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2 ISSN (eletrônica) Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem Universidade do Sul de Santa Catarina Tubarão SC v. 16, n. 3, p , set./dez. 2016

3 Dados Postais/Mailing Address Revista Linguagem em (Dis)curso Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem Unisul A/C: Comissão Editorial Avenida José Acácio Moreira, Tubarão, Santa Catarina, Brasil Fone: (55) (48) Fax: (55) (48) lemd@unisul.br Site: Ficha Catalográfica Linguagem em (Dis)curso/Universidade do Sul de Santa Catarina. - v. 1, n. 1 (2000) - Palhoça: Ed. Unisul, Quadrimestral ISSN ; Linguagem - Periódicos. I. Universidade do Sul de Santa Catarina. CDD 405 Elaborada pela Biblioteca Universitária da Unisul Indexação/Indexation Os textos publicados na revista são indexados em: SciElo Brasil; EBSCO Publishing; LLBA - Linguistics & Language Behavior Abstracts (Cambridge Scientific Abstracts); MLA International Bibliography (Modern Language Association); Linguistics Abstracts (Blackwell Publishing); Ulrich s Periodicals Directory; Directory of Open Access Journals (DOAJ); Clase (Universidad Nacional Autónoma de México); Latindex; Journalseek (Germanics); Dialnet (Universidad de La Rioja); Social and Human Sciences Online Periodicals (Unesco); GeoDados (Universidade Estadual de Maringá); OASIS (Ibict); Portal de Periódicos (CAPES); Portal para Periódicos de Livre Acesso na Internet (Ministério da Ciência e Tecnologia, Brasil). The journal and its contents are indexed in: SciElo Brasil; EBSCO Publishing; LLBA - Linguistics & Language Behavior Abstracts (Cambridge Scientific Abstracts); MLA International Bibliography (Modern Language Association); Linguistics Abstracts (Blackwell Publishing); Ulrich s Periodicals Directory; Directory of Open Access Journals (DOAJ); Clase (Universidad Nacional Autónoma de México); Latindex; Journalseek (Germanics); Dialnet (Universidad de La Rioja); Social and Human Sciences Online Periodicals (Unesco); GeoDados (Universidade Estadual de Maringá); OASIS (Ibict); Portal de Periódicos (CAPES, Brazil); and Portal para Periódicos de Livre Acesso na Internet (Ministry of Science and Technology, Brazil).

4 Reitor Sebastião Salésio Herdt Vice-Reitor Mauri Luiz Heerdt Chefe de Gabinete Willian Corrêa Máximo Secretária Geral da Unisul Mirian Maria de Medeiros Pró-Reitor de Ensino, Pesquisa e Extensão Mauri Luiz Heerdt Pró-Reitor de Operações e Serviços Acadêmicos Valter Alves Schmitz Neto Pró-Reitor de Desenvolvimento Institucional Luciano Rodrigues Marcelino Assessor de Promoção e Inteligência Competitiva Ildo Silva Assessor Jurídico Lester Marcantonio Camargo Diretor do Campus Universitário de Tubarão Heitor Wensing Júnior Diretor do Campus Universitário da Grande Florianópolis Hércules Nunes de Araújo Diretor do Campus Universitário Unisul Virtual Fabiano Ceretta Programa de Pós-graduação em Ciências da Linguagem Fábio José Rauen (Coordenador) Nádia Régia Maffi Neckel (Coordenadora Adjunta) Av. José Acácio Moreira, Tubarão - SC Fone: (55) (48) Fax: (55) (48) Sítio:

5 Editores/Editors Fábio José Rauen (Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, Brasil) Maria Marta Furlanetto (Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, Brasil) Silvânia Siebert Editora Associada (Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, Brasil) Secretária Executiva/Executive Secretary Patrícia de Souza de Amorim Silveira (Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, Brasil) Comitê Editorial/Editorial Committee Adair Bonini (Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil) Andréia da Silva Daltoé (Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, Brasil) Carmen Rosa Caldas-Coulthard (University of Birmingham, Birmingham, Inglaterra) Débora de Carvalho Figueiredo (Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil) Freda Indursky (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil) Maurício Eugênio Maliska (Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, Brasil) Sandro Braga (Universidade Federal de Santa Catarina, Tubarão, Brasil) Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva (Univ. Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil) Conselho Consultivo/Advisory Board Alba Maria Perfeito (Universidade Estadual de Londrina, Londrina, Brasil) Aleksandra Piasecka-Till (Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil) Alessandra Baldo (Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, Brasil) Ana Cristina Ostermann (Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, Brasil) Ana Cristina Pelosi (Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Brasil) Ana Elisa Ribeiro (Centro Federal de Educação Tecnológica, Belo Horizonte, Brasil) Ana Zandwais (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil) Anna Christina Bentes da Silva (Universidade Estadual de Campinas, Campinas, Brasil) Anna Flora Brunelli (Universidade Estadual Paulista, São José do Rio Preto, Brasil) Angela Paiva Dionísio (Universidade Federal do Pernambuco, Recife, Brasil) Antônio Carlos Soares Martins (Instituto Fed. do Norte de Minas Gerais, Montes Claros, Brasil) Aparecida Feola Sella (Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel, Brasil) Belmira Rita da Costa Magalhães (Universidade Federal de Alagoas, Maceió, Brasil) Bethania Sampaio Corrêa Mariani (Universidade Federal Fluminense, Niterói, Brasil) Cleide Inês Wittke (Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, Brasil) Conceição Aparecida Kindermann (Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, Brasil) Cristina Teixeira Vieira de Melo (Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Brasil) Dánie Marcelo de Jesus (Universidade Federal do Mato Grosso, Rondonópolis, Brasil) Danielle Barbosa Lins de Almeida (Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Brasil) Désirée Motta-Roth (Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Brasil) Elisa Guimarães Pinto (Universidade Presiteriana Mackenzie, São Paulo, Brasil) Enio Clark de Oliveira (Texas Christian University TCU, Fort Worth, Texas, United States) Eric Duarte Ferreira (Universidade Federal Fronteira Sul, Chapecó, Brasil) Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin (Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Brasil) Fernanda Mussalim (Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, Brasil) Gisele de Carvalho (Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil) Heloísa Pedroso de Moraes Feltes (Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, Brasil) Heronides Maurílio de Melo Moura (Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil) João Carlos Cattelan (Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel, Brasil) José Luiz Vila Real Gonçalves (Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, Brasil) Júlio César Araújo (Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Brasil) Leila Barbara (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, Brasil)

6 Lilian Cristine Hübner (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, p. Alegre, Brasil) Luiz Paulo da Moita Lopes (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil) Manoel Luiz Gonçalves Corrêa (Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil) Marci Fileti Martins (Universidade Federal de Rondônia, Guajará-Mirim, Brasil) Maria Antónia Coutinho (Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal) Maria Cecília de Miranda Nogueira Coelho (Univ. Federal de Minas Gerais, B. Horizonte, Brasil) Maria da Conceição Fonseca-Silva (Univ. Est. do Sudoeste da Bahia, Vitória da Conquista, Brasil) Maria de Fátima Silva Amarante (Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, Brasil) Maria Elias Soares (Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Brasil) Maria Ester Moritz (Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil) Maria Inês Ghilardi Lucena (Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, Brasil) Maria Izabel Santos Magalhães (Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Brasil) Maria Otilia Ninin (Universidade Paulista, Santana de Parnaíba, Brasil) Mariléia Silva dos Reis (Universidade Federal de Sergipe, Itabaiana, Brasil) Marly de Bari Matos (Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil) Maurício Eugênio Maliska (Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, Brasil) Mônica Magalhães Cavalcante (Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Brasil) Mônica Santos de Souza Melo (Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, Brasil) Nicolás Bermúdez (Universidad de Buenos Aires/Universidad Nacional del Arte, Buenos Aires, Argentina) Nívea Rohling (Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, Brasil) Nukácia Meyre Silva Araújo (Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, Brasil) Onici Claro Flôres (Universidade de Santa Cruz do Sul, Santa Cruz do Sul, Brasil) Orlando Vian Jr. (Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, Brasil) Patrícia da Silva Meneghel (Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, Brasil) Pedro de Moraes Garcez (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil) Pedro de Souza (Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil) Renilson Menegassi (Universidade Estadual de Maringá, Maringá, Brasil) Ricardo Moutinho (Universidade de Macau, Macau, China) Roberto Leiser Baronas (Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, Brasil) Rossana de Felippe Böhlke (Fundação Universidade do Rio Grande, Rio Grande, Brasil) Sandro Braga (Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil) Sebastião Lourenço dos Santos (Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, Brasil) Sílvia Ines C. C. de Vasconcelos (Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil) Silvânia Siebert (Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, Brasil) Simone Padilha (Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, Brasil) Solange Leda Gallo (Universidade do Sul de Santa Catarina, Palhoça, Brasil) Sônia Maria de Oliveira Pimenta (Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil) Susana Borneo Funck (Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil) Telma Nunes Gimenez (Universidade Estadual de Londrina, Londrina, Brasil) Vanessa Wendhausen Lima (Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, Brasil) Vera Lúcia Lopes Cristovão (Universidade Estadual de Londrina, Londrina, Brasil) Vilson José Leffa (Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, Brasil) Wander Emediato (Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil) Equipe Técnica/Technical Team Tradução e revisão/translation and Revision Editores (português); Elita de Medeiros (inglês e espanhol) Bolsista/Trainee Rosane Lemos Barreto Diagramação/Layout Fábio José Rauen

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8 SUMÁRIO/CONTENTS EDIÇÃO CORRENTE/CURRENT EDITION Apresentação/Presentation 379 Artigos de Pesquisa/Research Articles O racismo nos anúncios de emprego do século XX The racism in job advertisements in the 20 th century El racismo en anuncios de trabajo del siglo XX Kelly Cristina de Oliveira Sonia Maria de Oliveira Pimenta 381 Do you need to know the person to donate? Facebook strategies in brazilian blood donation campaigns: a multimodal analysis Para doar sangue você precisa conhecer a pessoa? Estratégias de polidez em campanhas brasileiras de doação de sangue: uma análise multimodal Necesita conocer a la persona para donar? Estrategias de Facebook en las campañas de donación de sangre en Brasil: un análisis multimodal Luzia Schalkoski Dias Angela Mari Gusso 401 Risos e futebol: um ensaio sobre as paixões na mídia esportiva Laughters and soccer: an essay on the passions in sports media Risas y fútbol: un ensayo sobre las pasiones en la media deportiva Rony Petterson Gomes do Vale 421 O Acre não existe? Nas desnotícias, não Does not Acre exist? In unnews, it does not Acre no existe? En desnoticias, no Ana Cristina Carmelino Karine Silveira 433 A constituição da subjetividade no discurso do idoso sobre si Página375 The constitution of subjectivity in elderly discourse about himself/herself La constitución de la subjetividad en el discurso del mayor sobre si mismo Adélli Bortolon Bazza 449

9 Dos discursos do Papa Francisco à produção e circulação de pequenas frases: a construção do Papa heterodoxo From Pope Francis speeches to the production and circulation of small phrases: the construction of the heterodox Pope De los discursos de Papa Francisco hasta la producción y circulación de pequeñas frases: la construcción del Papa heterodoxo Marilena Inácio de Souza 465 Sujeito do ensino e articulações de poder: consenso de verdades na Educação Subject of teaching and power articulations: consensus of truth in Education Sujeto de enseñanza y articulaciones de poder: consenso de verdades en la Educación Antonio Genário Pinheiro dos Santos Maria Eliza Freitas do Nascimento 489 O flaming (ou violência verbal em mídia digital) e suas funções na esfera pública Flaming (or verbal violence in digital media) and its functions in the public sphere El flaming (o violencia verbal en media digital) y sus funciones en la esfera pública Anna Elizabeth Balocco 503 DOSSIÊ: COGNIÇÃO E NTERFACES COM EDUCAÇÃO, SAÚDE/NEUROCIÊNCIAS E SOCIEDADE DOSSIER: COGNITION AND INTERFACES: EDUCATION, TECHNOLOGY, HEALTH/NEUROSCIENCE AND SOCIETY Apresentação/Presentation 523 Artigos de Pesquisa/Research Articles Da análise semântica do discurso à ação educativa um mapa da crise da sala de aula From the semantic discourse analysis to educational action a classroom crisis map Del análisis semántico del discurso hasta la acción educativa un mapeo de la crisis de la sala de aula Página376 Neusa Salim Miranda Luciene Fernandes Loures 525

10 Convergências entre Semântica de Frames e Lexicografia Similarities between Frame Semantics and Lexicography Convergencias entre Semántica de Frames y Lexicografía Rove Chishman 547 Cognição e sociedade: um olhar sob a óptica da Linguística Cognitiva Cognition and society: a view from the perspective of Cognitive Linguistics Cognición y sociedad: una mirada bajo el punto de vista de la Lingüística Cognitiva Solange Coelho Vereza 561 Das relações entre linguagem, cognição e interação algumas implicações para o campo da saúde Relationships between language, cognition and interaction some implications for the Health field De las relaciones entre lenguaje, cognición e interacción algunas implicaciones para el campo de la Salud Edwiges Maria Morato 575 Minding your manners: linguistic relativity in motion Olhando seus modos: a relatividade linguística em movimento Mirando a sus modos: la relatividad lingüística en movimiento Michele I. Feist 591 Como o milagre da leitura é possível? Investigando processos biológicos e culturais da emergência de sentidos durante a leitura How is the miracle of reading possible? Investigating biological and cultural processes of emergent meaning while reading Cómo el milagro de la lectura es posible? Investigando procesos biológicos y culturales de la emergencia de sentidos durante la lectura Rosângela Gabriel 603 Página377

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12 DOI: APRESENTAÇÃO/PRESENTATION Página379 Um clássico da biologia, divulgado em 1976 The selfish gene, de autoria de Richard Dawkins 1, serve-nos de inspiração para tratar do fundamento de não poucos trabalhos que investigam as práticas sociais humanas, aí incluída relevantemente a linguagem humana em suas características culturais, desdobradas em uma miríade de temáticas: racismo, humor, violência, poder, cognição, interação..., em todos os campos discursivos, pela memória. Como as espécies surgem e evoluem? Com seu evidente bom humor, Dawkins crê que a pergunta fatal de um alienígena que chegasse à Terra e tentasse avaliar nossa civilização seria: Eles já descobriram a evolução? E desde esse início até o final da obra, o autor consegue, com uma linguagem informal (divulgação científica) e explorando as possibilidades da metáfora, explicar a função e o alcance dos genes como replicadores biológicos, indo além, a partir daí, ao que diz respeito, analogamente, às Ciências Sociais: as unidades replicadoras de transmissão social os memes. É no capítulo 11 que Dawkins trata disso explicitamente: Memes: os novos replicadores. Cultura é a palavra-chave para sintetizar a outra face da moeda da vida humana 2 que, biologicamente, corresponde ao que Dawkins chama máquina de sobrevivência (dos seres vivos): transmissão genética/transmissão cultural (DAWKINS, 2007, p. 325). A linguagem verbal e todas as formas culturais demonstram exatamente o que seja a evolução cultural. E por aí começa-se a perceber o papel da memória. O replicador cultural, que levaria a outra modalidade de evolução, diz Dawkins, está bem diante de nós, embora ainda esteja na fase de infância. É para essa unidade que o autor busca um nome. Mimeme é a primeira sugestão, a partir do grego (mimese, imitação), que ele abrevia para meme (ou mema, se lhe dermos feição portuguesa). A forma guarda proximidade com memória, que é do que se trata, afinal meme, memória, mesmo, repetição, identidade, paráfrase... Há todo um espectro do que se pode apontar como memético em suas funções no solo da cultura: palavras, expressões, comportamentos, religiões, ideias, tendências (liberdade, igualdade, fraternidade, teorias da conspiração, boatos, ditados, aforismos, slogans, canções). É possível falar aqui, movendo-nos no campo da ética, até mesmo em plágio e autoplágio. E podemos nos mover para uma designação que abraça todos esses campos: ideologia. Analogamente ao que sucede com os genes, que se propagam passando de corpo para corpo no jogo da herança (reprodução), memes se propagam de cérebro para cérebro, promovendo a repetição (DAWKINS, 2007, p. 330), o que constitui aquilo que, no campo da linguagem, pode ser designado como paráfrase. A memória cognitiva, coletiva, 1 O gene egoísta. São Paulo: Companhia das Letras, [1976] Embora, como garante o autor, a transmissão cultural não seja privilégio da espécie humana. FURLANETTO, Maria Marta; RAUEN Fábio José; SIEBERT, Silvânia (Eds.). Apresentação. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

13 discursiva, imagética, sonora, tátil, gustativa) guarda essas marcas, na consciência ou na inconsciência. Torna estável, ainda que o esquecimento, o deslocamento ou a renovação se processem de tempos em tempos. Com efeito: como expressa Dawkins, replicadores culturais não têm a mesma estabilidade/fidelidade de cópia dos genes. Em algum grau, aliás, o deslocamento é a regra movimento de dispersão, deslocamento, atravessamento. A fecundidade e a durabilidade dos memes dependem de vários fatores. Dawkins explica que a primeira característica é mais importante que a segunda. Ideias científicas, por exemplo, dependem do grau de aceitação junto aos cientistas; o grau de impacto delas pode ser calculado pelo número de referências feitas a elas onde possam aparecer (livros, periódicos, divulgação em geral) (p. 333). Nos textos que escrevemos e os que divulgamos nesta edição são exemplos disso o trabalho da memória, com todos os ingredientes adiantados sobre o movimento da cultura, com seus temas e desdobramentos, manifestam, em algum sentido e em algum grau, as características e processos do funcionamento da memória, do imaginário, da ideologia, com a imbricação dessas unidades culturais os memes, amplas ou partidas em elementos menores, atuando entre a repetição e a diferença, renovando-se em graus variados. Esperamos que esta exposição sintética possa ser um elemento coadjuvante para a leitura dos textos aqui publicados. Maria Marta Furlanetto Fábio José Rauen Silvânia Siebert Editores Página380 FURLANETTO, Maria Marta; RAUEN Fábio José; SIEBERT, Silvânia (Eds.). Apresentação. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

14 DOI: O RACISMO NOS ANÚNCIOS DE EMPREGO DO SÉCULO XX Kelly Cristina de Oliveira * Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas Departamento de Filologia e Língua Portuguesa São Paulo, São Paulo, Brasil Sonia Maria de Oliveira Pimenta ** Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Letras Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil Resumo: Neste artigo, verifica-se como a publicação de anúncios de emprego com exigências fenotípicas e critérios comportamentais contribuiu para agravar a desigualdade social e econômica entre brancos e não brancos no Estado de São Paulo, início do século XX. O corpus é formado por 20 anúncios de oferta e procura de empregos dos jornais Correio Paulistano e O Estado de S.Paulo, ambos influentes na sociedade paulistana. Essa escolha se justifica devido ao caráter documental inerente a esse gênero discursivo. Para a análise, utiliza-se o arcabouço teórico da Análise Crítica do Discurso (ACD) desenvolvida por Fairclough (2003; 2008), e os estudos de racismo por van Dijk (2010). Nessa perspectiva, o gênero é tomado como modo de ação, uma das representações que Fairclough atribui ao discurso. Este foi entendido como elemento de práticas sociais, e analisado dentro de um contexto sociopolítico e ideológico da sociedade em que os textos foram produzidos. Palavras-chave: Análise Crítica do Discurso. Ideologia. Racismo. Anúncio de emprego. Jornal. 1 INTRODUÇÃO Página381 O Brasil foi o último país na América a extinguir a escravidão, oficialmente em Antes disso, leis como a Lei Eusébio de Queirós, 1850, a Lei do Ventre Livre, 1871, e a Lei dos Sexagenários, 1885, e várias rebeliões já haviam diminuído e onerado essa prática. O surgimento de uma classe de trabalhadores livres era urgente para um país que buscava crescimento e reconhecimento internacional. Para isso, era preciso desvencilharse dos resquícios da Monarquia, civilizar os operários e tonar-se, de fato, uma República. * Doutora em Filologia e Língua Portuguesa. Pós-doutoranda. Bolsista CAPES. kellycristina@usp.br ** Doutora em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem. Professora Doutora Associada do Programa de Pós-Graduação em Estudos linguísticos, UFMG. soniapimenta1@gmail.com OLIVEIRA, Kelly Cristina de; PIMENTA, Sonia Maria de Oliveira. O racismo nos anúncios de emprego do século XX. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

15 Página382 Esses fatos, no entanto, não garantiriam direitos fundamentais para que os exescravos fossem reconhecidos como cidadãos, principalmente em São Paulo; eles se viram numa sociedade sem nenhuma legislação que proibisse a segregação étnico-racial, ou que provesse alguma política social econômica para integrá-los ao novo Estado de coisas, como apontam Silva e Rosemberg (2008, p. 75). Os não escravos ficaram à margem do processo de civilização, pois muitos foram expulsos das antigas moradas e tiveram que morar em favelas, ficando expostos a doenças como sífilis, lepra, tuberculose e esquistossomose. Além disso, foram substituídos por mão de obra europeia (principalmente em São Paulo) e negados em novos postos de emprego. Seu status modificou de escravo-trabalhador para trabalhador-escravo; órfão de direitos [escravo] e estigmatizado por 350 anos de escravismo, como relata Santos (2000, p. 58). O país abria as portas para os imigrantes europeus, especialmente para os que aportavam em São Paulo, ex-província, que crescia econômica e industrialmente. Entretanto, a chegada desses imigrantes não servia apenas para sanar as necessidades de mão de obra emergente, em nome do progresso, mas, principalmente, para pôr em prática a política de branqueamento de raças. Ao chegar, muitos serviços que antes eram prestados por ex-escravos passaram a ser executados por brancos europeus, nem sempre porque estes eram mais especializados que aqueles, mas porque os europeus traziam na pele a esperança do patronato paulista de formar uma nação forte, livre de vícios da escravidão, mais ativa e não preguiçosa. Tais pensamentos eram advindos de estereótipos negativos acerca dos afrodescendentes, resultando em preconceitos 1, e perdurados por décadas após a abolição, solidificando, dessa forma, o racismo 2 no Brasil. Os jornais tinham papel fundamental nesse processo, porque contribuíram para disseminar essas crenças discriminatórias. Inicialmente citavam os negros em anúncios de venda e troca como se fossem mercadorias. Depois, os negros eram descritos em pequenas notas que revelavam suas fugas. Eles também constavam na seção de ocorrências policiais, quando eram envolvidos em brigas, assassinatos e outras rebeldias, como verdadeiras feras. Em editoriais, por exemplo, era comum encontrar conteúdos relativos à sua inferioridade, como o descrito pelo Correio Paulistano de 1892: O negro só sabia ser sensual, idiota, sem a menor idéia de religião, de outra vida moral e nem sequer de justiça humana. Dançar no domingo, embriagar-se, era sua única atividade [...]. 1 De acordo com Mazzara (1999, p.16), o preconceito é a tendência de pensar (e atuar) de forma desfavorável frente a um grupo. Agora podemos acrescentar que tal disposição desfavorável repousa sobre a convicção de que esse grupo ou categoria possui traços bastante homogêneos que são considerados negativos. Nesse sentido, o estereótipo pode ser considerado como núcleo cognitivo do preconceito. Nossa tradução para: Definido el prejuicio como la tendência a pensar (y actuar) de forma desfavorable frente a un grupo. Podemos ahora agregar que tal disposición desfavorable se apoya en la conviccion de que ese grupo o categoria posee em forma bastante homogenea los rasgos que se consideran negativos. En este sentido, como se ha dicho el estereotipo puede considerarse el nucleo cognitivo del prejuicio. 2 O termo racismo é entendido como um complexo sistema social de dominação, fundamentado étnica ou racialmente, e sua consequente desigualdade [...]. O sistema de racismo é composto por um subsistema social e um cognitivo. O subsistema social é constituído por práticas sociais de discriminação no (micro)nível local, e por relações de abuso de poder por grupos, organizações e instituições dominantes em um (macro)nível de análise [...] (VAN DIJK, 2010, p. 134). OLIVEIRA, Kelly Cristina de; PIMENTA, Sonia Maria de Oliveira. O racismo nos anúncios de emprego do século XX. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

