7º Curso Teórico-Prático de Ultrassonografia Clínica para Gastrenterologistas - Pâncreas PÂNCREAS
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- Thiago Arruda Carrilho
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1 Anatomia e Ecoanatomia PÂNCREAS Localização e meios de fixação O pâncreas é uma glândula volumosa anexa ao arco duodenal. Localiza-se transversalmente em frente dos grandes vasos e do rim esquerdo, desde a 2ª porção duodenal ao baço. É um órgão retroperitoneal referenciado à primeira e segunda vértebras lombares. É ligeiramente obliquo para cima e para a esquerda, apresentando uma concavidade posterior que abraça a coluna vertebral e uma concavidade anterior moldada sobre a face posterior do estômago. A sua topografia é variável consoante o morfotipo em causa, podendo apresentar-se mais ou menos inclinado para cima e para a esquerda e desenvolver-se mais ou menos em altura. O pâncreas é um órgão extremamente fixo, sendo considerado por alguns autores como o mais fixo do organismo. Para isso contribui a faixa de Treitz, o arco duodenal e as estruturas que o atravessam. Morfologia externa O pâncreas apresenta quatro partes: Cabeça Grosseiramente quadrangular, a cabeça pancreática encontra-se encravada no arco duodenal. O seu ângulo infero-interno prolonga-se para trás do pedículo mesentérico superior constituindo o processo unciforme. Istmo Une a cabeça e o corpo. Estreito e fino corresponde ao estrangulamento do pâncreas entre a primeira porção duodenal em cima e os vasos mesentéricos em baixo. Corpo Alongando-se da direita para a esquerda e de baixo para cima, é sobrelevado pela coluna vertebral e continua-se com a cauda pancreática. Assume uma forma prismática triangular de base inferior. Cauda Representa a extremidade esquerda do pâncreas estando separada do corpo pela chanfradura dos vasos esplénicos no seu bordo superior. Mais ou menos desenvolvida dirige-se em direcção do hilo esplénico na espessura do epiplon pancreato-esplénico. Francisco Portela; Eduardo Pereira Pag. 49
2 7º Curso Teórico-Prático de Ultrassonografia Clínica para Gastrenterologistas - Pâncreas Relações anatómicas (fig 1 e 2) O conhecimento das relações anatómicas do pâncreas é fundamental para a interpretação do exame ecográfico, já que a ausência de cápsula não permite a sua delimitação clara, sendo necessário para isso recorrer a elementos contíguos e portanto às suas relações com os órgãos envolventes. Figura 1 Relações anatómicas da cabeça. Anteriormente a cabeça é atravessada pela raiz do mesocolon transverso. Acima deste, a relação mais importante é com o fígado o qual constitui uma boa janela para a exploração ecográfica. Abaixo do mesocolon a cabeça pancreática está em relação com o cólon transverso e ansas do intestino delgado. A parte esquerda do processo uncinado tem à frente o pedículo mesentérico superior. Posteriormente a cabeça pancreática está em relação com a veia cava inferior, o pedículo renal direito e o canal colédoco, o qual de uma posição retro-pancreática passa a intra-pancreático antes de se inserir na ampola de Vater a nível do bordo interno da segunda porção duodenal. Circunferencialmente está em relação com o arco duodenal que abraça a cabeça do pâncreas como um pneu numa jante. Francisco Portela; Eduardo Pereira Pág. 50
3 Relações anatómicas do istmo. Anteriormente o istmo está em relação com o piloro que por sua vez está recoberto pela face inferior do fígado. Atrás o istmo está em relação com a origem da veia porta resultante união da veia mesentérica superior e do confluente espleno-mesentérico, formado pelas veias esplénica e mesentérica inferior. Relações anatómicas do corpo Anteriormente o corpo pancreático está em relação com o antro e o lobo esquerdo do fígado. Atrás as relações imediatas são com a artéria esplénica, ao nível do seu bordo superior, com a veia esplénica, esta completamente retro-pancreática, a aorta, a origem da artéria mesentérica superior e a veia renal esquerda, a qual se insinua entre as duas. Acima, o bordo superior do corpo do pâncreas está ainda em relação com os ramos do tronco celíaco. Figura 2 Relações anatómicas da cauda Na sua face anterior a cauda pancreática é cruzada pelo pedículo esplénico enquanto que posteriormente corresponde ao rim esquerdo, o qual constitui uma outra via de exploração. À esquerda aproxima-se variavelmente do hilo esplénico. Canais excretores do pâncreas Canal do Wirsung (figura 3) É o canal excretor principal percorrendo a glândula de uma extremidade à outra. Inicia-se a nível da cauda e percorre o corpo seguindo o seu grande eixo. Francisco Portela; Eduardo Pereira Pág. 51
