Novas formas de habitar o Bairro de Gonçalo M. Tavares: sobre os projetos Galerista por um dia e Senhores Projetos no Bairro de Gonçalo M.
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1 Novas formas de habitar o Bairro de Gonçalo M. Tavares: sobre os projetos Galerista por um dia e Senhores Projetos no Bairro de Gonçalo M. Tavares Joana Ganilho MaRques Portugal, artista visual. Mestre em Educação Artística, Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa (FBAUL). Licenciatura em Artes Plásticas, Escola Superior de Artes e Design, Instituto Politécnico de Leiria (ESAD.CR). Artigo completo submetido em 20 de janeiro e aprovado em 8 de fevereiro de Resumo: A partir das obras integrantes da coleção O Bairro de Gonçalo M. Tavares têm nascido várias outras obras, de muitas expressões. Neste artigo visitamos algumas dessas expressões resultantes de dois projetos distintos: Galerista por um dia, uma proposta curatorial; e Senhores Projectos no bairro de Gonçalo M. Tavares, numa visão arquitetónica deste bairro. Palavras chave: Gonçalo M. Tavares, literatura, artes plásticas, arquitetura, transdisciplinaridade. Title: New ways to inhabit o bairro of the writer Gonçalo M. Tavares: about the projects galerista por um dia and Senhores Projetos no Bairro de Gonçalo M. Tavares Abstract: From the works of the collection O Bairro of Gonçalo M. Tavares, has been born several other works, of many expressions. In this article we visit some of those expressions, outcome of two distinct projects: Galerista por um dia, a curatorial proposal; and Senhores Projectos in the neighborhood of Gonçalo M. Tavares, in an architectural perspective of this neighborhood. Keywords: Gonçalo M. Tavares, literature, visual/plastic arts, architecture, transdisciplinar. 161 Marques, Joana Ganilho (2012) Novas formas de habitar o Bairro de Gonçalo M. Tavares: sobre os projetos Galerista por um dia e Senhores Projetos no Bairro de Gonçalo M. Tavares. Revista :Estúdio. ISSN Vol. 3, (5):
2 Marques, Joana Ganilho (2012) Novas formas de habitar o Bairro de Gonçalo M. Tavares: sobre os projetos Galerista por um dia e Senhores Projetos no Bairro de Gonçalo M. Tavares. 162 Figura 1 Joana Latka (2011), Sem Título. Instalação. Fonte: Galeria das Salgadeiras. Introdução Gonçalo M. Tavares (Luanda, 1970) é já uma referência incontornável na literatura portuguesa contemporânea. Ao longo da sua ainda breve vida literária o autor escreveu e publicou mais de duas dezenas de livros, do ensaio ao teatro, passando pela poesia, o romance ou o conto. Dentro desta vasta obra existem um conjunto de pequenas obras singulares que, juntas, formam O Bairro. São livros com nomes de personalidades que o autor homenageia criando personagens fictícias que habitam também eles um bairro fictício. O Bairro conta já com dez habitantes que criam uma mini história da literatura em ficção. As obras que integram o Bairro têm sido frequentemente reinterpretadas e adaptadas a outros formatos artísticos: teatro, ópera, dança, fotografia, pintura, gravura, arquitetura. Neste artigo pretendemos apresentar alguns exemplos: a partir do olhar de quatro artistas plásticos que integraram o projeto curatorial Galerista por um dia, desenvolvido pela Galeria das Salgadeiras; e a partir do olhar dos alunos de Arquitetura da Universidade Lusíada, que desenvolveram o projeto Senhores Projectos no Bairro de Gonçalo M. Tavares. Reabitar o bairro O projeto Galerista por um dia surgiu como uma tentativa de abrir a galeria a outras formas de encarar a arte e a outras sensibilidades. Para isso, por cada edição, é convidada uma personalidade de uma área diferente da curadoria para organizar uma exposição a partir dos artistas e do acervo da galeria. Em 2010
3 163 Figura 2 Cláudio Garrudo (2011), Senhores do Bairro. Fotografia. Fonte: Galeria das Salgadeiras. Revista :Estúdio. ISSN Vol. 3, (5): Gonçalo M. Tavares foi o convidado da Galeria das Salgadeiras. A proposta foi revisitar o seu Bairro a partir das sensibilidades e das interpretações de quatro artistas plásticos: Cláudio Garrudo, Helena Gonçalves, Jaime Vasconcelos e Joanna Latka. Visitaremos de seguida a obra de dois destes artistas. Na obra de Cláudio Garrudo (Figura 2) o bairro é substituído pelo espaço da galeria, um novo bairro, habitado apenas por uma pessoa: ele mesmo. A (auto) narrativa é-nos dada através de imagens captadas por uma câmara de vigilância instalada neste espaço e pelos percursos que o autor performava no mesmo. A sua aproximação ao trabalho de M. Tavares revela duas particularidades: a primeira, já enunciada, prende-se com a autorrepresentação; a segunda é a questão da técnica. A primeira remete diretamente para o imaginário do fotógrafo, cujas (auto) encenações são recorrentes; a segunda remete diretamente