16 Na verdade, o que pode ser observado é que muitos comportamentos tidos como rebeldes estavam relacionados à tentativa de resistência aos castigos físicos, à resistência ao processo de escravidão e resistência à imposição de práticas culturais dos brancos e nacionais. Sodré (2004, p ) relata que era comum que os negros negassem os valores do mundo branco, assumindo, muitas vezes, um estilo de vida alternativo, expressado pela prática de resistência cultural (samba, capoeira, macumba e malandragem) [...]. Acerca dos estereótipos que faziam parte do imaginário da elite paulistana, Moura (2004, p. 63) elencou os principais, dividindo-os em duas partes: o que o negro simbolizaria e o que o europeu branco simbolizaria, conforme reproduzido a seguir: Quadro 1 Simbologia do Negro e do Imigrante para os paulistanos, segundo estudos de Moura (2004, p. 63) Negro simbolizaria Atraso Barbárie Passado Devassidão Escravidão Primitivismo e selvageria Africanização ou enegrecimento Imigrante branco europeu simbolizaria Progresso e desenvolvimento Cultura Futuro Moral Liberdade Civilização Clareamento da raça ou branqueamento Esses estereótipos eram disseminados por meio de diversas práticas sociais e discursivas, apontando como a dimensão cognitiva do racismo foi capaz de afetar as crenças de toda a sociedade, influenciando condições mentais específicas (estereótipos, preconceitos, crenças, ideologias) acerca do que simbolizava o negro e do que simbolizava o imigrante. Possivelmente influenciados por essas simbologias e também por acreditarem estar pondo em funcionamento a ideia de progresso e de civilização, muitos comerciantes e industriais usavam esses estereótipos como critérios de contratação de mão de obra. Os negros não eram considerados, portanto, aptos para preencher todos os setores econômicos que estavam em desenvolvimento, apenas os braçais, os mais precários, os menos dinâmicos, ou seja, aqueles que lhes davam menos visibilidade social e, por fim, os que tinham menos contato com o público. Ficavam, dessa forma, expostos às práticas de exclusão social e econômica e, a mais dolorosa delas, ao racismo. 2 ABORDAGEM TEÓRICA E METODOLOGIA Página383 Para analisarmos o racismo nos anúncios de emprego no jornal Correio Paulistano, utilizaremos o arcabouço teórico da Análise Crítica do Discurso desenvolvida por Fairclough, visto que permite analisar como a linguagem, numa relação dialética com a OLIVEIRA, Kelly Cristina de; PIMENTA, Sonia Maria de Oliveira. O racismo nos anúncios de emprego do século XX. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

17 vida social, trabalha ideologicamente no estabelecimento, na (re)produção e na mudança nas relações desiguais de poder. Chouliaraki e Fairclough (1999, p. 19), baseados nos estudos do realismo crítico, entendem a vida social como um sistema aberto, não previsível, dividido nas seguintes dimensões: estruturas sociais, práticas sociais e eventos. Qualquer operação dessas dimensões envolve a operação de vários mecanismos, numa rede bem complexa, e envolve a agência humana, numa relação de dualidade: as práticas sociais dependem das ações humanas para existirem e a agência humana se realiza por meio das práticas sociais. As estruturas sociais são entidades mais abstratas, mais rígidas, tais como a estrutura econômica, a classe social, a classe racial, a língua e etc.. O que torna possível a existência, a permanência e a possível mudança dessas estruturas, segundo Chouliaraki e Fairclough (1999, p.21), são as práticas sociais. Estas são modos habituais vinculados ao tempo e espaço, praticados pelos agentes sujeitos que aplicam recursos (materiais ou simbólicos) para agir no mundo. Essas práticas, de estabilidade relativa, constituem as diversas atividades sociais, políticas, econômicas, culturais e cotidianas dos sujeitos, tais como aulas, negociações, consultas médicas, casamentos etc.. De acordo com Fairclough (2003, p. 23), são as estruturas sociais que definem um potencial, ou seja, um conjunto de possibilidades ou de coerções de ações que podem concretizar-se, por intermédio das práticas sociais, em eventos sociais (discursivos e não discursivos). Textos fazem parte desses eventos sociais e, porque estão vinculados às práticas e às estruturas sociais, são capazes de gerar poderes causais nas pessoas, mudando suas maneiras de pensar, suas crenças e suas atitudes. Fairclough (2003, p. 25), baseado em Giddens (2003), afirma que cada prática social é uma articulação 3 dos diversos tipos de elementos sociais que estão associados às diversas áreas da vida social. A prática social medeia a estrutura social e eventos sociais, como pode ser visto no esquema 1, a seguir: Esquema 1 Estrutura social e evento social Estrutura Social Práticas Sociais Eventos Sociais Página384 Quando as estruturas são mais conservadoras, tendem a se perpetuar por mais tempo e espaço, por meio das diversas práticas sociais. Por outro lado, quando são mais modernas, tendem a se modificar com mais facilidade, também por meio dessas práticas. As práticas sociais são operadas pela agência dos sujeitos e por suas ações sociais. Os 3 O princípio articulatório, como define Laclau, visa à condensação de diferentes ideologias de classes (e não classistas como o nacionalismo e o populismo) antagônicas entre si, mas que são unificadas por uma contradição antagônica, e sobredeterminante na formação social, que é a contradição povo em oposição ao bloco no poder. É a partir dessa condensação desses elementos dispersos em diversas ideologias que Laclau considera a possibilidade da formação de uma hegemonia. [...] Um dos aspectos mais significativos nessa análise de Laclau é o papel das tradições populares como um dos elementos ideológicos dessa articulação (MOTTA; SERRA, 2014, p.138). OLIVEIRA, Kelly Cristina de; PIMENTA, Sonia Maria de Oliveira. O racismo nos anúncios de emprego do século XX. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

18 sujeitos agem e interagem por meio dos gêneros (relação social), acionam suas crenças e atitudes (fenômeno mental) e interagem com o mundo material (atividade material). As estruturas podem, portanto, sofrer alterações pelas ações coletivas desses sujeitos e, ao mesmo tempo, podem modificá-los, segundo Giddens (2003, p. 29). Apesar de as estruturas sociais, práticas sociais e eventos comporem as relações externas ao discurso, são de extrema importância para compor um estudo que prime pela relação dialética entre sociedade e discurso, como propõe Fairclough (2003). Em nossa análise, podemos esquematizar esse conceito da seguinte forma: Esquema 2 Estrutura social atrelada a nossa pesquisa Página385 Essas práticas sociais são organizadas e reguladas por um elemento ordenador denominado ordem do discurso. Nessa ordem, encontram-se gênero, discurso e estilo que constituem as relações interdiscursivas. O gênero é entendido como modo de agir/interagir e funciona como meio de governança, na sustentação da estrutura institucional da sociedade contemporânea. Cada vez que há mudança na articulação das práticas sociais, os gêneros também se transformam, se rearranjam, gerando novos gêneros. Eles podem sofrer pressões sociais para continuarem estáveis ou podem sofrer transformações mais rápidas, quando há pressão para uma nova ordem social (FAIRCLOUGH, 2003, p. 66). Existe, nos gêneros, portando, um objetivo transformacional. É nesse sentido, portanto, que o gênero anúncio de emprego (parte de um evento social discursivo) é entendido, como instrumento de ação/interação discursiva dos seus sujeitos agentes (empregadores). Devido às pressões políticas e econômicas, deixou de atender a um sistema escravocrata, passando a servir a um sistema industrial em ascensão; não encontramos mais aluga-se ou vende-se um escravo depois do período de escravidão, mas anúncios de precisa-se de alguém para trabalhar. Vimos, nesse caso, uma rearticulação do gênero de compra e venda de escravos para anúncios de emprego, cuja função passa a ser de contratação de mão de obra remunerada e, além disso, meio de ação da elite para civilizá-los. OLIVEIRA, Kelly Cristina de; PIMENTA, Sonia Maria de Oliveira. O racismo nos anúncios de emprego do século XX. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

19 Já o estilo está relacionado a modos de ser, de se identificar discursivamente (a si mesmo e a outros), ou seja, à identidade (FAIRCLOUGH, 2003, p. 26). Quando alguém se apresenta como médico, como engenheiro, como carpinteiro, apresenta-se com a identidade atribuída a essas profissões, por exemplo. Por fim, o discurso, parte irredutível da vida social, é empregado em dois sentidos: Como substantivo abstrato, refere-se a linguagens e outros tipos de semioses, como elemento irredutível da vida social, e é grafado com D maiúsculo. Como substantivo concreto, é modo particular de representar aspectos do mundo, grafando-se com d minúsculo. Todas essas três formas gêneros (ações), estilos (identificações) e discursos (representações) compõem o sentido do texto e são entendidas como representações do discurso. O discurso, quando incorpora significações (semiose) que contribuem para a estruturação e manutenção de poder, adquire um sentido negativo e, por isso, o conceito ideológico também toma essa concepção negativa 4. Entretanto, afirma o autor, nem todo discurso é ideológico (negativo), pelo menos, não na mesma escala (FAIRCLOUGH, 2003, p. 91). O autor entende ideologia como modo de significar ou construir a realidade, que abrange o mundo físico, as representações mentais e as representações e identidades sociais dos sujeitos. Essas significações/construções atingem diversas dimensões e atuam na produção, manutenção, reprodução e/ou transformação das relações de poder, de dominação e de exploração. A ideologia pode ser legitimada por meio das ações sociais e inculcada nas identidades sociais, por meio da linguagem, de várias formas e em diversos níveis (FAIRCLOUGH, 2008, p ; FAIRCLOUGH, 2003, p. 9). Entretanto, a ideologia pode ser transcendida pelos sujeitos agentes, quando conseguem ativar sua capacidade de reflexão e ação por meio das diversas práticas discursivas e sociais, resultando na alteração das relações de dominação, entendida como hegemonia. Segundo Gramsci (1971, p.12), a hegemonia é mais efetiva quando praticada por um grupo dominante de posição privilegiada, que usa uma forma de poder intelectual, a fim de obter consentimento do grupo dominado, como se lê a seguir: Página386 O espontâneo consentimento dado pela grande massa da população para a direção geral imposta à vida social pelo grupo essencialmente dominante (e.g., por meio de seus intelectuais que atuam como agentes ou adjuntos) é historicamente causado pelo prestígio (e consequente confiança) de que o grupo dominante se serve, por causa da sua posição e função no mundo da produção. 5 4 Thompson (2011, p ) elaborou uma tabela didática, contendo algumas concepções que o termo ideologia adquiriu, segundo a perspectiva de Destutt de Tracy, Lenin, Lukács, Mannheim, Napoleão e Marx. O autor (2011, p ) dividiu essas concepções em dois tipos gerais: concepções neutras e concepções críticas. Nas primeiras, a ideologia não serve a interesses de grupos particulares. Trata-se de um aspecto da vida social e pode ser utilizada para alcançar a vitória de qualquer combatente, desde que este tenha habilidades e recursos necessários para obtê-la e utilizá-la. Nesse sentido, a ideologia não precisa ser, necessariamente, combatida ou eliminada. Nas segundas, a ideologia é classificada, de acordo com critérios de negatividade, tais como engano, ilusão e poder de alcance parcial. Pode ainda estar relacionada à sustentação de relações de dominação e a interesses de classes dominantes. É justamente esta concepção negativa que é a adotada por Fairclough (2003; 2008). 5 Nossa tradução para: The 'spontaneous' consent given by the great masses of the population to the general direction imposed on social life by the dominant fundamental group [i.e, through their intellectuals who act as their agents or deputies]; this consent is 'historically' caused by the prestige (and consequent confidence) which the dominant group enjoys because of its position and function in the world of production. OLIVEIRA, Kelly Cristina de; PIMENTA, Sonia Maria de Oliveira. O racismo nos anúncios de emprego do século XX. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

20 Página387 Baseado em Gramsci, Fairclough (2008, p. 92) relata que, quando uma das classes é definida economicamente como fundamental, devido a sua aliança com outras forças sociais, temos a forma de hegemonia. Entretanto, esse poder é parcial com durabilidade limitada. Isso ocorre porque as hegemonias (re)produzidas podem ser refutadas e modificadas, quando há lutas hegemônicas contra as desigualdades produzidas nesses setores, de diferentes níveis e domínios 6. Há uma luta constante, porque o poder, como um todo, nunca é alcançado na sua totalidade. Constroem-se, rompem-se e mantêm-se novas alianças, novas integrações, envolvendo os interesses da sociedade heterogênea, antagônica e dinâmica, a fim de transformar as ideologias passadas em novas lutas de classes. Há, de fato, uma tensão nesse conceito de articulação de poder, que exige sempre novas lutas de classes, conforme novas demandas sociais vão surgindo. Por causa dessa possibilidade de mudança hegemônica é que a ACD, de Fairclough, entende os sujeitos como agentes sociais, porque são parcialmente afetados pelas estruturas, mas isso não os impede de, quando ativadas suas potencialidades, serem capazes de ter autorreflexão para agir socialmente e transformar as relações de poder. Dessa forma, o agente social é capaz de agir sobre o mundo e sobre os outros, dentro de uma liberdade relativa. Em suas ações, usam os gêneros, que funcionam como dispositivos de poder, capazes de controlar o que combina com o que e em que ordem, incluindo qual configuração e ordenação de discursos é a mais adequada (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999, p ). É preciso considerar ainda em quais relações sociais os participantes do discurso estão inseridos e, a partir daí, verificar quais as possíveis ações estão sendo praticadas por meio dos gêneros, e em que circunstâncias, visto que há uma cadeia de gêneros que contribuem para possibilidades de ações que transcendem diferenças no tempo e no espaço, articulam eventos sociais nas suas diferentes práticas e facilitam a ação à distância, ou seja, o exercício do poder (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999, p. 31). Observamos que o leitor, em contato com anúncios de emprego, estava também diante de ações que iam além de mediar as necessidades de contratação de mão de obra, isto é, estava diante de normas de conduta discriminatórias exigidas por determinada classe social: a dos patrões. O anúncio de emprego consolidava comportamentos morais ao exigir, por exemplo, critérios relacionados à boa conduta, conduta do branco civilizado, em vez de exigir critérios profissionais que os colocassem em igualdade de competição. Esses comportamentos funcionavam como reguladores da sociedade, advindos das estruturas mais rígidas e concretizados nas práticas sociais, nesse caso, contratação de mão de obra, em forma de eventos sociais, anúncios e contratos de emprego. 6 É essa possibilidade de mudança hegemônica que explica a criação de Leis, no século seguinte, que coíbem práticas discriminatórias, bem como anúncios de emprego, no presente século, contendo essas práticas. O jornal O Estado de S.Paulo, por exemplo, reserva um anúncio alertando os anunciantes que De acordo com o artigo 5 da CF/88 art.373 A da CLT, não é permitido anúncio de emprego no qual haja referência quanto ao sexo, idade, cor, situação familiar, ou qualquer palavra que possa a ser interpretada como fator discriminatório, salvo quando a natureza da atividade, pública e notoriamente, assim o exigir. (O ESTADO DE S.PAULO, 2015, p.5). OLIVEIRA, Kelly Cristina de; PIMENTA, Sonia Maria de Oliveira. O racismo nos anúncios de emprego do século XX. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

21 O preconceito se torna mais evidente nos setores trabalhistas, como aponta Barbosa (2004, p. 125), principalmente quando se adota critérios subjetivos para selecionar pessoas: a adoção de critérios subjetivos no momento das entrevistas, com caráter eliminatório, e outros tipos de exame seletivo eram métodos refinados que derrotavam os negros na disputa por um emprego. Nossa investigação centra-se, portanto, em escolhas lexicais que compunham esses eventos sociais, gênero anúncios de emprego, feitas por uma elite paulistana (patronato) que, por meio de seus critérios subjetivos, baseados em critérios morais de uma classe, discriminava as minorias (proletariado não branco). Neste artigo, são analisados 20 anúncios de emprego, sendo 5 de pessoas se oferecendo, ou sendo oferecidas 7, e 15 de empregadores que procuravam mão de obra. Esses anúncios foram retirados dos jornais Correio Paulistano e O Estado de S.Paulo, ambos influentes na sociedade paulistana, disponíveis no acervo Hemeroteca Digital, on line. Foram selecionados aqueles que continham critérios subjetivos relacionados às questões étnicas e comportamentais, tais como cor, origem estrangeira, aparência e boa conduta, nos períodos de 1903 a Esse período foi escolhido como parte de pós-doutoramento, supervisionado pela professora Dra. Sônia Maria de Oliveira Pimenta, dando continuidade a uma pesquisa diacrônica de doutorado realizada por Oliveira (2012), que analisou anúncios de emprego no jornal Correio Paulistano de 1854 a A FORMAÇÃO DE UMA REPÚBLICA LIMPA Página388 A República, proclamada em 1889, ficou marcada, segundo os autores Silva e Rosemberg (2008, p.77) por um sistema de classificação racial, baseado na aparência resultante de apreensão simultânea de traços físicos (cor da pele, traços da face, cabelos, condições socioeconômica e região de residência) [...]). A prática de usar essa classificação não era restrita apenas a finalidades de pesquisas demográficas, mas fazia parte de um discurso difundido no século anterior, perpetuando, por meio de diversas literaturas e pesquisas que pregavam, a superioridade de uma raça (brancos) sobre outra (não brancos). A cultura da superioridade de raça era disseminada também por meio dos jornais, através de diversas publicações. A influência dos jornais, revistas e periódicos para a formação de uma identidade brasileira era inquestionável, como afirma Cruz (2000, p. 165): Na reflexão letrada daquele período, a imprensa começa a ser entendida não só como instrumento de articulação e discussão das posições de interesses das elites, mas também, e principalmente, como veículo de formação cultural e moral do povo. Essa prática não ficou apenas impressa nos censos demográficos, livros, jornais, mas tomou corpo, principalmente, no processo de industrialização e expansão de São Paulo. Barbosa (2004, p.131) relata que no pós-abolição, não se instaurou, plenamente, a livre concorrência no mercado de mão de obra em São Paulo e o racismo à paulista se constituiu em um dos principais elementos de imperfeições desse mercado. 7 Pode ser que algum tutor/protetor pudesse ter escrito o anúncio, pois oferece-se, naquele período, traz à tona dois possíveis sentidos: o de alguém que se oferece como candidato, e o de alguém que é oferecido por um terceiro. OLIVEIRA, Kelly Cristina de; PIMENTA, Sonia Maria de Oliveira. O racismo nos anúncios de emprego do século XX. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

22 Em anúncios de emprego, o critério de cor era um requisito comum para selecionar o candidato ideal a ocupar determinada vaga. Entretanto, ao exigir vagas com tal critério, os empregadores promoviam não apenas um processo seletivo injusto, já que a maioria dos brasileiros era composta por negros trazidos da África, índios e miscigenados, mas, principalmente, a desigualdade econômica entre brancos e não brancos, a dificuldade de ascensão social dos não brancos e a disseminação da discriminação racial. Não podemos afirmar que todas essas ações eram planejadas, nem mesmo que os efeitos de sentido gerados eram automáticos, mas faziam parte de modelos mentais amplamente divulgados no período e que, quando compartilhados socialmente, uniam-se a uma rede de outros modelos e práticas sociais, instaurando-se como preconceitos e ideologias racistas. Van Dijk (2010, p ) afirma que práticas [de discriminação] também possuem uma base mental que consistem em modelos tendenciosos de interações e eventos étnicos, que por sua vez encontram-se enraizados em preconceitos e ideologias racistas, principalmente quando emergem das elites. Estas estão entendidas como simbólicas e estão presentes em várias esferas sociais, políticas, religiosas, corporativas, midiáticas, educacionais, entre outras, atuando por meio do discurso, nas ações rotineiras do cotidiano, como nos debates, nas entrevistas, nas notícias jornalísticas e etc. Não estamos tratando, portanto, da manipulação feita por meio da força física ou de modo impositivo, mas da manipulação consentida e, muitas vezes, reproduzida pelos próprios manipulados. A discriminação racial do século XIX e XX, em São Paulo, ocorria não apenas de modo direto ao se preferir brancos a negros, nos anúncios de emprego, mas quando a elite simbólica (patronato) determinava quais valores morais e comportamentais eram os mais adequados para compor o quadro de empregados. Promovia-se uma segregação racial a distância, feita, portanto, por meio desses gêneros e, posteriormente, por outros critérios de seleção para efetivar a contratação. 4 ANÁLISE DO CORPUS: ANÚNCIOS PARA BRANCOS E A INFLUÊNCIA DAS ELITES SIMBÓLICAS NA FORMAÇÃO DO CIDADÃO CIVILIZADO Página389 A comunicação de massa mais comum no início do século XX ainda era o jornal impresso. O Correio Paulistano era um jornal de distribuição diária, fundado em 1854, que continuava influente na sociedade paulistana, mesmo após a criação de várias revistas e periódicos. Outro de maior relevância foi o jornal republicano A província de S.Paulo, em 1875, que, em 1890, circulava com o novo título O Estado de S.Paulo. Assim como o Correio Paulistano, enfrentou problemas financeiros e quase deixou de existir, mas conseguiu superá-los e se destacar na imprensa paulista. Esses jornais, e outros não analisados neste artigo, contribuíram para a manutenção e criação de uma mentalidade coletiva mais adequada aos padrões da elite. Van Dijk (2010, p. 73) ressalta o quão influentes podem ser os meios de comunicação de massa para a formação da opinião pública, principalmente quando conseguem atingir um maior número de leitores: Não há dúvida de que, dentre todas as formas de texto impresso, as dos meios de comunicação de massa são as mais penetrantes, se não as mais influentes, a se julgar pelo poder baseado no número de receptores. OLIVEIRA, Kelly Cristina de; PIMENTA, Sonia Maria de Oliveira. O racismo nos anúncios de emprego do século XX. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

23 Fairclough (2003, p. 8; 30), compartilha da mesma opinião e relata que em longo prazo, e nunca de forma automática, os textos podem produzir efeitos causais (biológicos, físicos, mentais), sociais, políticos e materiais nas pessoas, alterando mudanças em seus saberes, suas crenças, suas atitudes, seus valores, suas identidades, suas ações, e assim por diante. Deve-se levar em conta também que nossa memória discursiva é alimentada gradualmente pelo discurso elemento da prática discursiva, socialmente construído, repleto de representações sociais, crenças compartilhadas, estratégias e experiências pessoais. Esse controle só pode ser alterado quando as potencialidades dos sujeitos puderem ser ativadas, ou seja, quando conseguirem tomar consciência de algum processo de submissão ou de opressão a que estão submetidos e, assim, produzirem resistência. Com o fim da escravidão, o desejo de formar uma nação diferente da do Império era intenso. A República brasileira do início do século XX ecoava a prática de racismo tão presente no século anterior, por meio de seus jornais e periódicos diários. Era por meio de diversos gêneros, inclusive o de anúncios de emprego, que a cor de pele branca era tida como sinônimo de civilidade, bom comportamento, inteligência, bom gosto etc. Na esfera econômica, essa predileção também era visível nos anúncios de ofertas de mão de obra. A cor é mencionada como qualidade de mão de obra, o que reforça a prática de haver seleção subjetiva, não apenas objetiva e profissional, como deveria acontecer. A seguir os anúncios que utilizaram esse critério: (1) Cozinheira Offerece-se uma brasi-/leira, branca, do trivial, para casa/ de família; rua 11 de agosto, n.70, na-/tiga do Quartel Correio Paulistano, 3 de junho de 1912 (2) Ama//Offerece-se uma/ branca com leite de 15/ dias do primeiro filho,/ limpa e carinhosa para tra-/tar a rua Vergueiro n Estado de S.Paulo, 29 de março de 1916 (3) Auxiliar de Escriptorio// Offerece-se, branco, 19/ annos, dactylographo e por-/tuguez correcto.// Av. Brig. Luiz Antonio,/ 1209, Phone Estado de S.Paulo, 06 de dezembro de 1939 Página390 Essa seria uma forma de perceber como as elites simbólicas 8 influenciam nas representações mentais, nesse caso, negativamente, porque suas práticas discriminatórias contra as minorias eram naturalizadas por décadas. O que observamos nesses anúncios de 1912, 1916 e 1939 é que os prováveis candidatos reproduziam esse sistema de seleção por critério de cor, porque se ofereciam com esse mesmo critério, perpetuando, assim, as desvantagens sociais e econômicas entre os possíveis candidatos não brancos. Van Dijk (2010, p.135) relata que o racismo não nasce com o homem, mas é aprendido e legitimado por meio do discurso: 8 Van Dijk define elites simbólicas como aquelas elites que literalmente têm tudo a dizer na sociedade, assim como suas instituições e organizações (VAN DIJK, 2010, p.134). Seus membros, afirma o autor, podem ser os professores, jornalistas, acadêmicos, políticos, escritores, etc. (VAN DIJK, 2010, p. 237). OLIVEIRA, Kelly Cristina de; PIMENTA, Sonia Maria de Oliveira. O racismo nos anúncios de emprego do século XX. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

