SOCIEDADE CIVIL, MOVIMENTO SOCIAL E COMUNIDADE: aplicações conceituais e políticas para a Lei de Cabodifusão. Adilson Cabral
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1 SOCIEDADE CIVIL, MOVIMENTO SOCIAL E COMUNIDADE: aplicações conceituais e políticas para a Lei de Cabodifusão Adilson Cabral Diante da atual ação e configuração da sociedade civil no cenário político nacional e internacional, podemos afirmar que sua concepção e seu projeto faliram, grande parte devido ao seu elástico campo de atução e formação, dando margem não só a falta de uma proposta afirmativa e alternativa ao Estado, mas a falta de alternativas que apontem para a transformação da sociedade, muito mais que contribuir para a simples funcionalidade do mercado, dentro do sistema capitalista. Se antes a sociedade civil apontava para uma demarcação de espaço em relação ao Estado e ao Mercado e afirmava-se a partir de tal concepção, hoje estes setores são seus principais aliados e parceiros, isto quando não a própria sociedade civil se constitui de organizações formadas a partir do Estado e do Mercado, com interesses corporativos.. A própria definição de ONG parte do pressuposto de que não orbitam na esfera estatal ou empresarial. São organizações não-governamentais, definidas juridicamente como sociedades civis sem fins lucrativos. Esses atores sociais vêem hoje no Estado e no Mercado parceiros para a elaboração de políticas públicas. Essa idéia mais ampla de atuação, que deu às ONGs e, de uma certa forma também, à sociedade civil a incômoda missão de fazer o que o Estado não faz, leva à elaboração de políticas públicas não mais no sentido de construção de uma alternativa de sociedade, mas sim a partir de articulação com outros setores sociais. Questiona-se aqui a implicação deste conceito no Brasil, em especial em relação ao referencial para a garantia de participação da sociedade nos canais de utilidade pública de TV à Cabo, pois ao falarmos hoje em sociedade civil, não estamos nos referindo a um setor que se destaca dos demais, com especificidades, mas sim de uma continuidade, constituída também a partir do Mercado e do Estado, incorporando suas características e instituições. Desatando o nó da TV a Cabo
2 Uma aliança inédita no campo da comunicação entre empresários e a sociedade civil, através do FNDC - Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, originou uma Lei de Cabodifusão bastante ampla e produtiva, capaz de orientar a implementação do serviço de operadoras e produtoras, bem como introduzir a participação da sociedade civil nos canais disponíveis. Segundo a Lei nº 8977/95, existem os Canais básicos de utilização gratuita, que são definidos dessa forma, no Artigo 23: Art. 23. A operadora de TV a Cabo, na sua área de prestação do serviço, deverá tornar disponíveis canais para as seguintes destinações: I - CANAIS BÁSICOS DE UTILIZAÇÃO GRATUITA a) canais destinados à distribuição obrigatória, integral e simultânea, sem inserção de qualquer informação, da programação das emissoras geradoras locais de radiodifusão de sons e imagens, em VHF ou UHF, abertos e não codificados, cujo sinal alcance a área do serviço de TV a Cabo e apresente nível técnico adequado, conforme padrões estabelecidos pelo Poder Executivo; b) um canal legislativo municipal/estadual, reservado para o uso compartilhado entre as Câmaras de Vereadores localizadas nos municípios da área de prestação do serviço e a Assembléia Legislativa do respectivo Estado, sendo o canal voltado para a documentação dos trabalhos parlamentares, especialmente a transmissão ao vivo das sessões; c) um canal reservado para a Câmara dos Deputados, para a documentação dos seus trabalhos, especialmente a transmissão ao vivo das sessões; d) um canal reservado para o Senado Federal, para a documentação dos seus trabalhos, especialmente a transmissão ao vivo das sessões; e) um canal Universitário, reservado para o uso compartilhado entre as Universidades localizadas no município ou municípios da área de prestação do serviço; f) um canal educativo-cultural, reservado para utilização pelos órgãos que tratam de educação e cultura no governo federal e nos governos estadual e municipal com jurisdição sobre a área de prestação do serviço; g) um canal comunitário aberto para utilização livre por entidades nãogovernamentais e sem fins lucrativos; 2
