EVOLUÇÃO E PALEONTOLOGIA: UMA RELAÇÃO DE RECIPROCIDADE
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- João Castelhano Terra
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1 EVOLUÇÃO E PALEONTOLOGIA: UMA RELAÇÃO DE RECIPROCIDADE (Carlos Eduardo Lucas Vieira i ) Pense em um armário qualquer que tenha dez gavetas. Algumas vezes, quando precisamos fazer uma mudança, ou uma limpeza mais profunda, tiramos as gavetas de seus lugares, não? Pois bem, retiradas as gavetas, feita a mudança ou limpeza, é hora de recolocar as gavetas em seu devido lugar. Eis que surge o problema: qual era a ordem original das gavetas? Para os mais observadores, esta tarefa não será tão difícil, pois poderão se orientar através de pequenas diferenças entre as gavetas, tais como cor delas, se há manchas ou lascas em algumas e assim por diante. Mas, nem sempre existem tais diferenças e as gavetas podem apresentar-se virtualmente iguais. Como, então, podemos levar adiante a tarefa de colocar de volta as gavetas, na ordem que estavam antes de serem tiradas? O modo mais simples e fácil de fazer isso é usar seu conteúdo como referência. Desde que, claro, você não tenha retirado o conteúdo das gavetas... Guardada as devidas proporções, este caso representa uma situação real vivida cotidianamente pela geologia. Em quase todas as atividades geológicas existe a necessidade de se efetuar correlações estratigráficas, pois a maneira como as camadas rochosas estão dispostas umas sobre ou ao lado das outras nunca é contínua ao longo de todos os pontos estudados. Para entender esta necessidade, imagine que você está viajando com sua família e, em dado momento, param em um ponto para fazer um lanche. Neste ponto, há uma sequência de rochas expostas (=afloramento) que lhe chama a atenção: na base há uma camada totalmente preta que seu pai lhe diz ser carvão. Logo acima dele, há uma camada em que se alternam finas lâminas de cor cinza claro e branca. Por fim, acima de todas estas camadas, há uma de cor cinza claro. Depois de feito o lanche, vocês partem em viagem de novo, mas são obrigados a parar cinco quilômetros mais adiante, pois o irmãozinho mais novo está com vontade de fazer xixi. Nesta parada, você observa que há nova exposição de rochas. Desta vez, existe na base uma camada cinza clara, outra de cor cinza escura em cima e, por fim, uma de cor preta igual à que você viu antes (Fig. 1A). Você fica imaginando, então, se a camada preta ou a cinza clara é a mesma que você viu antes.
2 Figura 1 Correlações estratigráficas possíveis através das características geológicas das camadas. Você logo se dá conta que, se uma determinada camada repete-se em ambos os afloramentos, é possível tomá-la como base referencial para organizar as camadas vistas em locais diferentes, sem conexão aparente entre si. Este processo é a base da correlação estratigráfica, quando estratos (=camadas) de diferentes localidades são organizados espacialmente (horizontal) e temporalmente (vertical) de acordo com as relações entre cada um. A diferença é que, na geologia, são utilizados inúmeros caracteres presentes nas camadas para a caracterização das mesmas, não só as cores, como aqui fizemos. Como exemplo de caracteres utilizados pelos geólogos, podemos citar a natureza das mesmas (sedimentar, ígnea ou metamórfica), a geometria da camada (lenticular ou tabular), o tamanho, forma e disposição de seus grãos, as estruturas geológicas presentes, etc. Por mais diversas que as combinações entre tais caracteres possam ser, determinados conjuntos de características podem se repetir muitas vezes ao longo de uma ou de distintas seqüências. Assim, conforme ilustrado na figura 1, o conjunto de cores das camadas apresenta algumas repetições que inviabilizam o pronto esclarecimento das relações espaciais entre as mesmas. Se a camada de carvão (preta) for assumida como a mesma para ambas as paradas (logo, como camada referencial), têm-se uma organização espacial e temporal das sequências conforme visto no perfil 1 (Fig. 1B), enquanto que, se a camada cinza clara for considerada como a mesma, tem-se uma organização espacial e temporal conforme visto no perfil 2 (Fig. 1B). Veja que, além da ordem vertical das camadas ser diferente de acordo com a camada que for considerada igual, pode haver também diferenças quanto ao número de determinadas camadas (duas cinza claras no perfil 1 e duas de carvão no perfil 2). Como saber qual é o perfil correto? A resposta a esse problema passa pelo esclarecimento de qual é a camada que, de fato, se repete em ambas as paradas. Este problema tem solução graças a um processo natural: a EVOLUÇÃO BIOLÓGICA. Pela evolução dos seres, sabemos que as espécies surgem e se extinguem ao longo do tempo. E, ao contrário do que ocorre com o conjunto de caracteres geológicos que caracterizam cada rocha, o conjunto de caracteres biológicos que caracterizam cada espécie não se repete jamais. Afortunadamente, grande parte deste histórico evolutivo da vida está satisfatoriamente preservada como fósseis nas rochas. Lembrando-se de nosso exemplo inicial, quando o conteúdo de cada gaveta nos ajudava a recolocá-las no armário segundo a ordem exata com que se encontravam antes de serem retiradas, o conteúdo fóssil de cada camada será fundamental para podermos colocar as rochas de diferentes