24 As ideologias e os preconceitos éticos não são inatos e não se desenvolvem espontaneamente na interação étnica. Eles são adquiridos e aprendidos, e isso naturalmente ocorre através da comunicação, ou seja, através da escrita e da fala. E vice-versa: essas representações mentais do racismo são tipicamente expressas, formuladas, defendidas e legitimadas no discurso e podem assim ser reproduzidas e compartilhadas dentro do grupo dominante. Esse é essencialmente o modo como o racismo é aprendido na sociedade. A definição de racismo não é tão simples e vai além da ideia da ideologia racista. De acordo com van Dijk (2010, p.134), trata-se de um sistema social bem complexo de dominação, que envolve fundamentações éticas e questões de desigualdade, além de ser composto por um subsistema social e cognitivo. Esse subsistema envolve práticas sociais de discriminação no nível micro (local) e macro (grupos, organizações, instituições dominantes). Estes últimos mantêm relações de abuso discursivo de poder praticado pelas elites simbólicas, isto é, mantêm relações de dominação. O autor (2010, p. 234) esclarece que a manipulação é um fenômeno social, porque a interação e abuso de poder ocorrem entre grupos e atores sociais (VAN DIJK, 2010, p. 236) por causa da posição social que ocupam, e é também um fenômeno cognitivo porque exerce influência nas mentes das pessoas, por meio da escrita, fala ou imagens. Por fim, a manipulação implica o exercício de uma forma de influência deslegitimada por meio do discurso: os manipuladores fazem os outros acreditarem ou fazerem coisas que são do interesse do manipulador, e contra os interesses dos manipulados [...] (VAN DIJK, p. 234). O autor acredita que isso ocorre porque os que são manipulados são incapazes de entender as intenções reais ou de perceber todas as consequências das crenças e ações defendidas pelo manipulador. A manipulação não é totalizante e não opera da mesma forma, dependendo muito do contexto; alguns podem ser mais ou menos manipulados em graus e circunstâncias diferentes, estado e mente (VAN DIJK, p. 235). Os estudos de Bastide e Fernandes (2008, p. 191) relatam certa falta de consciência entre os afrodescendentes de baixa classe, que, conformados à situação de inferioridade em relação ao branco, comparavam sua ausência de recursos econômicos e instrução com a dos pobres brancos, não percebendo que estavam diante de uma questão de racismo: eles aceitavam que preto foi feito para trabalhos brutos, isso [frequentar escolas] não adianta nada (BASTIDE; FERNANDES, 2008, p.192). Havia, de fato, uma aceitação da própria sorte, advinda, provavelmente, do Cristianismo ou mesmo dos tempos de escravidão que os impediam de ver o problema racial: aceitação da própria sorte, porque está escrito, por toda a eternidade nas leis divinas: Se Deus quiser... O hábito da docilidade, de fazer exatamente o que o branco espera do negro, impede que se veja o lado moral do problema [...] (BASTIDE; FERNANDES, 2008, p.192). Eles também negavam a existência do preconceito racial no Brasil, como pode ser visto num inquérito feito pelos autores a seguir: Página391 Por conseguinte, o problema da cor não se apresenta para ele com a mesma intensidade, e o ressentimento contra o branco, quando se revela, permanece cuidadosamente localizado. Para a mulher, por exemplo, contra os patrões que preferem empregar brancas como domésticas para os serviços finos. Para o homem, na concorrência sexual, ou contra o imigrante, recém-chegado, que pode prejudicá-lo no mercado de trabalho. De modo que muitos pretos dessa classe consideram, nas respostas ao nosso inquérito, que o Brasil não tem preconceito de cor. (BASTIDE; FERNANDES, 2008, p.191) OLIVEIRA, Kelly Cristina de; PIMENTA, Sonia Maria de Oliveira. O racismo nos anúncios de emprego do século XX. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

25 Nesses inquéritos podemos observar como a dominação de uma classe social, branca, conseguia influenciar a massa da população através do consentimento, sem usar a força. Entretanto, para a Análise Crítica do Discurso (ACD), proposta por Fairclough, essa dominação não é permanente ou mesmo atingida na sua totalidade, o que faz com que haja uma luta hegemônica, e é exatamente isso que irá caracterizar o conceito de hegemonia: a sua instabilidade. Tanto a hegemonia quanto a luta hegemônica, relatam Resende e Ramalho (2006, p. 44), são constitutivas das práticas discursivas, nas relações verbais originadas da dialética entre discurso e sociedade hegemonias são produzidas, reproduzidas, contestadas e transformadas no discurso. Conforme a sociedade se transforma, e modifica sua relação nos seus diversos domínios, a hegemonia também se relativiza, podendo articular-se ou desarticular-se dessas ações sociais. Para que isso ocorra, é preciso que haja uma reflexividade crítica. As autoras (p. 45) esclarecem que tal conceito é bem caro para a ACD, pois reflexibilidade sugere que toda prática tem um elemento discursivo, não apenas porque envolve, em grau variado, o uso da linguagem, mas também porque construções discursivas sobre práticas são também parte dessas práticas. Bastide e Fernandes (2008, p. 196) afirmam que foi somente após a primeira guerra mundial ( ) que os negros se conscientizaram lentamente de sua condição, ao perceber, por exemplo, que imigrantes recém-chegados, pobres como eles, conseguiram ascensão social, enquanto os negros continuavam na mesma situação. Colaboraram também, para esse processo de conscientização, os movimentos dos partidos socialistas e comunistas unidos ao movimento modernista, que destacou a estética africana, fazendo com que os negros sentissem orgulho de suas próprias origens. Antes disso, os autores descrevem os negros como submissos à condição de exclusão na sociedade dos brancos. Acreditamos que esse processo de conscientização não era suficiente, ou talvez que fosse não plenamente estimulado para que esses negros pudessem vencer o preconceito dos brancos, pois continuavam marginalizados e voltavam a ser estigmatizados como vagabundos, pois os brancos não os empregavam, como Barbosa (2004, p.110) sugere: o determinante para o dramático destino dos negros na sociedade de classes não foi sua desaptidão para o exercício das profissões, mas o prefere-se branco do patronato. Os anúncios abaixo confirmam essa preferência: (4) Creada Precisa-se de uma, branca, com boas referências para arrumar/ quartos e que entenda também de costu/ra: rua Visconde de Rio Branco, n.3 Correio Paulistano, 21 de Setembro de 1911 Página392 (5) Precisa-se com urgência/ de uma cozinheira para/ família pequena. Paga-se bem. Preferese branca. Trata-/se á rua General Ozório, n.132 O Estado de S.Paulo, 25 de outubro de 1912 (6) Precisa-se com urgência/ de uma criada para ser-/viços de uma família pe-/quena. Preferese branca O Estado de S.Paulo, 25 de outubro de 1912 (7) PRECISA-SE de uma boa co-/sinheira para ir para o in-/terior. Prefere-se branca./tratar á rua Riberio de Lima n./80. O Estado de S.Paulo, 12 de maio de 1919 OLIVEIRA, Kelly Cristina de; PIMENTA, Sonia Maria de Oliveira. O racismo nos anúncios de emprego do século XX. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

26 Não apenas declarar preferência a brancos colocava a competição desigual dos desempregados, mas também preferir estrangeiros europeus, pois era uma forma mascarada de praticar a discriminação racial. É nítido que tais critérios não visavam à capacidade ou ao preparo profissional dos candidatos, como amplamente discutido em Oliveira (2012). Nos anúncios 8 a 12, é possível ver a preferência por europeu para profissões diversas: (8) Precisa-se a rua do Ypiran/ga de uma criada para ar/rumar quartos prefere-se// alemã ou hespanhola. Correio Paulistano, 25 de março, 1903 (9) Cozinheira Precisa-se e prefere-se/ portugueza, que durma fóra; trata-/se á rua Visconde do Rio Branco, n.88. Correio Paulistano, 12 de outubro de 1911 (10) GOVERNANTA ou dama de/ companhia, precisa-se para/ acompanhar o tratamento de /uma senhoria e auxiliar nos ar-/ranjos de casa; prefere-se estran-/geira, Avenida Hygienopolis, 30. O Estado de S.Paulo, 23 de março de 1915 (11) GOVERNANTA Precisa-se/ de uma moça, para tomar com-/ta de 4 crianças e lecionar;/prefere-se franceza. Para tratar/ das [ ] ás [ ] da manhan ou das / [ ] ás 8 da noite. Avenida Paulis-/ta n. [ ] O Estado de S.Paulo, 25 de março de 1915 (12) PADEIRO// Precisa-se de um que seja pratico/e faça o serviço de fermento e ven/dedor. Prefere-se de nacionalidade/ alemã. Informações com Candido/ Bueno Alvarenga, em villa Para/guassu, sul de Minas. Correio Paulistano, 7 de fevereiro de 1920 Página393 Barbosa (2004, p ) relata que era prática comum dos empregadores estrangeiros preferirem empregar seus compatriotas em suas empresas. Essa tradição era muito prejudicial aos afrodescendentes, mestiços e mesmo nacionais brasileiros, já que 64% das firmas pertenciam aos estrangeiros, de acordo com o senso de 1920 feito em São Paulo. Desse total, 75% pertenciam a italianos. Ao serem os brancos preteridos pela cor, alcançavam status social privilegiado, muitas vezes chegando ao patronato, e repetiam as ações de seus antigos empregadores, operando, dessa forma, um círculo vicioso de exclusão e de preconceito. Somadas aos critérios de cor e origem estrangeira estavam as exigências comportamentais, que aumentavam a desigualdade entre brancos e negros, pois estavam relacionadas a estereótipos que se atribuíam aos negros, perdurados por décadas após a abolição. Dessa forma, exigia-se nos anúncios de emprego que o candidato tivesse um comportamento servil, disciplinado, fiel às ordens do patrão, fiel ao progresso paulista. Essa mentalidade não era só de quem anunciava a vaga, mas também daqueles que a procuravam, como podemos observar nos anúncios a seguir: OLIVEIRA, Kelly Cristina de; PIMENTA, Sonia Maria de Oliveira. O racismo nos anúncios de emprego do século XX. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

27 (13) PRECISA-SE de uma empre/gada seria para o serviço/ de uma casa de duas pes-/soas na rua Muller, 4C Correio Paulistano, 22 de março de 1904 (14) Offerece-se uma moça de nacionalida-/de brasileira de comportamento se-/ria e fiel, ordenado 50$000, prefere-se no/ bairro da Santa Iphigenia; Trata-se a rua Sete de Abril, n.55 Correio Paulistano, 2 de outubro de 1911 (15) Cozinheira Offerece-se uma, dando/ boas referencias de sua conducta:/ rua Carvalho, 24 Correio Paulistano, 29 de março de 1912 O anúncio 13 procura por empregada séria, em Observamos que o mesmo critério de conduta é usado em 14, que destaca ser também fiel, qualidade mais valorizada pelos patrões, e em 15 por moças que se oferecem para trabalhar. É válido entender que o comportamento sério naquele período poderia estar relacionado a não intimidade com os homens, a não abertura a gracejos, pois trabalhar fora significava, para a sociedade, estar exposta à perdição, sem a tutela dos familiares. O processo disciplinador para as mulheres era mais repressivo, pois era preciso cuidar do seu comportamento moral e sexual, visto que ficavam expostas às barbáries dos espaços públicos, principalmente na cidade, e poderiam ter sua moral e honra atacadas pelos trabalhadores (imigrantes ou brasileiros), como relata Perrot (2007, p.136): A cidade, representada como a perdição das moças e das mulheres, lhes permite, com frequência, libertar-se de tutelas familiares pesadas, de um horizonte de aldeia sem futuro. Conseguem modestas ascensões sociais, escapam a uniões arranjadas para realizarem casamentos por amor. A cidade é o risco, a aventura, mas também a ampliação do destino, a salvação. Outra forma de preferir brancos era usar o critério da boa aparência. A esse respeito, Damasceno (2000, p.191) esclarece: [...] a associação de todas as categorias raciais deságua na supremacia da boa aparência, oferecendo subsídios para a compreensão desta expressão não como algo dado, natural, mas como produto da combinação de valores que, externos ao mercado de trabalho, são dentro dele reconstruídos. Assim, neste concerto entre os que oferecem emprego e os que procuram, a invenção das regras de etiqueta racial aprimora-se lentamente, e é sobretudo nos anúncios [...] que a combinação da cor com a boa aparência vai aos poucos sendo substituída pela segunda expressão como uma metáfora englobadora da condição racial. Página394 A boa aparência não estava desassociada do pensamento da época sobre o que representava o europeu e o que representava o não europeu. A boa aparência estava relacionada a cheiro, a cabelo, a asseio do homem branco. Os que não tinham essa boa aparência deveriam se adaptar ou ficavam excluídos. Pinho (2004, p.11) relata que a aparência corporal também estava associada à personalidade. Os corpos dos negros foram associados com as trevas, com a escuridão, como se a cor da pele revelasse a da alma; eles eram associados à sujeira, ao mau cheiro, eram considerados feios. O padrão dominante de beleza era o do europeu. OLIVEIRA, Kelly Cristina de; PIMENTA, Sonia Maria de Oliveira. O racismo nos anúncios de emprego do século XX. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

28 Pinho (2004, p.11) afirma também que o mercado de trabalho foi um dos espaços mais marcantes de atuação do racismo no Brasil e cita a fala de um jovem negro tirada de uma de suas entrevistas feitas em 1999 e 2000, com pessoas integrantes de blocos afro Ilê, Aiyê e Olodum sobre o pai que não conseguiu emprego por causa da cor: Agora, também, tem o racismo no trabalho. Meu pai, quando foi procurar emprego, o homem disse que não queria ele porque não tinha mais vaga. Aí logo entrou um homem branco e ele disse que tinha vaga. Aí quando meu pai reclamou ele disse que não tinha vaga para preto. O autor assevera que usar critério de boa aparência era uma forma de controlar a ameaça ou o medo ou mesmo a repugnância diretamente associada ao corpo do negro (PINHO, 2004, p.17). Em nossos anúncios, encontramos critérios de boa aparência ou físico agradável em: (16) MOCINHA Precisa-se de uma/ de boa apparencia para auxiliar de dentista. Rua Boa/Vista, 11, primeiro andar. O Estado de S.Paulo, 26 de junho de 1914 (17) VENDEDOR de presuntos e/salames Precisa-se de um/ vendedor para estes artigos,/ nesta praça. Precisa ser pessoa/ habilitada e de boa apparencia/ e que traga referencias de casas/ commerciaes. Continental Products/ Company. Alameda Cleveland, 44. O Estado de S.Paulo, 30 de outubro de 1915 (18) PROFESSOR// PRECISA-SE de um bom/ professor para ensinar portuguez, francez, al- /gebra, geometria, historia natu-/ral, physica e chimica e historia/ universal a um mocinho de 14/ anos, que ouve mal, porém,/ muito inteligente e bem edu-/cado.// O professor deve ter um phy-/sico agradável, boa dicção e bom/ methodo de ensino.// Paga-se 300$000 mensaes para leccionar 3 horas e meia diárias.// É provável conseguir-se, além/ dos 300$000 um auxílio de/ 100$000 para leccionar em um/ estabelecimento publico.// Offertas, fotografia e do/cumentos de identidade diri-/gir a /M.K.// Caixa n.[] Itajahy.// Santa Catharina. Correio Paulistano, 19 de abril de 1920 (19) DACTYLOGRAPHIA// Moça de boa apparencia procura colocação./ Cartas, por favor, aos cuidados deste jornal/ a K5 Estado de S.Paulo, 3 de junho de 1939 (20) BALCÃO// Precisa-se de um com/ bastante prática de balcão,/ que seja inteligente e de/ boa aparência.// Casa Alicator. Rua do// Arouche, 195 Estado de S.Paulo, 1 de junho de 1938 Página395 Esses anúncios deixam claro que a estética era um critério subjetivo, desigual, excludente e discriminatório, porque estava associado a estigmas e preconceitos advindos de uma sociedade em formação, que adotava políticas para embranquecer e civilizar a classe trabalhadora. Tratava-se de um método punitivo contra os que não possuíam a aparência desejável e que, portanto, não puderam ser avaliados pela sua capacidade profissional, ficando à margem do processo de civilização. Nesse sentido, os anúncios de emprego não eram apenas mediadores de um processo seletivo justo, mas serviam como instrumentos de poder de uma classe (patronato) sobre a outra (empregados não brancos). Como não havia nenhuma lei que punisse a discriminação racial ou que entendesse esses critérios como discriminação OLIVEIRA, Kelly Cristina de; PIMENTA, Sonia Maria de Oliveira. O racismo nos anúncios de emprego do século XX. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

29 racial, esses discursos eram naturalizados e divulgados diariamente nos jornais de maior circulação, que colaboravam para (re)produzir modelos mentais e comportamentais por décadas. Giddens (2003, p. 30) relata que essa reificação das relações sociais, ou forma de naturalização discursiva, seria uma das principais dimensões da ideologia na vida social. É nesse processo que se pode observar formas mais comuns de naturalização ideológica. Entretanto, essa naturalização não ocupa tempo e espaço permanente, por causa da dualidade existente nas estruturas sociais que interpelam o sujeito e, ao mesmo tempo, podem ser modificadas por ele, num fluxo contínuo. Giddens (2003, p. 39) relata que a estrutura é constituída por um conjunto de regras e recursos implicados de modo recursivo na reprodução social. Ela permite que as práticas sociais sejam reproduzidas em dimensões variadas de tempo e espaço, mas também permite haver produção, criação, pelos agentes competentes e reflexivos. Há, portanto, intersecções contínuas entre ações dos agentes e suas práticas nos sistemas sociais e, conforme esses sistemas são alterados, altera-se também a estrutura. É o que ocorreu em 1951, quando essas práticas passaram a ser condenadas, alterando a ordem institucional 9, ou seja, um dos componentes constituintes da dimensão social, que reordena e reorganiza a sociedade. A Lei 1390/51, Lei Afonso Arinos, foi criada para punir casos explícitos de discriminação racial em empresas, escolas e serviços públicos. Entretanto, as punições não eram rigorosas, tornando-a ineficiente. Quase 40 anos depois, em 1989 uma nova Lei 7716/89, Lei Caó, é criada para punir o racismo como crime inafiançável (OLIVEIRA, 2012, p. 98). O fato de essas leis existirem não significa que práticas racistas deixaram de existir. Apesar de as leis auxiliarem a criar uma consciência de novas regras sociais, tendo um caráter punitivo mais prático que teórico, e passarem a reger as práticas cotidianas, elas não impedem que discursos e atos racistas existam de modo mascarado. No caso de nosso estudo, estava por trás da boa aparência, critério esse admitido como algo natural, normal na sociedade. O estudo nos anúncios de emprego na perspectiva da ACD auxilia, portanto, na revelação dessas práticas, nas diversas manifestações semióticas, e propõe engajamento dos sujeitos, ou seja, ações que visem a modificar essas relações desiguais de poder e a promover justiça e igualdade social. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Página396 O sujeito é capaz de tecer textos e, ao fazer isso, não faz escolhas lexicais de modo aleatório, tampouco dá aos signos sentidos aleatórios, pois há nesse processo de tessitura e de produção de sentidos motivações sociais: Os signos são socialmente motivados, isto é, [...] há razões sociais para combinar significantes particulares a significados particulares (FAIRCLOUGH, 2003, p.102). Assim, ao estudar as escolhas lexicais, 9 Uma das três dimensões relacionadas por Giddens (2003, p. 36) que compõe a estrutura do sistema social. As outras duas são: Estrutura, composta por significação, dominação e legitimação, e Domínio Teórico, constituído de Teoria da decodificação, Teoria da Alocação de Recursos e Teoria de regulação Normativa. OLIVEIRA, Kelly Cristina de; PIMENTA, Sonia Maria de Oliveira. O racismo nos anúncios de emprego do século XX. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

30 Página397 numa perspectiva que abarca a relação dialógica entre linguagem e sociedade, estamos lidando com relações complexas que envolvem sujeitos agentes e suas ações, poder, ideologia, práticas sociais, identidades e representações que ultrapassam o âmbito linguístico. Textos causam efeitos sociais, políticos, cognitivos, morais e materiais nas pessoas, por isso envolvem estudos inter e transdisciplinares. Estamos lidando, portanto, com uma perspectiva que entende que o discurso é, ao mesmo tempo, estruturado e estruturante das relações sociais. Investigar anúncios de emprego numa perspectiva crítica social envolveu, portanto, um olhar para questões que envolvem a sociedade, considerando, assim: o domínio político, políticas de branqueamento de raça, de patronato que investe contra os não brancos; o domínio econômico: a ascensão social de uma classe em detrimento da outra; o domínio cultural: as crenças sobre a superioridade moral de uma classe sobre a outra; entre outros domínios que permeavam o século XX. Ainda sobre as escolhas lexicais, Fairclough assevera que elas podem materializar efeitos ideológicos e marcas hegemônicas, pois ao analisar os possíveis sentidos das palavras, estamos diante de uma disputa dentro de lutas mais amplas: quero sugerir que as estruturações particulares das relações entre as palavras e das relações entre os sentidos de uma palavra são formas de hegemonia (FAIRCLOUGH, 2003, p.105). Entendemos que a ideologia de raça era um discurso naturalizado e bem complexo, por isso foi preciso investigar como essas escolhas lexicais, que constituíam os anúncios, envolviam ações assimétricas de poder, que favoreciam uma classe (branca) em detrimento da outra (não branca), e serviam para legitimar discursos ideológicos, ou seja, maneiras particulares de ação e relação (FAIRCLOUGH, 2003, p.61). Van Dijk (2008, p.17-18) esclarece que as práticas discriminatórias não nascem com o homem, mas são modelos mentais (representações cognitivas de nossas experiências) compartilhados socialmente e orientados negativamente acerca de Nós sobre Eles. Por não serem inatas ao ser humano, essas práticas são adquiridas e aprendidas, num processo de normatização e concretizadas por meio de eventos sociais, amplamente disseminados pelos meios de comunicação em forma de gêneros discursivos. Entretanto, o autor deixa claro que os textos não têm um efeito automático sobre as opiniões dos leitores [...] mas sob condições especiais, essa influência pode ser penetrante (VAN DIJK, 2008, p.19). A criação de leis que coíbem essas práticas foi fundamental para que os jornais também modificassem o modo como circulavam os discursos. Por não serem permanentes e poderem, como afirma Fairclough (2003, p. 3) ser recriadas/reestabelecidas nos modos de agir socialmente, as ideologias possuem certa durabilidade e estabilidade. Como novas formas de dominação foram recriadas, substituindo precisa-se de branco por precisase de alguém com boa aparência, foi preciso revê-las e punir os jornais que permitissem tais publicações. Isso só ocorreu em 1989, com o Decreto-Lei nº 7.716/89, que definia os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, bem como a pena de dois a cinco anos de prisão para quem, em anúncios ou em formas de recrutamento de trabalhadores, exigir critérios de aparência próprios de raça ou etnia (OLIVEIRA, 2012, p. 99). OLIVEIRA, Kelly Cristina de; PIMENTA, Sonia Maria de Oliveira. O racismo nos anúncios de emprego do século XX. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

