Raiva em bovinos diagnosticados no Setor de Patologia Veterinária da UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil no período de 2002 a 2007

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1 Acta Scientiae Veterinariae, (1): SHORT COMMUNICATION Pub ISSN (Online) Raiva em bovinos diagnosticados no Setor de Patologia Veterinária da UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil no período de 2002 a 2007 Rabies in Cattle Diagnosed by the Laboratory of Veterinary Pathology of the UFRGS, Porto Alegre, RS, Brazil in the period from 2002 to 2007 Pedro Miguel Ocampos Pedroso¹, Juliano de Souza Leal 2, André Gustavo Cabrera Dalto 2, Luiz Gustavo Schneider de Oliveira 2 & David Driemeier 2 ABSTRACT Background: Rabies is a zoonotic disease caused by rabies virus, the genus Lyssavirus e family Rhabdoviridae. The commonest way of rabies transmission is by the bite of an infected mammal. Bites by rabid animals generally inoculate virus-laden saliva through the skin into muscle and subcutaneous tissues. Rabies has previously been regarded as 100% lethal. In South America, rabies in cattle is transmitted by vampire bats Desmodus rotundus mainly resulting in a major economic problem and public health. The present study retrospectively analyzed data from cattle affected by rabies registered between 2002 and 2007, evaluating the epidemiological, clinical and pathological and immunohistochemistry studies. Materials, Methods & Results: This retrospective study included epidemiological, clinical, pathological, direct immunofluorescence, and immunohistochemistry findings from 26 cattle affected by rabies diagnosed by the Laboratory of Veterinary Pathology, UFRGS, Porto Alegre, RS, Brazil in the period from 2002 to The samples were selected from a histological diagnosis of lesions characteristic of rabies or positive direct immunofluorescence for rabies where samples were available for histological examination. The central nervous system (CNS) samples of cattle were reported in 10% formalin fixed, routinely processed for histology, embedded in paraffin, cut at 5 µm and stained with hematoxylin-eosin. Histological slides were also tested with immunohistochemistry procedure using a standardized protocol for rabies with Na polyclonal primary antibody at a dilution of 1:1000 in phosphate buffered saline. Cattle between 3 months and 8 years of age were affected. Clinical course ranged from 1-10 days. Paralytical form was the most common. Clinical signs included motor incordination, paresis, and paralysis of the pelvic members and decubitus. The main histopathological findings were characterized by lymphoplasmacytic meningoencephalitis and nonsuppurative meningomyelitis associated with characteristic intracytoplasmic inclusion bodies in 88.4% (23/26) cases. In 92.3% (24/26), the animals examined were positive by immunohistochemistry for rabies. Positive labeling was present in perikarya of neurons as aggregates of granules or round formations associated with varying numbers of inclusion bodies, mainly observed in the Purkinje neurons of the cerebellum. Discussion: Rabies is an important disease of cattle in Brazil. In this study the diagnosis was based on the histopathological, direct immunofluorescence and positive immunostaining for rabies antigen. Immunohistochemistry is a laboratory technique that uses specific antibodies for visualization and evaluation as to the quantity, distribution and cellular localization of epitopes in histological sections, allowing the use of formalin-fixed tissues, which facilitates the transport of samples to the Laboratory, generating more time for sending. The average markup of 26 cases of cattle was 92.3%, but this average could be higher if other areas of the CNS had been used and the fixation time in formalin were lower. Immunohistochemistry is an important auxiliary tool for the diagnosis of rabies, especially in circunstances in which refrigeration cannot be adequately maintained, and in cases characterized by nonsuppurative meningoencephalitis with absence of inclusion bodies. Keywords: Cattle, rabies, histopathology, immunohistochemistry. Descritores: Bovinos, raiva, histopatologia, imuno-histoquímica. Received: August Accepted: October Laboratório de Patologia Veterinária, Centro de Ciências Agrárias, Ambientais e Biológicas, Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Cruz das Almas, BA, Brasil. 