Pº C.Co.11/2012 SJC-CT

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1 Pº C.Co.11/2012 SJC-CT Consulente: Registo Nacional de Pessoas Coletivas (RNPC). Sumário: (i)legalidade de objeto social que compreenda atividades de cobrança de dívidas e gestão de cobrança de créditos. Relatório 1. Na sequência de dúvida suscitada pelo HELPDESK da ENH e no próprio balcão do Registo Nacional de Pessoas Coletivas (RNPC), e em face do conhecimento de que está a ser frequente a pretensão de incluir no objeto das sociedades comerciais a atividade de cobrança de dívidas ou gestão de cobrança de créditos, o mesmo RNPC submeteu a consulta a questão da (im)possibilidade legal da constituição de sociedades cujo objeto inclua aquela atividade Chegou ao conhecimento do RNPC um parecer, que anexou à consulta, do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados de Lisboa, que terá constituído resposta a consulta do CFE de. Conclui-se nesse parecer que: A constituição de sociedades comerciais com o objeto social de «cobrança de dívidas» ou «gestão e cobrança de créditos», colide com as competências atribuídas por lei aos advogados, na medida em que abrange ou poderá abranger as negociações de créditos. Os atos próprios e exclusivos dos advogados não podem ser praticados por terceiros, em nome individual ou coletivo, sem que estejam habilitados para o efeito, ou através de sociedades que, não sendo exclusivamente constituídas por advogados, fornecem serviços de cobrança de dívidas de terceiros. Os atos praticados no exercício dessa atividade consubstanciam atos contrários à lei. 2. O SJC concluiu a sua informação no sentido de que: -A atividade de «cobrança de dívidas» ou «gestão e cobrança de créditos», de per si, não envolve, nem tem necessariamente de envolver os atos relativos à negociação tendente à cobrança de créditos, exclusivos dos advogados e solicitadores. -Porém, por se admitir que é ténue a fronteira, é cautelar fazer constar do objeto da sociedade que inclua a atividade de «cobrança de dívidas» ou gestão e cobrança de créditos», a exclusão da atividade de negociação tendente à cobrança de créditos, assim

2 como, por maioria de razão, das atividades exclusivas das instituições de crédito e sociedades financeiras. Se na sua atuação concreta a sociedade extravasar o âmbito do seu objeto, nomeadamente através da prática de atos que lhe estão vedados por lei, a sua conduta será passível das correspondentes sanções legais. 3. Com base na consideração do melindre da questão, foi superiormente determinada a sua apreciação por parte deste Conselho. Pronúncia 1. Antes da Lei nº 49/2004, de 24 de agosto, o Estatuto da Ordem dos Advogados 1 dispunha nos seus artigos 53º/1 e 56º/1: Artigo 53º (Do exercício da advocacia em território nacional) 1 Só os advogados e advogados estagiários com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados podem, em todo o território nacional e perante qualquer jurisdição, instância, autoridade ou entidade pública ou privada, praticar atos próprios da profissão e, designadamente, exercer o mandato judicial ou funções de consulta jurídica em regime de profissão liberal remunerada. Artigo 56º (Escritório de procuradoria ou de consulta jurídica) 1 - É proibido o funcionamento de escritório de procuradoria, designadamente judicial, administrativo, fiscal e laboral, e de escritórios que prestem, de forma regular e remunerada, consulta jurídica a terceiros, ainda que, em qualquer dos casos, sob a direção efetiva de pessoa habilitada a exercer o mandato judicial. 2. Por seu lado, igualmente antes da indicada Lei o art. 104º/1 do Estatuto da Câmara dos Solicitadores dispunha: Artigo 104º (Usurpação de funções) 1 Aprovado pelo D.L. nº 84/84, de 16 de março, posteriormente alterado pela Lei nº 6/86, de 26 de março, pelos D.L. n.ºs 119/86, de 28 de maio e 325/88, de 23 de setembro e pelas Leis n.ºs 33/94, de 6 de setembro, 30-E/2000, de 20 de dezembro e 80/2001, de 20 de julho.