4 7º Curso Teórico-Prático de Ultrassonografia Clínica para Gastrenterologistas - Pâncreas Figura 3 Ao nível do istmo inflecte-se para baixo, direita e posterior, atravessa a cabeça indo colocar-se por baixo do colédoco para vir a ligar-se a este a nível da ampola de Vater. O calibre não excede 3 a 4 mm, estando habitualmente mais próximo da face posterior e do bordo inferior da glândula. O canal de Santorini Estende-se do ângulo formado pelo Wirsung ao nível do colo, até ao terço superior do bordo interno da segunda porção do duodeno. Estudo Ecográfico Realiza-se em indivíduos normais, sem qualquer lesão pancreática, em jejum e em decúbito dorsal. Efectuam-se dois tipos de cortes, ortogonais um em relação ao outro, permitindo uma representação visual tridimensional. Cortes Verticais: segundo o eixo da veia cava inferior, a aorta e a veia mesentérica superior. Rodando a sonda no sentido anti-horário é possível centrar segundo o eixo portal. Cortes Horizontais: Obtêm-se deslocando a sonda do apêndice xifóide até à região umbilical; permitem definir a orientação exacta do pâncreas. As relações anatómicas do pâncreas podem dificultar o exame devido à interposição de gás intestinal. Diversas manobras são possíveis: - O ortostatismo condiciona descida do cólon transverso - A compressão extrínseca pela sonda, durante a realização do exame. - A apneia em inspiração profunda condiciona desvio inferior do lobo esquerdo e do cólon transverso e um aumento do calibre da veia cava inferior, facilitando assim a visualização da face posterior da cabeça. - O preenchimento gástrico com liquido, através da ingestão de água. Francisco Portela; Eduardo Pereira Pág. 52
5 Definição dos limites do pâncreas e morfologia global O pâncreas, por estar desprovido de cápsula fibrosa, apresenta limites difíceis de determinar durante a realização dos exames ecográficos. A face anterior A face anterior do pâncreas encontra-se limitada anteriormente pelo estômago e lobo esquerdo do fígado, o qual representa uma boa janela acústica tanto para os cortes horizontais como verticais. A face posterior A nível do corpo e da cauda a referência anatómica principal é a veia esplénica, a qual começa por estar relacionada com o bordo superior da cauda do pâncreas para se tornar retro-pancreática, limitando por essa face o corpo pancreático. A veia esplénica apresenta-se como uma imagem de tipo vascular, com concavidade posterior terminando à direita na confluência com a veia mesentérica superior. Representa a melhor referência para o reconhecimento do pâncreas em corte horizontal. Em altura apresenta uma situação variável podendo nomeadamente surgir mais alta, apenas com uma fina lâmina de tecido pancreático à sua frente ou mais baixa, com uma maior faixa de parênquima pancreático a antecedê-la. A nível da cabeça pancreática a referência vascular é constituída pela veia cava inferior, que recebe a esse nível a veia renal esquerda, a qual caminha entre a aorta e a artéria mesentérica superior. A imagem ecográfica da veia cava inferior é em corte transversal ovalar, aumentando com a inspiração. A confluência da veia renal esquerda constitui uma referência indispensável. A nível do istmo a passagem dos vasos mesentéricos superiores marca o limite entre a cabeça e o corpo. Este eixo vascular é visível em cortes verticais, com o istmo a projectar-se à sua frente como uma fina faixa de parênquima localizada atrás do lobo hepático esquerdo. Estes cortes verticais permitem igualmente visualizar o processo unciforme o qual se localiza atrás da veia mesentérica superior. A este nível (istmo) nos cortes horizontais os vasos mesentéricos adquirem o clássico aspecto de lentes de óculos. O bordo superior O bordo superior é marcado pelo tronco celíaco. Nos cortes horizontais esta estrutura vascular é facilmente localizável dado o aspecto característico em gaivota, ocasionado pela sua divisão em artéria esplénica e hepática (a artéria gástrica esquerda, devido ao seu reduzido calibre, é raramente observável). Os cortes verticais que passam pela aorta realçam a posição do tronco celíaco como marca do bordo superior do pâncreas. Francisco Portela; Eduardo Pereira Pág. 53
