimento 1 verificou a capacidade de crianças com idade média de 2 anos reconhecerem variação morfo-fonológica no âmbito do DP, tomando esta variação como indicativa da manifestação do número no PB, evidenciando assim que processam concordância de número. O experimento 2 teve como objetivo verificar se crianças da faixa etária de 18 a 28 meses reconhecem a informação relativa a número expressa por alomorfes de número em PB. O experimento 3 investigou se diferenças no material lingüístico afetam diferentemente crianças da faixa etária de 24 a 36 meses, oriundas de classes sociais distintas, no reconhecimento da informação relativa a número expressa por morfemas e alomorfes de número em PB. Por fim, o experimento 4 averiguou o papel das informações morfo-fonológicas e semânticas presentes no input lingüístico no processo de aquisição da distinção entre nomes massivos e contáveis em português brasileiro, em especial as informações relativas à expressão do número gramatical, levando em conta a

7 7 possibilidade de nomes nus no singular, na língua, bem como verificar se crianças são capazes de extrair essas informações das interfaces fônica e semântica. Os resultados do experimento 1 sugerem que crianças de cerca de 2 anos extraem a informação de número de um DP do determinante, não havendo diferença entre o tratamento de DP s no dialeto padrão (com marcas redundantes de número) e no não-padrão (em que a marca de número incide caracteristicamente em D). Assumindo-se a presença de uma categoria funcional Num, os resultados são tomados como evidência de concordância de número no âmbito do DP. Os resultados do experimento 2 sinalizam que as crianças adquirindo PB tomam os alomorfes de número como realizações de uma mesma categoria morfológica abstrata. Os resultados do experimento 3 sugerem que, ainda que a interpretação de DP s existenciais apresente dificuldade para crianças de até 3 anos de idade, alomorfia não apresenta problemas, independentemente do dialeto a que a criança é exposta, podendo tornar a informação de número mais visível para a criança. O Experimento 4 revela que crianças de 3 anos, baseiam-se preferencialmente em informação de ordem morfológica na interpretação de DPs como massivos ou contáveis. Crianças de 5 anos, por outro lado, levam particularmente em conta informação de natureza semântica proveniente da raiz nominal na interpretação de DPs singulares com nome nus. Os resultados desse experimento são discutidos em função de uma proposta teórica que visa a conciliar teorias de base sintática e conceitual no tratamento da distinção massivo/contável por crianças. Palavras-chave Aquisição da Linguagem; Psicolingüística; Teoria Lingüística; Número Gramatical; Processamento; Concordância, Bootstrapping.

8 8 Abstract Ferrari-Neto, José. Aquisição de Número Gramatical no Português Brasileiro: Processamento de Informação de Interface e Concordância. Rio de Janeiro, 1999, 154 p. Tese de Doutorado. Departamento de Letras. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. This thesis is concerned with the acquisition of grammatical number in Brazilian Portuguese (BP). The working hypothesis guiding this research is that the early perception of morphophonological distinctions in elements of the functional category D (Determiner) as the presumption of agreement within the DP are crucial for the identification of number as formal feature of Portuguese. This work is grounded in the assumptions of the Minimalist Program (Chomsky, 1995, 1999) and its working hypothesis is part of a theory of language acquisition that articulates generative linguistics with psycholinguistic hypothesis, which is under development in LAPAL (Laboratório de Psicolingüística e Aquisição da Linguagem) (Corrêa, 2002; 2006). Four experiments have been conducted by means of pictureidentification task. They aimed at investigating how children extract information concerning grammatical number from the phonetic and semantic interfaces and to verify the extent to which agreement processing in the DP could be ascribed to them. Experiment 1 was intended to verify children s ability to identify the referent of a plural DP with a pseudo-noun solely on the basis of the number morpheme. The expression of number in the standard (number marking in all agreeing elements) and in the non-standard dialect (number marking only in D) was contrasted and non-grammatical plural DPs (or singular DPs with a false plural affix and infixes) were also presented to children. The objective of experiment 2 was to verify if children aged from 18 to 28 months recognize information concerning numbers expressed by number alomorphs in PB. Experiment 3 intended to investigate whether children (24-36 months), from different social groups (exposed to the standard or to the nonstandard dialect), would identify number information in existential DPs with bare nouns, and the extent to which allomorphs would affect their performance. Experiment 4, departed from an extensive discussion on the factors possibly

9 9 affecting the mass/count distinction in the language and aimed at attesting the relative weigh of morphological and semantic information in the semantic interpretation of bare and quantified DPs, varying in number. The results of experiment 1 suggest that, by the age of two, children identify number information in D, there being no difference between their performance in the standard and in the non-standard condition, whereas they distinguish these conditions from the ungrammatical or false plural ones. The results are compatible with the view that children rely on agreement within the DP, having Num as a functional projection. The results of experiment 2 show that children acquiring PB consider number allomorphs as accomplishments of the same abstract morphological category. The results of experiment 3 show that although the interpretation of existential plural DPs poses difficulties to children, allomorphs do not cause difficulty for children from either social group. On the contrary, they may make number information more visible. The results of experiment 4 reveal that three year olds, more akin to adults, rely most on morphological information in the interpretation of DPs as mass/count. Five year olds, however, rely most on the semantic features of the nominal roots, particularly in the interpretation of singular DPs. These results are discussed in relation to a theory which aims reconciling formal and conceptual accounts in the treatment of mass/count distinctions by children. Keywords Aquisição da Linguagem; Psicolingüística; Teoria Lingüística; Número Gramatical; Processamento; Concordância, Bootstrapping.

10 10 Sumário: 1. Introdução Hipótese de Trabalho Objetivos Organização do Trabalho Fundamentação Teórica Conceitos Básicos do Minimalismo A Aquisição do Número Gramatical na Perspectiva do 19 Processamento de Informação de Interface 2.2 Caracterização Lingüística do Número Evidências Morfológicas para NumP Evidências Sintáticas para NumP Evidências Semânticas para NumP A Concordância no Programa Minimalista A Concordância no DP A Concordância no DP em Português Brasileiro A Aquisição da Linguagem sob a Hipótese do Bootstrapping e do 41 Processamento da Concordância de Número no DP 2.5 Conclusão A Categoria Gramatical de Número O Número no Português Brasileiro A Morfologia de Número em PB A Variação de Número em PB A Expressão da Distinção Mass/Count em PB A Aquisição do Número Gramatical Estudos sobre a Aquisição de Mass/Count Nouns Descrição dos Experimentos Experimento 1 Reconhecimento de Informação Relativa a Número 91 Gramatical e Processamento da Concordância no DP 5.2 Experimento 2 - Reconhecimento e Processamento de Morfemas e 98 Alomorfias de Plural 5.3 Experimento 3 - Reconhecimento e Processamento de Morfemas e 104 Alomorfias de Plural em Grupos Sociais Distintos 5.4 Experimento 4 - Percepção da Distinção entre Nomes Massivos e 111 Contáveis em PB 6. Conclusão Final Bibliografia Anexos 146