Características ultra-estruturais do nó sinoatrial de rato Wistar
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1 Características ultra-estruturais do nó sinoatrial de rato Wistar Silvana Regina de Melo 1 *, Carlos Alberto Mandarim-de-Lacerda 2 e Romeu Rodrigues de Souza 1 1 Departamento de Ciências Morfofisiológicas, Universidade Estadual de Maringá, Av. Colombo, 5790, , Maringá, Paraná, Brasil. 2 Laboratório de Morfometria e Morfologia Cardiovascular, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. *Autor para correspondência. srmelo@uem.br RESUMO. As características ultra-estruturais do nó sinoatrial (NSA) de 5 ratos machos da variedade Wistar, com 3 meses de idade, foram estudadas por meio de microscopia eletrônica de transmissão (MET). Fragmento pequeno, contendo a região do NSA e área adjacente do átrio direito do coração, foi retirado e fixado em glutaraldeído 2,5% e processado de acordo com técnica convencional para MET. A morfologia do nó sinoatrial de ratos é semelhante a de outros mamíferos. O NSA é uma estrutura anatômica independente do miocárdio atrial, constituído por células típicas (miócitos nodais, células de transição e, principalmente, células nodais) imersos em matriz extracelular, na qual predominam fibras colágenas, fibroblastos e nervos. Palavras-chave: nó sinoatrial, ultra-estrutura, ratos. ABSTRACT. Superstructural features of the wistar strain male rats' sinoatrial node (SAN). The superstructural features of five Wistar strain male rats' sinoatrial node (SAN) at 3-mo-old were studied through transmission electron microscopy (TEM). Small fragments with the regions containing the SAN were cut off, fixed in glutaraldehyde 2.5% and processed according to the conventional technique for TEM. The morphology of the sinoatrial node of the rats is similar as found in other mammals. The SAN is an independent anatomic structure of the atrial myocardial, constituted of typical cells (nodal myocytes, transition cells and nodal cells principally) immersed in the extra cellular matrix where collagen fibers, fibroblasts and nerve predominate. Key words: sinoatrial node, superstructure, rats. Introdução Entre os primeiros estudos fisiológicos a considerarem o nó sinoatrial (NSA) como o precursor do estímulo do batimento cardíaco, destaca-se o de Lewis et al. (1910). Antes dos estudos em microscopia eletrônica descreveu-se que as células nodais poderiam ser o local do marca-passo dentro do NSA, devido à sua localização, aparência característica e proximidade de numerosas terminações nervosas (James, 1961). Em seguida, estudos em diversas espécies relacionaram a morfologia à função da célula nodal como responsável pelo início dos batimentos cardíacos em coelhos (Bleeker et al., 1980; Masson-Pevet et al., 1984), cobaia (Opthof et al., 1985), gato (Opthof et al., 1986) e porco (Opthof et al., 1987). O rato (Rattus norvegicus) é um animal freqüentemente utilizado em pesquisas biomédicas de caráter morfológico e fisiológico, possuindo NSA com aspecto e constituição comuns aos mamíferos em geral (Melo-da-Silva e Mandarim-de-Lacerda, 1994). No entanto, descrições dos aspectos ultraestruturais do NSA nessa espécie são escassos na literatura especializada. Dessa forma, o presente estudo em rato tem o objetivo de descrever os aspectos morfológicos do NSA por meio de MET. Material e métodos Foram estudados 5 corações de ratos albinos adultos (3 meses de idade) machos da variedade Wistar. Os animais foram mantidos em temperatura e ciclos de luz controlados, alimentados com ração Purina e com água ad libitum. A anestesia foi realizada por inalação com éter etílico. Em seguida, o coração foi retirado e a região do átrio direito, contendo pequeno segmento da veia cava cranial direita, foi seccionada. Depois, os pequenos fragmentos cardíacos, contendo o NSA, foram fixados em solução de glutaraldeído 2,5%, em tampão fosfato 0,1M ph 7,2 e processados de acordo com técnica convencional para MET. Os cortes ultrafinos foram
