l Transformações Religiosas no Mundo Contemporâneo

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1 ISSN Licenciado sob uma Licença Creative Commons l Transformações Religiosas no Mundo Contemporâneo Por Nilo Cavalcante de Oliveira Jr* 1 Nos dias 28 e 29 de agosto, na Pontifícia Universidade Católica de Campinas, se realizou o Seminário Internacional Transformações Religiosas no Mundo Contemporâneo. Em duas conferências e duas mesas redondas dividiram os trabalhos os pesquisadores Paul Freston (Canadá), Joanildo Burity (Reino Unido), Cecília Mariz (Brasil), Ari Oro (Brasil), Maria das Dores Campos Machado (Brasil) e Brenda Carranza (Brasil). A partir de entrevistas em comunidades cristãs do Brasil e exterior, foram examinados fenômenos como migração, missão e ativismo social entre América Latina e Europa. No dia 28 de agosto, o conferencista Paul Freston tratou sobre o tema Transformações do Cristianismo Contemporâneo. Paul Freston é catedrático de religião e política na Escola Balsillie de Assuntos Internacionais (Canadá), além de autor de vários livros, entre eles, Evangélicos na Política Brasileira (Encontrão Editora, 1994, 163 p.), fruto de pesquisas que começaram por volta de 1988, quando a bancada evangélica era uma das grandes novidades da política brasileira. Em sua conferência, Freston destacou que na atualidade o cristianismo tem se desenvolvido muito mais se comparado a outras religiões. Segundo ele, esse fenômeno é explicado em razão da religião cristã possuir um caráter descentralizado em sua difusão, permitindo-lhe se espalhar rapidamente em todo o globo. Como exemplo, Freston citou o crescimento significativo de cristãos nos países da África Subsaariana e nos bolsões de cristãos asiáticos nas Filipinas e Timor Leste. Na Índia, embora haja grande influência do hinduísmo na organização social de castas, o evangelismo já soma dois terços 1 * Bacharel em Filosofia, com ênfase em ética, pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas e estudante do último ano do bacharelado em Teologia pela mesma Universidade. Ciberteologia - Revista de Teologia & Cultura - Ano VIII, n. 40 1

2 da população e tem oferecido maior número de vocações sacerdotais católicas. Freston conclui que, se por um lado, a China tende a ser o país de maior florescimento futuro no cristianismo, a Europa continua indefinida quanto ao seu futuro religioso. Para ele, a recente imigração do Islã para o continente Europeu é o que permitirá esboçar seu horizonte religioso vindouro, pois não só pode ser a razão para posturas reativas, mas também para o resgate histórico da identidade religiosa européia. No mesmo dia, o conferencista Joanildo Burity tratou sobre o tema Religião em movimento: migração, missão e ativismo social entre América Latina e Europa. Joanildo Burity é diretor do Programa sobre Fé e Globalização da Universidade de Durham (Inglaterra), além de autor de vários livros, entre eles Religião e Cidadania (Fundação Joaquim Nabuco, 2011, 276p.) e Fé na revolução. Protestantismo e o discurso revolucionário brasileiro (Novos Diálogos, p.). Para Burity, o fenômeno religioso dos países Latino Americanos não pode mais ser compreendido como provincial, se comparado ao contexto global. Para ele, a imigração de grupos religiosos provenientes dos países da América Latina tem dinamizado sua própria ação missionária, pois tem lhes permitido atingir esferas transnacionais antes não alcançadas. A globalização, então, tem dado espaço à glocalização, isto é, a reconfiguração destes grupos religiosos a partir da interação com a opinião pública e com a cultura dos países para onde se transferem. Burity conclui que esta glocalização dos grupos religiosos Latino Americanos, não só tem lhe permitido maior extensão missionária, mas também tornado espécie de comunidades étnicas nos países de missão. No dia 29, a primeira mesa redonda, Carismáticos e Pentecostais uma relação de ódio e amor, tratou das interfaces existentes entre a RCC (Renovação Carismática Católica) e as denominações cristãs pentecostais no campo teológico, moral e político. Sobre o tema Os discursos de lideranças da RCC sobre os evangélicos, a Professora Cecília Mariz, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Religião da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) das temáticas catolicismo e pentecostalismo, em um recorte metodológico, procurou destacar os quatro principais discursos que o movimento Ciberteologia - Revista de Teologia & Cultura - Ano VIII, n. 40 2