localidades na ordem que elas de fato foram formadas. Então, vamos agora à figura 2, que contém o conteúdo fossilífero das camadas e não só apenas as cores como informações disponíveis à observação. Com base nos fósseis, ficamos sabendo que o conteúdo fossilífero da camada de carvão da parada 1 é diferente do conteúdo fossilífero da camada de carvão presente na parada 2, logo, não se trata da mesma camada. Ao contrário, o conteúdo fossilífero da camada cinza clara da parada 1 é igual àquele da parada 2, logo, podemos considerar elas como se fossem a mesma. De posse dessa informação, obtemos então, um empilhamento das camadas como aquele visto no perfil 2 da figura 1 e no perfil da figura 2. A área da geologia que estuda a ordenação das rochas no tempo e no espaço chama-se Estratigrafia, a qual tem a Bioestratigrafia como subárea encarregada de efetuar a organização das camadas através dos
3 seus respectivos conteúdos fossilíferos, ou seja, através de caracteres biológicos preservados nas rochas. Figura 2 Correlação estratigráfica feita através do conteúdo fossilífero. Mas, porque empreender uma ordenação vertical e horizontal das camadas? No que isso é importante para a geologia? Resposta: para praticamente tudo. Em primeiro lugar, há uma importância científica enorme, pois é através deste empilhamento que podemos recontar a história da vida na Terra, uma vez que, como sabemos, camadas mais novas depositam-se sobre camadas mais antigas e assim por diante. Então, no nosso exemplo, a camada 1 é a mais antiga de toda a sequência, a camada 2 mais nova que essa e assim por diante, até a camada 5, que é a mais nova de todas. Com isto, conseguimos fazer uma espécie de datação relativa das camadas, pois após seu ordenamento espacial (horizontal), temos uma ordem temporal evidenciada pela disposição vertical das camadas no perfil. Desta mesma ordenação, torna-se possível estabelecer quando determinadas espécies surgiram e se extinguiram. Por isso a relação de reciprocidade entre evolução e paleontologia. Em segundo lugar, esta ordenação permite-nos estabelecer qual é a relação vertical e horizontal das camadas de distintas localidades. Para visualizar esse caso, vamos novamente à figura 1. Quando não sabíamos qual o conteúdo fossilífero de cada camada, a relação espacial entre a sequência presente na parada 1 e a sequência presente na parada 2 podia dar dois resultados possíveis (Fig. 1B e C). Se escolhêssemos o primeiro perfil e nos encontrássemos na parada 2, diríamos que a camada de carvão era a mesma que a vista na parada 1, e toda e qualquer exploração comercial que quiséssemos fazer deste carvão estaria restrita ao topo do morro. Ao contrário, após certificamo-nos de que o perfil dois é o correto, através da bioestratigrafia, sabemos que se perfurarmos para abaixo da camada cinza claro, encontraremos outra camada de carvão. Decisões como esta se fazem necessárias em qualquer atividade da geologia aplicada, bem como em qualquer estudo científico desejoso em saber os contextos geológicos de seus objetos de estudo. Assim, graças à evolução biológica dos seres, não só a história da Terra tornou-se acessível a nós, mas também a história da própria vida.
4 Exercício 1 Com base nas informações dadas no texto acima, experimente ordenar as camadas vistas na figura 3. Resposta:
5 Exercício 2 Observando-se a figura do exercício, percebe-se que a sequência completa das rochas não está presente em nenhum ponto. Isto se deve à erosão e intemperismo, fenômenos que desagregam e decompõem rochas pré-existentes, gerando sedimentos para a formação de novas rochas sedimentares. Assim, se atentarmos para os perfis constantes no exercício e os compararmos com o perfil composto resultante do empilhamento correto das camadas (vide resultado), veremos que no ponto 1, a sequência aflorante (exposta) está parcialmente completa, faltando apenas as camadas 1 e 2 da base. Neste caso, o que está abaixo da camada 3 não está aflorante, ou seja, está abaixo do chão. Se perfurarmos o chão nesta localidade, poderíamos saber se as camadas faltantes estão ou não lá. Quanto ao ponto 2, vemos que a deposição das rochas deu-se sem interrupções da camada 1 até a camada 3, mas após a deposição desta última, houve algum evento erosivo que decompôs com as camadas 4 e 5. Assim, a camada 6 depositou-se diretamente sobre a 3. Por fim, a camada 7, neste ponto específico, ou não foi depositada ou foi erodida, por isso não aparece acima da 6. Com base nas informações dadas a respeito dos motivos que levaram as sequências de camadas nos pontos 1 e 2 serem diferentes do perfil composto, tente explicar porquê as camadas 3 e 4 também não apresentem a sequência completa de deposição, conforme visto no perfil composto. Resposta No ponto 3, não é possível saber se abaixo da camada 3 ocorrem ou não as camadas 1 e 2, pois elas não estão aflorantes. Assim, partindo-se da 3, vemos que, a exemplo do que ocorreu no ponto 2, as camadas 4 e 5 sofreram erosão e a camada 7 não encontra-se sobre a camada 6 por ausência de deposição neste ponto específico OU por que houve erosão da mesma. Já no ponto 4, observamos que as camadas 2 e 5 foram erodidas. i Pesquisador do Laboratório de Micropaleontologia do Curso de Geologia da UNISINOS.
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