RELAÇÃO MENSAL ENTRE O SALDO DE RADIAÇÃO E O SALDO DE RADIAÇÃO DE ONDAS CURTAS ACIMA DO DOSSEL NA FLORESTA NACIONAL DE CAXIUANÃ, PARÁ

Transcrição

1 RELAÇÃO MENSAL ENTRE O E O DE ONDAS CURTAS ACIMA DO DOSSEL NA FLORESTA NACIONAL DE CAXIUANÃ, PARÁ Alessandro Renê Souza do Espírito Santo 1, Leonardo Deane de Abreu Sá ² RESUMO Foram utilizados dados experimentais para ajustar regressões lineares e determinar relações entre o saldo de radiação global (Rn) e o saldo de radiação de ondas curtas (Kn) acima do dossel da Floresta Nacional de Caxiuanã, localizada no município de Melgaço, Pará, distante aproximadamente 400 km de Belém. Obtiveram-se os coeficientes térmicos (β) e os coeficientes de transformação de onda longa (λ) para caracterizar condições físicas das trocas energéticas acima do dossel. Também foram investigadas as variações mensais do coeficiente de reflexão ou albedo (α), cujos valores médios mensais variam de no período chuvoso (março a maio) a no período seco (junho a novembro). Foram determinadas equações empíricas mensais para estimar o saldo de radiação global (Rn) a partir da radiação solar incidente (S), as quais evidenciaram uma boa predição, com os coeficientes de correlação entre Rn e Kn apresentando valores sempre superiores a 0,987. ABSTRACT We used experimental data from the Caxiuanã National Forest to obtain linear regressions and to determine the relationships between the net radiation for all wavelengths (Rn) and the net incoming shortwaves radiation (Kn). Caxiuanã is located in Melgaço, Pará, approximately 400 km far from Belém. The heating coefficients (β) and the longwave exchange coefficients (λ) have been obtained to analyze energy exchange physical conditions above the forest canopy. The monthly variations of the reflection coefficient or albedo (α), whose monthly mean values ranged from in the rainy period (March to May) to in the dry period (June to November), have been investigated, too. Monthly empirical equations to estimate the net radiation for all wavelengths (Rn) through the incident solar radiation (S) are present too. The coefficients of correlation between Rn and Kn have been calculated and presented values always higher than 0.987, evidencing a good fit of the equations which are useful to predict Rn from S. Palavras-Chave: Balanço de radiação, coeficiente térmico, coeficiente de transformação de onda longa. 1 Bolsista CNPq, Museu Paraense Emilio Goeldi, Av. Perimetral 1901, Belém-PA, C.P , Fone: (091) , alessandro_rene@yahoo.com.br ² Pesquisador do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais Museu Paraense Emílio Goeldi CNPq, Paraense Emilio Goeldi, Av. Perimetral 1901, Belém-PA, C.P , Fone (091) , leodeane@uol.com.br