31 REFERÊNCIAS Página398 BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, BARBOSA, W. do N. Racismo e exclusão do negro do mercado de trabalho livre. In: DOMINGUES, P. Uma história não contada: negro, racismo e branqueamento em São Paulo no pós-abolição. São Paulo: Editora Senac São Paulo, BASTIDE, R.; FERNANDES, F. Brancos e negros em São Paulo: ensaio sociológico sobre os aspectos da formação, manifestações atuais e efeitos de preconceito de cor na sociedade paulista. 3. ed. São Paulo: Cia. Editora Nacional, BIBLIOTECA NACIONAL DIGITAL DO BRASIL. Hemeroteca Digital. Disponível em: < Acesso em: 5 dez CHOULIARAKI, L.; FAIRCLOUGH, N. Discourse in late modernity. Edinburgh: Edinburgh University Press, CRUZ, H. de F. São Paulo em papel e tinta: periodismo e vida urbana São Paulo: EDUC- FAPESP; Arquivo Público do Estado de São Paulo; Imprensa Oficial SO, DAMASCENO, C. M. Em casa de enforcado não se fala em corda: notas sobre a construção social da boa aparência no Brasil. In: GUIMARÃES, A. A.; HUNTLEY, L. (Org.). Tirando a máscara Ensaios sobre o racismo no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, p DOMINGUES, P. Uma história não contada: negro, racismo e branqueamento em São Paulo no pósabolição. São Paulo: Editora Senac, FAIRCLOUGH, N. Discourse and social change. Cambridge: Polity Press, The discourse of New Labour: Critical Discourse Analysis. In: WETHERELL, M.; TAYLOR, S. T.; YATES, S. J. Discourse as data. A guide for analysis. London: The Open University, p GIDDENS, A. A constituição da Sociedade. 2. ed.são Paulo: Martins Fontes, GRAMSCI, A. Selections from the Prison Notebooks. Londres: Lawrence and Wishart, MAZZARA, B. M. Estereotipos e prejuicios. Madri: Acento Editoria, MOTTA, L. E; SERRA, C. H. A. A ideologia em Althusser e Laclau: diálogos (im)pertinentes. Revista Sociologia Política [online], v. 22, n. 50, p , Disponível em: < Acesso em: 27 ago MOURA, C. Representações, racismo e branqueamento. In: DOMINGUES, P. Uma história não contada: negro, racismo e branqueamento em São Paulo no pós-abolição. São Paulo: Editora Senac, O ESTADO DE S. PAULO. Caderno Classificados Empregos. São Paulo, 2015, p.5. Disponível em: < Acesso em: 24 ago OLIVEIRA, K. C. Jornal Correio Paulistano constituição e mudança do gênero anúncio de emprego (1854 a 1900) sob a perspectiva crítico-discursiva f. Tese (Doutorado em Filologia e Língua Portuguesa) Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, PERROT, M. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, PINHO, P. S. Reinvenções da África na Bahia. São Paulo: Annablume, RAMALHO, V.; RESENDE, V. M. Análise do Discurso (para a) crítica: O texto como material de pesquisa. Campinas (SP): Pontes Editores, RESENDE, V.M.; RAMALHO, V. Análise de discurso Crítica. São Paulo: Contexto, SANTOS, H. Uma avaliação do combate às desigualdades raciais no Brasil. In: GUIMARÃES, A. S. A.; HUNTLEY, L. (Org.). Tirando a máscara ensaios sobre o racismo no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, SILVA, P. V. B. ; ROSEMBERG, F.. Brasil: Lugares de negros e brancos na mídia. In: VAN DIJK, T. A. Discurso e poder. São Paulo: Contexto, p SODRÉ, N. W. A luta dos negros pela sobrevivência. In: DOMINGUES, P. Uma história não contada: negro, racismo e branqueamento em São Paulo no pós-abolição. São Paulo: Editora Senac, 2004, p OLIVEIRA, Kelly Cristina de; PIMENTA, Sonia Maria de Oliveira. O racismo nos anúncios de emprego do século XX. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

32 THOMPSON, J.B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. Petrópolis-RJ: Vozes, VAN DIJK, T.A. Discurso e poder. São Paulo: Contexto, Elite, discourse and racism. London: Sage Publication, Title: The racism in job advertisements in the 20 th century Authors: Kelly Cristina de Oliveira; Sonia Maria de Oliveira Pimenta Recebido em: 11/12/15. Aprovado em: 19/07/16. Abstract: In this article, we verified the ways in which phenotypical and behavioral criteria have contributed to worsen social and economic inequality between white and non-white people in the State of São Paulo, in the beginning of the 20 th century. Our corpus comprises 20 advertisements, offer and demand for jobs in the newspapers Correio Paulistano and O Estado de S.Paulo, both of great influence in São Paulo s society. This choice may be justified in terms of the documental characteristics inherent to this discursive genre. In our analysis, we have used as our theoretical presuppositions Fairclough s Critical Discourse Analysis CDA (2003; 2008), as well as Van Dijk s studies (2010) on racism. In this perspective, genre is considered as a mode of action, one of the representations that Fairclough confers to discourse. It was comprehended as an element of social practices, and analyzed in a sociopolitical and ideological context in which the texts were produced. Keywords: Critical Discourse Analysis. Ideology. Racism. Job advertisement. Newspaper. Título: El racismo en anuncios de trabajo del siglo XX Autores: Kelly Cristina de Oliveira; Sonia Maria de Oliveira Pimenta Resumen: En este artículo se verifica como la publicación de anuncios de trabajo con exigencias fenotípicas y criterios comportamentales han contribuido para tornar más grave la desigualdad social y económica entre blancos y no blancos en Estado de São Paulo, inicio del siglo XX. El corpus es formado por 20 anuncios de oferta y procura de trabajo de los periódicos Correio Paulistano y O Estado de S.Paulo, ambos influentes en la sociedad de São Paulo. Esa elección es justificada por el carácter documental inherente a ese género discursivo. Para el análisis se utiliza la estructura teórica del Análisis Crítica del Discurso (ACD) desarrollada por Fairclough (2003; 2008), y los estudios de racismo por van Dijk (2010). En esa perspectiva, el género es tomado como modo de acción, una de las representaciones que Fairclough atribuye al discurso. Este fue entendido como elemento de prácticas sociales, y analizado dentro de un contexto sociopolítico e ideológico de la sociedad en que los textos fueron producidos. Palabras-clave: Análisis Crítico del Discurso. Ideologia. Racismo. Anuncio de trabajo. Periódico. Este texto está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional. Página399 OLIVEIRA, Kelly Cristina de; PIMENTA, Sonia Maria de Oliveira. O racismo nos anúncios de emprego do século XX. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

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34 DOI: DO YOU NEED TO KNOW THE PERSON TO DONATE? FACEWORK STRATEGIES IN BRAZILIAN BLOOD DONATION CAMPAIGNS: A MULTIMODAL ANALYSIS Luzia Schalkoski Dias * Angela Mari Gusso ** Pontifícia Universidade Católica do Paraná Escola de Educação e Humanidades Curso de Letras Abstract: The study intends to point out the analytic potential which the interrelation between the Politeness Theory (BROWN; LEVINSON, 1987) and the semiotic approach of the Grammar of Visual Design (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006) can provide to the analysis of politeness strategies used in the advertising of public communication. We carried out a qualitative analysis of two advertising pieces in blood donation campaigns conducted by the Brazilian Ministry of Health. The textual genres analyzed, a poster and a folder, are characterized by their semiotic multimodality; therefore, resources are used together to produce social meanings in tune with the interests and motivations of the producers. It was highlighted by the data analysis that, as the positive politeness strategies are used by the advertisers to try to get close to the addressees, the visual language is also handled according to certain standards, in order to capture the attention of the targeted public. The corpus suggests that the visual structures reinforce the verbal strategies used to intensify the atmosphere of closeness between those involved in the interaction situation. Keywords: Multimodality. Politeness strategy. Advertising. Blood donation. 1 INTRODUCTION Página401 The technological advances in the production of written and visual communication during the last decade have had significant impact in the forms of social communicative interaction, expanding the ways of producing and broadcasting information in contemporary society. Thus, as argued by Dias and Gusso (2015), people have been required to have new reading and writing abilities in connection with the new technologies. No longer is the mastery of reading printed texts enough, as people now need to interact with a number of multimodal texts conveyed by printed, analogic and digital media. * Associate Professor of Portuguese and Linguistics at the Pontifical Catholic University of Paraná, PUCPR, Brazil. PhD in Linguistics, Pragmatics, at Federal University of Paraná, UFPR, Brazil. Member of Language and Culture Research Group (UFPR/CNPq). luzia.schal@gmail.com ** Associate Professor of Portuguese and Linguistics at the Pontifical Catholic University of Paraná, PUCPR, Brazil. PhD in Linguistics at Federal University of Paraná, UFPR, Brazil. amgusso@terra.com.br DIAS, Luzia Schalkoski; GUSSO, Angela Mari. Do you need to know the person to donate? Facework strategies in Brazilian blood donation campaigns: a multimodal analysis. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

35 Página402 Marcuschi (2005, p. 19) highlights that the textual genres are narrowly connected to social practices, cognitive aspects, interests, power relations, technologies, discursive activities and culture. This transformation can be observed in the texts produced in the discursive field of advertising, object of this study. Often, different advertising genres have attracted the attention of researchers (ESCRIBAÑO, 2006; DEL SAZ-RUBIO, 2000, 2011; PALACIOS; SENA, 2010; PISHGHADAM; NAVARI, 2012, among others) that have studied pragmatic-discursive aspects, including those regarding linguistic politeness. However, traditionally, such studies have emphasized verbal texts, with little regard to non-verbal elements that are often the hallmark of such genres. In this respect, the work of Pennock-Speck and del Saz-Rubio (2013) is almost an exception. With regard to studies of politeness, the fact that gestures can also work as indicators of (im)politeness in some cultures shows the necessity for studies in this area to go beyond verbal (im)politeness in discourse. Other than that, multimodal genres, such as advertising, generally have a variety of non-verbal elements that are interrelated with the verbal message; therefore, their consideration can enrich the study of linguistic politeness. In this sense, it has been argued that The concepts that have been used to describe the structure of language as a resource and the footing of talk can also be applied multimodally (VAN LEEUWEN, 2004, p. 18). In order to widen the scope of the analysis beyond the verbal dimension, we propose to combine the theoretical framework of Brown and Levinson s politeness model (1987) and the semiotic approach of Grammar of Visual Design, by Kress and van Leewen (2006), with the objective of analyzing two advertising pieces of blood donation advertised by the Brazilian Ministry of Health. We do not disregard the discretions about some aspects with reference to Brown and Levinson s (henceforth B&L) model of politeness, such as the consideration that its strategic and instrumental view of verbal interaction could be less than realistic when applied in everyday communication (EELEN, 2001) or the questioning of the universality of politeness strategies (MATSUMOTO, 1988; IDE, 1989). However, as it is claimed by Pennock-Speck and del Saz-Rubio (2013, p. 39), in the context of advertising most of the objections which have been raised regarding the B&L approach either do not apply or can actually be construed as advantages. Therefore, we adhere to the argument of these authors that even though B&L s strategic and instrumental view of verbal interaction may be unrealistic when it comes to ordinary conversation ( ), it seems ideally suited to the premeditated discourse found in advertising copy. Keeping in mind these considerations, our main purpose in this article is to point out the analytic potential that the interrelation between Politeness Theory and the Grammar of Visual Design can provide to the analysis of face management strategies utilized in advertising pieces from campaigns of Brazilian blood donation. Therefore, this work analyses how verbal and non-verbal resources are articulated to project, preserve, or reinforce the faces of the advertiser and the targeted public. In section 2, we introduce the main theoretical notions that form the basis of our analysis. In section 3, we describe the corpus and explain the methodology used. In section 4, we develop the analysis of the data and results. In section 5 we present our conclusions. DIAS, Luzia Schalkoski; GUSSO, Angela Mari. Do you need to know the person to donate? Facework strategies in Brazilian blood donation campaigns: a multimodal analysis. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

36 2 THEORETICAL FRAMEWORK 2.1 BROWN AND LENVINSON S POLITENESS THEORY AND THE ADVERTISING DISCOURSE Página403 The studies on linguistic politeness gained notoriety in the field of pragmatics from B&L s theoretic formulations. They observed that most speech acts produced in everyday conversations do not happen as efficiently as suggested by the Gricean Maxims. Thus, they suppose that the concern in giving some attention to two basic desires of human beings the desire of being appreciated by others, and the desire of not having one s actions prevented by others would be a strong motive for speakers of different languages not to follow such maxims. In this perspective, politeness would explain the deviation of rational efficiency in the interactions, being expressed precisely by this deviation (B&L, 1987, p. 4). This communication model conceives linguistic politeness as a phenomenon centered in the metaphorical notion of face, initially elaborated by Goffman (1967). This notion of face, according to B&L (p. 62), has two sides: the negative and the positive faces. The negative face is seen as the desire of any person neither having his/her actions prevented nor suffering impositions, which means having their territory respected by others. The positive face refers to the human desire of being accepted by others, and of having their desires shared by at least some people. Thus, these authors propose that the linguistic politeness strategies used by speakers are directed to the safeguarding of these faces of the interlocutors. In this sense, such verbal procedures have been considered facework strategies. B&L (1987) classify some acts (both verbal and non-verbal) as intrinsically threatening to the negative and/or positive face of both the speaker (S) and the hearer (H), or the advertiser and the reader in the case of advertising pieces. Such Face Threatening Acts (FTAs) call for redressive action in the form of politeness strategies (B&L, 1987, p. 24). This model proposes that at the very moment of social interaction, speakers rationally assess the seriousness of the FTA on the basis of three independent and culturally determined variables the social distance (D) and social power (P) existing between S and H, and the ranking of imposition (R) of the act itself. Any rational S will thus seek either to avoid any FTAs in his or her interactions with H, or to employ some strategies to minimize the threat that may arise during these interactions. B&L present five hierarchically ordered strategies depending on the amount of facework required: first, S must decide whether to carry out the FTA or not. If she or he decides to go ahead, then the FTA can be done on record or off-record. If the FTA is done on record, it can be performed without redressive action, or baldly (Donate your blood!). On-record FTAs with redressive action can take two forms depending on the aspect of face being emphasized: negative (Would you please donate your blood?) or positive (Donate your blood, buddy). Positive politeness strategies (PPS), as approach-based strategies, include the compliments, the seeking of agreement, joking, claiming reflexivity of goals, claiming reciprocity, and uttering expressions of sympathy and cooperation. Negative politeness strategies (NPS) aim at the avoidance of imposing upon the addressee through mitigating devices. Off-record politeness strategies (ORPS) help speakers indirectly con vey certain assumptions and thus avoid the potential responsibility that might be resultant from using more direct strategies. Table 1 presents the main strategies found in our data. DIAS, Luzia Schalkoski; GUSSO, Angela Mari. Do you need to know the person to donate? Facework strategies in Brazilian blood donation campaigns: a multimodal analysis. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

37 Table 1 Politeness Strategies identified in the analyzed data Main Positive Politeness Strategies: Positive Politeness Sub-strategies (PPS) a. Claim common ground PPS2 Exaggerate PPS4 Use in-group identity markers PPS7 Presuppose, assert, raise common ground b. Convey that S and H are co-operators PPS11 Be optimistic PPS13 Give or ask for reasons Main Off-record Strategies: a. Invite conversational implicature, via hints triggered by violation of Gricean Maxims Off-Record Politeness Sub-strategies (ORPS) ORPS2 Give association clues ORPS5 Overstate ORPS9 Use metaphors ORPS10 Use rhetorical questions b. Be vague or ambiguous ORPS11 Be ambiguous ORPS15 Be incomplete, use ellipsis Main Negative Politeness Strategy: Negative Politeness Sub-strategy (NPS) a. Communicate S s want not to impinge on H NPS7 Impersonalize S and H: Avoid the pronouns I and you When referring to the discursive activity of advertising, Palacios and Sena (2010) note that one of the main points of anchorage between the concept of face, the concept of politeness, and advertising discourse settings is the premise that, during the construction process of the utterance, the advertisers are always aware of the referential universe of the target group. According to del Saz Rubio (2000, p. 43), in mediated interaction, in which the discursive activity of advertising is inserted, the need to avoid confrontation and make the interlocutor feel comfortable and involved is apparent. In that sense, the function of positive politeness in advertising discourse has a dual nature, as it is a mechanism at the service of emphasis while trying to mitigate its own illocutionary force. In the advertising context in general, politeness not only provides the attenuation of threats to the faces, but also seeks to exalt the advertised product, either by association with certain well-regarded environments or by the construction of a markedly positive face of the consumer (ESCRIBAÑO, 2006). In the case of blood donation campaigns, the object of analysis in this article, as there is no product to be consumed, we consider that what is sought is the exaltation of the act of voluntarily donating blood itself and, consequently, there is a tendency to emphasize the positive face of likely donors. Thus, on the use of language in this context, politeness acquires a key role in the construction of utterances. Página404 DIAS, Luzia Schalkoski; GUSSO, Angela Mari. Do you need to know the person to donate? Facework strategies in Brazilian blood donation campaigns: a multimodal analysis. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

38 2.2 SEMIOTIC APPROACH OF THE GRAMMAR OF VISUAL DESIGN Página405 With the purpose of identifying the regularities of visual structures in the western world, Kress and van Leeuwen (2006) have proposed a new way of analyzing images from the assumption that their elements combine syntagmatically, as happens with verbal resources. The tool developed by them The Grammar of Visual Design provides parameters to investigate how the elements of a multimodal representation combine to form a coherent whole. The proposal is supported by the perspective of Social Semiotics, according to which the language is conceived as part of the social and cultural context and needs to be analyzed in conjunction with other modes of representation involved in the text production. In this sense, verbal language is always built by multiple modes; the very physical space where the written texts are conveyed is a way of meaning (SCOLLON; LEVINE, 2004). Here, we give a brief discussion of the Grammar of Visual Design GVD (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006), as its categories will be used in this study with the objective of uncovering discursive opacities, the underlying intentions of the texts that combine verbal signs with imagery, since, according to del Saz Rubio (2011), the images appeal to a more emotional than analytical part of the addressee. Adapting the metafunctions (ideational, interactional and thematic) of verbal language, postulated by the Systemic Functional Linguistics (HALLIDAY, 1994) for the analysis of the visual semiotic mode, Kress and van Leeuwen (2006) propose that for creating meanings, three articulated semiotic functions must be considered (representational, interactive and compositional), which we will summarize next, since such categories will be at the basis of our analysis. The representational function focuses in several relationships among the represented participants (RPs), which can be people, objects, places, geometrical forms, etc. In terms of representing world experiences, the images can take the form of a narrative structure an action unfolds visually, indicated by a vector that links the elements of the composition or a conceptual structure the actor is not involved in any activity, and there are (consequently) no vectors; the participant is then represented by his/her structure or meaning. Regarding the interactive function, it is considered that the understanding of interactive meanings is related to the way they are performed on the images. Kress and van Leeuwen (2006) identify a number of factors responsible for establishing such meanings: a) contact in the offer image, there is no direct eye contact between the interactive participant (IP) 1 and represented participant (RP), and the RPs are exposed as objects of contemplation; in the demand image, the RP challenges the viewer in the sense that it (the demand image) expresses a contact, even if imaginary; 1 This term refers to the image reader or viewer. DIAS, Luzia Schalkoski; GUSSO, Angela Mari. Do you need to know the person to donate? Facework strategies in Brazilian blood donation campaigns: a multimodal analysis. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

39 Página406 b) social distance (framing) the participants can be represented as closer to the observer or as more distant, according to the degree of the plane opening used by the producer of the image; c) attitude (angle/perspective) pictures taken in frontal or oblique angles suggest, respectively, involvement and detachment of the producer of the image. The power relations between RP and IP are coded according to how vertical the angle is. Thus, RPs photographed with low angle hold the power, but if focused with high angle, it is the advertiser and the observer of the image who will exercise the power. In those cases in which the image is at eye-level the power relation is symmetrical among the participants. In the interactional level, Kress and van Leeuwen note the issue of the messages reliability and state that the realization of modality in images is much more complex and finely graded than the realization of modality in language (2006, p. 163), as the latter is achieved by means of linguistic resources such as modal verbs or adjectives that express valuation. An image may appear more or less real according to certain modality cues that it gives. The parameters of modality identified by the authors relate to saturation, differentiation and modulation of colors, lack of background or background thoroughly detailed, representation on a scale that goes from obscuring to reproducing details, lack of depth or its maximum reproduction, lighting, and brightness. The compositional function, in turn, refers to how the representational and interactive elements join to form a meaningful whole. The integration between the compositional elements ensures the construction of the textuality. This condition is linked to the relation of elements with the world they represent and where they are inserted, of the elements among themselves, and with the reader as well. Three systems are responsible for integrating these meanings of the compositions: a) information value although the arrangement of visual elements in the text probably is unconscious, there is an association of regular meanings to parts of the visual space: i) the elements placed to the left are the Given something the readers presumably already know; the messaged supposed as New, usually is positioned to the right; ii) the upper part of the space, named Ideal, is reserved to what is emotional and object of desire destined to the essence of information; the lower half is reserved to the Real element, which represents more concrete information, taken as true; iii) a participant is in the center when is considered to be core information, so that other elements must be understood in relation to it; b) salience this system integrates the RPs giving them different degrees of prominence, as a result of interrelated factors, such as size, contrast of tones and colors, and image resolution; c) framing the presence of dividing lines, discontinuity of color and contour, and spaces among the elements are some strategies employed to indicate that the participants of the composition must be considered separately. On the other hand, the absence of typographic features for separation and the use of same colors and shapes in more than one element suggest the possibility of establishing a connection between them. DIAS, Luzia Schalkoski; GUSSO, Angela Mari. Do you need to know the person to donate? Facework strategies in Brazilian blood donation campaigns: a multimodal analysis. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

40 Although a brief presentation of visual grammar was made here, it is possible to glimpse its potential in the sense of providing subsidies for a more critical analysis of the imagery, considering a particular form of conveyance and reception that characterizes them in social systems. 2.3 ADVERTISING GENRES CHARACTERIZATION: POSTER AND FOLDER Página407 The poster and the folder are multimodal genres widely used by advertising professionals with the purpose of, among other things, conveying advertising campaigns; these are dynamic texts of broad social circulation in various media, printed or digital. In these textual genres, image and word are closely related and all resources used in the construction of textual genres have a rhetorical function in the construction of the meanings of texts (DIONÍSIO, 2005, p. 159). To characterize these genres, the linguistic and textual, social and pragmatic dimensions will be considered, since, as argued by Marcuschi (2005), the methodology for textual analysis cannot take into account only the form, but also the functionality and the compositional structure because it is a complex phenomenon involving multiple aspects: linguistic, discursive, historical, and pragmatic, among others. The advertising poster emerged in the nineteenth century closely related to art, initially with the purpose of announcing commercial and industrial products, but came to be used in the dissemination of cultural, social and political issues (RABAÇA; BARBOSA, 1995). It constitutes one of the most frequent means of publicity, being an economic and easy way of either just divulging information or also appealing for involvement or participation, as is the case of the posters in the blood donation campaigns. It is an ephemeral medium, usually produced in large paper sizes so that different people can read it simultaneously. For this reason, it is often displayed in places that people walk by. It is characterized by containing a striking verbal message of quick reading; therefore, its content needs to be clear and suggestive; in this sense, style, size and color of the letters are also given special attention. The image, in turn, is large with colors related to the theme that contrasts with the background of the poster intending to create a highly appealing effect. As with the poster, the word folder designates both the textual genre and its medium. This genre appeared in the media and advertising industry as a device for marketing and advertising professionals with the objective, among others, to serve for the execution of advertising campaigns (KARWOSKI, 2005). This type of advertisement circulates in printed-paper with, at least, one fold and illustrations; the cover features the main appeal; inside there is a detailing of what was advertised, and the last page usually contains the means of contact with the advertiser. The amount of information conveyed in the genre is relatively large; therefore, a reasonable place and some amount of time are necessary to read it. In folders, verbal and non-verbal signs are merged. However, the latter gain predominance and special emphasis on compositional structure. More specifically, the folders of health services are characterized by the presence of persuasive imagery and verbal resources, quantitative data, and guidelines on health and quality of life. The text formatting and the layout of verbal language associated to the image are forms to express the content, directing the reader to the construction of the meaning. DIAS, Luzia Schalkoski; GUSSO, Angela Mari. Do you need to know the person to donate? Facework strategies in Brazilian blood donation campaigns: a multimodal analysis. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