3 Causa estranheza o impasse gerado pelo Congresso quanto à instituição do Conselho de Comunicação Social, visto que seu caráter seria apenas o de emitir pareceres, sendo um órgão assessor do Congresso. Por sua vez, o sistema das operadoras não mudaria com a regulamentação. Pelo contrário, reduziria o risco de disseminação das operadoras piratas, conforme já relatou a revista PAY-TV numa recente edição: sem obter uma liminar, a Penedo Som continua a cabear Lauro de Freitas e Salvador, enquanto a Delegacia Regional do MINICOM (Ministério das Comunicações) assiste à regularidade de mãos atadas. Ao contrário da avaliação inicial do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação-FNDC, o acordo com os empresários envolvia relações mais complexas que agora já parecem mais claras e explicitadas como no artigo A velha aliança, de Daniel Herz, coordenador do Fórum: Na área das comunicações, graças às iniciativas do governo FHC, permanecemos numa terra sem lei, onde as práticas e os interesses empresariais se impõe de fato, as regras são descumpridas ou simplesmente ignoradas e o Estado se omite diante das demandas do interesse público. A Lei da TV a Cabo, resultante de um inédito e democrático processo de negociação entre representantes do empresariado e da sociedade, está inaplicada. O seu regulamento foi baixado sem o parecer do Conselho de Comunicação Social e não está sendo cumprido. O Ministério das Comunicações, por sua vez, prossegue omisso na formulação de uma política, exigida pela Lei, para a implantação da TV a Cabo, que é imprescindível para o planejamento integrado da evolução das redes de telecomunicações. Os seja, o governo continua fingindo que as redes implantadas pelas operadoras de TV a Cabo não interessam ao país. A disposição em implementar os canais de utilização gratuita por parte da Net contraria as ações governamentais e parlamentares na área da comunicação, que ainda inviabilizam o bom funcionamento da cabodifusão no Brasil. Várias reuniões foram feitas em todo o Brasil, com setores da sociedade civil envolvidos, tendo desdobramentos 3
4 produtivos no que se refere à constituição de grupos de trabalho que já se formam em vários estados. Para intermediar o processo, a Net Brasil contratou uma assessoria voltada para capacitar os grupos locais para a ocupação dos canais. A articulação dos grupos a nível estadual tem tido bons resultados, unificando todos em torno da criação de canais compartilhados, um dos conceitos referentes aos canais comunitário e universitário que implica na ocupação destes pelo setor como um todo. Ou seja, é a sociedade civil e as universidades que irão encontrar formas conjuntas e específicas de gerir os respectivos canais. Por um lado, interessa à Net ter esses canais funcionando o mais rápido possível, pois têm clareza de que o futuro da TV a Cabo será o seu caráter local, onde os canais comunitários terão grande peso na aquisição de novos assinantes e que a força está nas mãos de quem trabalha com a localidade. Por outro lado ela não amarra nenhum acordo com a instância representativa da sociedade civil ou das universidades, nem dá estrutura mínima para a produção desses canais. O canal comunitário nos deixa com uma delicada implicação: nenhuma articulação entre o setor que o ocupa e a operadora será legítima se tivermos um outro grupo da sociedade civil questionando ou reivindicando espaço. Esse é um problema embutido na idéia de canal compartilhado, que põe as programadoras em constante situação de risco por não ter garantias sobre a continuidade da programação, estando sempre sujeitas ao aparecimento de um outro grupo, reivindicando legitimidade e espaço no canal comunitário. Além disso, as operadoras não se dispõem a criar um fundo de apoio à produção do canal comunitário, nem mesmo apoiaram a inserção de comerciais na programação, o que deixa a sociedade civil com uma espécie de gincana para viabilizar sua produção, fazendo de seus integrantes bons vendedores/contatos das operadoras sem ganhar nada por isso. No processo de negociação da Lei de Cabodifusão, o acesso destinado à sociedade civil se situou prioritariamente no canal comunitário de utilização gratuita, a partir de articulações que ainda estão para acontecer. Comunidade aqui se iguala à sociedade civil e significa tudo o que não se identifica com organizações estatais ou privadas, mas mesmo assim, muitas destas organizações se articulam em associações sem fins lucrativos, com caráter corporativo. 4