6 Bordo direito O bordo direito do pâncreas está limitado pelo arco duodenal, o qual é por vezes observável em cortes transversais como uma imagem circular hiperecogénica representando o lúmen duodenal com ar. Extremidade esquerda A extremidade esquerda do pâncreas, ou seja a sua extremidade caudal é difícil de definir, sendo normalmente utilizada para tal a sua relação com o hilo esplénico. Para a sua observação é muitas vezes útil utilizar um corte através do rim esquerdo. Exame ecográfico do pâncreas Os cortes ecográficos para o estudo pancreático podem ser agrupados em horizontais, verticais e outros. Os cortes horizontais são provavelmente os mais importantes, dirigem-se ao grande eixo do órgão e produzem imagens comparáveis às da tomografia computorizada. Os cortes verticais são particularmente importantes a nível do eixo mesentérico. Nos outros cortes destaca-se o corte intercostal esquerdo, o qual permite a observação da cauda pancreática através do baço ou do rim esquerdo. As dificuldades na observação pancreática devem-se em grande parte à sua localização profunda e à interposição de estruturas digestivas com ar. Como se referiu anteriormente, existem várias manobras passíveis de obviar estas limitações. As relações anatómicas vasculares A veia esplénica (figura 4) Figura 4 Francisco Portela; Eduardo Pereira Pág. 54
7 Constitui a referência principal do corpo e da cauda do pâncreas, podendo localizar-se a um nível variável em relação ao seu bordo superior. Embora classicamente seja referenciada acima da origem da artéria mesentérica superior, Weill demonstrou que apenas em 34% dos casos tal se verifica, podendo surgir ao seu nível (7%) e em localização inferior (59%). Isto explica porque é que muitas vezes, nos cortes horizontais, não se consegue observar a secção da artéria mesentérica superior entre a veia esplénica e a aorta. A origem da veia esplénica pode ser observada em corte intercostal esquerdo, a nível do bordo superior da cauda do pâncreas. Vasos mesentéricos superiores Representam o eixo vascular a nível do istmo pancreático, constituindo um marco fundamental a nível dos cortes verticais. Em corte horizontal estes vasos apresentam a já descrita e típica imagem formada pelas secções gémeas da veia e artéria. A secção da artéria difere da veia pela maior espessura da parede e pela presença de alguns ecos intraluminais. Uma vez que a veia se afasta da artéria para se dirigir obliquamente para cima e para a direita, a secção da veia tende a tornar-se oval dando em determinada altura uma imagem de lentes deformadas. Note-se também que a relação entre os dois vasos é variável, com a veia a apresentarse à direita da artéria mas também à sua frente ou à sua esquerda. Veia cava inferior (figura 5) Limita posteriormente a cabeça pancreática, sendo melhor observada se solicitarmos ao doente que efectue uma manobra de Valsalva. A desembocadura da veia renal esquerda constitui um excelente marco anatómico para a localização da cabeça do pâncreas. Figura 5 Vasos renais esquerdos A relação do pâncreas com os vasos renais esquerdos é evidente em 60% dos casos constituindo argumento para alguns autores (Weill) o Francisco Portela; Eduardo Pereira Pág. 55
8 considerarem mais horizontal que oblíquo. Esta noção deve ter ainda em conta o morfotipo que condiciona a eventual obliquidade pancreática. Tronco celíaco Relaciona-se com o bordo superior do pâncreas. As circunvoluções da artéria esplénica podem desenhar imagens lacunares nos cortes horizontais. Topografia e morfologia do pâncreas A situação quase transversal do pâncreas explica que a melhor abordagem seja assegurada por cortes horizontais. Se bem que retroperitoneal e como tal considerado um órgão profundo, não é raro que se encontre relativamente próximo da parede abdominal anterior. Num estudo de 130 casos, Weill demonstrou que, no individuo sem obesidade, a distância entre a pele e a face anterior do pâncreas varia apenas entre 24 e 96 mm. A morfologia pancreática varia consoante a incidência do plano de corte: - em corte vertical pode apresentar-se mais ou menos rectangular ou, mais frequentemente, ovalar. - em corte horizontal cavalga em vírgula o eixo aorto-cava, a veia esplénica e os vasos mesentéricos superiores. A cabeça pancreática, mais desenvolvida em altura que o resto da glândula, deve ser explorada com cortes abaixo da veia esplénica. Finalmente refira-se que a característica morfológica fundamental da normalidade é o aspecto harmonioso da glândula, sem espessamentos, relevos ou saliências. O aspecto irregular da anatomia é raramente encontrado no exame ecográfico. Como já foi referido, existe alguma dificuldade em definir com precisão os limites pancreáticos já que a gordura que o envolve apresenta-se hiperecogénica confundindo-se com o próprio parênquima. Dimensões pancreáticas As dimensões pancreáticas são muito variáveis, com os valores a diferir de autor para autor. Podemos considerar como referência para espessura máxima da cabeça 30 mm, para o istmo 21 mm e para o corpo e cauda 28 mm. Na verdade, a importância destas medidas encontra-se praticamente restringida à análise das patologias difusas, uma vez que na avaliação de lesões focais a apreciação dos contornos e da deformação pancreática sejam os parâmetros fundamentais. O pâncreas aumenta de espessura da infância para a idade adulta e sofre alguma atrofia com o envelhecimento. Francisco Portela; Eduardo Pereira Pág. 56