2 682 Melo et al. contrastados com acetato de uranila a 4% (Watson, 1958) e com citrato de chumbo a 0,4% (Reynolds, 1963), bem como examinados em microscópio eletrônico de transmissão no Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo. Resultados No NSA do rato observam-se células nodais, células de transição e miócitos nodais envolvidos em matriz extracelular que contem fibras colágenas, capilares sangüíneos, fibroblastos e nervos (Figura 1). Figura 3. Elétron-micrografia da região periférica do NSA. Podese observar conteúdo miofibrilar (setas) e disposição das mitocôndrias (cabeça de seta) no citoplasma semelhante às células atriais de trabalho representado na (fig.5), célula de transição (ct), nervo (n). Aumento: X Figura 1. Elétron-micrografia evidenciando diferentes células na região periférica do NSA. Notar célula nodal (cn) e seu conteúdo reduzido de organelas citoplasmáticas, célula de transição (ct) e miócito nodal (mn), mitocôndrias (m) e miofibrilas (mi). Na matriz extracelular observa-se fibroblastos (seta), nervos (n), fibras colágenas (asterisco preto) e vaso sanguíneo (v). Aumento: X As células nodais podem ser arredondadas ou irregulares, o citoplasma apresenta baixa elétrondensidade, é pálido devido ao conteúdo reduzido de organelas citoplasmáticas (Figuras 1, 4). As células de transição têm características intermediárias entre as células nodais e as células atriais comuns, geralmente mais alongadas (Figura 2). Os miócitos nodais têm aspecto semelhante às células atriais comuns, ambos apresentam conteúdo miofibrilar rico e organizado, mitocôndrias de vários tamanhos e formas, organizadas entre as miofibrilas ou formando grupos (Figuras 1, 3). Nos miócitos nodais não se observaram os grânulos densos, como os que estão presentes nas células atriais comuns (Figura 5). Figura 4. Elétron-micrografia evidenciando as células de condução do NSA. Notar escasso e pouco organizado conteúdo miofibrilar (seta), mitocôndrias (cabeça de seta) distribuídas aleatoriamente na célula nodal (cn), em comparação às células de transição (ct) com conteúdo miofibrilar formando sarcômeros (seta) e mitocôndrias (cabeça de seta) alinhadas ou formando grupos. Núcleo (N) da célula nodal, fibroblasto (fib), fibras colágenas (asterisco), nervos (n) e cavéolas (c) podem ser observados. Aumento: X Figura 2. Elétron-micrografia mostrando uma célula de transição. Notar forma alongada da célula de transição (ct), miofibrilas organizadas em sarcômeros (asterisco), mitocôndrias alinhadas (cabeça de seta). Aumento: X Figura 5. Elétron-micrografias do átrio direito do coração de rato. Pode-se observar no citoplasma das células atriais de trabalho(cat) miofibrilas organizadas em sarcômeros (asterisco), mitocôndrias alinhadas (cabeça de seta) e presença de grânulos densos (seta). Aumento: X
3 Características ultra-estruturais do nó sinoatrial de rato Wistar 683 Nas células de condução (nodais e de transição) são visíveis as seguintes organelas: mitocôndrias, retículo endoplasmático, ribossomos e microfilamentos. As mitocôndrias apresentam formas e tamanhos variados com cristas internas intimamente associadas (Figuras 4, 6). O retículo endoplasmático é predominantemente liso e pouco desenvolvido. Os ribossomos estão dispersos no citoplasma (Figura 6). Nas células nodais as mitocôndrias estão dispostas aleatoriamente no citoplasma e apresentam conteúdo relativamente superior em relação às miofibrilas (Figuras 1, 4). Nas células de transição, as mitocôndrias parecem ser mais abundantes organizando-se em grupos no citoplasma ou alinhando-se entre as miofibrilas (Figuras 2, 3, 4). Nas células nodais, o conteúdo miofibrilar é escasso e pouco organizado, com ocasionais sarcômeros, enquanto nas células de transição o conteúdo miofibrilar é maior e mais organizado, e os sarcômeros são encontrados com maior freqüência (Figuras 2, 3, 4). Na membrana das células de condução há numerosas irregularidades semelhantes a vesículas e caracterizadas como cavéolas (Figuras 1, 4). Figura 6. Elétron-micrografias destacando nas células de condução miofibrilas (mi), mitocôndrias (m) com cristas intimamente associadas, retículo endoplasmátrico liso (rel). Aumento: X A rica inervação é evidente no interior do NSA (Figuras 1, 3, 4, 7), no qual se observam células com características de fibroblastos, dispostas isoladamente ou formando pequenos grupos, geralmente localizadas próximos às fibras nervosas (Figuras 1, 4, 7). Figura 7. Elétron-micrografia evidenciando a matriz extracelular do NSA. Nota-se células com características de fibroblastos (fib), feixes de fibras colágenas (asterisco), nervo (n) e parte de uma célula nodal (cn). Aumento: 2.000X Discussão O NSA é uma estrutura heterogênea, constituída por células morfologicamente diferentes das células atriais comuns: as células nodais, células de transição (células com características intermediárias entre a célula nodal e célula atrial comum) e miócitos nodais (células