A reestruturação da dívida soberana

Transcrição

1 ASSEMBLEIA PARLAMENTAR EURO-LATINO-AMERICANA RESOLUÇÃO: A reestruturação da dívida soberana com base no parecer da Comissão dos Assuntos Políticos, da Segurança e dos Direitos Humanos Correlatores: Ángel Rozas (Parlatino, Argentina) Ernest Urtasun (Parlamento Europeu, Espanha) Quinta-feira, 20 de setembro de 2018 Viena AT\ docx AP v04-00

2 AP v /6 AT\ docx

3 EUROLAT - Resolução de 20 de setembro de Viena com base no relatório da Comissão dos Assuntos Políticos, da Segurança e dos Direitos Humanos A reestruturação da dívida soberana A Assembleia Parlamentar Euro-Latino-Americana, Tendo em conta a Resolução 68/304 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 9 de setembro de 2014, intitulada «Para o estabelecimento de um quadro jurídico multilateral para os processos de reestruturação da dívida soberana», Tendo em conta a Resolução 69/247 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 29 de dezembro de 2014, intitulada «Modalidades para a aplicação da resolução 68/304», Tendo em conta a Resolução 69/319 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 10 de setembro de 2015, intitulada «Princípios básicos sobre os processos de reestruturação da dívida soberana», Tendo em conta a Resolução 20/10 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 5 de julho de 2012, intitulada «Efeitos da dívida externa e das obrigações financeiras internacionais conexas dos Estados no pleno exercício de todos os direitos humanos, especialmente os direitos económicos, sociais e culturais»; Tendo em conta as regras da Associação Internacional de Mercados de Capitais (ICMA) aprovados em 2014 e 2015 sobre cláusulas contratuais como a cláusula pari passu e a cláusula de ação coletiva, A. Considerando que a crise da dívida soberana é um problema recorrente ao longo da história, frequentemente relacionado com as dificuldades dos países em vias de desenvolvimento e os sistemas democráticos pouco consolidados; B. Considerando a importância de revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável, ODS 17, que inclui, entre as suas metas financeiras, «[a]judar os países em desenvolvimento a alcançar a sustentabilidade da dívida de longo prazo através de políticas coordenadas destinadas a promover o financiamento, a redução e a reestruturação da dívida, conforme apropriado, e analisar a dívida externa dos países pobres altamente endividados de forma a reduzir o superendividamento»; C. Considerando que, nos últimos anos, a dívida soberana deixou de ser uma questão exclusiva dos países menos desenvolvidos, afetando países com rendimentos médios e elevados; D. Considerando que o sistema financeiro internacional carece atualmente de um quadro jurídico multilateral abrangente para a reestruturação da dívida soberana que permita aos países encontrar, num prazo razoável, soluções eficazes, justas, equitativas, legais e sustentáveis, AT\ docx 3/6 AP v04-00

4 E. Considerando que, na ausência de um consenso mais amplo, os esforços foram orientados para reformar as cláusulas contratuais de obrigações soberanas, tais como as cláusulas pari passu, de ação coletiva (CAC) e de agregação, anunciadas pela Associação Internacional de Mercados de Capitais (ICMA) em 2014 e que já começam a ser utilizadas em certas emissões de dívida posteriores a 2014; F. Considerando que o stock de dívida soberana é composto por diferentes tipos de dívida, incluindo obrigações, créditos bancários, dívidas bilaterais e multilaterais, e que os problemas de ação coletiva não ocorrem apenas com uma dessas categorias de obrigações mas com várias, o que, consequentemente, dificulta a reestruturação da dívida num único processo; G. Considerando que a gestão inadequada da dívida soberana e a falta de clareza dos quadros legais de reestruturação, bem como os impactos imprevistos na conjuntura internacional, ou ainda catástrofes naturais ou consequências de conflitos vizinhos, podem conduzir a situações de crise, cujas consequências comprometem as possibilidades de desenvolvimento sustentável dos países devedores que, em muitos casos, durante a tentativa de reestruturação, são pressionados por pretensões de grupos minoritários de credores que podem tirar partido da inexistência de quadros regulamentares na matéria, privilegiando os seus interesses especulativos; H. Considerando que o estabelecimento de um quadro regulamentar geral, com os condicionalismos necessários, pode constituir uma alternativa adicional na procura de soluções mais rápidas e sustentáveis para as partes, conferindo ao processo uma maior previsibilidade e segurança jurídica e reduzindo substancialmente os custos associados aos serviços jurídicos e financeiros; I. Considerando a importância de dar prioridade à implementação de políticas macroeconómicas sustentáveis e orientadas para o crescimento e a criação de emprego, bem como às reformas necessárias destinadas a garantir sistemas fiscais justos e eficientes que superem a dependência da dívida soberana externa; J. Considerando que, não obstante as sucessivas reestruturações da dívida, a Grécia continua em níveis insustentáveis de acordo com a análise da sustentabilidade da dívida do próprio FMI que salientou a necessidade de avançar para uma reestruturação da mesma; que o caso grego se vem acrescentar a níveis historicamente elevados de dívida da zona euro, em particular em certos Estados-Membros, sem que exista no âmbito da União Europeia um quadro jurídico para a reestruturação da dívida; K. Reconhecendo o direito de todos os Estados a negociar a reestruturação da sua dívida soberana, que não deve ser posto em causa nem restringido por interesses de grupos minoritários detentores de títulos não reestruturados da referida dívida; 1. Sublinha que o desafio de restabelecer a sustentabilidade da dívida soberana num momento de crise não deve ser abordado exclusivamente a partir de variáveis macroeconómicas, devendo antes respeitar a promoção e o respeito da democracia e dos direitos humanos, incluindo o direito ao desenvolvimento e ao crescimento económico sustentável, inclusivo e equitativo, em conformidade com as circunstâncias e as prioridades nacionais; congratula-se, por conseguinte, com as iniciativas da Assembleia- AP v /6 AT\ docx