3 1 Quem, sem estar inscrito na Câmara ou na Ordem dos Advogados, exercer funções ou praticar atos próprios da profissão de solicitador, com ou sem escritório, a título remunerado ou gratuito, ou se arrogar por qualquer forma dessa profissão incorre na pena de estabelecida no artigo 358º do Código Penal. 3. A mencionada Lei nº 49/2004 definiu o sentido e alcance dos atos próprios dos advogados e dos solicitadores, tipificou o crime de procuradoria ilícita e alterou o Estatuto da Ordem dos Advogados e o Estatuto da Câmara dos solicitadores É a seguinte a redação (parcial) dos artigos 1º, 6º e 7º: Artigo 1º Atos próprios de advogados e solicitadores 1 Apenas os licenciados em direito com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados e os solicitadores inscritos na Câmara dos Solicitadores podem praticar os atos próprios dos advogados e dos solicitadores. 5 Sem prejuízo do disposto nas leis de processo, são atos próprios de advogados e solicitadores: a) O exercício do mandato forense; b) A consulta jurídica. 6 São ainda atos próprios dos advogados e dos solicitadores os seguintes: a) A elaboração de contratos e a prática dos atos preparatórios tendentes à constituição, alteração ou extinção de negócios jurídicos, designadamente os praticados junto de conservatórias e cartórios notariais; b) A negociação tendente à cobrança de créditos; c) O exercício do mandato no âmbito de reclamação ou impugnação de atos administrativos ou tributários. 7 Consideram-se atos próprios dos advogados e dos solicitadores os atos que, nos termos dos números anteriores, forem exercidos no interesse de terceiros e no âmbito de atividade profissional, sem prejuízo das competências próprias atribuídas às demais profissões ou atividades cujo acesso é regulado por lei. 8 Para efeitos do disposto no número anterior, não se consideram praticados no interesse de terceiros os atos praticados pelos representantes legais, empregados, funcionários, funcionários ou agentes de pessoas singulares ou coletivas, públicas ou privadas, nessa qualidade, salvo se, no caso de cobrança de dívidas, esta constituir o objeto ou a atividade principal destas pessoas.

4 Artigo 6º Escritório de procuradoria ou consulta jurídica 1 Com exceção dos escritórios ou gabinetes compostos exclusivamente por advogados, por solicitadores ou por advogados e solicitadores, as sociedades de advogados, as sociedades de solicitadores e os gabinetes de consulta jurídica organizados pela Ordem dos Advogados e pela Câmara dos Solicitadores, é proibido o funcionamento de escritório ou gabinete, constituído sob qualquer forma jurídica, que preste a terceiros serviços que compreendam, ainda que isolada ou marginalmente, a prática de atos próprios dos advogados e dos solicitadores. 2- A violação da proibição estabelecida no número anterio confere à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores o direito de requererem junto das autoridades judiciais competentes o encerramento do escritório ou gabinete. Artigo 7º Crime de procuradoria ilícita 1 Quem em violação do artigo 1º: a) Praticar atos próprios de advogados e solicitadores; b) Auxiliar ou colaborar na prática de atos próprios de advogados e solicitadores; é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias A mesma lei revogou os artigos 53º e 56º do Estatuto da Ordem dos Advogados e o artigo 104º da Câmara dos Solicitadores. 4. A Lei nº 15/2005, de 26 de janeiro, aprovou no Estatuto da Ordem dos Advogados, tendo revogado o já indicado D.L. nº 84/84, que aprovara o anterior Estatuto. O nº 1 do artigo 61º e o artigo 63º do novo Estatuto dispõem: Artigo 61º Exercício da advocacia em Portugal 1 Sem prejuízo do disposto no artigo 198º, só os licenciados em direito com inscrição em vigor na ordem dos advogados podem, em todo o território nacional, praticar atos próprios da advocacia, nos termos definidos na Lei nº 49/2004, de 24 de agosto. Artigo 63º