41 3 CORPUS OF RESEARCH AND METHODOLOGY The blood donation campaigns promoted by the Brazilian Ministry of Health (BMH) in the last few years are in agreement with the World Health Organization s (WHO) objective that all countries obtain all their blood supplies from voluntary unpaid donors by Although the need for blood is universal, there is a marked difference in the level of access to safe blood between high- and low-income countries (WHO, p. 1). We analyzed a poster and a folder from two blood donation campaigns promoted by the BMH between 2013 and These campaigns are embedded in a sort of communication that has been denominated public communication (ZÉMOR, 2005; BRANDÃO, 2009; KOÇOUSKI, 2013) or, more specifically, public health communication (BERNHARDT, 2004). Here we will use the concept of public communication campaigns as purposive attempts to inform or influence behaviors in large audiences within a specified time period by means of an organized set of communication activities and featuring an array of mediated messages in various channels usually to produce noncommercial benefits to individuals and society (RICE; ATKIN, 2009; ATKIN; RICE, 2013). In June 2013, the BMH released the campaign No matter who it s for, be a donor (Seja para quem for, seja doador). It was directed towards young people between the ages of 16 and 29, seeking to reinforce the idea that it is not necessary to be close to someone who needs blood to raise awareness to the cause, and therefore, it presented examples of participation of people involved in real cases (PORTAL PLANALTO, 2013; BRASIL, 2014). From this campaign, a poster will be analyzed. In 2014, the same slogan was maintained to reinforce that concept and a new set of advertising pieces was released. The folder analyzed belongs to this last campaign. The criteria used to choose both campaigns was the fact that they have higher amounts of advertising materials, as well as greater diversity of genres, since the intention is to investigate the politeness strategies in diverse genres. In an attempt to achieve the objectives proposed in this article (cf. section 1), a qualitative analysis of the selected advertisements will be developed in the next section. Aiming to ensure greater clarity in identifying the contribution of each theoretical approach, GVD and politeness theory, the pieces were analyzed in two stages: first, the non-verbal aspects are discussed and, in a different subsection, the verbal aspects are taken into account. Regarding non-verbal aspects, the advertisement pieces were analyzed taking into account the relationship amidst the three semiotic functions proposed by Kress and van Leeuwen (2006), presented in 2.2. In turn, the analyses of the verbal aspects are grounded on the postulates of Brown and Levinson (1987) on politeness strategies. Página408 DIAS, Luzia Schalkoski; GUSSO, Angela Mari. Do you need to know the person to donate? Facework strategies in Brazilian blood donation campaigns: a multimodal analysis. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

42 4 ANALYSIS AND RESULTS FROM A MULTIMODAL APPROACH 4.1 ANALYSIS OF THE POSTER In order to respect the chronological sequence of release of each blood donation campaign, we started with the analysis of the poster, which was aired in Figure 1 Poster of blood donation campaign, 2013 Source: NON-VERBAL ASPECTS Página409 In the poster (figure 1), verbal and non-verbal elements are not separated by boundary lines, and both participate in the production of meanings. The scene suggests that the RP is going through a difficult health problem and counts on the reader's solidarity. The RP's facial expression, personal data and the utterance Done: now you know Olívio join the request marked in the red background, in contrast with the prevailing black and the text elements in white. Here we have a conceptual structure since in the scene no action takes place, as the RP (Olívio) displays a static behavior. Moreover, there is no vector (a hallmark of narrative structures) in the scene. DIAS, Luzia Schalkoski; GUSSO, Angela Mari. Do you need to know the person to donate? Facework strategies in Brazilian blood donation campaigns: a multimodal analysis. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

43 It is from the six constituents of the figure around the human image called symbolic attributes by GDV that the reader can assign meanings to the RP. In this case, he is seen as a representative of all Brazilians who need blood donations to survive. From the perspective of interactive function, this is an image of request, since the RP looks straight into the observer's eyes, establishing contact, even if imaginary. This straight gaze induces the reader to accept the request in a verbal mode, as well: No matter who it s for, be a donor. The producer or author of the advertising piece employs the gaze to touch, by visual appeal, the IP in her/his emotions; moreover, the staring is an invitation to the reader to take part in the visual scene, promoting complicity between RP and IP. The new information is placed on the upper right, which is conventionally reserved for emotional material, and for objects of desire. The character gained maximum projection by the use of several strategies: the closed plane and angle of the photograph, the white color of his clothing in contrast with the black background, lighting and brightness on the right side of his face, exactly where the information about his need to receive a blood notation is placed. These strategies have the objective of generating a sensation of trust and empathy on the IP, prompting her/him to engage in the campaign. The overall funeral tones, together with the countenance of suffering of the RP, transmit a sensation of empathy. The darkness represented by the black background may overwhelm the only bright spot of hope in the face of the main character if the request does not produce the desired result VERBAL ASPECTS In this section, we analyze the verbal strategies employed in the poster, which are translated in the following. Figure 1 Text Poster Página Tenho 46 anos. Sou bombeiro. Adoro natação. Gosto de música romântica. Meu prato preferido: arroz e feijão. Tenho doença falciforme [PPS13] e preciso de sua doação de sangue. I am 46 years old. I am a firefighter. I love swimming. I like romantic music. My favorite dish: rice and beans. I have sickle-cell disease and need your blood donation. 3 Para doar sangue, você precisa conhecer a pessoa? [ORPS10]. Pronto, agora você já conhece o Olívio. Do you need to know the person to donate blood? Well, now you know Olívio. 4 Assim como ele, milhares de pessoas precisam de doação de sangue. Just like him, thousands of people need a blood donation. 5 Seja para quem for, seja doador. Procure o hemocentro mais próximo. [ORPS15, ORPS2] No matter whom it is for, be a donor. Look for the nearest blood bank and donate. DIAS, Luzia Schalkoski; GUSSO, Angela Mari. Do you need to know the person to donate? Facework strategies in Brazilian blood donation campaigns: a multimodal analysis. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

44 One can say that the fact that utterances 1 and 2 present the discourse of a Brazilian citizen (Olívio) who depends on blood donations, with which many Brazilians will identify themselves, consists of a discursive strategy of positive politeness [PPS7], to the extent that it places the main character close to the reader. The reader proximity effect elapses, in addition to non-verbal resources used in the composition of the image, from the information that Olívio reveals about himself to get the reader familiar with him his age, profession, musical and culinary taste since blood donation is a more common practice among known people. In utterance 3, on the upper right portion of the poster, the author makes a rhetorical question, that is, a question that leaves its answer implicated (B&L, 1987, p. 223). This constitutes an off-record politeness strategy [ORPS10], allowing him to perform the FTA and, at the same time, attenuate the imposition on the negative face of the target public. We believe that trough this rhetorical question ( Do you need to know the person to donate blood? ), the advertiser threatens the negative face of potential donors, but in a hidden way, by implying that, since they have already known Olívio, there is no reason not to be sympathetic with the many Olívios that need blood transfusions. At last, the campaign slogan is introduced on the right bottom, with the use of offrecord strategies [ORPS15, ORPS2], that is, without mentioning the object of the donation, but giving a clue through the use of the expression blood bank, helping the reader to deduce the information. 4.2 ANALYSIS OF THE FOLDER As mentioned above, a folder is a publicity piece printed on paper with at least one fold, and illustrations. On the cover a folder presents the main message, while in the internal pages the message is detailed. Usually, the advertiser s contact information can be found on the folder s back. Similarly to what happens to the textual genre poster, in a folder there is a mix of verbal and non-verbal elements, with special emphasis given to the latter in the composition of the piece. Página411 DIAS, Luzia Schalkoski; GUSSO, Angela Mari. Do you need to know the person to donate? Facework strategies in Brazilian blood donation campaigns: a multimodal analysis. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

45 Figure 2 Folder of the blood donation campaign, 2014 Página412 Source: _FOLDER_A5.jpg DIAS, Luzia Schalkoski; GUSSO, Angela Mari. Do you need to know the person to donate? Facework strategies in Brazilian blood donation campaigns: a multimodal analysis. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

46 4.2.1 NON-VERBAL ASPECTS Página413 In putting the folder together, the verbal language along with its typesetting and formatting, in association with the photographs, constitute content-expression forms, and guide the reader towards construction of the meaning. In the folder s front (side 1), the scene suggests a couple restarting life: a house to be dwelled, under reformation, without furniture or curtains. The reader or observer can see, through the window, blue sky and trees, which gives the impression of an agreeable place, in which a healthy and happy life can be lived. The displayed elements are composing a narrative structure, since an action is unfolding symbolized by a vector linking those elements. In the picture, the vector is the brush with gray paint held by one of the RPs and relates him to the blood bag. It is an image of offer, since there is no direct eye contact among the interactive and the represented participants: the RPs are exposed as objects beheld, and the folder readers do not necessarily feel compelled to manifest a reaction or to take a particular action. The long-distance photograph places the represented characters and the scene at an equally large social distance from the reader. The fact that the couple was photographed in full body (in open plane) confers an impersonal character between themselves and the reader, prompting the reader to contemplate the scene only. The red color links the RP to the campaign's slogan and with an appeal for the reader to donate, displayed on the right, inside a bag whose content fills it only to half capacity. On the red background suggesting blood, there is a verbal message whose content calls on the target public to engage in the campaign. The slogan No matter who it s for, be a donor has gained emphasis due to the font size used in it. The verbal appeal also combines fonts of different sizes, putting emphasis on the expressions blood donations, grow, and your hands. That information is placed in the right half of the picture, which is the place where usually new information for the reader is put. The gray color of the paint in the can, brush and trays is responsible for linking the blood bag on side 1, the bag placed on side 2, and the directions given to the readers. On side 2 of the folder, as on side 1, the verbal and non-verbal elements are amalgamated to produce their meanings. It also presents a narrative structure, since, visually, an action unfolds denoted by a vector linking the elements of the composition: the brush with gray paint in the hands of the main character he is identified as Alex Carvalho, someone who has received in the past a blood donation connects the scene to current needs, that is, the current shortages in blood banks. Moreover, it relates the scene to directions on how to donate blood. In this case, we have an image of demand, since the PR (Alex Carvalho) seems to look straight to the observer, thereby creating an engagement, even if imaginary, between them. The impression is that the Actor challenges the reader to establish contact. The choice of a front angle photograph at the eye-line height (and hence character and reader standing eye-to-eye) give the impression of proximity and equality of power between them. The framing of the character in middle plane puts him at a social distance that gives the observer a sensation of intimacy with the scene and the RP. DIAS, Luzia Schalkoski; GUSSO, Angela Mari. Do you need to know the person to donate? Facework strategies in Brazilian blood donation campaigns: a multimodal analysis. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

47 Analyzing the position occupied by the RP's in the composition, one notes that the main character, the kernel of the information, occupies the central place, while the elements on the margin are connected to him. On his left side, there are the pieces of information already given, and therefore a familiar content. On the right, the elements provide the new content, to which most attention must be given. On the upper part, general information (the ideal) is placed. Opposed to it, the bottom is reserved for the element of reality, that is, the character Alex Carvalho, who did in fact undergo a surgery and needed a blood transfusion. The main character is given emphasis also by his shirt's color, related to the blood bag to his left, and in contrast with the white background: the red color establishes continuity among the elements, which it represents. The brush, with gray paint, is a vector linking Alex Carvalho to the readers: he is the one giving instructions, because of his own previous experience with the theme VERBAL ASPECTS Considering the verbal aspects, the left side on the folder s front contains the main call, which in this genre, has the function of arousing the reader's curiosity and leads him or her to know more about other parts of the text: Seja para quem for, seja doador [ORPS15]. Procure o hemocentro mais próximo [ORPS2]. No matter who it s for, be a donor. Look for the nearest blood bank. In our case, the speech act of calling the reader to donate blood, in spite of the buzzwords utilized, is performed off-record. This type of act, according to B&L (1987), would threaten the negative face of the reader. Based on this idea, the use of off-record politeness strategies allows the speaker to do the FTA without taking responsibility for it. Leaving it to the reader to decide how to interpret the act; in this way, by not making the object of donation explicit, the utterance of the call employs the ORPS15 strategy since, by mentioning the expression blood bank, it gives the reader a clue so that he or she can fill in the information. As noted in the previous section when we dealt with the non-verbal aspects that contribute to putting together the meanings of the advertising piece, the supposedly new information to the reader is displayed on the upper right side of the folder: Página414 Os transplantes de órgãos cresceram 84%. As cirurgias cresceram 619%. E os atendimentos de urgência cresceram 627%. *De 2003 a 2013 As doações de sangue também precisam crescer [NPS7]. Esse gesto está em suas mãos [ORPS11]. Organ transplants have increased 84%. Surgeries have increased 619%. Emergency treatments have increased 627%. *From 2003 to 2013 Blood donations also need to increase. This action is in your hands. The statistical data presented function as arguments to reinforce the slogan's call. It is interesting to note the syntactic parallelism obtained by repeating the syntactic structure (nominal phrase + verb to increase + statistical information) when presenting the data. It DIAS, Luzia Schalkoski; GUSSO, Angela Mari. Do you need to know the person to donate? Facework strategies in Brazilian blood donation campaigns: a multimodal analysis. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

48 is worth remembering that the repetition of words, structures and ideas, in particular in written discourse, is a powerful rhetorical resource. It produces argumentative effects that go beyond style, and they are used for persuading the reader (KOCH; ELIAS, 2011a; JOHNSTONE, 1987). Therefore, the recurrent appearance of the verb to increase emphasized in the text calls attention to the need of an increase in blood donations, in what seems to add strength to the persuasive effect of the indirect request that is found (impersonally) in: Blood donations also need to be increased. This is an instance of the NPS7 strategy, which, according to B&L, expresses the speaker s concern that the hearer s wishes are not imposed. The text ends with an off-record appeal conveyed by the metonymy This action is in your hands. Although B&L do not mention metonymy as a covered politeness strategy, cognitive approaches argue that this figure of speech, like the metaphor, is conceptual in nature (LAKOFF, 1987, p. 288). Based on this argument, we will include the metonymy as part of ORPS9, in B&L categorization. Moreover, it is interesting to note that metonymies based on body parts provide a good resource to understand human states, behavior and actions in terms of what is familiar and well-understood (AL- ADAILEH; ABBADI, 2012, p. 73). Such resource has been used productively in communication in general and in particular by advertising. Therefore, in the utterance This action is in your hands, the metonymy consists in using hands to refer to the person as a whole. In Brazilian Portuguese, to say (metonymically) that an action X is in somebody's hand means that action X depends on that person. This latter meaning is well accepted by convention in this language, and is therefore clear to native speakers. Indeed, B&L (1987, p. 212) had already warned about this point when they observed that many of the classic off-record strategies [...] are very often actually on record when used, because the clues to their interpretation [...] add up to only one really viable interpretation in the context. The statistical data already given above are repeated on the left side of part 2 of the folder, along with the following utterances: Essas conquistas só foram possíveis graças aos doadores de sangue [PPS2]. O que parece ser um simples gesto de solidariedade, na verdade, é uma ação que pode salvar milhares de pessoas em todo o país [PPS11] [PPS13]. Por isso, entre nessa campanha. E se você [PPS4] já é doador, continue doando sempre. O Brasil inteiro agradece a sua participação. These achievements were only possible thanks to blood donors. What seems to be a simple act of solidarity is actually an action that can save thousands of people all over the country. So be a part of this campaign. If you are already a donor, keep donating. All of Brazil thanks your participation. Alex Carvalho passou por uma cirurgia e precisou de uma transfusão de sangue. Alex Carvalho went through surgery and needed a blood transfusion. Página415 Right after, their use is reiterated, and statistical data are labeled by the nominalization these achievements. Within the scope of textual linguistics, it has been considered that referencing consists in construction and reconstruction of discourse objects (KOCH; ELIAS, 2011b, p. 123). In this way, replacing the processes introduced in the three previous declarations (Organ transplants have increased 84%; surgeries have increased 619%; emergency treatments have increased 627%) by the nominal phrase DIAS, Luzia Schalkoski; GUSSO, Angela Mari. Do you need to know the person to donate? Facework strategies in Brazilian blood donation campaigns: a multimodal analysis. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

49 these achievements is evidence of reconstruction of those discursive objects. Such recategorization may work as a strategy aimed at keeping a positive face, especially of those readers who are already blood donators, as the utterance carries an implicit approval and acknowledgment of them [PPS2]. We believe that the consideration that blood donation is an action that can save thousands of people all over the country projects an optimistic image of the advertiser [PPS11], [ORPS5], while at the same time expressing a good reason for new donators to join the effort [PPS13], followed by the invitation: So be a part of this campaign. In the utterance And if you already are a donor, keep donating, there is for the first time a direct reference to the reader by means of the pronoun in the second person você ( you ). As it has been already mentioned, in Brazilian Portuguese this pronoun is related to equality of power and with proximity [PPS4] among those involved in an interaction. Finally, in All of Brazil thanks your participation, we have again the use of strategies PPS11 (be optimistic) and ORPS5 (exaggerate the importance), since the anticipated thanks may project the advertiser confidence that those who are already donors will keep contributing. Because the expression All of Brazil has the meaning, through association, of thousands of people all over the country, it appears to us be possible to assume that the positive face projected in the thanks would be that of the Brazilian population itself. 5 CONCLUDING COMMENTS Página416 When it comes to texts that combine different semiosis, in which image and verbal signs come together, we cannot disregard one language in favor of the other. In the same way that verbal language offers many possibilities to produce a text, non-verbal signs are also organized according to social and discursive conditions. In other words, images are manipulated to obtain the desired effects: the omission or clarification of certain details when producing images is not random, but directly related to ideological implications, as explained by Kress and van Leeuwen (2006). This happens because the authors of the images are part of a cultural and social space, and so their values, beliefs, aspirations and frustrations permeate the way their compositions are planned. Undeniably, the analysis of the advertising pieces presented in this study demonstrates a strong relationship of complementarity between verbal and non-verbal elements. In both texts, the way their arrangements were planned plane and angle used in photography, the look of the portrayed participants gives to the observer (the interactive participant) the feeling of intimacy with both the scene and the represented participant, prompting her or him to engage in the campaign. Working together, the nonverbal resources and verbal facework strategies, especially those focusing on the positive face wants, contribute to create an environment of closeness between those involved in the interactional circumstances. All of that becomes a persuasion strategy. The prevalence of positive politeness strategies in our data corroborates the findings of Dias and Gusso (2015) and is similar to the results found by Pennock-Speck and del Saz-Rubio (2013) in their analysis of a corpus of television campaigns in Great Britain. DIAS, Luzia Schalkoski; GUSSO, Angela Mari. Do you need to know the person to donate? Facework strategies in Brazilian blood donation campaigns: a multimodal analysis. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

50 These results suggest that the advertising agencies would be deliberately employing PPS's as a kind of social accelerator (B&L, 1987, p. 103). Through their use, the advertiser shows his desire of, somehow, move closer to the audience (in the case of television advertisements) or to the reader (in the case of printed publicity such as folders and posters). In this way, the use of positive politeness strategies emphasizes the group identity and seeks to create an optimistic atmosphere that at the same time redresses the intrusion of the advertiser into the reader's freedom of action, making her or him feel more at ease. Our analysis, by means of the tools offered from the Grammar of Visual Design, showed that, indeed, in the advertising community the manipulation of visual language is a resource used as a persuasion strategy, formulated with the intention of both seducing the reader and catching his or her attention, given that the textual genres of advertising have this purpose. To conclude, we want to strengthen the argument that for the critical analysis of multisemiotic texts, it is essential to give due value to visual elements. Therefore, one cannot ignore that the description and interpretation of the compositional aspects of the image are worthy of the same attention given to the verbal elements. REFERENCES Página417 AL-ADAILEH, B. A.; ABBADI, R. The pragmatic implications of metonymical body-based idioms in Jordanian Arabic Argumentum. Debreceni Egyetemi Kiadó, v. 8, p ATKIN, C. K.; RICE, R. E. Theory and Principles of Public Communication Campaigns. In: RICE, R. E.; ATKIN, C. K. (Eds.). Public Communication Campaigns. 4 th ed. Los Angeles: Sage Publications, p BERNHARDT, J. M. Communication at the core of effective public health. American Journal of Public Health, v. 94, n. 12, p , BRANDÃO, E. P. Conceito de comunicação pública. In: DUARTE, J. (Org.). Comunicação pública: estado, mercado, sociedade e interesse público. 2. ed. São Paulo: Atlas, p BRASIL, Ministério da Saúde lança nova campanha de doação de sangue. Informe técnico. Retrieved from: < ministerio-da-saude-lanca-nova-campanha-de-doacao-de-sangue>. Access: 7 Jan BROWN, P.; LEVINSON, S. C. Politeness: Some Universals in Language Usage. Cambridge: Cambridge University Press, 1987 [1978]. DEL SAZ-RUBIO, M. M. La cortesía lingüística en el discurso publicitario. Valencia: Universitat de València, Análisis pragmalingüístico de las estrategias de cortesía lingüística en la publicidad del siglo XXI. In: PALACIOS, J.; SERRA, P. A. (Eds.). Pragmática: Comunicaça o Publicitária e Marketing. Covilha : Livros LabCom, p DIAS, L. S.; GUSSO, A. M. Análise multimodal das estratégias de polidez em campanhas de doação de sangue do Ministério da Saúde. In: WORKSHOP INTERNACIONAL DE PRAGMÁTICA, 2. Curitiba, PR. Anais... Curitiba: Universidade Federal do Paraná, p Retrieved from: Access: 07 Jan DIONÍSIO, A. P. Gêneros multimodais e multiletramento. In: KARWOSKI, A. M.; GAYDECZKA, B; BRITO, K. S. (Org.). Gêneros textuais: reflexões e ensino. Palmas e União da Vitória: Kaygangue, p EELEN, G. A Critique of Politeness Theories. Manchester: St. Jerome, DIAS, Luzia Schalkoski; GUSSO, Angela Mari. Do you need to know the person to donate? Facework strategies in Brazilian blood donation campaigns: a multimodal analysis. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

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52 Recebido em: 07/01/16. Aprovado em: 24/07/16. Título: Para doar sangue, você precisa conhecer a pessoa? Estratégias de polidez em campanhas brasileiras de doação de sangue: uma análise multimodal Autoras: Luzia Schalkoski Dias; Angela Mari Gusso Resumo: Neste estudo, busca-se evidenciar o potencial analítico que a inter-relação entre a Teoria da Polidez (BROWN; LEVINSON, 1987) e a abordagem semiótica da Gramática do Design Visual (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006) pode oferecer para a análise de estratégias de polidez usadas em peças publicitárias de comunicação pública. Realiza-se uma análise qualitativa de duas peças publicitárias de campanhas de doação de sangue promovidas pelo Ministério da Saúde brasileiro. Os gêneros textuais analisados, um pôster e um folder, caracterizam-se pela multimodalidade semiótica; assim, recursos verbais e não verbais são articulados para a produção dos significados sociais pretendidos. A análise evidenciou que, assim como as estratégias de polidez positiva são usadas pelos anunciantes para buscar uma aproximação com o público-alvo, a linguagem visual também é manipulada segundo determinados padrões, de forma a capturar a atenção dos interlocutores e seduzi-los. O corpus sugere que as estruturas visuais reforçam as estratégias verbais utilizadas para intensificar a atmosfera de proximidade entre os envolvidos na situação de interação. Palavras-chave: Multimodalidade. Estratégia de polidez. Publicidade. Doação de sangue. Título: Para donar sangre, usted necesita conocer la persona? Estrategias de cortesía en campañas brasileñas de donación de sangre: un análisis multimodal Resumen: En este estudio se busca evidenciar el potencial analítico que la inter-relación entre la Teoría de la Cortesía (BROWN; LEVINSON, 1987) y el abordaje semiótica de la Gramática del Diseño Visual (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006) puede ofrecer para el análisis de estrategias de cortesía usadas en piezas publicitarias de comunicación pública. Se realiza un análisis cualitativa de dos piezas publicitarias de campañas de donación de sangre promovidas por el Ministerio de la Salud brasileño. Los géneros textuales analizados, un póster y un fólder, se caracterizan por la multimodalidad semiótica. Así, recursos verbales y no verbales son articulados para la producción de los significados sociales pretendidos. El análisis he evidenciado que, así como las estrategias de cortesía positiva son usadas por ellos anunciantes para buscar una aproximación con o público-objetivo, el lenguaje visual también es manipulado segundo determinados estándares, de manera a capturar la atención de los interlocutores y seducirlos. El corpus sugiere que las estructuras visuales refuerzan las estrategias verbales utilizadas para intensificar la atmosfera de proximidad entre los involucrados en la situación de interacción. Palabras-clave: Multimodalidad. Estrategia de cortesía. Publicidad. Donación de sangre. Este texto está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional. Página419 DIAS, Luzia Schalkoski; GUSSO, Angela Mari. Do you need to know the person to donate? Facework strategies in Brazilian blood donation campaigns: a multimodal analysis. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