2 INTRODUÇÃO O saldo de radiação sobre um dossel vegetal representa a quantidade de energia na forma de ondas eletromagnéticas que este dispõe para repartir entre os fluxos de energia necessários aos processos de evapotranspiração, aquecimento do ar, aquecimento do solo e fotossíntese (Oke, 1987), além do próprio aquecimento da biomassa (Thom, 1975). Dentre as características da superfície, salienta-se o albedo, que varia com a elevação solar, a composição espectral da radiação incidente, as propriedades óticas das folhas, a cobertura do solo, as condições hídricas da cultura e do solo e a quantidade e tipo de cobertura de nuvens. Sendo assim, é uma componente importante na determinação do saldo de radiação (Shuttleworth et al,1984; Viswanadham et al, 1990; Culf et al, 1995; Sakai et al, 2004). O coeficiente térmico (β) e o coeficiente de transformação em ondas longas (λ) são dois parâmetros de úteis para compreensão de aspectos do balanço de energia e podem ser obtidos a partir dos termos do balanço de radiação de uma superfície (André e Viswanadham, 1983). Monteith e Szeicz (1961) derivaram o coeficiente térmico, por meio de uma relação empírica entre o balanço de ondas longas e o saldo de radiação. Esse coeficiente é considerado como uma propriedade da superfície e representa a fração do saldo de radiação disponível convertido em onda longa, ou seja, a efetividade do aumento na perda de saldo de radiação de onda longa por unidade de aumento do saldo de radiação. Gay (1969), estabeleceu empiricamente o balanço de ondas longas em função do balanço de ondas curtas, criando uma constante denominada de coeficiente de transformação em ondas longas. Esse coeficiente é considerado como uma propriedade do meio e representa a fração do saldo de radiação de onda curta convertido em onda longa, ou seja, descreve a transformação em saldo de ondas longas pela superfície por unidade de variação da radiação solar absorvida. MATERIAL E MÉTODOS O sítio experimental de onde os dados analisados foram coletados, durante os meses de março a novembro de 2005, está localizado na Floresta Nacional de Caxiuanã, no município de Melgaço, PA, na Amazônia Oriental. Nesta região foi demarcada a área da Estação Científica Ferreira Penna, onde nela foi construída uma torre micrometeorológica de coordenadas S e W, em que foram instalados a 52m: um Saldo-radiômetro NR LITE da Kipp & Zonen para medir o saldo de radiação (Rn) a cada minuto e um Piranômetro CNR1 da Kipp & Zonen para medir a radiação solar incidente e refletida a cada 10s, e que, por sua vez, são armazenados no sistema de aquisição de dados datalogger CR10X da Campbell. Com isso, foram obtidos dados para elaboração dos gráficos do albedo e da relação entre o saldo de radiação global (Rn) e o saldo de radiação de ondas curtas (Kn) para obtenção dos coeficientes térmicos (β) e coeficientes de transformação de ondas longas (λ).

3 Seguindo André e Viswanadham (1983), foram escolhidos as seguintes definições para representar os termos do balanço de radiação: S = radiação de ondas curtas incidentes vindas do sol e do céu (W/m²) Kn = Saldo de radiação de onda curta (W/m²) Rn= saldo de radiação de todos os comprimentos de onda (W/m²) Ld= radiação de onda longa emitida pela atmosfera (W/m²) Lu= radiação de onda longa emitida pela superfície (W/m²) Ln= Ld - Lu = saldo de radiação de onda longa (W/m²) α = coeficiente de reflexão de radiação de ondas curtas ou albedo O saldo de radiação global (Rn) para a superfície é definido como (Monteith e Szeicz, 1961) Rn = (1- α) S + Ln (1) Semelhantemente, o saldo de radiação global também pode ser descrito empiricamente pela equação de regressão Rn = a (1- α) S + b, (2) sendo a e b (W/m²) constantes determinadas por regressão linear, onde a incorpora a diferença entre os valores médios diurnos e noturnos do saldo de radiação de onda longa. Já a constante b assume um valor muito próximo do valor médio do saldo de radiação de onda longa noturno (Moura, 2001). Monteith e Szeicz (1961) obtiveram da relação entre o saldo e a radiação solar, o coeficiente β descrito β = - dln / drn (3) Porém, Gay (1969) utilizando uma aproximação diferente desta relação, obteve λ descrito λ = dln / {d[(1-α)s]} (4) Estes coeficientes são obtidos pelas seguintes formulas: β = (1-a) / a (5) λ = a 1 (6) RESULTADOS E DISCUSSÃO Com base na regressão linear entre Rn e Kn (Figura 1), foi encontrada uma boa correlação entre seus pares relacionados, pois os coeficientes de determinação (R²) foram sempre superiores a 0.974, para todos os meses avaliados, sendo que em cada mês foram usados cerca de 2880 dados. A partir da constante a (Equação 2), são obtidos os coeficientes térmicos (β) e os coeficientes de transformação de ondas longas (λ) (Tabela 1). Mencione-se que todos os valores mensais de coeficiente térmico foram positivos, enquanto que os valores mensais do coeficiente de transformação em onda longa foram inferiores a zero.