2 Setor de Patologia Veterinária (SPV), Departamento de Patologia Clínica Veterinária, Faculdade de Veterinária, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil. CORRESPONDÊNCIA: D. Driemeier [davetpat@ufrgs.br - Fone: +55 (51) ]. Faculdade de Veterinária - UFRGS, Av. Bento Gonçalves n. 9090, Bairro Agronomia. CEP Porto Alegre, RS, Brasil. 1

2 INTRODUÇÃO A raiva é uma zoonose causada pelo vírus da raiva, do gênero Lyssavirus e família Rhabdoviridae, distribuída em quase todo o mundo [12,14,15]. Afeta animais domésticos e silvestres, sendo transmitida a partir da inoculação do vírus contido na saliva através da mordedura [14]. Na América do Sul a raiva em bovinos é transmitida por morcegos hematófagos, principalmente o Desmodus rotundus resultando em um grande problema econômico e de saúde pública [8,12]. Nas últimas décadas, com os avanços, da biologia molecular e da imunologia, novas técnicas mais sensíveis e especificas foram desenvolvidas para a realização do diagnostico de raiva [2]. Dentro das técnicas imunológicas, a técnica de imunohistoquímica vem se destacando dentro dos laboratórios de patologia pela facilidade da utilização de amostras já previamente fixadas em formol, diminuindo assim o risco de alterações autolíticas comprometerem o diagnóstico [1,12]. O objetivo do presente trabalho foi realizar um estudo retrospectivo dos casos de bovinos acometidos pela raiva registrados no Setor de Patologia Veterinária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (SPV-UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil no período de 2002 a 2007, avaliando os aspectos epidemiológicos, clínico-patológicos e imuno-histoquímicos, com a finalidade de auxiliar no diagnóstico da doença e contribuir para o Programa Nacional de Controle da Raiva dos Herbívoros e outras encefalopatias (PNCRH) do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA). MATERIAIS E MÉTODOS Foi realizado um estudo retrospectivo de casos de bovinos acometidos pela raiva registrados no SPV-UFRGS no período compreendido entre As amostras foram selecionadas a partir de diagnóstico histológico de lesões características de raiva (corpúsculos de Negri) e/ou de resultados positivos na imunofluorescência direta para raiva. Os bovinos foram numerados de 1 a 26. As amostras de sistema nervoso central (SNC) foram encaminhadas de diferentes regiões do Brasil, fixadas em formol 10% e processados rotineiramente para histologia e corados pela hematoxilina-eosina (H&E). O histórico e os dados clínicos dos animais foram obtidos a partir do livro de registro das amostras estudadas. Os casos selecionados foram submetidos à técnica de imuno-histoquímica (IHQ) para raiva com protocolo padronizado [9]. Foram adicionados controles positivos de bovinos acometidos pela raiva paralítica e com resultados positivos nas provas de imunofluorescência direta, inoculação intracerebral em camundongos e imuno-histoquímica [10]. RESULTADOS Epidemiologia e sinais clínicos De um total de amostras de bovinos registrados no SPV-UFRGS entre os anos de , a raiva representou 0,72% dos casos, sendo que dos 365 casos de doenças do sistema nervoso central diagnosticados, a raiva representou 7,12% dos diagnósticos. No presente estudo 26 bovinos foram diagnosticados com raiva. Dados referentes a ano de ocorrência, raça, idade, sexo e procedência estão apresentados na Tabela 1. Em todos os casos, a forma clínica foi da raiva paralítica. A média de evolução do quadro clínico dos animais doentes foi de 4,5 dias, variando de 1 a 10 dias. Em quatro propriedades havia histórico de mordedura por morcegos nos animais e em duas propriedades, quatro