semelhantes às células atriais comuns). Estrutura semelhante também foi constatada em outras espécies de mamíferos, como o cão e o homem (James et al.,1966), coelhos (Anderson et al., 1981) e macaco (Alings et al., 1990). No entanto, alguns relatos não demonstram a presença dos miócitos no interior do nó sinoatrial (Domenech-Mateu e Boya-Vegué, 1975; Masson- Pevet et al., 1984; Alings et al., 1990). As principais diferenças observadas entre as células nodais e as células atriais comuns foram o conteúdo reduzido de organelas e a baixa elétrondensidade do citoplasma. Características semelhantes foram observadas em outros mamíferos como cão e homem (James et al., 1966), embrião de rato (Domenech-Mateu e Boya-Vegué, 1975) e macaco (Alings et al., 1990). Entre essas organelas estão as mitocôndrias, cujo conteúdo e distribuição variam de acordo com o tipo de célula de condução. Nossas observações foram semelhantes às descrições de James et al. (1966), os quais descreveram que nas células nodais as mitocôndrias assumem várias formas e tamanhos e estão aparentemente distribuídas de maneira aleatória no citoplasma. Já nas células de transição, essas organelas apresentamse em pequenos grupos mais organizados, localizados próximos às miofibrilas, enquanto que nos miócitos nodais comportam-se de modo semelhante às mitocôndrias das células atriais comuns, ou seja, organizam-se em grupos localizados entre as miofibrilas ou em linhas alternadas com essas. Outros autores também descreveram conteúdo reduzido de mitocôndrias, mas apenas nas células nodais do coração do macaco (Alings et al., 1990), e do morcego (Tagoe et al., 1995).
4 684 Melo et al. Observou-se que nas células de condução do NSA do rato as cristas mitocondriais estão bem conservadas e intimamente associadas, com disposição semelhante às das células atriais comuns. Entretanto, esses resultados diferem das observações de James et al. (1966), ao relatarem que, no cão e no homem, a aparência interna das mitocôndrias da célula nodal era diferente daquelas do miocárdio de trabalho, exibindo uma estrutura interna bem mais simples. Neste estudo, observou-se que o retículo endoplasmático é pouco desenvolvido nas células de condução do NSA. Disposição semelhante também foi observada em outras espécies de mamíferos como o cão e o homem (James et al., 1966), embrião de ratos (Domenech-Mateu e Boya-Vegué, 1975), e o morcego (Tagoe et al., 1995). Vários autores que estudaram a ultra-estrutura do nó sinoatrial, mencionaram, como característica mais proeminente da célula nodal típica, o pobre desenvolvimento do sistema contrátil e a aparência "vazia" do citoplasma (James et al., 1966; Anderson et al., 1981; Masson-Pévet et al., 1984; Opthof, et al., 1987; Alings et al., 1990; Tagoe et al., 1995). Neste estudo também se verificou o conteúdo miofibrilar pequeno e desorganizado nas células nodais, que seria um dos principais responsáveis pela característica típica das células nodais, ou seja, o citoplasma pálido. Segundo James et al. (1966), é possível que a orientação casual das miofibrilas possa produzir uma ação de torção dentro da célula, que expulsaria, por movimento o fluido extracelular para fora da célula. No NSA de rato, foram observadas também pequenas vesículas na membrana plasmática das células de condução. Essas estruturas têm recebido diferentes nomes na literatura: vesículas de membrana, vesículas pinocitóticas, invaginações caveolares e cavéolas. A presença dessas estruturas tem sido citada nas células do NSA de vários mamíferos, tais como: embrião de rato (Domenech- Mateu e Boya-Vegué, 1975), coelho (Masson-Pévet et al., 1979), macaco (Virágh e Porte, 1973; Alings et al.,1990), morcego (Tagoe et al., 1995), cão e homem (James et al., 1966), gato (Opthof et al., 1986) e nas células do nó atrioventricular de cobaia (Kim e Baba, 1971), morcegos (Rozensztranch, 1997). Segundo Masson-Pévet et al. (1979), essas invaginações não parecem ter função pinocitótica, e, embora a função exata das cavéolas seja desconhecida, ela poderia ser uma ampliação da área de troca entre espaço intracelular e extracelular, uma vez que nas células nodais condutoras do NSA do coelho, as cavéolas aumentam a superfície de área da membrana plasmática em aproximadamente 100%. Nos espaços entre as células de condução do NSA, pode-se notar a matriz extracelular rica em fibras colágenas, fibroblastos, capilares e nervos. A riqueza de fibras colágenas e fibroblastos foi descrita no nó sinoatrial