Tribunal Superior do Trabalho

Transcrição

1 Tribunal Superior do Trabalho RR A C Ó R D Ã O RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. NÃO CONCESSÃO DAS FÉRIAS. NÃO REALIZAÇÃO DOS EXAMES DEMISSIONAIS. CONDUTA REITERADA VERIFICADA NO JUDICIÁRIO E NA FISCALIZAÇÃO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DANO MORAL COLETIVO CARACTERIZADO. VALOR DA INDENIZAÇÃO. É inegável, no caso, o dano físico que a não concessão das férias pode acarretar, gerando risco não só à vida e à segurança próprias do empregado. Da mesma forma a ausência dos exames demissionais impede a prevenção e o diagnóstico de doenças relacionadas ao trabalho, inclusive de danos irreversíveis à saúde do trabalhador que poderiam precocemente ser evitados. Negando esses direitos aos seus empregados de forma genérica e reiterada a reclamada atua na desconsideração da figura do trabalhador, o que caracteriza lesão a sua imagem de forma transindividual em relação ao sujeito, violando a imagem do trabalhador em aspectos que põem em risco não só a sua vida, segurança e saúde próprias, atingindo direitos fundamentais legalmente assegurados pelo comportamento expressamente repudiado em nosso ordenamento jurídico, verificando-se o dano à coletividade, que tem nos valores sociais do trabalho e na imagem do trabalhador a dignidade abalada em face do ato infrator, sobre o qual cabe a reparação coletiva. Assim, observadas as circunstâncias do caso concreto, o valor da reparação deve ser de R$50.000,00 (cinquenta mil reais), por traduzir prudência e proporcionalidade ao dano sofrido, bem como moderação, pois não consagra a impunidade do empregador ante a reiteração da conduta ilícita e serve de desestímulo a práticas que possam retirar do trabalhador a sua dignidade, ofendendo-lhe a honra e a imagem. Recurso de revista conhecido e provido. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n TST-RR , em que é Recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO e Recorrida GENERAL MOTORS DO BRASIL LTDA.. O eg. Tribunal Regional do Trabalho, mediante o acórdão de fls. 1684/1698, complementado às fls. 1711/1712, deu provimento parcial ao recurso ordinário da reclamada para excluir da condenação a indenização por dano moral coletivo. Interpõe recurso de revista o Ministério Público às fls. 1824/1843. Alega a reiterada desobediência das normas legais pela reclamada a justificar a condenação ao pagamento de

2 indenização por dano moral coletivo. Sustenta violação dos arts. 1, III e IV, 7º e 170, VIII da CF, 3 da Lei n /85 e divergência jurisprudencial. O recurso de revista foi admitido pelo despacho de fls. 1859/1862, por divergência jurisprudencial quanto à indenização por dano moral coletivo. Apresentadas contrarrazões às fls. 1866/1876, a reclamada requer, caso provido o recurso, a redução do valor da indenização levando em conta os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. É o relatório. V O T O I - INDENIZAÇÃO. DANO MORAL COLETIVO. CONHECIMENTO O Eg. Tribunal Regional excluiu da condenação a indenização por dano moral coletivo, sob os seguintes fundamentos: -Entendeu o d. juízo sentenciante que a ré, com as comprovadas condutas que adotou, causou lesão não apenas individual aos empregados que vieram ao Judiciário, nas reclamações trabalhistas, ou foram mencionados nos autos de infração lavrados, mas também à coletividade, fixando indenização no valor de R$ ,00. Insurge-se a ré contra essa decisão, aduzindo que não houve qualquer prática de ato ilegal que justifique a aplicação de qualquer importância a título de dano moral; que não é possível ser arbitrado qualquer valor a título de dano a interesses difusos e coletivos, em ação civil pública, quando cada caso deve ser analisado e provado individualmente, dependendo inclusive de provocação do interessado. Os direitos difusos caracterizam-se pela indeterminação de seus titulares, pela inexistência de uma relação jurídica base entre eles, no aspecto subjetivo e pela indivisibilidade do bem jurídico, no aspecto objetivo. O que une os interessados não determináveis é a mesma situação de fato, sendo o dano individualmente indivisível. Na petição inicial o autor requer 'a condenação da empresa Ré ao pagamento de R$ ,00 a título de indenização pelos danos continuamente perpetrados, por longo período, ao ordenamento jurídico e aos direitos e interesses coletivos e difusos dos trabalhadores, reversível ao Fundo de Amparo do trabalhador' (f. 20).