4 Uma interpretação física simples para isso fornecida por André e Viswanadhan (1983), se dá quando os valores de a são menores que um (a<1). Nestes casos, a maior parte do saldo de radiação global é convertida em armazenamento de energia, havendo também dissipação convectiva. Gay (1969) afirma também que o valor negativo de λ é decorrência da taxa de absorção de radiação de ondas curtas pela superfície ser maior do que aquela do saldo de radiação disponível para evapotranspiração da superfície. A partir da variação média horária do albedo em Caxiuanã, verifica-se que há elevados valores no nascer e pôr-do-sol, quando a superfície de exposição e a inclinação dos raios solares favorecem a reflexão da radiação incidente (aumento do albedo). Ademais, durante maior parte do dia, ao longo dos meses de 2005, foram encontrados valores médios que variam de 0.10 no período chuvoso a 0.14 no período seco (Tabela 1), sendo resultados parecidos aos encontrados por Oliveira (2002). Tal variação de um período para outro, deve-se possivelmente ao aumento da umidade da superfície no período chuvoso, já que esse fato tem sido evidenciado em estudos sobre umidade das folhas, pois, em geral, estas conduzem ao aumento de reflectância quando estão desidratadas (Mooney et al., 1977). As equações empíricas para estimar o saldo de radiação global (Rn) a partir da radiação solar incidente (S) (Tabela 1), foram obtidas por meio das constantes a e b juntamente com o albedo médio (Tabela 1) e, por sua vez, substituindo-os na equação 2. MARÇO ABRIL MAIO y = 0,8832x - 27,154 R 2 = 0, y = 0,8977x - 23,847 R 2 = 0, y = 0,906x - 25,327 R 2 = 0, JUNHO JULHO AGOSTO y = 0,9229x - 30,836 R 2 = 0, y = 0,9369x - 34,946 R 2 = 0, GOBAL (RN) (W/m²) y = 0,944x - 38,388 R 2 = 0, SETEMBRO OUTUBRO NOVEMBRO y = 0,9338x - 40,258 R 2 = 0, y = 0,9132x - 37,282 R 2 = 0, y = 0,8756x - 34,969 R 2 = 0, Figura 1: Resultado da regressão linear entre o saldo de radiação global (Rn) e o saldo de radiação de ondas curtas (Kn) para os meses de março a novembro de 2005, tendo sido utilizadas as seguintes quantidades de dias para cada mês 20, 30, 31, 30, 31, 19, 30, 31, 5, respectivamente.