5 Geral das Nações Unidas neste sentido e recomenda a sua execução; 2. Salienta o dever dos Estados de evitar que as obrigações decorrentes dos processos de endividamento tenham um impacto negativo no bem-estar e na proteção dos direitos humanos, pelo que se devem intensificar os esforços no sentido de trabalhar em prol da responsabilidade orçamental, da transparência dos governos e da consecução da justiça fiscal; 3. Salienta que o pagamento da dívida não é mais do que uma das obrigações financeiras e legais e constitucionais dos Estados, e que os parlamentos devem garantir que o peso da crise da dívida seja repartido de forma justa, de forma a não colocar em risco a prestação de serviços públicos essenciais e proteger os direitos dos seus cidadãos; 4. Convida os parlamentos e os congressos a impulsionarem a criação de comissões parlamentares de acompanhamento da dívida para controlar a contração de dívida, a sua evolução, a razoabilidade dos prazos e juros, a sua gestão e pagamento, bem como as ações judiciais relacionadas com estes aspetos, denunciando, em especial, eventuais irregularidades; 5. Salienta que os governos não podem considerar as obrigações jurídicas decorrentes de uma obrigação ou de um empréstimo como uma obrigação superior a outras obrigações, como o pagamento de pensões e a prestação de serviços públicos essenciais; 6. Sublinha o papel dos diferentes intervenientes internacionais (instituições financeiras internacionais, organizações internacionais intergovernamentais, sociedade civil, organizações não-governamentais) no processo de reestruturação da dívida soberana e, em especial, o papel dos parlamentos, que devem promover a adoção de medidas concretas como a introdução de compromissos internacionais nas respetivas legislações nacionais, o trabalho conjunto em prol da prevenção de crises futuras, a inclusão de cláusulas de ação coletiva (CAC) e de agregação em futuros empréstimos, a mobilização de esforços internacionais, etc.; 7. Reitera a necessidade de envidar esforços para instaurar um mecanismo internacional consensual para a reestruturação das dívidas soberanas, que ofereça previsibilidade às partes e promova a implementação de políticas de prevenção de crises financeiras internacionais e o reforço dos sistemas financeiros nacionais; 8. Reitera a sua convicção de que os esforços dos países destinados a reestruturar a dívida soberana em situações de crise não devem ser impedidos ou frustrados pelos credores comerciais especializados em especulação financeira; 9. Saúda e recomenda a adoção dos nove princípios básicos sobre os processos de reestruturação da dívida soberana por parte da Assembleia Geral das Nações Unidas através da Resolução 69/319, de 10 de setembro de 2015, os quais devem ser interpretados de forma harmoniosa entre si; Considera que estes princípios constituem um antecedente ao debate orientado para a eventual adoção de um quadro jurídico multilateral consensual que contribuirá para unificar critérios, promoverá a eficiência e a ordem nos processos de reestruturação de dívidas soberanas e favorecerá a resolução atempada e sem atrasos das crises na matéria, permitindo a sua aplicação a um processo AT\ docx 5/6 AP v04-00

6 mais previsível e seguro do ponto de vista jurídico; 10. Reconhece o direito dos Estados Soberanos de elaborarem as suas políticas macroeconómicas, incluindo a reestruturação da sua dívida soberana, e os princípios da boa fé, transparência, imparcialidade, igualdade de tratamento, imunidade soberana de jurisdição e execução em matéria de reestruturação da dívida soberana perante os tribunais nacionais e estrangeiros, legitimidade, sustentabilidade e reestruturação por maioria; 11. Insta a comunidade internacional a continuar a trabalhar para o desenvolvimento de uma resposta completa e abrangente para todos os problemas relacionados com a contratação de empréstimos, a crise da dívida soberana e a sua reestruturação; 12. Convida a parceria UE-CELAC a incluir a questão da dívida soberana no seu diálogo bilateral para promover o intercâmbio de experiências e o trabalho partilhado a nível internacional; solicita, em particular, à Associação que promova propostas alternativas, tanto contratuais como estatutárias, que complementem as soluções para estes problemas, incluindo a possibilidade de criação de um registo de obrigacionistas que só autorize a litigar nas condições iniciais a pessoa que, no momento da cessação de pagamentos, era titular efetivo da obrigação; 13. Insta a zona euro a realizar uma conferência europeia da dívida, com a participação de múltiplas partes, incluindo parlamentos e sociedade civil, para fazer face às necessidades de reestruturação de toda a zona monetária, bem como para progredir rumo a um quadro jurídico europeu para o tratamento desta questão; 14. Insta os governos europeus e da América Latina a conjugarem esforços para avançar no sentido de um quadro legal internacional para a reestruturação da dívida soberana, bem como a incorporarem as alterações contratuais relativas às cláusulas de ação coletiva e pari passu com base nas propostas da ICMA; 15. Encarrega os seus copresidentes de transmitirem a presente resolução ao Conselho da União Europeia e à Comissão Europeia, bem como aos parlamentos dos Estados- Membros da União Europeia e de todos os países da América Latina e das Caraíbas, ao Parlamento Latino-Americano, ao Parlamento Centro-Americano, ao Parlamento Andino e ao Parlamento do Mercosul, ao Secretariado da Comunidade Andina, à Comissão de Representantes Permanentes do Mercosul, à Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, ao Secretariado Permanente do Sistema Económico Latino-Americano, à Presidência pro tempore e países integrantes da troica da CELAC e aos Secretários-Gerais da Organização dos Estados Americanos, da União de Nações Sul-Americanas e das Nações Unidas. AP v /6 AT\ docx