bovinos haviam apresentado sintomatologia nervosa e morrido logo após. Os sinais clínicos caracterizaram-se principalmente por incoordenação motora (13/26), evoluindo para paresia e paralisia dos membros pélvicos (12/26) (Figura 1), decúbito esternal e posteriormente lateral (11/26). Outros sinais clínicos observados foram tremores musculares (8/26), salivação (4/26), movimentos de pedalagem (5/26), opistótono (3/26), paresia/ paralisia da cauda e diminuição do reflexo do ânus (2/26), diminuição do reflexo palpebral/pupilar (2/26), diminuição dos reflexos da língua (2/26), nistagmo (1/26), ataxia (1/26) e depressão (1/26). Patologia e imuno-histoquímica Não foram observadas alterações macroscópicas nos encéfalos analisados. Dos 26 casos, 16 foram diagnosticados a partir de lesões características da raiva, 7 obtiveram resultado positivo na imunofluorescência direta e lesões características de raiva com corpúsculos de Negri e 3 obtiveram resultado positivo na IFD e sem corpúsculos de Negri (Tabela 1), porém com meningoencefalite não supurativa. As lesões histopatológicas dos 26 casos caracterizaram-se por meningoencefalite e meningo- 2

3 mielite não supurativa com infiltrado mononuclear perivascular, constituído principalmente de linfócitos e em menor grau de plasmócitos e macrófagos, além de outras alterações como, microgliose, satelitose e neuronofagia. Presença de corpúsculos de inclusão intracitoplasmáticos (corpúsculos de Negri) de forma leve a moderada foi observado em 88,4% (23/26) dos bovinos, caracterizando-se na maioria dos casos por serem eosinofílicos, redondos a ovalados e únicos no citoplasma de neurônios, principalmente nos neurônios de Purkinje do cerebelo (Figura 2). Na técnica de imuno-histoquímica obteve-se 92,3% (24/26) dos casos com imunomarcação positiva para o vírus rábico (Figura 3), com marcação na forma de agregados de grânulos distribuídos no pericário, como também na forma de corpúsculos grandes, únicos ou múltiplos em neurônios, principalmente nos neurônios de Purkinje do cerebelo e 7,7% (2/26) dos casos não foram evidenciadas marcações do antígeno rábico. Os controles positivos utilizados tiveram marcação positiva. Tabela 1. Raiva em bovinos diagnosticados no Setor de Patologia Veterinária da UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil no período de 2002 a Bovino Ano Raça Idade Sexo Procedência IFD CI PS 8 anos F MT N 3 anos M MT NR N 11 meses F MT NR SRD 4 meses M MT NR NI 3 anos M MT NI 3 anos M MT NR N 2,5 anos F MT NR N 3 anos M MT N 2,5 anos F MT NR HPB 7 anos F RS + - N RA 2,5 anos M PR NR NI 2,5 anos F PR NR NI 1,5 anos NI MT NR NI 3 meses F MT NR N 1,5 anos M MT NR NI NI NI RS NR Z 6 meses F RS NI 2,5 anos NI RS NI 1,5 anos F RS NR SRD 3,5 anos NI RS SRD 8 anos NI RS HPB 6 anos F RS SRD NI M MT NR NI NI F RS SRD 8 anos F MT NR Caracu 6 anos M MT NR + PS: Pardo-Suíço; N: Nelore; SRD: Sem Raça Definida; HPB: Holandesa; RA: Red Angus; Z: Zebu; NI: Não Informado; F: Fêmea; M: Macho; MT: Estado de Mato Grosso; PR: Paraná; RS: Rio Grande do Sul; NR: Exame não realizado; IFD: Imunofluorescência direta para raiva; CI: Presença de corpúsculo de inclusão na histologia. 3

4 P.M. Pedroso, J.S. Leal, A.G. Dalto, et al Raiva em bovinos diagnosticados no Setor de Patologia Veterinária da UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil no período de 2002 a Acta Scientiae Veterinariae. 40(1): Figura 1. Raiva paralítica. Bovino 22. Paralisia dos membros pélvicos. Figura 2. Raiva paralítica. Bovino 24. Presença de corpúsculos de Negri em neurônio de Purkinje do cerebelo. (H&E, Obj. 40x). Figura 3. Raiva paralítica. Bovino 17. Imunomarcação acentuada do antígeno da raiva na região do telencéfalo. Método biotina-estreptavidina-peroxidase e contra-corado com hematoxilina de Harris. (Obj. 10x). 4