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54 DOI: RISOS E FUTEBOL: UM ENSAIO SOBRE AS PAIXÕES NA MÍDIA ESPORTIVA * Rony Petterson Gomes do Vale ** Universidade Federal de Viçosa Departamento de Letras Viçosa, MG, Brasil Resumo: O presente ensaio é resultado das discussões teóricas iniciais que fundamentam nossas pesquisas sobre a interface entre futebol e discurso humorístico. Neste texto, procuramos desenvolver uma reflexão a respeito de uma tipologia do riso em quadrinhos de humor (neste ensaio, mais especificamente a charge), nos quais o futebol é o tema central. Mesmo admitindo que a rivalidade entre as equipes adversárias proporcione na maioria dos casos o desencadeamento de um riso de escárnio ou de um riso malvado, nossa proposta visa a evidenciar, pelo viés da Análise do Discurso, a presença de efeitos de sentido próximos de outras espécies de riso como o alegre e o bom, como postula Propp no seu Comicidade e Riso. Palavras-chave: Estratégia discursiva. Riso. Futebol. 1 INTRODUÇÃO Página421 Que Beleza! diz o locutor Milton Leite do canal SPORTV quando um jogador comete uma asneira e, ultimamente, no futebol brasileiro, o que mais acontece são asneiras! Do fiasco da participação da seleção na copa do mundo de 2014 aos disparates de ações legais influenciando a história dos clubes nacionais, aos erros grosseiros de arbitragem e aos desmandos e à corrupção explícita da CBF, tudo parece por mais paradoxal que seja fonte para o riso (e também para o choro) no futebol tupiniquim. Com isso em mente, este ensaio se envereda por dois caminhos: o primeiro discute como certas paixões envolvem o esporte mais querido pela maioria dos brasileiros; já o segundo procura evidenciar como as formas e formas reduzida do riso (p. ex.: humor, ironia, tirada, paródia, piada etc. cf. VALE, 2013, p. 111 et seq.) podem ser percebidas na mídia esportiva. Destarte, mesmo admitindo que a rivalidade entre as equipes adversárias proporcione na maioria dos casos o desencadeamento de um riso de escárnio ou de um riso malvado, nossa proposta visa perscrutar a presença de efeitos de sentido próximos de outras espécies de riso como, por exemplo, o riso alegre e o riso bom. * O presente ensaio é uma versão revista e ampliada de texto Por uma caracterização do riso nos quadrinho de humor e futebol, apresentado como comunicação oral no II Simpósio nacional sobre linguagem humorística: focalizando quadrinhos, da UFES. Além disso, esse ensaio lança as bases filosóficas, teóricas e metodológicas de nosso projeto de pesquisa de Iniciação Científica Futebol, humor e discurso: por uma caracterização do riso na mídia esportiva impressa desenvolvido no período de , na UFV. ** Doutor em Linguística do Texto e do Discurso. Professor Adjunto I. ronyvale@ufv.br VALE, Rony Petterson Gomes do. Risos e futebol: um ensaio sobre as paixões na mídia esportiva. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

55 Nesse ínterim, buscamos também refletir sobre como a linguagem do riso 1 pode se desenvolver, no âmbito do humor e do futebol, com a sombra do politicamente correto agindo como uma espécie de censura branca que cerceia expedientes em vários níveis semióticos do linguístico ao imagético. Isso porque acreditamos tal censura parece ter o potencial não somente de fazer os humoristas buscarem novas estratégias discursivas para driblar as coerções sociodiscursivas estabelecidas pelo politicamente correto, mas também de abrir a possibilidade de as formas do riso se voltarem para além da rivalidade e do escárnio. 2 UMA TIPOLOGIA DO RISO: O PROBLEMA DO RISO BOM E DO RISO ALEGRE Página422 De início, acreditamos ser providencial retomar, nesta seção, nossa crítica aos postulados de Vladmir Propp a respeito de uma tipologia do riso. Em Comicidade e riso, Propp (1992) afirma que o estudo da comicidade deve se pautar, ao mesmo tempo, na estética das obras ditas cômicas e na psicologia do sujeito que ri. Com isso em mente, o autor se debruça sobre a psicologia de diferentes tipos de riso, procurando evidenciar os mecanismos capazes de desencadear o riso e a forma como eles agem na cognição humana. Segue que o crítico russo passa a elencar e a discutir, metodicamente, os principais tipos de riso, para os quais apresentamos uma síntese: a) Riso de zombaria. Voltado para a punição dos vícios e para o escárnio dos defeitos (mesquinhos). Altamente satírico e destruidor, esse riso estabelece como alvo, entre outras coisas, a falsa grandeza, a falsa autoridade, a falsa pusilanimidade, a falsa pudicícia e a norma estabelecida. O prazer gerado por esse riso é a somatória de sentimentos como a satisfação e a sensação de superioridade (conquistada por uma espécie de vitória), o ódio (contra o objeto do riso), a alegria (com os pequenos infortúnios alheios), entre outros; b) Riso bom. Raramente encontrado, esse riso também se volta para a punição dos vícios; todavia, diferentemente do riso de zombaria, ele não porta o traço de irrisão. Isso se deve ao fato de que a punição proporcionada por esse riso é embotada por alguma forma de afeto daquele que ri sobre o objeto do riso, pois o defeito pode ser próprio de uma pessoa a quem amamos e apreciamos bastante ou por quem sentimos simpatia. Nessas circunstâncias, um defeito não provoca condenação, mas pode, ao contrário, reforçar um sentimento de afeto e simpatia (PROPP, 1992, p. 152); c) Riso maldoso. Nesse tipo de riso, os vícios e os defeitos (mesquinhos, aparentes, reais ou inventados) são hiperbolizados. Com isso, esse riso se aproxima fortemente da maledicência e da falsidade, cuja ausência de um impulso nobre faz elencar como alvos preteridos: a hipocrisia diante da realidade e a sacralização dos atos de bondade (tidos sempre como falsos). Assim sendo, o 1 Conceito cunhado a partir das ideias de Bakhtin. Permite delinear o riso enquanto manifestações linguageiras e enquanto atividade responsiva ativa, possibilitando descrever e interpretar o riso não somente como efeito de sentido pretendido e possível, mas também como princípio organizador de textos e de discursos (cf. VALE, 2012). VALE, Rony Petterson Gomes do. Risos e futebol: um ensaio sobre as paixões na mídia esportiva. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

56 Página423 pathos desse tipo de riso pode beirar o ódio generalizado, convertendo-se em pseudotrágico. Isso porque, esse riso, nos alerta Propp (1992, p. 160), está estritamente ligado à infelicidade, ao fracasso e à desilusão daquele que ri; d) Riso cínico. Embora seja muito similar ao riso maldoso, o riso cínico se difere desse pelo fato de que retira seu prazer da desgraça alheia. Para Propp, esse tipo de riso se afasta, como o riso maldoso, da comicidade, pois não são mais os pequenos infortúnios que se tornam alvo, mas qualquer desgraça, seja ela de pequena ou de grande dimensão. Esse tipo de comportamento, ressalta Propp (1992, p. 160), é próprio de um ser humano árido, incapaz de compreender o sofrimento dos outros ; e) Riso alegre. Diferencia-se do riso bom, pois, em nenhum grau, se verifica a presença de alguma forma de punição dos defeitos. Não carrega, de modo algum, o traço de irrisão. Tal como o riso ritual, o riso alegre é vivificador das forças e do desejo de viver, porém se distancia também desse último, uma vez que não assume nenhum papel (obrigatório) em cerimônias de cunho religioso. As causas do riso alegre não são precisas e os pretextos de seu surgimento podem ser os mais insignificantes. O prazer desencadeado por esse riso se aproxima de um alegramento puro. É próprio de pessoas boas e dispostas ao humorismo (PROPP, 1992, p. 163); f) Riso ritual. Como o próprio nome diz, esse riso está ligado aos mais diferentes tipos de rituais verificados desde os primórdios das sociedades humanas. Tido muitas vezes como intencional e/ou artificial (falso), o riso ritual pode até mesmo, assim como o choro, ser obrigatório em algumas cerimônias. De acordo com Propp (1992, p ), tal riso tem função de despertar e de elevar as forças vitais, suscitar a vida e, até mesmo, promover a ressurreição dos mortos, tanto dos seres humanos (por vezes, também dos deuses) quanto dos vegetais (os rituais realizados durante as colheitas e as semeaduras). Embora Propp vislumbre a possibilidade de existência dos outros tipos de riso, é importante ressaltar o papel do riso de zombaria nas pesquisas sobre a comicidade. De acordo com Propp (1992), esse riso de zombaria pode chegar ao ponto de ser tomado, por vezes, como sinônimo de comicidade. O que se deve ao fato de que Justamente este e, [...], apenas este aspecto [irrisão] está permanentemente ligado à esfera do cômico. Basta notar, por exemplo, que todo o vasto campo da sátira baseia-se no riso de zombaria. E é exatamente este tipo de riso o que mais se encontra na vida (PROPP, 1992, p. 28). É oportuno destacar que, em grande parte do seu texto 2, Propp (1992) se interessa pelo riso de zombaria e seus aspectos. Com isso, os demais tipos de riso recebem uma análise deveras superficial, em especial o riso bom e o riso alegre, pois estes tipos de riso não são provocados pela comicidade, não estão ligados a ela e constituem uma questão mais de caráter psicológico que estético (PROPP, 1992, p. 162). Propp justifica essa posição, apresentando o fator quantitativo como argumento decisivo para não avançar em suas reflexões e análise desses tipos de riso, pois, segundo ele, Partindo-se 2 Dos vinte e sete capítulos que compõem Comicidade e riso, dezenove são dedicados à análise do riso de zombaria. VALE, Rony Petterson Gomes do. Risos e futebol: um ensaio sobre as paixões na mídia esportiva. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

57 Página424 de observações de ordem puramente quantitativas, podemos afirmar que o riso de zombaria é o mais freqüente, que é o tipo fundamental de riso humano e que todos os outros tipos encontram-se muito mais raramente. Do ponto de vista da lógica formal podese chegar racionalmente à conclusão de que há duas subdivisões do riso, ou dois gêneros. Um contém a derrisão, o outro não (PROPP, 1992, p. 151). Contudo, devemos chamar a atenção para esses dois tipos de riso, pois, diferentemente do riso ritual, o riso bom e o riso alegre podem ser desencadeados por via discursiva. Com efeito, esses tipos de riso, de modo semelhante ao riso de zombaria ou o riso maldoso, também participariam de um discurso baseado no risível, muito embora estejam, aparentemente, mais afastados da comicidade, como sugere Propp. Como alegamos anteriormente, nessa atitude de Propp parece ressoar uma certa visão (moderna) a respeito de certos tipos de riso nos fatos da comicidade e do humor. Numa linha um pouco divergente, podemos citar Baudelaire. Procurando definir a essência do riso em seu estudo sobre a caricatura, Baudelaire (1855) considera que o riso é diversificado e que não nos alegramos somente com a desgraça, a fraqueza e inferioridade de outrem. Isso porque, nosso riso, prossegue o poeta, pode ser excitado de maneiras (inocentes!) que muitas vezes não tem nada a ver com o espírito de Satã. Nesse sentido, Baudelaire (1855, p tradução nossa) propõe que façamos uma distinção entre o que é a alegria e o que é o riso. A primeira, nos esclarece esse autor, é um estado de espírito existente por si mesmo; um estado de espírito que pode se manifestar de inúmeras formas, por exemplo, o silêncio, o choro e, é claro, o riso. Já esse último é a expressão de um sentimento duplo, ou contraditório; e é por isso que há a convulsão 3. Desse modo, o riso das crianças, que seria uma objeção à sua tese, é, para Baudelaire, totalmente diferente, mesmo como expressão física, quanto forma, do riso do homem que assiste a uma comédia, observa uma caricatura 4, pois o riso das crianças é como um desabrochar de uma flor. É a alegria de receber, de respirar, de se abrir, de contemplar, de viver, de crescer 5. E, com base nessa ideia de um riso de alegramento per si, Baudelaire é levado a diferenciar 6 as formas de cômico em significativo e absoluto, sendo este último totalmente desprovido de qualquer alegria. No âmbito de uma crítica estética e psicológica, Pirandello (1996) busca a essência do humorismo, tratando, primeiramente, de diferenciá-lo de outras formas do riso, principalmente, do cômico. Com esse intuito, Pirandello nos diz que uma obra 3 No original: Le rire est l expression d un sentiment double, ou contradictoire; et c est pour cela qu il y a convulsion. 4 No original: [...] est-il tout à fait différent, même comme expression physique, comme forme, du rire de l homme qui assiste à une comédie, regarde une caricature... 5 No original: Le rire des enfants est comme un épanouissement de fleur. C est la joie de recevoir, la joie de respirer, la joie de s ouvrir, la joie de contempler, de vivre, de grandir. 6 De acordo com Santos (2012, p ), a diferença entre as formas cômicas apontadas por Baudelaire tem como base, por um lado, a percepção (do cômico) e, por outro, a intenção imitativa dessa percepção pelo artista. Assim, ainda seguindo Santos, o cômico absoluto (ou grotesco) seria mais natural (no sentido de encontrado na natureza) e captado somente pela intuição humana; já o cômico significativo (ou ordinário) estaria mais para a arte, para uma linguagem vulgar (cotidiana) e, por conseguinte, seria mais fácil de analisar. VALE, Rony Petterson Gomes do. Risos e futebol: um ensaio sobre as paixões na mídia esportiva. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

58 Página425 humorística, assim como toda realização artística, passa por um procedimento psicológico de organização. Essa organização psicológica, no caso específico do humorismo, se aproxima de uma forma de sentimento que, à medida em que (sic) a obra se faz, ela a critica, não friamente como faria um juiz desapaixonado, analisando-a, mas improvisadamente, segundo a impressão que dela recebe (PIRANDELLO, 1996, p. 131). Disso, chega-se ao princípio que organiza o humorismo: o sentimento do contrário. Pirandello defende essa ideia, exemplificando esse princípio com o caso da velha senhora fantasiada com roupas e maquiagens de mulheres mais jovens. Segundo o crítico italiano (1996, p. 132), ao nos darmos conta dessa senhora, pomo-nos a rir, uma vez que ela representa o contrário daquilo que se espera de uma senhora respeitável. Temse, então, a essência do cômico, ou seja, a advertência do contrário. No entanto, se nos colocamos a refletir sobre a situação, os motivos que levaram a velha senhora a se empetecar ridiculamente (por exemplo, para agradar um esposo muito mais jovem que ela e, por conseguinte, conservar seu relacionamento), e eis que não posso mais rir disso como antes, precisamente porque a reflexão, trabalhando em mim, fez-me ir para além daquela primeira advertência, ou de preferência, mais adentro: daquela primeira advertência do contrário fez-me passar a este sentimento do contrário (PIRANDELLO, 1996, p. 132). Conclui-se disso que, para Pirandello, a diferença básica entre uma representação cômica e uma representação humorística é como se dá a percepção do contrário, este último portador do potencial gerador do riso. Porém, esse potencial pode ser embotado a partir do momento em que a reflexão, a qual, na visão de Pirandello, necessariamente segue alguma forma de sentimento, tende a turbar ou a impedir o riso. Quanto a esse último ponto, Bergson (2007, p. 3) é categórico: o riso não tem inimigo maior que a emoção. A insensibilidade e a indiferença, afirma o filósofo francês, são fatores necessários para que a comicidade produza seus efeitos de sentido (leia-se: riso). Para Bergson, isso se deve ao fato de que Numa sociedade de puras inteligências provavelmente não mais se choraria, mas talvez ainda se risse; ao passo que almas invariavelmente sensíveis, harmonizadas em uníssono com a vida, nas quais qualquer acontecimento se prolongasse em ressonância sentimental, não conheceriam nem compreenderiam o riso (BERGSON, 2007, p. 3). Assim sendo, emoções como a piedade e a afeição têm um grande potencial de anular o riso, pois, para que ele o riso aconteça, é necessária uma certa anestesia do coração. Ou seja, a comicidade dirige-se à inteligência pura (BERGSON, 2007, p. 4). Em suma, se considerarmos que, de um modo geral, as teorias 7 correspondem a uma certa visão admitida a respeito de determinado fenômeno em dada época e que, de volta, 7 De acordo com Charaudeau (2006, p. 196 et seq.), teorias e construtos teóricos devem ser enquadrados como saberes de conhecimento, que procuram estabelecer uma verdade sobre o mundo, constituindo um saber exterior ao homem, de modo que o mundo se imponha ao homem como realidade por si mesmo. Esse conhecimento pode ser subdividido em: savant (próximo do saber científico; da ordem do que pode ser provado) e de experiência (próximo de um saber que pode ser experimentado). Os saberes de conhecimento se diferenciam, por exemplo, da doxa e do senso comum, pois esses se enquadram na classe dos saberes de crença, que procuram também estabelecer uma verdade sobre o mundo, mas por meio da avaliação e do julgamento. Nesse caso, o homem, com base num engajamento daquele que enuncia em relação ao conhecimento enunciado, se impõe ao mundo e esse passa por um filtro interpretativo do sujeito. Esses VALE, Rony Petterson Gomes do. Risos e futebol: um ensaio sobre as paixões na mídia esportiva. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

59 os construtos teóricos influenciam outras reflexões posteriores, constituindo assim imaginários sociodiscursivos sobre esse mesmo fenômeno; devemos, então, aceitar que dificilmente poderemos perceber o riso bom e o riso alegre. Isso porque, como vimos, esses dois tipos estão muito próximos de emoções que poderiam anular o riso, embotar a sua intensidade ou, até mesmo, mudar a classe de suas formas. Contudo, evidenciar essa dificuldade não quer dizer, de modo algum, que esses tipos de riso não podem ser induzidos, o que, por consequência, nos obriga a considerá-los, mesmo que em potência, na análise do discurso humorístico e, no caso especial deste trabalho, no âmbito do humor sobre o futebol. Figura 1 Charge de Duke: Fernandão Fonte: SUPER NOTÍCIAS. Belo Horizonte: Sempre Editora, 2014, ano 13, n. 4411, p. 2. Página426 Exemplo disso é a charge da figura 01. Nela, podemos dizer que o riso, passível de ser desencadeado, de modo algum está ligado ao riso de escárnio ou ao riso mal, uma vez que o humor colocado visa a um riso alegre ou a representação de um riso muito próximo do riso ritual, que busca uma superação de momentos tristes por um ato de reverência, de aclamação daqueles que nos deixaram. Em outras palavras, diremos que o riso na charge da figura 01 sobre a morte do jogador Fernandão está vazio do daquilo que marca as partidas de futebol: a rivalidade entre os times e os torcedores. saberes de crença podem se apresentar na forma de uma revelação (semelhante às verdades doutrinais) e de opinião (marcadas por um engajamento do sujeito). Todos esses saberes (de conhecimento e de crença), no entanto, devem, ainda de acordo com Charaudeau, ser considerados como formas materializadas de expressão com núcleo semântico estável, isto é, maneiras de dizer as representações sociais que circulam em dada sociedade e que, por isso, constituem os imaginários sociodiscursivos sobre determinado fenômeno ou realidade. VALE, Rony Petterson Gomes do. Risos e futebol: um ensaio sobre as paixões na mídia esportiva. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

60 3 RIVALIDADE X EMULAÇÃO: DISCUTINDO PAIXÕES NO FUTEBOL A princípio, devemos refletir sobre as relações sociais (e discursivas) que o esporte bretão pode proporcionar a partir do enfrentamento de 22 jogadores correndo atrás de uma bola. De fato, esse enfrentamento não se resume às quatro linhas do campo; no nosso modo de ver, ele estimula o espírito de rivalidade tanto nos próprios jogadores quanto nos torcedores: as discussões sobre o jogo continuam após o seu término, numa aparente tentativa de levar esse enfretamento às últimas consequências o que infelizmente, por vezes, acontece, gerando incidentes como a morte de torcedores. Nesse passo, entendese que a rivalidade deve ser considerada um fator decisivo nas reflexões sobre discursos que têm no futebol sua matéria e que ela pode se consubstanciar em várias formas: física; fisiológica; psicológicas; e, lógico, discursiva alvo de nossa reflexão aqui. Uma pergunta, no entanto, se coloca: o que entendemos por rivalidade? De acordo com o dicionário Houaiss (2009 destaques nossos), rivalidade pode ser definida como característica ou condição de rival ou do que rivaliza e pode apresentar as seguintes acepções: 1. Oposição, por vezes lúdica e ger. sem grandes consequências, entre dois ou mais indivíduos, grupos, instituições que perseguem um mesmo objetivo e em que cada lado visa suplantar o(s) outro(s); competição, concorrência, disputa, emulação; 2. Zelo excessivo; ciúme; 3. Ausência de entendimento, de tolerância, de convivência pacífica entre pessoas, grupos étnicos, instituições, países etc. que disputam entre si alguma coisa, não raro de modo violento, ou cujos interesses, opiniões etc. são radicalmente diversos; luta, conflito. Página427 Assim definida, podemos dizer que a rivalidade se situa no quadro das paixões que, de certo modo, comandam as ações humanas, por exemplo, a ira e o amor. Mais do que isso: ela se apresenta com características de paixões compósitas (como o ciúme), uma vez que, ao mesmo tempo, apresenta em seu âmago tanto o potencial da agressividade, da violência quanto o potencial do prazer do lúdico, da brincadeira muito semelhante à paixão desconhecida que comanda o riso (cf. HOBBES, 1966). Como efeito, essa mistura de sentimentos problemática constante nos estudos discursivos presente nessa definição de rivalidade nos levaria, em princípio, a um beco sem saída como acontece com o riso que evitaria seu estudo. Todavia, acreditamos que essa questão possa ter uma terceira via. Vejamos. Aristóteles, no livro II da Retórica, discute o valor retórico da motivação dos sentimentos e das emoções no juízo dos ouvintes, pois os factos não se apresentam sob o mesmo prisma a quem ama e a quem odeia, nem são iguais para o homem que está indignado ou para o calmo (ARISTÓTELES, 2005, p. 159). Com efeito, nos diz o filósofo, as paixões têm uma função importante na argumentação, uma vez que são elas as causas que fazem alterar os seres humanos e introduzem mudanças nos nossos juízos, na medida em que elas comportam dor e prazer... (ARISTÓTELES, 2005, p. 160). Nesse passo, podemos afirmar que as paixões, ou melhor, o conhecimento sobre elas é uma arma nas mãos daqueles que desejam argumentar e elaborar n tipos de discursos, movendo o ouvinte ou o leitor no campo do hedônico. VALE, Rony Petterson Gomes do. Risos e futebol: um ensaio sobre as paixões na mídia esportiva. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