de gatos (Opthof et al., 1986), porco (Opthof et al., 1987) e coelho (De Maziére et al., 1992). O significado funcional da existência dessa notável quantidade de tecido conjuntivo não está ainda bem esclarecida e diferentes funções lhe foram atribuídas. Segundo Spach e Dolber (1986), o revestimento de colágeno ao redor do músculo pectíneo humano, diminui a velocidade de condução. De Maziére et al. (1992) demonstraram que as células do tecido conjuntivo, em particular os fibroblastos, não poderiam contribuir significativamente com o processo elétrico do NSA. É provável que a função do tecido conjuntivo do NSA seja mecânica, oferecendo resistência na delgada região cavo-atrial e dando suporte aos grupos de células nodais, capilares e nervos. O NSA é uma estrutura anatômica independente do miocárdio atrial, constituído por células típicas (miócitos nodais, células de transição e principalmente células nodais) envolvidos em matriz extracelular, na qual predominam fibras colágenas, fibroblastos e inúmeros nervos. Referências ALINGS, A.M.W. et al. Structure and function of the simian sinoatrial node (Macaca fascicularis). J. Mol. Cell. Cardiol., London, v. 22, p , ANDERSON, R.H. et al. Anatomico-electrophysiological correlations in the conduction system a review. Br. Heart J., London, v. 45, p , BLEEKER, W.K. et al. Functional and morphological organization of the rabbit sinus node. Circ. Res., Baltimore, v. 46, p , DE MAZIÉRE, A.M.G.L. et al. Spatial and functional relationship between myocytes and fibroblasts in the rabbit sinoatrial node. J. Mol. Cell. Cardiol., London, v. 24, p , DOMENECH-MATEU, J.M.; BOYA-VEGUÉ, J. An ultrastructural study of sinuatrial node cells in the embryonic rat heart. J. Anat., Cambridge, v.119, p , JAMES, T.N. Anatomy of the human sinus node. Anat. Rec., New York, v.141, p , JAMES, T.N. et al. Comparative ultrastructure of the sinus node in man and dog. Circulation., Baltimore, v. 34, p , KIM, S.; BABA, N. Atrioventricular node and Purkinje of the guinea pig heart. Am. J. Anat., New York, v.132, p , 1971.
5 Características ultra-estruturais do nó sinoatrial de rato Wistar 685 LEWIS, T. et al. Site of origen of the mammalian heart beat: the pacemaker in the dog. Heart, London, v. 2, p , MASSON-PÉVET, M. et al. Sinus node and atrium cells from the rabbit heart: a quantitative electron microscopic description after electron-physiological localization. J. Mol. Cell. Cardiol., London, v. 11, p , MASSON-PÉVET, M.A. et al. Pacemaker cell types in the rabbit sinus node: a correlative ultrastructural and electrophysiological study. J.Mol.Cell.Cardiol., London, v. 16, p.53-63, MELO-DA-SILVA, A.; MANDARIM-DE-LACERDA, C.A. Morfologia e reconstrução anatômica do nó e da artéria do nó sinoatrial no coração de Rattus norvegicus. Revista Brasileira de Ciências Morfofisiológicas, Ribeirão Preto, v. 11, p , OPTHOF, T. et al. Functional and morphological organization of the guinea-pig sinoatrial node comparedwith the rabbit sinoatrial node. J Mol Cell Cardiol., London, v. 17, p , OPTHOF, T. et al. Functional and morphological organization of the cat sinoatrial node. J. Mol. Cell. Cardiol., London, v.18, p , OPTHOF, T. et al. Functional morphology of the pig sinoatrial node. J. Mol. Cell. Cardiol., London, v.19, p , REYNOLDS, E.S. The use of lead citrate at high ph as an electron opaque stain in electron microscopy. J. Cell. Biol., New York, v. 19, p , ROZENSZTRANCH, A.M.S. Estudo morfológico da região juncional atrioventricular no coração do morcego Molosus molossus Pallas, 1766 (Chiroptera: Molossidae) Dissertação (Mestrado) - Instituto de Biologia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,1997. SPACH, M.S.; DOLBER, P.C. Relating extracellular potentials and their derivates to anisotropic propagation at a microscopic level in human cardiac muscle. Circ. Res., Baltimore, v. 58, p , TAGOE, C.N.B. et al. Ultrastructural and morphometric features of nodal and impulse-conducting cardiac myocytes of the bat Pipistrellus pipistrellus. J. Anat. Embryol., Berlin, v.100, p , VIRÁGH, S.; PORTE, A. The fine structure of the conducting system of the monkey heart (Macaca mulatta). I. The sino-atrial node and the internodal connections. Arch. zellforsch., v.145, p , WATSON, M.L. Staining of tissues sections for electron microscopy with heavy metals. J. Biophys. Biochem. Cytol. New York, v. 4, p , Received on November 20, Accepted on April 12, 2002.
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