9 A Ecoestrutura Pancreática O parênquima pancreático (figura 6) Trata-se de um parênquima de alta reflectividade, igual ou superior à do fígado, mais frequentemente superior, apresentando uma ecoestrutura homogénea. Entretanto, os cortes de excelente qualidade podem mostrar pequenos ramos arteriais ou venosos, condicionando alguma heterogeneidade. Figura 6 Recordemos as imagens pseudoquísticas do bordo superior do pâncreas em relação com a artéria esplénica. Um pâncreas trans-sónico (hipoecógeno) pode ser considerado patológico excepto em pediatria. Pelo contrário um pâncreas hiperecógeno, brilhante, homogéneo, nunca é patológico. Canal colédoco intra-pancreático (figura 7) Pode ser visível nos cortes transversais como uma estrutura tubular ou ovalar, a qual se aproxima do bordo interno do duodeno à medida que o seguimos em direcção à sua desembocadura. Esta observação pode no entanto, na ausência de dilatação patológica, ser difícil ou mesmo impossível. Figura 7 Francisco Portela; Eduardo Pereira Pág. 57
10 7º Curso Teórico-Prático de Ultrassonografia Clínica para Gastrenterologistas - Pâncreas O Canal de Wirsung Encontrado de forma excepcional no início do exame ecográfico do pâncreas (Eisencher 1976), o canal de Wirsung tornou-se um elemento anatómico constante a descobrir. Lembrar-nos-emos que existem três aspectos ecográficos do canal de Wirsung: - Estrutura canalicular sem parede - Estrutura canalicular com parede - Imagem linear sem lúmen A porção mais visível do canal de Wirsung é a que drena o corpo e istmo do pâncreas. A obliquidade para baixo e para trás (inferior e posterior) do canal de Wirsung cefálico obriga a adaptar os cortes: é preciso dar uma obliquidade de 45º à sonda ou adoptar uma via lateral direita através do lobo hepático direito. O diâmetro do canal de Wirsung aumenta da cauda para a cabeça. O diâmetro médio estudado em pancreatografia é de 3,4 mm ao nível da cabeça, 2,6 mm ao nível do corpo e 1,6 mm ao nível da cauda. Na realidade as ecografias do canal de Wirsung encontram todos os dias números inferiores aos dos estudos comparando a ecografia e a pancreatografia. Esta distorção não parece dever-se a uma eventual distensão do sistema canalicular pelo produto de contraste, resultando provavelmente de uma subestimação ecográfica devida à hiper reflectividade das paredes do canal de Wirsung, que apresentam um espessamento aparente originando uma redução do lúmen real do canal. No limite deste fenómeno encontramos o terceiro tipo de imagem ecográfica do canal, aquela no qual este aparece como uma imagem linear, sem lúmen ou então como duas paredes fortemente ecogénicas. A dilatação do canal de Wirsung é perfeitamente apreendida e avaliada pela ecografia, a qual permite ainda em caso de necessidade guiar a sua punção. Fontes de erro (figura 8 e 9) Muitos dos erros de interpretação tem origem nas estruturas digestivas peripancreáticas e podem ser de: - origem gástrica, com a parede posterior a simular uma estrutura canalicular na face anterior do pâncreas, simulando assim um Wirsung dilatado. Figura 8 Francisco Portela; Eduardo Pereira Pág. 58
11 - origem duodenal, com o aparecimento de uma imagem hipoecogénica latero-cefálica, a qual pode ser no entanto facilmente identificada com o preenchimento liquido do tracto gastro-duodenal. Figura 9 - origem cólica, com o ângulo esplénico a simular uma cauda pancreática normal ou patológica. - origem no próprio pâncreas, através das variações anatómicas que lhe são inerentes, como uma cauda alta simulando um tumor da supra-renal esquerda. Igualmente fonte possível de confusão, embora menos importante dada a sua relativa raridade as anomalias congénitas podem ser: - pâncreas anular, o qual se apresenta como um pseudo tumor da segunda porção duodenal. - pâncreas divisum, no qual surge uma hipertrofia do processo unciforme e uma tunelização pancreática pela veia mesentérica superior. - anomalia de posicionamento, com o pâncreas localizado totalmente à esquerda. Conclusões As principais características ecográficas do pâncreas podem ser sumariadas da seguinte maneira: - forma harmoniosa - contornos regulares - espessura inferior a 40 mm - ecoestrutura homogénea de reflectividade elevada - canal de Wirsung fino, de diâmetro regular - ausência de compressão venosa. Francisco Portela; Eduardo Pereira Pág. 59
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