61 Aristóteles, ainda no livro II da Retórica, descreve e analisa várias paixões, como a calma, a ira, a vergonha, o amor/amizade, o medo, a emulação etc. Dentre estas, daremos especial atenção aqui à emulação, à ira e à hostilidade, uma vez que essas parecem estar no bojo da definição de rivalidade, apresentada anteriormente. Segundo Aristóteles (2003; 2007), a ira (cólera, raiva, fúria) pode ser definida como um desejo ou um impulso, acompanhado de dor e de tristeza, voltado para um desprezo sofrido, por vezes sem ser justificado, por uma dada pessoa ou por um alguém muito querido desta. Esse desejo gera um dado prazer que está diretamente ligado à expectativa de vingar-se do indivíduo de onde se originou o desprezo. Nesse ponto, é importante ressaltar a diferença entre o ódio (ou hostilidade) e a ira: enquanto esta se volta para um indivíduo em particular, aquele pode se voltar para o coletivo. Isso se deve, dentre outras coisas, aos objetivos ou as finalidades por detrás das relações interpessoais que se apresentam nessas paixões: cólera é o desejo de causar desgosto, mas ódio, o de fazer mal, visto que o colérico quer notar o desgosto causado, enquanto ao que odeia nada importa (ARISTÓTELES, 2003, p. 29). Ainda no tocante à pessoa que sente ira, salienta Aristóteles, essa paixão pode ser desencadeada pela falta de respeito daquele que se julga dotado de superioridade (material ou espiritual) em relação aos outros, uma vez que um homem espera ser respeitado, sobretudo pelas pessoas que são inferiores em nascimento, capacidade, bondade, e, em geral, em qualquer coisa na qual esse homem seja superior (ARISTÓTELES, 2007, p. 84). Por conseguinte, esse mesmo homem, por sua condição, será também alvo da fúria daqueles (inferiores) que zombam e escarnecem. A emulação, por sua vez, pode ser definida, com base em Aristóteles, como uma paixão de caráter nobre, voltada para a competição entre pessoas de bem. Nas palavras do filósofo, a emulação é o sofrimento causado pela presença de coisas boas, em pessoas cuja natureza é semelhante à nossa, que são vistas em alta conta e as quais podemos adquirir; porém, não nos emulamos pelo fato de essas pessoas terem tais coisas, mas por nós não as termos. Portanto, é um sentimento bom percebido por pessoas boas [...] (ARISTOTELES, 2007, p. 108). Essa ideia de competição saudável pode abrir caminho, em nosso modo de pensar, para a possibilidade de uma rivalidade esvaziada de hostilidade e de ira, o que, por vezes, pode-se perceber em representações sociodiscursivas sobre o esporte, como, por exemplo: o importante não é vencer, mas competir (ou seja, o espírito olímpico). Assim entendida, a paixão da emulação, diferentemente da rivalidade, garante que o riso, no futebol, não necessariamente é todo ele escárnio ou maldade, podendo, por vezes, ser aplicado, por exemplo, à correção de defeitos daqueles que amamos, ou seja, a possibilidade da presença do riso bom. Página428 VALE, Rony Petterson Gomes do. Risos e futebol: um ensaio sobre as paixões na mídia esportiva. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

62 Figura 2 Charge de Duke: Selfie Fonte: SUPER NOTÍCIAS. Belo Horizonte: Sempre Editora, 2014, ano 13, n. 4470, p. 2. Na Figura 2, podemos dizer que estamos diante do riso bom, isso porque a rivalidade aqui abre espaço para a emulação, no sentido de que se está a troçar de comportamento de um atleta não pelo fato de ele jogar mal realmente não é o caso, pois Neymar se revelou um craque de grande potencial, mas pela sua obsessão com a própria imagem e na exposição desta. 4 FUTEBOL, DISCURSO E O POLITICAMENTE (IN)CORRETO Página429 Com base em Possenti (1995, p ), podemos dizer que uma linguagem politicamente incorreta é perceptível a partir de formas linguísticas que veiculam, com maior ênfase, ideias de segregação de classe, de raça, de sexo etc. Nessa linha de raciocínio, a utilização dessa linguagem pode acarretar, entre outras coisas: i) tornar o vocabulário de determinada língua marcado em relação a qualquer grupo discriminado (por exemplo, negro, gay, sapatão, gordo, bicha etc.); e ii) fazer com que os sujeitos produtores de práticas discursivas que utilizam, consciente ou inconscientemente, essa linguagem sejam julgados como preconceituosos (machistas, homofóbicos, racistas...) a partir dos efeitos de sentido que possam ser depreendidos na/pela enunciação de tal vocabulário. Numa tentativa de reverter essa situação, os partidários de uma linguagem politicamente correta, conforme explica Possenti (1995, p. 131; 138), acabam caindo, do ponto de vista linguístico, em erros banais, como, verbi gratia, propor a substituição do termo marcado por outro teoricamente, não marcado, pois se considera que a troca de palavras marcadas por palavras não marcadas ideologicamente pode produzir a diminuição dos preconceitos ; entretanto, se o preconceito existe, é somente porque a VALE, Rony Petterson Gomes do. Risos e futebol: um ensaio sobre as paixões na mídia esportiva. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

63 sociedade gera condições para que o preconceito e os discursos que o justificam aconteçam. A reboque dessa substituição, muitas vezes se segue a inexistência na língua de um termo sinônimo, criando, como sugere Possenti (1995, p. 139), eufemismos de certa forma cômicos, ou verdadeiras definições, como, por exemplo, indivíduo casado com atividade sexual paralela e prestadora de serviços sexuais em vez de adúltero e de prostituta, respectivamente. Ou seja, o politicamente correto se torna politicamente incorreto, dependendo da visada impressa no enunciado pelo sujeito: Oh, desculpa! Eu não sei fazê esse negócio de stand-up... Tô meio nervoso, não tô acostumado a falá no microfone; na verdade, tô aqui só para cumprir a cota de negro no elenco... Queria fazê um protesto: que é muito difícil ser negro no Brasil, é muito difícil ser negro nesse País; tem país que mais fácil você ser negro... Tipo, sei lá: Nigéria, Angola... Uh, hu! Lá só dá nóis! Mas aqui é muito preconceito contra o negro. Negro, não! Que agora mudou, vocês tão sabendo? Agora, não pode mais chamar o coleguinha de negro, de preto; agora vocês são obrigados a me chamar de? [ Afrodescendente! responde a plateia] É... agora sim... é um puta respeito comigo, cara. Eu passo na rua e as pessoas falam: Afrodescendente, só faz merda hein! 8 No caso do humor focado sobre o futebol, para além do uso restrito de um vocabulário, a linguagem politicamente incorreta, confusamente cerceada pelo politicamente correto, influencia a própria estrutura dos gêneros do humor, instituindo novos alvos para além das partes envolvidas no campo, como na figura 3: Figura 3 Charge de Duke: Macaco Página430 Fonte: SUPER NOTÍCIAS. Belo Horizonte: Sempre Editora, 2014, ano 13, n. 4494, p Comedy Central Apresenta Stand-up com Marcelo Marrom. Disponível em: < com/watch?v=0l4fjrwzffk>. Acesso em: 14 mar VALE, Rony Petterson Gomes do. Risos e futebol: um ensaio sobre as paixões na mídia esportiva. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

64 Aqui temos referência ao caso do goleiro Aranha, do Santos Futebol Clube. Em uma partida pelo Campeonato Brasileiro 2014, Aranha foi hostilizado pela torcida do Grêmio, sendo chamado de macaco por ser afrodescendente. A repercussão do caso gerou uma séria punição ao Grêmio. Mas, o que nos interessa mostrar, aqui, é que o humor, diante do politicamente correto ou incorreto, faz o próprio ato de dizer o politicamente incorreto se tornar alvo de um riso podemos dizer totalmente destruidor, não da torcedora flagrada no ato, mas da atitude de preconceito que ainda insiste em se mostrar em nossa sociedade e nos campos de futebol. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS As questões acima debatidas e até mesmo exemplificadas nos instigam a procurar mais evidências de que tanto o riso bom/alegre quanto o riso malvado/destruidor podem também ter seu papel no entendimento dos discursos sobre o futebol, uma instituição que para muitos é considerada a que melhor representa a cultura de nosso País depois do Alemanha 7 x Brasil 1 na última copa do mundo, quem sabe?. No mesmo passo, observar a ação do politicamente (in)correto no humor sobre o futebol parece indicar um redirecionamento dos alvos, principalmente quando se trata do riso malvado, por vezes, focando a própria instituição Futebol ou aqueles que a dirigem no Brasil. Ou seja, escarniar e rir do rival acarreta implicações legais e desportivas que não vale a pena pagar, nem para imprensa nem para os torcedores. REFERÊNCIAS Página431 ARISTÓTELES. Retórica das paixões. São Paulo: Martins Editora, Retórica. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, Retórica. São Paulo: Rideel, BAUDELAIRE, C. De l essence du rire et généralement du comique dans les arts plastiques. Le Portefeuille, Disponível em: < /?rub=oeuvre&srub=ess&id=27&s=1#>. Acesso em: 3 ago BERGSON, H. O riso: ensaio sobre significação da comicidade. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, CHARAUDEAU, P. Discurso político. São Paulo: Contexto, HOBBES, T. Elements of law natural and politic. 2. ed. London: Cass: HOUAISS, A. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. São Paulo: Objetiva, PIRANDELLO, L. O humorismo. São Paulo: Experimento, POSSENTI, S. A linguagem politicamente correta e a análise do discurso. Estudos da Linguagem, Belo Horizonte, ano 4, v. 2, p , jul./dez PROPP, V. Comicidade e riso. São Paulo: Ática, SANTOS, R. E. Reflexões teóricas sobre o humor e o riso na arte e nas mídias massivas. In: SANTOS, R. E.; ROSSETTI, R. (Org.) Humor e riso na cultura midiática: variações e permanências. São Paulo: Paulinas, 2012, p VALE, R. P. G. Lingua pileata: Bakhtin, linguagem do riso e Análise do Discurso. Inventário (revista online), v. 1, Disponível em: < /11/LINGUA%20PILEATA%20BAKHTIN%20finalizado.pdf>.. O discurso humorístico: um percurso de análise pela linguagem do riso f. Tese (Doutorado em Linguística do Texto e do Discurso) Programa de Pós-graduação em Linguística, Faculdade de Letras, Belo Horizonte, VALE, Rony Petterson Gomes do. Risos e futebol: um ensaio sobre as paixões na mídia esportiva. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

65 Title: Laughters and soccer: an essay on the passions in sports media Author: Rony Petterson Gomes do Vale Recebido em: 16/02/16. Aprovado em: 21/07/16. Abstract: This paper is the result of the initial theoretical discussions that underlie our researches about the interface between soccer and humorous discourse. In this text, we try to develop a reflection on a typology of laughter in the comics of humor (in this essay, specifically the charge), in which soccer is the theme central. Even admitting that the rivalry between opposing teams provides in most cases the triggering of a derision laugh or an evil laugh, our proposal aims to analyze, from the perspective of discourse analysis, the presence of meaning effects similar to other species of laughter as the happy and good, as Propp postulates in his Comicidade e Riso. Keywords: Discursive strategy. Laughter. Soccer. Título: Risas y fútbol: un ensayo sobre las pasiones en la media deportiva Autor: Rony Petterson do Vale Resumen: El presente ensayo es resultado de las discusiones teóricas iniciales que basan nuestras investigaciones sobre el interface entre fútbol y discurso humorístico. En este texto, hemos procurado desarrollar una reflexión a respecto de una tipología de la risa en historietas de humor (en este ensayo, más específicamente la caricatura burlesca), en las cuales el fútbol es el tema central. Aunque admitiendo que la rivalidad entre los equipos adversarios proporcione en la mayoría de los casos el desencadenamiento de una risa de burlas o de una risa malvada, nuestra propuesta tiene el objetivo de evidenciar, por enfoque del Análisis del Discurso, la presencia de efectos de sentido próximos de otras especies de risa, como lo alegre y lo bueno, como postula Propp en su Comicidade e Riso. Palabras-clave: Estratégia discursiva. Risa. Fútbol Este texto está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional. Página432 VALE, Rony Petterson Gomes do. Risos e futebol: um ensaio sobre as paixões na mídia esportiva. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

66 DOI: O ACRE NÃO EXISTE? NAS DESNOTÍCIAS, NÃO Ana Cristina Carmelino Universidade Federal de São Paulo Departamento de Letras São Paulo, SP, Brasil Karine Silveira Pontifícia Universidade Católica de Minas Departamento de Letras Belo Horizonte, MG, Brasil Resumo: Neste artigo, o objetivo é mostrar que a referenciação feita por expressões nominais referenciais e/ou referenciais e atributivas é capaz de construir determinada identidade social para o estado do Acre. Para isso, analisam-se desnotícias, nome dado a textos humorísticos publicados no site Desciclopédia que parodiam notícias escritas por mídias de renome. A discussão teórica ancora-se especialmente nos conceitos de identidade social e referenciação, formulados, respectivamente, pela Análise de Discurso Crítica e pela Linguística Textual. O estudo explicita que a seleção de termos que compõem as expressões nominais é responsável por gerar certos efeitos de sentido. No caso em análise, busca-se construir identidades sociais de modo bem-humorado, visto que tais formas colocam em questão a existência do Acre, tornando esse estado motivo de piada. Palavras-chave: Identidade social. Referenciação. Desnotícia. Humor. Acre. 1 O ACRE EM QUESTÃO Página433 Diversos são os motivos para se fazer piada 1 com algo ou alguém, a saber: brincar, rebaixar, criticar; escancarar comportamentos não admitidos de forma explícita, mas praticados socialmente; forjar ou dissimular, para expressar efeitos de verdade; e difundir práticas sociais enraizadas na cultura de um povo, modos de ser, construções identitárias. Nota-se, curiosamente, que dentre os estados brasileiros, o Acre tem sido alvo constante de piada na Internet. Comecemos com dois exemplos, a fim de ilustrar o tipo de brincadeira comumente feita com esse estado: Professora Adjunta IV da área de Estudos da Linguagem. Doutora em Linguística e Língua Portuguesa pela Unesp/CAr. anacriscarmelino@gmail.com Doutoranda em Linguística e Língua Portuguesa pela PUC Minas. karineletras@bol.com.br 1 Estamos usando o conceito de piada da forma mais ampla possível, ou seja, algo constituinte de textos humorísticos e compartilhado por diferentes gêneros de cunho cômico. É preciso destacar também que os termos humor, brincadeira, piada e cômico (e suas variantes) são usados aqui como sinônimos. CARMELINO, Ana Cristina; SILVEIRA, Karine. O Acre não existe? Nas desnotícias, não. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

67 Figura 1 Exemplo (1): Mapa do Brasil (visto pelos cariocas) Fonte: VERDADEIRO mapa de como os cariocas veem o resto do Brasil. Diário do Rio. Disponível em: < Acesso em: 10 mar Figura 2 Exemplo (2): Meme Fonte: 3 COISAS que eu nunca vi na vida. Geradordememe. Disponível em: < Acesso em: 10 mar Página434 No exemplo (1), tem-se um mapa que brinca com o modo como os moradores do estado do Rio de Janeiro veem o Brasil. O lugar que corresponderia ao Acre é identificado com uma pergunta: Existe?. Já em (2), tem-se um meme (algo que é imitado, uma brincadeira que se difunde rapidamente por redes sociais e que, em geral, é constituída por imagens e enunciados verbais) que destaca três coisas brasileiras jamais vistas: fã de Latino (cantor), tekpix (câmera fotográfica digital) e Acre (estado). Ambos os textos, cada um a seu modo, questionam a subsistência do estado. CARMELINO, Ana Cristina; SILVEIRA, Karine. O Acre não existe? Nas desnotícias, não. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

68 Página435 Os dois exemplos, como visto, não se referem somente ao Acre, mas incluem a localidade entre os dados mencionados para a produção do humor. Desse modo, de forma bem-humorada, ambos evidenciam uma identidade social (imagem negativa) construída para o Acre: a de ser um estado inexistente. A primeira pergunta que se levanta é se haveria motivo(s) para isso. Se sim, qual (quais) seria(m) ele(s)? Levando-se em conta que os textos humorísticos são um material rico para refletir sobre construção identitária, este artigo pretende explicitar como a identidade social de estado inexistente, comumente edificada para o Acre nesses tipos de textos, é construída (e reforçada) por meio de expressões nominais com função: 1) referencial; 2) referencial e atributiva. Para isso, toma-se como corpus de análise exemplos de desnotícias, nome dado a textos publicados no site Desciclopédia, os quais parodiam notícias escritas por mídias de renome. É relevante esclarecer que os excertos de desnotícias usados neste artigo para ilustrar a análise foram selecionados a partir de uma busca sobre o tema no site Desciclopédia. Em princípio, levantaram-se todas as desnotícias que versavam sobre o Acre em geral (um total de 32 2 ), depois foram verificadas aquelas que atribuíam ao estado a identidade de inexistente. Neste caso, foram encontrados 10 exemplos. Para além desse objetivo, qual seja, explicitar a construção da identidade social de estado inexistente, busca-se entender não apenas os motivos pelos quais o Acre é objeto de piada, mas também em que medida a história pode ou não explicar a construção bemhumorada de certa identidade social construída para o estado 3, dado novo em relação ao tema e, por conta disso, ainda não explorado do ponto de vista teórico-científico (o que, por si só, já justificaria a necessidade da discussão em tela). Há três hipóteses consideradas neste texto: a) que as expressões nominais referenciais e/ou referenciais e atributivas são um recurso eficaz na construção da identidade social do Acre; b) que as piadas sobre o Acre encontram explicação na história desse estado; c) que essas piadas forjam uma identidade para expressar efeitos de verdade. O referencial teórico que fundamenta a análise empreendida neste estudo ancora-se em dois conceitos principais: identidade social e referenciação por meio de expressões nominais. Para discutir o primeiro, tomam-se como base os pressupostos da Análise de Discurso Crítica; para tratar do segundo, parte-se das considerações da Linguística Textual de base sociocognitiva e interacional. Antes, porém, de abordar tais conceitos, é importante esclarecer o que vem a ser desnotícia. 2 As desnotícias que constam deste artigo fazem parte de um corpus maior, constituído de 32 exemplos, como citado. Para tal seleção, Silveira (2013) fez um levantamento da quantidade desses textos presentes no site Desciclopédia no período de 4 a 13 de abril de 2011, contabilizando um total sobre assuntos variados. De todos os assuntos tratados, o estado do Acre era um dos temas mais abordado, tornando-se, portanto, o corpus de análise da pesquisadora. 3 Convém destacar que não estamos afirmando que as identidades construídas social e culturalmente para o Acre, em textos humorísticos, correspondam de fato a uma verdade. CARMELINO, Ana Cristina; SILVEIRA, Karine. O Acre não existe? Nas desnotícias, não. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

69 2 DESNOTÍCIA: HUMOR E PARÓDIA De acordo com o site Desciclopédia, a desnotícia é definida como Uma fonte de notícias livre e de grátis, feita por pessoas e animais como você em mais de 25 mil idiomas. [...]. O seu conteúdo pode ser modificado, impresso e distribuído livremente para os seus amigos, ou para que você possa os colorir, saiba como! (Desnotícias: página principal, Desciclopédia, s/d) Página436 Trata-se de textos humorísticos que brincam com notícias veiculadas em alguma mídia de renome. Como registra de maneira bem-humorada o próprio enunciado, se até animais como você podem escrever e qualquer um pode editar ou modificar o seu conteúdo, as desnotícias se tornam informações nada confiáveis. Os textos humorísticos, em oposição aos não humorísticos, definem-se pela perspectiva da comunicação não confiável. Conforme registra Travaglia (2015, p. 51), há um rompimento do compromisso da comunicação com a seriedade, de ser algo válido em que se pode confiar, do princípio segundo o qual se alguém me diz algo, aquilo deve ser levado em conta com seriedade. Além disso, pode-se dizer que um ingrediente comum a essas produções seja o fator surpresa (cf. POSSENTI, 2010). Para compreender melhor a desnotícia, faz-se necessário esclarecer de onde ela parte, ou melhor, o que vem a ser a Desciclopédia, veículo no qual tais textos são publicados. Lançado em 2006, o site é uma versão brasileira da Uncyclopedia. Ambas, a brasileira e a norte-americana, caracterizam-se por satirizar a página Wikipédia 4, seja na forma de apresentação dos dados (layout), seja em relação aos diversos textos que ela publica. Os diferentes conteúdos ali inseridos, que fazem parte de diversos gêneros (despoesias, desentrevistas, deslistas), são abertos para que usuários cadastrados os editem. Se o veículo (a Desciclopédia) que publica os textos por si só já é uma sátira, é coerente que seu conteúdo seja também de cunho humorístico. No que tange às desnotícias, partindo de que se trata de uma fonte de notícias livre e de grátis (Desnotícias: página principal, Desciclopédia, s/d), buscou-se verificar se tais textos, embora de conteúdo humorístico, baseavam-se em matérias jornalísticas existentes e publicadas em portais jornalísticos. O estudo de Silveira (2013) comprova que sim. Ao comparar a notícia-fonte com a desnotícia, a autora nota que esta geralmente desconstrói o conteúdo do texto original, por meio de uma recontextualização. Proposto por Fairclough (2003), o termo recontextualização implica transformação, uma vez que se refere ao fato de um texto/gênero ser posto em outro contexto. As desnotícias seriam, seguindo esse raciocínio, a recontextualização de notícias reais em um texto parodístico, cujo propósito comunicativo é diferente do propósito da notícia (SILVEIRA, 2013, p. 106). No caso das desnotícias usadas na análise deste artigo, notase que elas visam a ridicularizar o estado do Acre. A título de ilustração, vejamos um exemplo: 4 A Wikipédia é uma enciclopédia virtual que pode ser editada por seus usuários cadastrados e está disponível no endereço < CARMELINO, Ana Cristina; SILVEIRA, Karine. O Acre não existe? Nas desnotícias, não. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

70 (3) Desnotícia PELOTAS, Estados Unidos do Sul - Numa região de montanhas geladas a oeste da Amazônia, numa área onde são raros os sinais de civilização, enormes antenas fazem um balé sincronizado. Ora viram para o poente, ora para o nascente. Para onde quer que apontem olham na direção do infinito e tentam responder a uma das questões mais antigas da humanidade: o Acre existe? (Pesquisadores procuram sinais do Acre, Desciclopédia, 16 jan. 2011) (4) Notícia Numa região de montanhas geladas ao norte da Califórnia, numa área onde são raros os sinais de civilização, enormes antenas fazem um balé sincronizado. Ora viram para o poente, ora para o nascente. Para onde quer que apontem olham na direção do infinito e tentam responder a uma das questões mais antigas da humanidade: estaremos, afinal, sozinhos neste universo? (Na Califórnia, pesquisadores procuram sinais de vida extraterrestre, G1, 18 nov. 2007) O primeiro fragmento corresponde ao lead (nome do parágrafo de abertura do texto jornalístico, que tende a condensar os principais dados daquela informação) da desnotícia Pesquisadores procuram sinais do Acre, postada no site Desciclopédia e atualizada em 16/01/2011. O segundo diz respeito ao lead da notícia que serviu de base, ou seja: Na Califórnia, pesquisadores procuram sinais de vida extraterrestre, nota que foi publicada no portal G1 em 18/11/2007, na seção Ciência e Saúde. Conforme se observa, a desnotícia funciona como uma espécie de paródia, visto que desloca o sentido do texto original para criticá-lo e/ou deformá-lo, ou seja, retrabalhase, no caso do corpus em questão, a notícia-fonte com o propósito de produzir humor, sem comprometimento com a verdade, mesmo que haja nesse texto uma crítica/denúncia social. De acordo com Silveira (2013), a desnotícia trata-se de um texto que recontextualiza fatos pertencentes ao contexto da notícia, a qual visa a informar a sociedade sobre acontecimentos cotidianos, para o contexto do humor: o fazer rir, divertir. Ainda tomando como base o exemplo mencionado, especialmente o trecho Para onde quer que apontem olham na direção do infinito e tentam responder a uma das questões mais antigas da humanidade: o Acre existe?, verifica-se que a paródia (vista na alteração de estaremos, afinal, sozinhos neste universo? para o Acre existe? ) busca não apenas divertir, mas construir para o Acre, de forma bem-humorada, a mesma identidade social vista nos casos já mostrados: a de estado inexistente. A questão que resta é saber por quê. 3 IDENTIDADE SOCIAL E REFERENCIAÇÃO Página437 Herdeira dos estudos desenvolvidos pela Linguística Crítica, no final da década de 1970 cujos propósitos eram compreender a linguagem e sua relação com o social e com as noções de ideologia e poder, a Análise de Discurso Crítica (doravante ADC) consolida-se como disciplina no início da década 1990, tendo como expoente o linguista britânico Norman Fairclough. Conforme Chouliaraki e Fairclough (1999), a ADC constitui um modelo teóricometodológico que se situa no âmbito da Ciência Social Crítica, estabelecendo um diálogo CARMELINO, Ana Cristina; SILVEIRA, Karine. O Acre não existe? Nas desnotícias, não. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