3 O dano moral, segundo João Carlos Teixeira ('Dano Moral Coletivo', LTr/2004), é a 'injusta lesão a interesses metaindividuais socialmente relevantes para a coletividade (maior ou menor), e, assim tutelados juridicamente, cuja ofensa atinge a esfera moral de determinado grupo, classe ou comunidade de pessoas ou até mesmo de toda a sociedade, causando-lhe sentimento de repúdio, desagrado, insatisfação, vergonha, angústia ou outro sofrimento psico-físico' - destaque nosso. O autor invocou a proteção de direitos difusos que não podem ser caracterizados, já que as lesões foram devidamente individualizadas. Não vislumbro a ocorrência do dano moral descrito na Carta Magna e tampouco na sua interpretação. As determinações de fazer e não fazer, cominadas com multa, caso não implementadas, têm natureza inibitória, obrigando a empresa a não mais praticar atos lesivos aos seus empregados, estando, portanto, resguardada a ordem jurídica e a coletividade como um todo. A multa imposta caso as determinações não sejam cumpridas, já constitui séria advertência a procedimentos desta espécie. Entende-se, dessa forma, indevida a indenização por dano moral, uma vez que não há como se falar em direitos difusos e tampouco em dano moral praticado contra a coletividade. Dou, pois, provimento, para excluir da condenação o pagamento da indenização por dano moral coletivo.- (fls. 1695/1697) Nas razões de recurso de revista, fls. 1824/1843, o Ministério Público alega que a condenação ao pagamento de indenização por dano moral coletivo se justifica em face da reiterada desobediência das normas legais. Sustenta violação dos arts. 1, III e IV, 7º e 170, VIII da CF, 3 da Lei n /85 e divergência jurisprudencial. A delimitação da matéria demonstra a existência de pedido de pagamento de indenização por danos morais coletivos ou difusos, tendo a sentença arbitrado o respectivo valor em R$ ,00 e o eg. TRT julgado improcedente o pedido, excluindo a condenação. Infere-se do v. acórdão regional o entendimento de que o pedido de indenização está amparado em dano moral por lesão à direito difuso (indeterminação dos titulares, inexistência de relação jurídica base entre eles, indivisibilidade individual do bem jurídico), o qual não se caracteriza na hipótese uma vez que as lesões foram devidamente individualizadas, aduzindo que as determinações de fazer e não fazer, cominadas com multa, caso não implementadas, têm natureza inibitória, obrigando a empresa a não mais praticar atos lesivos aos seus empregados, o que é suficiente para resguardar a ordem jurídica e a coletividade como um todo, sendo que a multa já constitui séria advertência à reiteração da conduta.

4 O aresto de fls. 1837/1838 apresenta tese no sentido de que a obrigação de fazer tem natureza eminentemente preventiva e não é incompatível com a indenização por dano moral coletivo em face do reiterado descumprimento das normas trabalhistas. Conheço do recurso por divergência jurisprudencial. MÉRITO Discute-se no presente caso se a conduta reiterada da reclamada de não conceder férias no período concessivo, exigindo trabalho nesse tempo reservado ao descanso, bem como de não realizar os exames médicos demissionais caracteriza dano coletivo a ensejar reparação. Não resta dúvida quanto à proteção que deve ser garantida aos interesses transindividuais, o que se encontra expressamente delimitado no objetivo da ação civil pública, que expressamente busca garantir à sociedade o bem jurídico que deve ser tutelado. No caso, a compensação pecuniária não visa a reparação direta à vítima do dano, mas à coletividade atingida, revertendo em benefício de toda a sociedade. Nos termos do art. 5º da Constituição Federal: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; (...) X - são invioláveis à intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito á indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (...) A recepção à proteção aos interesses coletivos difusos também se encontra prevista especificamente no art. 129 da Constituição Federal, quando possibilita a ação civil pública para defesa dos interesses sociais e coletivos.