para o imaginário do próprio M. Tavares, trabalhado em várias obras, dentro e fora da coleção do Bairro. A interpretação de Joanna Latka (Figura 1), por sua vez, assenta sobretudo na memória, revelando um traço comum com a de Garrudo: a autorreferencialidade. A artista polaca revisita as primeiras memórias de Lisboa, de estendais brancos à janela, para reabitar o bairro. Recorrendo à sua linguagem específica, com base no registo quotidiano, Latka cria uma instalação de gravuras, evocando diretamente as memórias sobre as quais trabalhou. Inscreveu dois tipos de registos nas suas gravuras: um primeiro, o desenho da linha e da mancha, que cria uma narrativa por sobreposição de diferentes imagens, cada uma na sua gravura; o segundo, em gravura cega, que
4 Marques, Joana Ganilho (2012) Novas formas de habitar o Bairro de Gonçalo M. Tavares: sobre os projetos Galerista por um dia e Senhores Projetos no Bairro de Gonçalo M. Tavares. 164 Figura 3 Exemplo de Bairro, maquete. Fonte: Espaços&Casas nº94. Figura 4 Exemplo de casa do Sr. Breton, maquete. Fonte: Espaços&Casas nº94. confere às imagens uma patine de intimidade, da relação invisível das coisas. No espaço da galeria cresceram novos bairros: mais do que de uma materialização, trata-se de uma partilha e visita de obras e imaginários à volta do bairro. O projeto Senhores Projectos no bairro de Gonçalo M. Tavares (Figuras 3, 4, 5 e 6) surgiu da necessidade educativa de criar novos exercícios para o curso de arquitetura da Universidade Lusíada, pela mão do regente do curso Fernando Hipólito, conjuntamente com a já antiga vontade do próprio escritor de cruzar a sua arte com outras. O objetivo foi encarar os senhores do bairro como cliente, procurando projetar espaços (casas, percursos públicos, bibliotecas, bairros) que correspondessem às suas necessidades e refletissem a sua própria personalidade. Deste projeto nasceram muitos edifícios e, inesperadamente, um livro e uma exposição que testemunham outras formas de ver, de pensar, de responder na tridimensionalidade o que foi prometido no papel. Pegando no espelho do Sr. Breton (Figura 4), na deambulação do Sr. Valéry, na exatidão do Sr. Walser, na geometria do Sr. Swedenborg, e nos cruzamentos de todos estes, e outros, vizinhos (Figura 3), construíram-se novas visões de este e outros bairros. Aquilo que era domínio das palavras é materializado no mundo concreto: cada personagem, com o seu imaginário e o seu próprio mundo. Todos estes artistas criaram novos espaços, novos bairros, com novos habitantes a partir da sua própria forma de materializar o mundo: primeiramente no pensamento e, como extensão, no desenho, na gravura, na fotografia ou na maquete. Em ambos os projetos deu-se um encontro interpretativo, uma visita de imaginários que operou uma reconfiguração do mundo impalpável das letras para o material, o concreto. Poderemos aqui dizer que das obras nascem obras, obras essas que encerram em si uma multiplicidade de expressões, de reinterpretações, de criações a partir de um dado mundo, imaterial, e não apenas traduções desse mesmo mundo, de forma potencialmente infinita.
5 Revista :Estúdio. ISSN Vol. 3, (5): Figura 5 Exemplo de biblioteca, maquete. Fonte: Espaços&Casas nº94.
6 Marques, Joana Ganilho (2012) Novas formas de habitar o Bairro de Gonçalo M. Tavares: sobre os projetos Galerista por um dia e Senhores Projetos no Bairro de Gonçalo M. Tavares. Revista :Estúdio. ISSN Vol. 3, (5): Figura 5 Exemplo de casa. Maquete. Fonte: Espaços&Casas nº94. Conclusão Os textos de Gonçalo M. Tavares têm sido utilizados como ponto de partida para várias outras e novas expressões, mas o que torna estas duas particulares é o facto de existirem já latentes no pensamento e na escrita do próprio autor. Cingindo-nos ao Bairro, existe uma outra narrativa por baixo da sequência de episódios descritos nos livros. Existe aquilo a que Maria Madalena Gonçalves designa, referindo-se especificamente ao Sr. Calvino, por intranquilidade ou suspeita de que as coisas não são o que parecem ser. A narrativa transmite, mais do que história, uma capacidade de observação meticulosa das coisas do mundo, que enforma também uma visão desse mesmo mundo. Partindo da premissa do próprio M. Tavares o livro pode ter muitos formatos, procurámos pôr em confronto novas formas de reabitar o Bairro. Referências Senhores Projectos no bairro de Gonçalo M. Tavares. (2009) Lisboa: Universidade Lusíada Editora. Galeria das Salgadeiras. (s.d.) Obtido em 20 de 10 de 2011, de salgadeiras.com Latka, J. (s.d.) Joanna Latka. Obtido em 14 de 10 de 2011, de blogspot.com/ Espaços&Casasnº94, (s.d.) Obtido em 8 de 11 de 2011, de com/watch?v=ax2mjtz_lrk&fb_ source=message Contatar o autor: joanahmarques@gmail.com
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