5 Os movimentos sociais, que constantemente reclamam e são discriminados pelos meios de comunicação convencionais, tiveram espaços bastante reduzidos, visto que tomou-se por base uma conceituação de comunidade que privilegiou a pluralidade como forma de articulação. Coube a estes apenas disputar espaços nos canais comunitários com empresas e governos travestidos de sociedades civis. Dentro da lei, no que se refere aos canais de utilização gratuita, existem canais governamentais federais, estaduais e municipais; legislativos e executivos, mas à sociedade civil coube apenas um canal, cuja participação estará aberta às instituições sem fins lucrativos, não importando qual a sua origem econômica e/ou política. Nesse contexto, podemos concluir que o espaço que cabe às organizações populares será conquistado na medida de suas lutas, não no apoio à elaboração de uma lei, pois a concessão possível é sempre aquém do que se pode esperar de um sistema de comunicação democrática. Compartilhar um canal apenas em 80 ou mais de 100 possíveis, de acordo com a abrangência das novas tecnologias, é um espaço bastante reduzido para a importância do trabalho e para a quantidade de usos e benefícios possíveis para as comunidades, além de uma maior ampliação do espaço, é necessária uma garantia de ocupação efetiva desses canais por parte dos movimentos. Como resultado da mobilização em prol da democratização da comunicação em nosso país, nos revela que os movimentos sociais precisam se dar conta que existem espaços a se conquistar, pois de outra maneira as conquistas serão aquém das necessidades reais. Para além de uma melhor definição desse conceitos, esse trabalho procura colaborar no sentido de uma melhor articulação das comunidades e movimentos populares para a ocupação desses novos espaços de produção midiática, chamando a atenção para sua importância e incentivando uma melhor utilização do vídeo, com fins mais amplos. Visão estratégica Um dos conceitos que seguiu a orientação do Fórum pela Democratização da Comunicação na negociação para a lei da TV a Cabo foi o de controle público. Cabe a este se contrapor à lógica da organização do mercado no sistema capitalista, que é de natureza 5
6 espontaneísta. Cabe ao Fórum alargar os espaços de participação da sociedade civil, para estimular a participação dos mais diversos setores da sociedade a participar e reivindicar açòes mais ousadas. Apesar disso, o FNDC e seus componentes não têm clareza do que sera essa coisa nova a se propor, já que até o momento trabalha-se no campo reformista. Não se sabe onde se quer chegar com essa pluralidade, nem mesmo a que estão dispostos os movimentos sociais e à sociedade em geral no que diz respeito ao uso da comunicação? Se a articulação com os empresários da comunicação para a regulamentação da TV a Cabo resulta apenas num canal comunitário de alcance limitado, e dividido com o Mercado e o Governo, através de suas sociedades civis, então o que conquistamos de fato? Além de problemas para resolver em relação à gestão e ao financiamento dos canais de utilidade pública, somos também cúmplices das operadoras na ocupação dos espaços sem uma legislação regulamentada, já que o Conselho de Comunicação Social ainda não foi efetivado. Diante do impasse causado pelo Senado e pelo Governo, o FNDC lançou o Dossiê das Comunicações, um relato sobre as práticas de autoritarismo, exclusão e beneficamento de grupos na área das comunicações. Este texto representou uma autocrítica por parte do Fórum, diante das seguidas negociações com o empresariado para a elaboração e a aprovação da lei de cabodifusão. Ao contrário do que se questiona e afirma, o Mercado faz o que a sociedade civil deveria fazer, pois joga de acordo com seus interesses. Seu espontaneísmo é, na verdade, premeditado com um esquema amplo de lobby com o governo e os parlamentares e de estruturação para a ação voltada para seus consumidores, com ointuitode criar fatos consumados. Com o apoio do FNDC aos canais de utilização gratuita, não terão mais ninguém para se opor. Conclusão Existe ainda um espaço grande a se conquistar no que diz respeito à existência de um movimento social que discuta efetivamente a comunicaçào em relação às demais questões 6
7 sociais. o FNDC não se dispõe a isso até o momento, nem mesmo se articula com outros movimentos para levantar demandas específicas de comunicação que possam servir de uma alternativa de política pública a se construir para o setor. Dentro da perspectiva de dar funcionalidade ao mercado, a esquerda que pensa a comunicação no Brasil serve à direita de bons intelectuais que facilitam a implementação das novas tecnologias numa perspectiva mais atrativa ao mercado consumidor. As conquistas que o FNDC teve até aqui não devem ser desmerecidas, mas sim reavaliadas como importantes contribuições para a renovação das leis de comunicação, mas o sentido da construção das políticas públicas de comunicação deve ser pensado em função de sua natureza de atividade-meio para todos os movimentos sociais em geral, que continuarão a sofrer as conseqüências de um sistema excludente, mesmo com a implementação dos canais comunitários de utilização gratuita de TV a Cabo. 7
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