5 Tabela 1: Parâmetros da radiação para diferentes meses do ano de 2005, na Floresta de Caxiuanã; (*) albedo médio mensal; (**) valores obtidos através da regressão linear em W/m²; (R²) coeficiente de determinação; (***) Equações empíricas para estimar o saldo de radiação global expressos em W/m². meses α* a** b** R² β λ Rn*** março 0,106 0,883-27,154 0,982 0,132-0,117 Rn = 0,79S - 27,154 abril 0,108 0,898-23,847 0,990 0,114-0,102 Rn = 0,80S - 23,847 maio 0,106 0,906-25,327 0,990 0,104-0,094 Rn = 0,81S - 25,327 junho 0,105 0,923-30,836 0,994 0,084-0,077 Rn = 0,83S - 30,836 julho 0,108 0,937-34,946 0,995 0,067-0,063 Rn = 0,84S - 34,946 agosto 0,117 0,944-38,388 0,995 0,059-0,056 Rn = 0,83S - 38,388 setembro 0,125 0,934-40,258 0,991 0,071-0,066 Rn = 0,82S - 40,258 outubro 0,135 0,913-37,282 0,990 0,095-0,087 Rn = 0,79S - 37,282 novembro 0,130 0,876-34,969 0,974 0,142-0,124 Rn = 0,76S - 34,969 CONCLUSÕES As relações entre o saldo de radiação global e o saldo de radiação de ondas curtas, efetuadas por meio de regressão linear, apresentaram valores mensais dos coeficientes de determinação (R²) superiores a 0.974, para um conjunto mensal de aproximadamente 1440 pares de valores (Rn, Kn) o que acentua a robustez estatística dos resultados. Os coeficientes térmicos (β) e de transformação em ondas longas (λ) que apresentaram valores positivos e inferiores a zero, respectivamente, ajudaram na caracterização das condições físicas do experimento, indicando que a maior parte do saldo de radiação é convertida em armazenamento de energia, além de proporcionar dissipação convectiva. A partir da variação média horária do albedo, verifica-se que há elevados valores no nascer e pôr-do-sol, quando a superfície de exposição e a inclinação dos raios solares favorecem a reflexão da radiação incidente. AGRADECIMENTOS Esta pesquisa foi parcialmente financiada pelo MCT e CNPq/PADCT, através do Instituto do Milênio, com os Projetos nº /01-0, e nº /01-0 e pela FADESP/SECTAM/PRONEX, contrato nº Alessandro Renê agradece ao CNPq pela bolsa de pesquisa concedida através do Programa de Pesquisa em Biodiversidade PPBio. Leonardo Sá agradece ao CNPq (pela bolsa de produtividade em pesquisa, processo / e pelo auxílio proporcionado pelo Edital Universal, processo /2004-1). Os autores agradecem ao Museu Paraense Emílio Goeldi e ao IBAMA que proporcionaram todas as facilidades para o bom andamento da coleta de dados, ao Escritório Central do LBA, ao LIM-CPTEC-INPE e ao Depto. de Meteorologia da UFPA pelo apoio às atividades experimentais em Caxiuanã.

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRÉ, R.G.B.; VISWANADHAM, Y. Radiation Balance of Soybeans Grown in Brazil. Agricultural Meteorology, Amsterdam, v.30, p , BETTS, A.K.; BALL, J.H. Albedo over the boreal forest. Journal of Geophysical Research, v.102, D24: 28,901-28,909, 26 Dec CULF, A.D.; FISCH, G.; HODNETT, M.G. The albedo of Amazonian forest and Ranch land, Journal of Climate, v.8, 6: , Jun GAY, L.W. On the regression relation between net and solar radiation. In: Conference on Agricultural Meteorology, 9., 8-10 Sept. 1969, Seattle, Washington. MONTEITH, J.L.; SZEICZ, G. The radiation balance of bare soil and vegetation. Quarterly Journal of the Royal Meteorological Society, Berkshire, v.87, p , MOONEY, H.A.; EHLERINGER, J.; BJORKMAN, I. The energy balance of leaves of the evergreen desert shrub Atriplex hymenelytra. Oecologia, n. 29, p , MOORE, C.J. A comparative study of radiation balance above forest and grassland. Quartely Journal of the Royal Meteorological Society, Berkshire, v. 102, p , MOURA, R.G. Estudo da radiação solar e terrestre acima e dentro de uma floresta tropical úmida Dissertação (Mestrado em Meteorologia) - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, São José dos Campos, OKE, T.R. Boundary Layer Climates. 2 ed. London: Routledge, p. OLIVEIRA, M.C.F. et al. Comportamento dos elementos meteorológicos. In: LISBOA, P.L.B. (Org.). Caxiuanã: Populações, meio físico e diversidade biológica. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, p SAKAI, R.K. et al. Land-use change effects on local energy, water, and carbon balance in an Amazonian agricultural field. Global Change Biology, v.10, doi /j x, SHUTTLEWORTH, J.H.C. et al. Observations of radiation exchange above and below Amazonian forest. Quarterly Journal of the Royal Meteorological Society, Berkshire, v. 110, n. 466, p , Oct THOM, A.S. Momentum, mass and heat exchang of plant communities. In: Monteith, J.L. (Ed.). Vegetation and the Atmosphere: Principles. 3. ed. London: Academic Press, p VISWANADHAM, Y. et al. Micrometeorological Measurements in Amazon Forest during GTE/ABLE-2A Mission. Journal of Geophysical Research, v. 95, D9: , Aug