abrolhos Balé de peso

Transcrição

1 abrolhos Balé de peso Todo ano, as baleias jubarte deixam as águas frias da Antártica para férias de verão. Viajam até o litoral baiano, onde já são velhas conhecidas, e aproveitam a boa temperatura do mar para namorar e procriar texto luís patriani fotos fernando martinho 68 Agosto Julho 2012

2 Para atrair a fêmea ou se impor aos concorrentes, os machos fazem acrobacias em Abrolhos Agosto

3 Espírito Santo À ESQUERDA, um atobá repousa em seu ninho na Ilha Siriba; barcos pesqueiros ancorados na tranquila Barra de Caravelas. NA PÁGINA AO LADO, fim de tarde visto do alto das falésias, no mirante próximo à cidade de Prado Avistar as baleias é tão fácil quanto era fincar arpões sobre seu imenso dorso no passado Terra, século 23. Uma estranha sonda surge sobre o planeta e começa a emitir um ruído de baleias jubarte, extintas ainda no século 21. Enquanto não tem uma resposta de outro cetáceo da mesma espécie, a espaçonave passa a ionizar a atmosfera causando tempestades, desespero e destruição. A salvação vem a bordo da nave U.S.S. Enterprise, cujo comando está com o capitão James T. Kirk e o doutor Spock. Sua missão é voltar aos anos 1900, resgatar um casal dos mamíferos e levá-los ao futuro para garantir a sobrevivência da humanidade. Abrolhos, julho de De volta à realidade e, felizmente, contrariando a ficção da série Jornada das Estrelas, as jubartes não correm o risco previsto na telinha. No litoral baiano, a temporada de acasalamento das baleias jubarte está começando e a estimativa é que, até novembro, quando termina o período de procriação e elas voltam para as Ilhas Geórgia, na Antártica, animais tenham nadado tranquilamente na costa nordeste do País. O arquipélago de Abrolhos, no sul da Bahia, é o maior berço reprodutivo dos enormes mamíferos no Atlântico Sul. A expressiva contagem, que não para de aumentar desde que a caça e a captura comercial foram proibidas no Brasil, em 1966, certamente faria com que a dupla Kirk e Spock não precisasse ter tanto trabalho para resolver o ameaçador desafio interplanetário. O enredo e os personagens da história mudaram. Saiu de cartaz o roteiro dramático das matanças impostas pela indústria baleeira, que quase extinguiram os grandes animais na década de 60, o número de jubartes chegou a apenas mil, e entraram em cena pesquisadores do Instituto Baleia Jubarte, que trabalham na proteção da espécie, no monitoramento e na fiscalização do turismo desde Encontro marcado Avistar as protagonistas dos mares, que chegam a pesar 40 toneladas e medir 16 metros de comprimento, é tão fácil nesta época do ano em maio, quem passeava pelas águas do Atlântico na região já observava que as visitantes estavam de volta, para a temporada de férias quanto era lançar e fincar arpões sobre seu imenso dorso no passado. De manhã bem cedo, embarcações com turistas partem 70 Agosto 2012

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6 todo ano, milhares de turistas invadem o mar baiano para avistar os grandes mamíferos ACIMA, em Prado, algumas das embarcações que levam turistas a Abrolhos saem do Rio Jucuruçu. NA PÁGINA AO LADO, construída no início do século 20, a Matriz de Caravelas foi erguida em parte com argamassa à base de óleo de baleia da pequena e antiga Caravelas, cidade mais próxima de Abrolhos, cuja Igreja Matriz e parte do casario colonial foram construídos, ironicamente, com argamassa à base de óleo de baleia. Chegar ao arquipélago requer tempo. São necessárias cerca de três horas e meia de navegação para percorrer os 70 quilômetros de distância do continente. Passadas duas horas de viagem, tem-se certeza de que essa porção do Oceano Atlântico, protegida pelo Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, com área de cerca de hectares (equivalente à metade do município de São Paulo), está dominada pelos dóceis gigantes. Os primeiros sinais da presença deles são vistos no horizonte: um volume de água se ergue a elevadas alturas, como se o mar estivesse batendo em uma rocha com força. As baleias dão saltos fora do oceano para tirar as cracas que ficam presas à pele ou para se exibir, comenta a guia Joana Figueiredo, que participou da catalogação dos cetáceos e deu o nome de Joaninha para uma jubarte que ela mesma identificou. Na época, comentei que quando encontrasse no mar uma baleia que já tivesse sido fotografada e catalogada, iria apelidá-la, conta com ares de satisfação. A expectativa aumenta. É possível sentir que as baleias estão próximas. De repente, um enorme corpo preto aparece rapidamente na superfície e mergulha, deixando uma grande bolha na água. No barco, os viajantes fazem silêncio e miram o mar. O jogo de esconde-esconde continua até que uma jubarte salta, arrancando ohhhhhs da plateia. Não há quem não fique emocionado com o encontro, até então considerado improvável, ainda mais quando se percebe que elas são curiosas e gostam de interagir com a embarcação. Mais perto de Abrolhos, as danças dos mamíferos, que podem ser uma mãe passeando com seu filhote ou machos tentando conquistar uma fêmea, se sucedem. O som da respiração, quando a narina se abre e faz um barulho de sopro, ou das batidas das nadadeiras repetidas inúmeras vezes na água, feita por um macho para mostrar força ao concorrente, vem Agosto