5 DISCUSSÃO A raiva é uma doença importante para a pecuária e para a saúde pública no Brasil e no Mundo [7], justificando a importância do presente estudo. Nesse estudo o diagnóstico foi fundamentado pelo quadro clínico, pelas alterações histopatológicas, imunofluorescência direta e pela imuno-histoquímica. As lesões histopatológicas caracterizaram-se principalmente por meningoencefalite e meningomielite não supurativa e com presença de corpúsculos de Negri. Esses dados são similares aos descritos por outros autores na literatura [5-7,10]. Os corpúsculos de Negri, apesar de característico da raiva, podem não ser visualizados em até 30% dos casos da doença [7]. A presença de corpúsculos de Negri nas amostras foi de 88,4% (23/26), número semelhante à frequência observada em outros estudos que foi de 86,6% e 87% [7,10], sendo observados principalmente nos animais que sobreviveram por mais tempo. Não houve predileção de sexo e idade. As amostras de encéfalos dos bovinos deste estudo são provenientes de vários Estados brasileiros, sendo a raça Nelore a mais prevalente, podendo ser explicada pelo fato de ser a raça bovina mais criada no Brasil. Nesse estudo retrospectivo a imuno-histoquímica foi uma técnica auxiliar importante para o diagnóstico da raiva, no qual se utiliza anticorpos específicos para visualização e avaliação quanto à quantidade, distribuição e localização celular de epítopos em cortes histológicos [3], permitindo o uso de tecidos fixados em formol, o que facilita o transporte das amostras ao Laboratório, gerando um maior tempo hábil para o envio [4]. A média de marcação nos 26 casos foi de 92,3%, porém esta média poderia ter sido maior se outras áreas do SNC tivessem sido utilizadas e o tempo de fixação no formol fosse menor, pois em muitos casos os materiais chegam ao Laboratório fixado há meses e com poucas regiões anatômicas do SNC para processamento histológico. Como citado na literatura, a fixação prolongada prejudica a detecção de antígenos virais [13]. Nesse estudo e em outros realizados pelo SPV-UFRGS [10,11], a imuno-histoquímica tem se revelado uma ferramenta auxiliar importante para diagnóstico de rotina laboratorial, especialmente em casos de materiais fixados em formol. CONCLUSÕES A raiva é uma importante doença do sistema nervoso de bovinos. O estudo retrospectivo de casos em laboratórios de diagnóstico é importante para determinar a prevalência da doença. A técnica de imuno-histoquímica permite o diagnóstico de raiva a partir de amostras fixadas em formol e emblocadas em parafina, nos quais não é possível realizar o exame de imunofluorescência direta. Nesse trabalho, a imuno-histoquímica contribuiu no estudo retrospectivo e no diagnóstico de casos de raiva registrados no SPV-UFRGS. Agradecimentos. Os autores agradecem ao Instituto de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor (IPVDF-RS) e ao Laboratório de Apoio a Saúde Animal do Instituto de Defesa Agropecuária do Estado de Mato Grosso (LASA-INDEA-MT) pelos resultados de IFD de raiva dos materiais encaminhados. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio financeiro. Declaration of interest. The authors report no conflicts of interest. The authors alone are responsible for the content and writing of the paper. N REFERÊNCIAS 1 Arslan A., Saglam Y.S. & Temur A Detection of rabies viral antigens in non-autolysed and autolysed tissues by using an immunoperoxidase technique. The Veterinary Record. 155(18): Germano P.M.L Avanços na pesquisa da raiva. Revista de Saúde Pública. 28(1): Haines D.M. & West K.H Immunohistochemistry: Forging the links between immunology and pathology. Veterinary Immunology and Immunopathology. 108(1-2): Hamir A.N. & Moser G Immunoperoxidase test for rabies: utility as a diagnostic test. Journal of Veterinary Diagnostic Investigation. 6(2): Herzog E Histologic diagnosis of rabies. Archives of Pathology. (39): Jones T.C., Hunt R.D. & Kind N.W Patologia Veterinária. Barueri: Manole, 1415p. 7 Lima E.F., Riet-Correa F., Castro R.S., Gomes A.B. & Lima F.S Sinais clínicos, distribuição das lesões no sistema nervoso e epidemiologia da raiva em herbívoros na região nordeste do Brasil. Pesquisa Veterinária Brasileira. 25(4):

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