5 Nesse sentido, também vem acolhendo a doutrina a possibilidade de dano moral coletivo, conforme Carlos Alberto Bittar Filho, in -Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro-: Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico. É inegável, no caso, o dano físico que a não concessão das férias pode acarretar, gerando risco à vida e à segurança do empregado como também de seus colegas no ambiente de trabalho, das pessoas de sua família, do seu âmbito de convivência e de toda a sociedade em potencial haja vista a diminuição da resistência física e mental acima da capacidade de tolerância humana que não se restringe na hipótese à execução e o respectivo tempo de trabalho, pois que inerente ao corpo físico e mental o acompanha por onde for. Da mesma forma a ausência dos exames demissionais impede a prevenção e o diagnóstico de doenças relacionadas ao trabalho, inclusive danos irreversíveis à saúde do trabalhador que poderiam precocemente serem evitados, bem como o -custo- social deles advindos. Portanto, tanto num quanto noutro caso, os bens jurídicos prima facie tutelados são a segurança, a saúde e o bem-estar da pessoa e da coletividade, evidenciando a conduta da reclamada fato grave a desencadear ofensa que ultrapassa os empregados diretamente envolvidos, atingindo a coletividade como um todo. Isso porque, ainda que as lesões físicas e imateriais possam individualmente ser identificadas e que já tenha sido atribuída multa cominatória para o descumprimento da obrigação de conceder as férias e realizar os exames demissionais, a conduta da reclamada revela desrespeito aos valores sociais do trabalho em desconsideração não de um indivíduo específico, mas da generalidade dos trabalhadores na figura dos seus empregados, cuja força de trabalho possibilita a sua sobrevivência, a incumbir a observância das normais legais que visam o respeito a um meio ambiente de trabalho seguro. E exatamente porque atua na desconsideração genérica da figura do trabalhador é que se caracteriza a lesão a sua imagem de forma transindividual em relação ao sujeito e indivisível em relação à ofensa, atuando na esfera dos sentimentos subjetivos de um número determinado de pessoas e no valor que toda a sociedade atribui ao trabalhado, atingindo complexo social que, inclusive, ultrapassa as pessoas dos seus empregados, pois que violada a imagem do trabalhador em aspectos que põem em risco não só a sua vida, segurança e saúde próprias. Assim, o interesse coletivo foi atingido em face da atitude da reclamada, flagrantemente ofensiva a direitos legalmente assegurados àqueles que lhe prestam serviços. É, portanto, a própria

6 coletividade que teve o bem jurídico lesado pela atitude empresarial, cujo comportamento é repudiado expressamente em nosso ordenamento jurídico diante da afronta a direitos fundamentais, constitucionais inclusive, de trabalho, vida e saúde. Dessa forma, verificado o dano à coletividade, que tem nos valores sociais do trabalho e na imagem do trabalhador a dignidade abalada em face do ato infrator, cabe a reparação do dano coletivo, sob pena de estimular a prática delituosa, além de se proporcionar à sociedade uma satisfação contra o ato ilícito, em face de uma ordem jurídica mais justa. É de se destacar que trata-se do desrespeito a direitos individuais que podem ser pleiteados em ações próprias, a determinar que o julgado, com prudência, estabeleça valores justos e compatíveis, em cada situação concrete, aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, bem como aos caracteres punitivos e pedagógicos da indenização, faz-se necessária a adequação do valor a ser arbitrado. Observadas as circunstâncias da lesãoo, a situação econômica da reclamada, a gravidade e a extensão coletiva e pessoal do dano, considero que, ao ato ofensivo em exame, o valor da reparação deve ser de R$50.000,00, por traduzir prudência e proporcionalidade ao dano sofrido, bem como moderação, pois não consagra a impunidade do empregador ante a reiteração da conduta ilícita e serve de desestímulo a práticas que possam retirar do trabalhador a sua dignidade, ofendendo-lhe a honra e a imagem. Dou provimento ao recurso para restabelecer a condenação ao pagamento da indenização por danos morais coletivos, fixando o valor em R$50.000,00 (cinquenta mil reais). ISTO POSTO ACORDAM os Ministros da Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista, por divergência jurisprudencial quanto à indenização por dano moral coletivo, e, no mérito, dar-lhe provimento para fixar o respectivo valor em R$50.000,00 (cinquenta mil reais). Brasília, 13 de abril de Aloysio Corrêa da Veiga Ministro Relator