7 abrolhos Tartarugas cabeçudas e cardumes de parus colorem os redutos marinhos do arquipélago. NA PÁGINA AO LADO, fêmea levanta a cauda para amamentar o filhote um mergulho é tão supreendente quanto a dança das protagonistas dos mares na superfície acompanhado de exclamações de dentro do barco. Após a submersão prolongada, as baleias sobem e expelem o ar quente e úmido dos pulmões, que se condensa em contato com a atmosfera. A coluna de vapor e água chega a mais de 6 metros de altura, explica o veterinário Milton Marcondes, diretor de pesquisa do Instituto Baleia Jubarte. A embarcação segue em frente em busca de outras performances, e é preciso obedecer algumas regras: não são permitidos mais de dois barcos em volta de um grupo de baleias; é necessário desligar o motor quando a distância dos animais for menor do que 100 metros; e ficar no máximo 30 minutos próximo das jubartes. O balé aquático de peso agora fica por conta de três machos que tentam seduzir uma fêmea. Eles nadam lado a lado, emergem e mergulham juntos, tentando afastar os adversários, até que sobre só um com a fêmea que, de vez em quando, vem à tona com a barriga virada para cima e solta um ruído. A forma de as baleias chamarem a atenção e se impor varia. O canto dos machos tem duas funções. Uma delas é conquistar a fêmea com a canção mais alta. A segunda é marcar território acústico, fala Milton Marcondes. O mais curioso é que os cantos mudam a cada temporada, seguindo as canções dos machos dominantes que fizeram sucesso entre as fêmeas no último período de acasalamento. Se pegarmos um canto hoje e o compararmos com um entoado dez anos atrás, eles serão tão diferentes quanto uma música dos Beatles e de Beethoven, brinca o pesquisador. 74 Agosto 2012

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9 abrolhos Entre arraias e tartarugas Enfim, após quase quatro horas e inúmeros shows proporcionados pelas exibidas baleias, o barco chega às aguardadas e abrigadas águas de Abrolhos. O arquipélago é formado por cinco ilhas com vegetação rasteira, como as gramíneas: Siriba, Redonda, Sueste, Guarita e Santa Bárbara, onde fica uma base da marinha, uma rádio que transmite boletins meteorológicos e um farol, erguido em 1861, por causa dos frequentes naufrágios e acidentes nos recifes de coral. Uma lenda conta que a origem do nome Abrolhos vem da advertência abra os olhos, feita pelos marinheiros portugueses no século 16 ao se aproximar da região. A primeira atividade é pegar um bote e ir até a Ilha Siriba aliás, a única na qual é permitido o desembarque para conhecer seus barulhentos e curiosos moradores. São aves marinhas, como o atobá, também chamado de piloto, que mergulha até 8 metros de profundidade para pescar, oportunistas fragatas, que roubam a refeição dos atobás, trinta-réis-das-rocas e coloridas grazinas rabo-de-palha, com sua cauda comprida e que estão ameaçadas de extinção. Fauna terrestre devidamente observada é hora de cair na água azu-turquesa e explorar o recanto marinho. As opções são o mergulho com snorkel ou com cilindro de oxigênio, que pode ser feito mesmo por quem não tem carteirinha de habilitação, desde que seja até uma profundidade de 10 metros e acompanhado por um instrutor. As principais normas são: equalizar o ouvido a cada metro descido ou sempre que sentir algum desconforto para evitar danos provocados pela mudança de pressão atmosférica, respirar tranquilamente pelo regulador (a fonte de ar) e jamais tirá-lo da boca. Já o controle de ar da roupa de mergulho (são dois botões: um para esvaziar o colete e descer, outro para encher e subir) é feito pelo guia especializado. O ambiente e a fauna submarina, com o perdão do clichê, explodem em cores, formas e vida aqui, as baleias jubarte não fazem parte do espetáculo; elas nadam fora do arquipélago, no de volta para o continente, o espetáculo continua: natureza e baleias são soberanas Da embarcação, mergulhadores avistam o arco-íris, que colore o fim de tarde em Abrolhos mar aberto, e chegar perto delas é proibido, a não ser para pesquisadores e mergulhadores profissionais, mas é possível ouvir o canto dos machos quando eles estão próximos das ilhas. Na base rochosa de Abrolhos, cuja formação data de cerca de 50 milhões de anos, quando lavas de erupções vulcânicas submarinas se acumularam no fundo dos mares, desenvolveram-se corais, algas calcárias e diferentes organismos. As tartarugas cabeçudas se alimentam das algas marinhas no fundo de areia, chamadas de pradaria submarina. Os corais-cérebro (existentes apenas no litoral do Brasil) são abundantes nos recifes, com colunas que chegam a somar 20 metros de altura. Em meio a eles, arraias, moreias, lulas, estrelas-do-mar e muitos cardumes de peixes-frade, budião, peixe-papagaio, barracuda, peixe-cirurgião, peixe-anjo, peixe-borboleta, xaréu, badejo e muitas outras espécies. De volta ao barco, é hora de partir rumo ao continente. O cansaço e a perspectiva de passar horas navegando não desanimam. As baleias jubarte prometem bis. Resta aguardar no camarote do barco e apreciar todo o espetáculo de saltos, mergulhos e respiros no trajeto até Caravelas. LP 76 Agosto 2012