3 pentecostal tem sobre a RCC. O primeiro discurso, o de desconfiança, suspeita que os dons extraordinários concedidos pelo Espírito Santo à RCC não são verdadeiros. Consolida esta suspeita não só a noção de que os carismáticos copiam dos pentecostais seu estilo musical e litúrgico, mas também a afirmação de que seu nascimento é uma reação ao trânsito de fiéis católicos para os meios pentecostais. O segundo discurso, o de admiração, reconhece o trabalho de evangelização carismático, apesar das diferenças teológicas com o pentecostalismo. O terceiro discurso, o comparativo, compreende que tanto pentecostais quanto a RCC deixam de lado questões de ordem social, em razão de sua marca eminentemente emocionalista. A propósito do ecumenismo, Mariz verifica que o movimento pentecostal admite maior recrudescimento dos diálogos com católicos a partir de 1980, por causa da concorrência denominacional e da demonização dos discursos ecumênicos. Segundo ela, os obstáculos para maior intercâmbio ecumênico entre pentecostais e carismáticos se situam fundamentalmente na visão católica da co-redenção de Maria e nas concepções teológicas de salvação, purgatório e transubstanciação. Apesar do campo teológico ser a principal razão dos conflitos entre o pentecostalismo e a RCC, Mariz conclui que existem pontos de contato entre ambos movimentos. Para ela, os domínios da política e da moral, sobretudo em se tratando da defesa da família, censura ao aborto e da legislação homoafetiva, têm permitido explorar relações de aproximação entre pentecostais e carismáticos. Sobre o tema Renovação Carismática Católica e Pentecostalismo entre dissensos e consensos, o Professor Ari Oro, pesquisador do Núcleo de Estudos de Religião da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) das temáticas pentecostalismo, religiões afrobrasileiras, religião e política e transnacionalização religiosa, circunscreveu nos discursos carismáticos e pentecostais as convergências e divergências simbólicas que ainda tem obstruído o diálogo ecumênico. Segundo Oro, entre a RCC e o pentecostalismo predominam dois discursos simultâneos. Para ele, o discurso que realça os dissensos admite não só o pentecostalismo como espaço de reconversão de católicos, mas também que, por esse motivo, a RCC é uma reação do catolicismo à expansão pentecostal. Em ambas posturas, a tendência a um resfriamento das relações ecumênicas faz-se notar no enrijecimento das estruturas eclesiais, no juízo crítico sobre a correspondência entre Ciberteologia - Revista de Teologia & Cultura - Ano VIII, n. 40 3

4 pregação e moral, mas, mais especialmente, na cristalização dos contrastes teológicos entre pentecostais e carismáticos. Oro verificou ainda que expressões concretas de ecumenismo entre pentecostais têm se feito perceber em eventos de massa como Marcha para Jesus, porém, não sem dissensões entre as várias denominações. No discurso que salienta os consensos, Oro observou o entendimento de que a RCC tem sido o espaço intermédio para aproximações ecumênicas com o pentecostalismo. Segundo ele, embora se reconheça na RCC maior flexão ao ecumenismo do que no pentecostalismo, há concordâncias entre eles na pregação do ascetismo, na crítica ao Espiritismo e religiões Afro-Brasileiras, assim como no estilo musical das liturgias e no uso dos dons espirituais. Oro também advertiu que, particularmente no Brasil, o ecumenismo entre católicos e pentecostais é mais aceito entre líderes religiosos, geralmente, sem repercussões em suas comunidades de base. Por fim, Oro lembrou que a CRECES (Comunhão Renovada de Evangélicos e Católicos no Espírito Santo) tem sido, mais recentemente, este espaço de conciliação dos anseios ecumênicos entre carismáticos e pentecostais. No mesmo dia, a segunda mesa redonda, Ecumenismo entre Carismáticos e Pentecostais: Realidade ou Aspiração, debateu as experiências ecumênicas já realizadas entre ambos grupos, assim como a implementação política de uma cultura de Pentecostes. Sobre o tema Pentecostais e Carismáticos: de concorrentes e aliados a Professora Maria das Dores Campos Machado, pesquisadora do Núcleo de Pesquisa Religião, Gênero, Ações Sociais e Política da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) das temáticas pentecostalismo, evangélicos, sociedade, política e gênero, destacou que o discurso católico tem sido mais aberto a aproximações ecumênicas se comparado ao dos pentecostais. Para ela, se pregações pentecostais justificam as reconversões de católicos por meio da demonização do catolicismo, católicos observam que o uso do discurso da minoria pelos pentecostais tem sido utilizado para favorecimento político. Machado ainda nota que na Igreja Metodista do Rio Janeiro, semelhante ao que aconteceu no catolicismo, o pentecostalismo tem sido aceito sem rupturas denominacionais, em linha de continuidade com a tradição religiosa. Contudo, este pentecontalismo metodista tem refletido no abandono de aproximações ecumênicas. Ciberteologia - Revista de Teologia & Cultura - Ano VIII, n. 40 4