5 Consulta jurídica Constitui ato próprio do advogado a consulta jurídica, nos termos definidos na Lei nº 49/2004, de 24 de agosto. 5. O objeto das sociedades comerciais atividades que os sócios propõem que a sociedade venha a exercer - é elemento obrigatório do contrato de sociedade ( art.s 9º/1/d) e 11º/2 do Código das Sociedades Comerciais). Por outro lado, o objeto constante do contrato de sociedade é elemento obrigatório do respetivo registo de constituição (art. 10º/b) do Regulamento do Registo Comercial), registo que deve ser recusado se for manifesta a nulidade do facto, como será o caso em que o objeto constante do contrato seja legalmente impossível (art. 48º/1/d do Código do Registo Comercial e art. 280º/1 do Código Civil). E a questão submetida a consulta situa-se neste contexto: será legalmente possível incluir no objeto de uma sociedade comercial a atividade de cobrança de dívidas ou gestão e cobrança de créditos, em face da inclusão, pela referida Lei nº 49/2004, da negociação tendente à cobrança de créditos no âmbito dos atos próprios dos advogados e solicitadores? 6. Importa desde logo prestar a devida atenção à letra da lei apenas ponto de partida da interpretação, mas que impede a consideração pelo intérprete de qualquer pensamento legislativo que nela não tenha um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (art.9º/2 do Código Civil) - quando elege a a negociação tendente à cobrança de créditos, como ato próprio dos advogados e solicitadores. Literalmente, negociação não é o mesmo que cobrança. Significa isto que uma interpretação que defenda que na dita previsão tanto cabem a negociação como a simples cobrança e que o legislador se exprimiu de forma imperfeita, esbarra na ausência de um mínimo de correspondência verbal. Com certeza que nem os advogados nem os solicitadores, pela sua formação essencialmente jurídica, prezariam que os seus estatutos incluíssem a mera atividade de cobradores de dívidas como conteúdo das suas profissões. É precisamente aquela formação jurídica que explica, parece-nos, a previsão legal da negociação tendente à cobrança, associada, por inerência, às normas dos Estatutos que se referem à deontologia profissional (v.g. o segredo profissional) e às incompatibilidades, enquadradas na defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos. Pode dizer-se que a letra e o espírito da norma coincidem no sentido.

6 A previsão legal respeita aos atos de negociação no interesse de terceiros, mas não impõe a constituição de advogado, nada impedindo que credor e devedor negoceiem diretamente o pagamento do crédito/dívida. Aliás, se bem interpretamos o disposto no nº 8 do art. 1º da Lei nº 49/2004, parece-nos que é a própria lei a admitir a existência de sociedades comerciais cujo objeto seja constituído por cobrança de dívidas (de terceiros), caso em que a eventual negociação tendente à cobrança é ato próprio de advogado ou solicitador, não podendo ser exercida pelos representantes da sociedade, que só o podem fazer quanto aos créditos da sociedade. 7. A lei não nos oferece a definição de negociação de créditos, mas certamente que o legislador não estava a pensar na simples interpelação para pagar, pessoalmente, por correio ou por telefone. O que não significa que a negociação não possa incluir essa interpelação. Por outro lado, na prática, a simples atividade de cobrança pode não se ficar integralmente pelo ato de ir ao encontro do devedor para que ele salde a dívida. Abstratamente, a lei distingue negociação tendente à cobrança, da própria cobrança, e é por aqui que tem que ficar a apreciação da (i)legalidade de objeto social que se traduza na simples cobrança. Na aplicação concreta da lei caberá ao julgador apreciar dessa (i)legalidade, não já por referência ao objeto, mas à forma como a atividade foi exercida. No Acórdão da Relação do Porto de 16/03/2006 2, único que encontrámos sobre tema, o objeto da sociedade em causa era a gestão de contas correntes e a cobrança extrajudicial e, embora não se tendo tomado posição sobre a legalidade do objeto, acabou por se decidir pela nulidade do contrato de prestação de serviços celebrado entre essa sociedade e outra sociedade (credora), atento quer o seu texto, quer sobretudo o que a A.[ a primeira sociedade, que intentou contra a segunda, pedindo a condenação desta ao pagamento de uma determinada quantia, proveniente dos serviços prestados no âmbito daquele contrato] invoca ter praticado em cumprimento estrito do referido contrato, é um objeto proibido por lei, por envolver a prática de atos que apenas podem praticados por advogados. 8. Embora não seja questão directamente submetida a consulta, é feita alusão à exclusão da actividade de simples cobrança de dívidas ou gestão e cobrança de créditos 2 Disponível in também referido na informação do SJC supra mencionada.

