Dramatização: Eutanásia, Distanásia e Ortotanásia

Transcrição

1 Dramatização: Eutanásia, Distanásia e Ortotanásia O roteiro é estruturado em 4 narrativas desenvolvidas em forma de prosa e discorridas no pensamento e reflexão de 4 pontos de vistas diferentes sobre o processo do morrer diante da emblemática da eutanásia, distanásia e ortotanásia. Os temas estão imersos nas 4 narrativas de forma poética e indireta, onde o drama enfatiza o posicionamento crítico e dramático de cada personagem. O primeiro personagem caracteriza uma mulher que se sente julgada por querer reconstruir sua vida longe do seu marido doente. O segundo personagem tipifica uma mãe, com sua filha doente e ainda criança, que retém forte esperança em sua reabilitação. O terceiro personagem caracteriza e transcorrem os pensamentos de um doente terminal usufruindo de aparelhos para permanência de sua vida. O quarto e último personagem caracteriza o profissional de saúde / Enfermagem. Todas as narrativas dramatizam e problematizam a prática da distanásia e sua contextualização social, que muda consideravelmente de acordo com a mudança da perspectiva de observação. E trás à luz, da reflexão sobre a difícil prática de se colocar no lugar do outro e aplicar pensamentos e atitudes coerentes com a realidade. O debate ético envolve questões sociais e familiares que atingem diretamente nas decisões cientificas. Culminando então, nos pensamentos da deontologia, na qual examina a situação buscando a existência do certo ou errado essencial em determinadas situações problema. As narrativas são reflexivas no que refere os limites do prolongamento da vida num paciente em estágio de coma em tempo indeterminado, pacientes em estágio irreversível ou terminal. Em A Solidão dos Moribundos! de Norbert Elias, onde é retrado o comportamento dos homens diante do fim eminente, os quais ao nascer já foram sentenciados: a morte. Elias ressalta que diante das diversas maneiras de lidar com o fim da vida, a crença de que os outros morrem, menos eu seria uma forma de retração diante da finitude; retração ainda maior no século XX. Mesmo a morte sendo um fato diante da existência, o homem não deixa de indagar o sentido da mesma: o que pensa um homem que tem conhecimento do seu fim eminente? O que fazem as pessoas queridas deste moribundo nestes instantes finais? O amor e o aconchego das pessoas que lhe são caras amenizariam o peso da proximidade do fim? Tais questões colocam os vivos diante da fragilidade dos moribundos: A fragilidade dessas pessoas é muitas

2 vezes suficiente para separar os que envelhecem dos vivos. Sua decadência as isola. (ELIAS, p. 8). Podemos observar também a aplicação do conceito de Habitus de Pierre Bourdieu, no qual se relaciona à capacidade de uma determinada estrutura social ser incorporada pelos agentes por meio de disposições para sentir, pensar e agir. E assim, se discorre a estruturação das narrativas, tendo em vista que se caracterizam sob pontos de vistas de agentes sociologicamente com papéis diferenciados, uma esposa, uma mãe, um doente dependente e um profissional da saúde. Narrativa 1: Fiquei sozinha há anos, sofro, grito e me desespero em saber que isso pode nunca acabar! Eu quero viver! Dedico à minha vida e os meus dias à alguém que está morto Praticamente morto Investimento de tempo, investimento de dinheiro, investimento de pensamento, investimento de lamento. Eu desejaria uma morte normal, que não causasse tanto mal Sonhava em envelhecer ao lado dele Vivo um luto parcial, um luto que nem começou e parece não ter fim... É um luto sem morte, uma vida sem liberdade, me sinto aprisionada à esta dor Eu estou viva! E parece que morro um pouco á cada dia Anos à fio, rompendo com meus limites, de amor, de paciência! de dedicação! Ele precisa ir! Eu sofro sua dor, eu sinto e sofro todos os dias... Preciso dormir tranquila Eu quero ser fiel, quero ser esposa, quero ser mulher, meu sangue corre e eu respiro sozinha! Se coloquem no meu lugar e parem de me julgar Eu quero ser livre! Eu quero descansar desse fardo e dessa dor que tira as minhas noites de sono Fico ansiosa, fico magoada, me sinto aprisionada estando com as mãos livres. Quero ser feliz novamente, quero pensar em vida e não em morte. Quero correr e mergulhar num mar de alegria e sair desta agonia Fuga? Sim, se coloquem no meu lugar!

3 É tão difícil amar alguém Que você quer que se vá Narrativa 2: Amo minha filha Ela é tudo para mim Ela não pode me deixar assim Tão doce e tão inocente Quero tanto que ela me ame Sinto ela perto de mim Eu acredito ser possível Eu acredito no fim, acredito no começo, acredito que ela está perto de mim Não desistam da minha filha! Uma filha que me ama, eu sei que ela me ama Sinto que ela ora por mim Sinto que ela me sente aqui Vejo todos os dias, mesmo vivendo numa agonia Numa ansiedade incontrolável de sentir o seu abraço Conto os dias, os meses e os anos Parece que eu vivo num engano Mas me engano feliz, feliz em vê-la dormir, e não partir É uma dor que não sei explicar Teu olhar sereno me faz sonhar Não levem para longe de mim Tenho fé de vê-la voltar, tenho fé de vê-la acordar. Tirem isso de mim! Não vão conseguir... Amo estar ao teu lado, não importa o tempo, não importa os anos, por ela vou esperar Até a esperança findar Narrativa 3: Passa o tempo e passa a vida Passam as pessoas e aguardam minha partida É viver sem viver, morrer sem morrer.

4 É sofrer sem sentir, é sentir e não viver. Vivo e não vivo Nessa solidão moribunda que estou Nunca sei aonde vou Nunca sei onde estou Estou aqui e não sou Quero viver e quero morrer e assim vivo numa eterna inconstância de sentimentos que não posso expressar, não posso dizer... Quem pensa em mim? Sinto-me amado Me sinto deixado me sinto abandonado me sinto um fardo. Não escolhi estar aqui, não desejei... E desejo libertar as pessoas de uma dor, viajar de verdade para o lado da vida e finalmente poder descansar... Vejo o caos ao meu redor, sinto o olhar de remorso e compaixão, sinto as lágrimas de alguém que quer se livrar e ao mesmo tempo me ter... Quero respirar em paz Não quero ser um incapaz Cuidam de mim para eu que possa viver Cuidam de mim para eu que possa morrer O que é morrer? O que é viver? Me sinto vazio Me sinto um corpo sozinho Me sinto rumo ao pó Narrativa 4: Dúvida e mais dúvidas Prego o alívio da dor e do sofrimento E tenho que conviver com essa interrogação Até ponto chegaremos então? Somos seres do cuidado

5 Nossas mãos são responsáveis pelo manipular da vida de um incapaz Ele é preso ao que o nosso dia faz Faço todo dia, o quê o ócio me trás. Os resultados pouco vejo e isso me faz refletir Dói ao ver a família sentir e o doente não reagir Passa os anos e eles sofrem e eu não o vejo partir É duro estar ali na cama, calado, estático e aparentemente sem vida. Aqui lutamos e remamos contra sua partida Lutamos contra um luto que nunca parece chegar E não acabe à nós adiantar ou atrasar Sinto-me brincando de ser Deus Até quando poderemos decidir a morte? Qual é o limite desse sofrimento? Qual é o limite desse cuidado? É uma luta diária, que prolongam os dias incertos de alguém que está distante. Está distante da vida e da sua liberdade Estou aqui em devoção, mas exponho minha inquietação. E você? O quê faria você?