5 Sobre o tema Ecumenismo Pentecostal: do real ao ideal, a Professora Brenda Carranza, docente na PUC-Campinas (Pontifícia Universidade Católica de Campinas) e pesquisadora convidada do Centro Internacional de Estudos do Pentecostalismo Latino Americano (EUA) das temáticas catolicismo, pentecostalismo, mídia, juventude, religiosidade e cultura urbana, constatou que a noção de cultura de Pentecostes tem introduzido na política uma identidade cristã e, consequentemente, uma concepção de sociedade alinhada aos anseios das denominações religiosas que representam. Diante desse fenômeno, Carranza interpreta que o ecumenismo tem sido mais perceptível na necessidade de implementação desta cultura identitária cristã, tanto por carismáticos, quanto por pentecostais. Por esse motivo, a cultura de Pentecostes tem se refletido, especialmente, na direção da diminuição dos ataques às religiões Afro-Brasileiras, devido ao amadurecimento do diálogo em face da interação pluri-religiosa da atualidade. Além disso, a cultura gospel tem sido espaço privilegiado de interações ecumênicas, apesar de ainda haverem tensões em nível da Verdade, Identidade e Trabalho. O Seminário Internacional Transformações Religiosas no Mundo Contemporâneo merece realce pela qualidade das pesquisas apresentadas, não só porque se embasou em entrevistas realizadas por líderes religiosos e integrantes dos movimentos pentecostal e carismático, mas por descobrir um ecumenismo político que os mobiliza, apesar das diferenças teológicas. Do ponto de vista filosófico, esta união de interesses políticos aliados à implementação de uma cultura de Pentecostes, parece não só contradizer os mestres da suspeita Freud, Marx e Nietzshe indicados por Paul Ricoeur, como também mostra que o emocionalismo e o subjetivismo, ainda censurados nestes movimentos religiosos, não tem esquecido a preocupação social, como antes se pensava. Do ponto de vista teológico, podese perguntar se, a partir desta interação contemporânea entre religião e política, já se é possível vislumbrar algum horizonte de profetismo social, como aquele incentivado nas décadas de 70 e 80 no Brasil. Frente a isso, perguntar-se sobre o intercâmbio de valores existente na cultura de Pentecostes com a de outras culturas, como as da Paz e Solidariedade, não só permitirá delimitar sua visão sobre a sociedade, como também seus interesses denominacionais particulares. Nesse sentido, continua atual a única pergunta Ciberteologia - Revista de Teologia & Cultura - Ano VIII, n. 40 5

6 levantada por Hans Küng na Declaração do Parlamento das Religiões do Mundo em Chicago (EUA), em 1993, ao tratar da perda da esperanças, metas, ideais e referências éticas: Será que as religiões, contudo, apesar de suas freqüentes falhas históricas, não têm a responsabilidade de demonstrar que tais esperanças, ideais e referências podem ser cultivados, defendidos e vividos? Ciberteologia - Revista de Teologia & Cultura - Ano VIII, n. 40 6