7 do âmbito de actividades que são exclusivo de outras entidades, designadamente as instituições de crédito e sociedades financeiras. Ora, parece-nos que nem o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo D.L. nº 298/92 3, de 31 de Dezembro, nem o regime especial de cada uma das entidades pelo mesmo abrangidas as instituições de crédito são as referidas no art. 3º e as sociedades financeiras são as que estão mencionadas no art. 6º - dão margem para grandes dúvidas acerca da indicada exclusão. Vejamos o que determina o referido RGICSF: a) Quanto às instituições de crédito: Artigo 2º Instituições de crédito 1 São instituições de crédito as empresas cuja actividade consiste em receber do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis, a fim de os aplicarem por conta própria mediante a concessão de crédito. 2 São também instituições de crédito as empresas que tenham por objecto a emissão de meios de pagamento sob a forma de moeda electrónica. b) Quanto às sociedades financeiras: Artigo 5º Sociedades Financeiras São sociedades financeiras as empresas que não sejam instituições de crédito e cuja actividade principal consista em exercer uma ou mais das actividades referidas nas alíneas b) a i) do nº 1 do artigo anterior, excepto locação financeira e factoring. As indicadas alíneas b) a i) dispõem: Artigo 4º Actividades das instituições de crédito 1- Os bancos podem efectuar as operações seguintes: b) Operações de crédito, incluindo concessão de garantias e outros compromissos, locação financeira e factoring; 10 de Fevereiro. 3 Objecto de grande número de alterações, a última das quais teve lugar pelo D.L. nº 31-A/2012, de

8 c) Serviços de pagamento, tal como definidos no artigo 4º do regime jurídico que regula o acesso à actividade das instituições de pagamento e a prestação de serviços de pagamento; d) Emissão e gestão de outros meios de pagamento, não abrangidos pela alínea anterior, tais como cheques em suporte de papel, cheques de viagem em suporte de papel e cartas de crédito; e) Transacções, por conta própria ou de clientela, sobre instrumentos do mercado monetário e cambial, instrumentos financeiros a prazo, opções e operações sobre divisas, taxas de juro, mercadorias e valores mobiliários; f) Participação em emissões e colocações de valores mobiliários e prestação de serviços correlativos; g) Actuação nos mercados interbancários; h) Consultoria, guarda, administração e gestão de carteiras de valores mobiliários; i) Gestão e consultoria em gestão de outros patrimónios; 9. Não obstante o que ficou dito, justificam-se duas notas finais: a) Que se nos afigura que a matéria carece de uma intervenção legislativa, no sentido de, inter allia, definir a atividade de negociação tendente à cobrança de créditos e a simples atividade de cobrança de dívidas ou gestão e cobrança de créditos, levadas a cabo por terceiro; b) Que não temos por errada ou incorrecta a prática - seguida na constituição imediata de sociedade segundo o regime constante do D.L. nº 111/2005, de 8 de Julho ( empresa na hora ) - de concorrer para que conste do artigo do pacto social da sociedade a constituir, a expressa menção de que a actividade de cobrança de dívidas ou gestão e cobrança de créditos não abrange a negociação de créditos nem as actividades que nos termos da lei constituam exclusivo de outras entidades, designadamente das instituições de crédito e das sociedades financeiras, já que, na falta da dita regulamentação legal, essa menção contribui para aumentar o grau de determinação do objecto daquelas sociedades, por confronto com aqueloutras negociação e actividades (cfr. art. 11º/2 do CSC). Sintetizamos o que ficou dito na seguinte Conclusão

9 A inclusão, pela Lei 49/2004, de 24 de agosto, da negociação tendente à cobrança de créditos de terceiro no âmbito dos atos próprios dos advogados e solicitadores, não deve, no quadro do princípio da legalidade (art. 47º do Código do Registo Comercial) constituir obstáculo ao registo definitivo de constituição de sociedade cujo objeto inclua a atividade de cobrança de dívidas ou gestão e cobrança de créditos. Parecer aprovado em sessão do Conselho Técnico de 27 de setembro de Luís Manuel Nunes Martins, relator, Isabel Ferreira Quelhas Geraldes, Carlos Manuel Santana Vidigal. Este parecer foi homologado pelo Exmo. Senhor Presidente em