71 entre esse campo e a Linguística. Uma das características que define tal modelo, nas palavras de Ottoni (2014, p. 28), é que o problema investigado é que vai demandar quais teorias entrarão nesse campo de diálogo. Isso posto, o propósito principal da ADC é tratar de diversas práticas que compõem a vida social. Entre elas, está a construção de identidades sociais, que estão diretamente vinculadas ao conceito de discurso. Tais identidades, conforme Fairclough (2001), são estabelecidas nos e pelos discursos, de acordo com um projeto de dizer do falante/autor. Mas o que seria discurso, para o autor, nessa abordagem? O conceito é concebido como forma de prática social, que inclui não apenas uma forma de representação do mundo, mas, também, de significação do mundo (FAIRCLOUGH, 2001, p. 90). Em suas considerações, o autor destaca que o discurso contribui para a construção de identidades sociais, de relações sociais entre as pessoas e de sistemas de conhecimento e crença. Silva (2009, p. 44), pesquisadora vinculada à ADC, que ampara seus estudos em Woodward (2000), salienta: Um ponto consensual entre os pesquisadores é que as identidades não são um processo acabado, elas estão, por meio da linguagem, em constante construção e reconstrução. Assim, a linguagem é constitutiva do ser humano. E as identidades só adquirem sentido pela linguagem e pelos sistemas simbólicos que as representam Página438 Tal abordagem pode ser relacionada com a perspectiva sociocognitiva da Linguística Textual, teoria com a qual será trabalhado o conceito de referenciação mais adiante. Para Silva (2009), as identidades estão em constante construção e reconstrução. Isso ocorre, pois o texto passa a ser considerado o próprio lugar da interação e os interlocutores, sujeitos ativos que dialogicamente nele se constroem e por ele são construídos (KOCH, 2009, p. 33). Além disso, a linguagem é tida como o principal mediador da interação entre as referências do mundo biológico e as referências do mundo sociocultural (p. 32). Essa visão de interação e de construção e reconstrução dos sujeitos por meio do texto pode ser relacionada com a afirmação de Silva (2009, p. 44), a de que as identidades não são para sempre, e que a diferença ocorre com relação aos outros e com relação a elas mesmas, devido às transformações no tempo. Em outras palavras, os interlocutores, como sujeitos ativos, interagem por meio do texto construindo e reconstruindo identidades, tendo em vista que se trata de algo sempre em processo. Desse modo, a construção de identidade pode sofrer modificação à medida que o tempo passa. Com relação às identidades atribuídas a determinada nação (e, por que não dizer, a certa região ou certo estado de um país), é importante acrescentar, com base em Hall (2006), que elas advêm não apenas das histórias que são contadas sobre a nação, memórias que conectam seu presente com seu passado (panoramas, eventos históricos, símbolos, rituais) e imagens que dela são construídas, mas, também, do conjunto de práticas que buscam articular certos valores e normas de comportamento, por meio da repetição. Os exemplos citados até o momento neste artigo tendem a reforçar, de forma bem-humorada, que o estado do Acre não existe. CARMELINO, Ana Cristina; SILVEIRA, Karine. O Acre não existe? Nas desnotícias, não. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

72 Página439 Em suma, o discurso tem alguns efeitos constitutivos e um deles é o de contribuir para a construção de identidades sociais e culturais. Identidades que, nesta discussão, são compreendidas como uma representação imaginária, que pode ou não ter amparo no real e que, portanto, pode ou não ser explicada por questões históricas. Além disso, mesmo que as representações se vinculem à História, isso não significa que elas, de fato, sejam verdadeiras, já que a desnotícia descontrói os fatos aos quais faz referência. Desse modo, as identidades que se ligam à cultura, às relações sociais e aos elementos históricos são, portanto, construções que levam em conta aspectos que refletem indivíduos, lugares. Nesse sentido, as representações sociais e culturais, manifestadas nos textos de humor que brincam com a inexistência do Acre, consistem em vetores potenciais de processos identitários de manutenção e/ou reconstrução de identidades desse estado brasileiro, nesse contexto. Considerando-se que o objetivo deste artigo é refletir sobre uma das identidades construídas para o Acre (a de estado inexistente) por meio de processo de referenciação mais especificamente a partir de expressões nominais referenciais e/ou referenciais e atributivas que remetam a ele, faz-se necessário tratar aqui de cada um desses conceitos. O fenômeno da referenciação é abordado por diferentes correntes teóricas. Do ponto de vista da Linguística Textual de base sociocognitiva e interacional, perspectiva da qual se parte, trata-se de uma operação discursivamente produzida, na qual os sujeitos constroem objetos de discurso (MONDADA, DUBOIS, 2003; APOTHÉLOZ, REICHLER-BÉGUELIN, 2003). Esses objetos são definidos como entidades que são interativamente e discursivamente produzidas pelos participantes no fio da enunciação (MONDADA, 2001, p. 9). De acordo com pesquisadores brasileiros que abordaram o tema 5, a referenciação é concebida como uma atividade discursiva, na qual o sujeito, por ocasião da interação verbal, opera sobre o material linguístico que tem à sua disposição, realizando escolhas significativas para representar estados de coisas a fim de construir um determinado sentido (KOCH, 2005, p ). Por esse olhar, trata-se de uma atividade cognitivodiscursiva, cujo processamento é estratégico. Tal processo, que se caracteriza pela introdução (ativação, categorização) e retomada de objetos de discursos (reativação, recategorização), pode ser estabelecido por expressões tanto de ordem gramatical (como pronomes e numerais), quanto lexical (formas ou grupos nominais). Dentre essas expressões, interessam as de ordem lexical, dado o fato de que elas podem ser as responsáveis por construir identidades. Compostas em geral por um nome (substantivo) que pode ser acompanhado de um determinante (indefinido, definido ou demonstrativo) ou de um modificador (adjetivo, sintagma preposicional, oração relativa), as expressões nominais podem ser: 1) referenciais; 2) referenciais e atributivas. O primeiro caso refere-se àquelas que identificam ou designam um objeto de discurso ; já o segundo diz respeito às que atribuem predicados a um objeto de discurso instituído (CARMELINO, 2015, p. 96). 5 Caso de Marcuschi (2000), Koch (2005) e Cavalcante (2011). CARMELINO, Ana Cristina; SILVEIRA, Karine. O Acre não existe? Nas desnotícias, não. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

73 Se a escolha das palavras que compõem as expressões nominais referenciais e/ou referenciais e atributivas é feita pelo produtor do texto de acordo com um projeto de dizer (a fim de veicular certo efeito de sentido), muitas vezes, são essas formas as responsáveis por construir identidades sociais, além de revelar pontos de vista e fazer avaliações. Nesse sentido, o processo de referenciação por meio de tais expressões pode ser articulado à proposta de Fairclough (2001, p. 104), quando nos diz que: as pessoas fazem escolhas sobre o modelo e a estrutura de suas orações que resultam em escolhas sobre o significado (e a construção) de identidades sociais, relações sociais e conhecimento e crença. Ainda a esse respeito, convém mencionar o que registra Ottoni (2007, p. 47): Muitas palavras que nós escolhemos para descrever alguma coisa ou alguém veiculam uma atitude positiva ou negativa [...] Isso vai depender de nossa posição [...] de como queremos nos posicionar e também posicionar o ouvinte/leitor de nosso texto. Com base nessas considerações e na análise de fragmentos de desnotícias, busca-se mostrar no próximo tópico como algumas expressões nominais referenciais e/ou referenciais e atributivas constituem estratégias representacionais para reiterar certa identidade social que circula na mídia (em especial em textos de humor) sobre o Acre: a de que esse estado brasileiro não existe. 4 ESTADO INEXISTENTE: IDENTIDADE SOCIAL CONSTRUÍDA PARA O ACRE As piadas ou os textos de humor em geral, por veicularem discursos menos oficiais, podem além de criticar, pôr em evidência certos modos de ser e estar, representações identitárias. Uma identidade social comumente construída para o Acre nas chamadas desnotícias, que reforça o que já foi explicitado nos exemplos citados ao longo deste texto, é a de estado inexistente. Haveria alguma explicação (de ordem histórica ou não) para isso? Antes de dar qualquer resposta para a questão levantada, vejamos como tal identidade se manifesta por meio de diferentes expressões nominais com função referencial e/ou referencial e atributiva que remetem ao estado. Comecemos por dois exemplos: (4) Antigamente pertencente à Bolívia, foi trocado por um cavalo com o Brasil, porém como até hoje ninguém achou o local, o cavalo continua no Brasil, estacionado em frente a [sic] embaixada boliviana em Brasília, esperando a comprovação da existência do Acre. (Lula coloca Acre no fuso horário brasileiro na tentativa de encontrá-lo, Desciclopédia, 16 jan grifo nosso) (5) Até mesmo entre os grandes cientistas, discutir a existência do Acre é tão complicado quanto discutir política ou religião (Pesquisadores procuram sinais do Acre, Desciclopédia, 16 jan grifo nosso) Página440 Os excertos que fazem parte das desnotícias Lula coloca Acre no fuso horário brasileiro na tentativa de encontrá-lo e Pesquisadores procuram sinais do Acre questionam, cada um a seu modo, a existência do Acre. Isso pode ser observado tanto pela expressão nominal a existência do Acre, com função referencial, quanto pelos CARMELINO, Ana Cristina; SILVEIRA, Karine. O Acre não existe? Nas desnotícias, não. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

74 termos que fazem parte de seu entorno. Formada por um determinante definido (a), um substantivo (existência) e um sintagma preposicional (do Acre), a expressão nominal chama a atenção especialmente pela presença do termo existência. Não é comum usá-lo para se referir a algo que, efetivamente, exista. Portanto, quando o leitor se depara com tal expressão, surpreende-se por ser afirmado algo tão óbvio, acarretando, assim, o efeito humorístico do texto e a depreciação do estado do Acre, que passa a ter sua existência questionada. Em (4), a construção esperando a comprovação da, que antecede a forma nominal, permite que se compreenda que a existênca do Acre ainda não foi confirmada, porque não haveria provas certificando o fato (espera-se pelo acontecimento). Em (5), ao explicitar que a existência do Acre seja algo complicado de ser discutido até mesmo entre grandes cientistas, como é o caso de política e religião, sugere-se que existam assuntos delicados, polêmicos, sobre os quais ainda não há um consenso, uma única opinião formada. E a existência do Acre é um desses assuntos. Outra expressão nominal, agora com função referencial e atributiva, que reitera a identidade social do Acre como inexistente, é a que o mostra como o estado perdido, como podemos ver no fragmento que segue: (6) RIO BRANCO, Ilha de Lost Acre - O presidente Luís Fusohorácio Lula da Silva sancionou hoje a lei que institui o mesmo fuso horário do Oeste do Brasil para o Acre. A medida visa facilitar a vida das inúmeras expedições exploratórias que buscam o Estado Perdido. (Lula coloca Acre no fuso horário brasileiro na tentativa de encontrá-lo, Desciclopédia, 15 jan grifo nosso) Constituída por um determinante definido (o), um substantivo (estado) e um adjetivo (perdido, daí o caráter atributivo), a escolha lexical, no caso dessa expressão, mostra-se essencial para produzir o efeito de sentido pretendido pelo autor. O determinante o indica que não é qualquer estado que está sendo procurado, mas apenas um, o Acre. O termo perdido significa não ter mais (por consequência, não existir). Se algo é perdido, nesse caso, passa a ser inexistente, de certa forma. Com base na história do Acre, pode-se inferir que se trata de um estado desaparecido ou esquecido, talvez por estar situado muito distante dos grandes centros brasileiros, como Rio de Janeiro, São Paulo, Distrito Federal. Alguns elementos do entorno da expressão corroboram um sumiço definitivo (daí a inexistência), como A medida visa [instituir o mesmo fuso horário do Oeste do Brasil para o Acre, a fim de encontrá-lo] facilitar a vida das inúmeras expedições exploratórias que buscam o Estado Perdido. Há outro exemplo cuja expressão nominal semelhante, Estado Brasileiro Perdido, acena para o mesmo sentido, a diferença é que ela caracteriza explicitamente o Acre como um estado brasileiro, como se verifica em: Página441 (6) Suspeitas recaem que o estado localize-se [sic] no meio da Amazônia, à frente da República Checa e atrás do Peru, mas nenhum governante destes locais confirma o fato. Enquanto isso, a ONU preocupada com os fracos e oprimidos, mandou sua 69ª missão em busca do Acre e a NASA já preparou o lançamento da 42ª sonda em busca do Estado Brasileiro Perdido. (Acre é o local que mais aparece no Google Earth diz pesquisa, Desciclopédia, 15 jan grifo nosso) CARMELINO, Ana Cristina; SILVEIRA, Karine. O Acre não existe? Nas desnotícias, não. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

75 No exemplo (7), temos uma expressão nominal referencial e atributiva, Estado Brasileiro Perdido, que sugere uma possível mudança no nome do estado, pois as iniciais estão em letra maiúscula, igual a um nome próprio. Isso nos chama a atenção, já que recategoriza o objeto do discurso Acre, caracterizando-o principalmente como perdido. Tal adjetivação avalia, como visto no excerto (5), o Acre como um estado desaparecido ou esquecido. Além disso, pode-se retomar a história do Acre para se compreender o uso do adjetivo perdido, tendo em vista que o Brasil quase se envolveu em uma Guerra com a Bolívia para não perder o território que hoje é o Acre. Nesse caso, a desnotícia se baseia na história para satirizar a luta pela posse da área correspondente a tal estado. Outra possibilidade de entendimento inferida é a de que o Acre tenha sido destruído de maneira definitiva, pois perdido também tem esse significado (ser arruinado, aniquilado). No entanto, o uso do sintagma preposicional em busca de, que antecede e introduz a expressão nominal aqui analisada, leva-nos a interpretar a noção de perdido como desaparecido, pois evidencia a possibilidade de desaparecimento ou sumiço do estado, uma vez que o uso do verbo buscar, nessas expressões, tanto em (6) quanto em (7), assumem o mesmo valor de procurar, e se tende a buscar aquilo que foi perdido. Os próximos dois excertos, (8) e (9), caracterizam-se por fazer referência indireta ao Acre, mas não deixando de reforçar a costrução da identidade de estado inexistente, pois destacam a capital e o exército ao fazerem uso dos mesmos adjetivos: suposto e inexistente: (7) No mapa do Brasil que servia como ponto de partida para as matérias sobre as cidades, Rio Branco, a "suposta" capital do Acre, foi apontada na região onde de fato está localizada. (FIFA comprova o óbvio: o Acre não existe!, Desnotícia, 15 jan grifo nosso) (8) O Exército Bahiano perdeu, neste domingo, sua invencibilidade diante do suposto exército acriano inexistente. [...] Diversos moradores das cidades que fazem divisa com o Acre tem [sic] visto mobilizações de diversos animais azuis voadores se reunindo na inexistente capital acreana [sic]. (Portal Terra relata nova Guerra do Acre, Desnotícia, 16 jan grifos nossos) Página442 No fragmento (8), a expressão destaca a capital Rio Branco e, em seguida, é utilizado um aposto explicativo, a suposta capital do Acre. No aposto, constituído por uma expressão nominal referencial e atributiva, o que se destaca é o adjetivo suposto que caracteriza a capital do Acre, Rio Branco. As aspas sugerem uma construção irônica do tipo: todos sabem que não existe a capital do Acre, o que já seria algo óbvio. Com isso, reafirma-se a subsistência do estado, tendo como ponto de partida a não existência de sua capital. Seria um caso de metomínia, a parte pelo todo, se a capital não existe, o mesmo vale para o estado que supostamente a abrigaria. Outro fato que salienta a não existência do Acre, nesta desnotícia, é o próprio título dela: FIFA comprova o óbvio: o Acre não existe!. Em (9), o suposto exército acriano inexistente, o mesmo adjetivo não mais se encontra entre aspas, mas modifica o sentido de exército acriano, o que coloca em questão a presença de um exército no estado. Entretanto, a dúvida é resolvida ao final da CARMELINO, Ana Cristina; SILVEIRA, Karine. O Acre não existe? Nas desnotícias, não. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

76 expressão, por meio do adjetivo inexistente, que indica que seja um estado desprotegido, pois não há um órgão público para defendê-lo. Além disso, esse adjetivo é utilizado novamente no fragmento (9), a inexistente capital acreana. Apesar de os fragmentos (8) e (9) serem de desnotícias diferentes, ambos têm o mesmo propósito: evidenciar a não existência da capital acreana e, assim, consequentemente, anular a existência do estado. Por fim, uma última desnotícia que corrobora a identidade social de estado inexistente por meio da expressão nominal referencial e atributiva uma invenção do governo, que pode se vista no trecho a seguir: (9) Muito provavelmente você ja percebeu onde queremos chegar... Não, o Acre não existe, ele é apenas uma invenção do governo a fim de esconder uma área secreta onde estão mantidas as tampas de caneta bic (perdidas), os políticos honestos e os Chesters. (Google nega ter apagado o Acre do serviço GoogleMaps, Desnotícia, 18 jan grifo nosso) Página443 A expressão em destaque no excerto (10) é constituída por um determinante indefinido (uma), um substantivo (invenção) e um sintagma preposicional (do governo). Nela, o termo que é ressaltado na constituição da identidade é invenção, pois sugere que o Acre seja uma fantasia (algo que não existe). Esse dado é confirmado pela definição do próprio vocábulo: invenção: coisa imaginada ou inventada com astúcia ou má-fe; invencionice, maquinação, mentira (FERREIRA, 1999). Além disso, deve-se levar em conta que o estado não é uma invenção feita por qualquer um, mas, sim, pelo governo. A fim de se compreender melhor a escolha lexical do governo, é preciso conhecer a história do Acre, para saber que ele foi comprado da Bolívia, pelo Brasil, por duas mil libras esterlinas. Com base nisso, se a desnotícia diz que o governo o inventou, certamente é para desconstruir a história do Acre e colocar em dúvida se ele realmente existe, já que pouco se fala, atualmente, nas escolas e na mídia sobre as brigas territoriais que ocorreram entre Bolívia, Peru e Brasil, por causa do Acre. A partir dos exemplos aqui apresentados, é possível verificar que as expressões nominais com função referencial e/ou referencial atributiva que remetem ao Acre mostram esse estado brasileiro como aquele que não subsiste como espaço físico e, por isso, não possui uma capital, nem mesmo habitantes. Ao colocar em questão (ora de forma implícita, ora de forma escancarada) a (não) existência do Acre, as desnotícias tendem, pelo viés do humor, a construir uma imagem (identidade social) negativa dele. Imagem esta que, além de ridicularizá-lo, rebaixa-o a ponto de anulá-lo. Embora o rebaixamento seja uma forma bastante comum de se produzir humor, é preciso refletir sobre seus efeitos de sentido que, certamente, têm uma razão de ser. A explicação para se fazerem tantas piadas com/sobre o Acre (um dentre os 26 estados brasileiros e o Distrito Federal), segundo se entende, não está no acaso, mas na sua própria história. Em razão disso, na sequência, serão abordados alguns fatos que marcaram a trajetória do estado, a fim de se compreender o porquê de edificá-lo por meio de certa imagem. CARMELINO, Ana Cristina; SILVEIRA, Karine. O Acre não existe? Nas desnotícias, não. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

77 5 O QUE DIZ A HISTÓRIA SOBRE O ACRE? Página444 Sobre o Acre, o que imediatamente nos chama a atenção não é o fato de ele ser um estado novo, se comparado a Minas Gerais, São Paulo ou Bahia. Quanto a esse tópico, há o Tocantins, que é o mais recente território elevado ao status de estado. Em termos sóciohistóricos, chamam a atenção dois dados: o Acre quase não ser noticiado e ter sido um estado comprado. Retomando a sua história, até 1901, o Acre pertencia à Bolívia e era um território habitado pelos índios. Entretanto, em meados do ano de 1877, brasileiros provenientes do Nordeste passaram a ocupá-lo com o objetivo de extrair o látex 6, principal matéria-prima da região. Por causa da chegada dos brasileiros, o governo imperial brasileiro assinou o Tratado de Ayacucho, que fixou áreas limítrofes entre as duas nações. Tal acordo não foi suficiente para evitar conflitos entre os dois países. Conforme Gurgelm (2003), no período de 1899 a 1903, o Brasil e a Bolívia quase declararam guerra por causa das brigas territoriais. Nesse contexto de lutas (visto que a maioria do território do Acre tinha sido ocupada por brasileiros), em 14 de julho de 1901, Luís Galvez, conhecido como o Imperador do Acre, decidiu proclamá-lo estado independente. Nas palavras de Neves (2013), em novembro de 1903, o Acre foi anexado ao Brasil como Território Federal, tendo os poderes judiciário e legislativo sido implantados de forma lenta e irregular. O Atlas National Geographic: Brasil (2008) registra que, após a assinatura do Tratado de Petrópolis (um acordo diplomático proposto pelo Barão do Rio Branco 7 ), o governo brasileiro pagou dois milhões de libras esterlinas à Bolívia e prometeu construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré para facilitar o escoamento de produtos bolivianos para o Atlântico. Isso deixa claro que o Acre foi um território comprado. Convém assinalar que a ascensão do Acre como estado só ocorreu em 15 de junho de 1962, por meio da lei 4.070, sancionada pelo Presidente da República João Goulart. Nesse período, o estado teve como governador José Augusto de Araújo, eleito em outubro de Atualmente, sabe-se muito pouco sobre o Acre, pois, como já dito, trata-se de um estado que não é noticiado na chamada grande mídia, nem considerado como local que apresenta algum ponto turístico de destaque no país. Pode-se, entretanto, ressaltar que ele ocupa uma área de km², o que equivale a menos de 2% da superfície do país. De acordo com o censo do IBGE de 2013, o Acre é o terceiro estado menos populoso do país. Ele ocupa ainda o 22º lugar no índice de desenvolvimento em pesquisa realizada pela Fundação Carlos Chagas e o 24º lugar dos melhores estados em condições de vida, do estudo realizado pela consultoria Macroplan (2004). 6 De acordo com o Atlas (2008, p. 48), a extração de látex sustentou o ciclo da borracha um século atrás e ainda é uma das principais atividades econômicas do Acre. 7 O tratado de Petrópolis representa uma das maiores vitórias diplomáticas do Brasil, visto que conseguiu incorporar ao território nacional, sem deflagrar guerra, uma extensão de terra de quase km², que foi entregue a 60 mil seringueiros e suas famílias para que lá pudessem exercer as funções extrativas da borracha. CARMELINO, Ana Cristina; SILVEIRA, Karine. O Acre não existe? Nas desnotícias, não. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

78 Diante do exposto, considera-se a hipótese de que a história do Acre explica as piadas e a identidade social bem-humorada que se constrói para o estado em textos que circulam na Internet. Os dados mais relevantes parecem ser o fato de se localizar numa região bastante isolada, ou seja, distante dos grandes centros urbanos ditos mais importantes (como os da região Sudeste), não ter pontos turísticos para visitação e não ser noticiado na grande mídia (rádio, TV, jornais). Isso reforça a construção da imagem do Acre como um estado sem importância, esquecido e, por consequência, alvo de textos que questionam a sua existência, apontando-o como inexistente. Se, como dito no início deste texto, há motivos para se fazer piadas com algo ou alguém, no caso em questão, as piadas sobre o Acre cumprem funções de extrema relevância. Ao afirmarem insistentemente, e de diferentes formas, que o estado não existe (o que não é verdade), os textos humorísticos buscam, pela simulação, não só reafirmar a subsistência desse estado, mas também colocá-lo em evidência no cenário brasileiro, fazendo com que ele seja lembrado, notado. Desse modo, além de forjar, para expressar efeitos de verdade (já que a inexistência do Acre é inventada para destacar uma possível verdade a seu respeito: o esquecimento), outra função das piadas sobre o Acre é a denúncia à condição específica a que esse estado parece estar submetido: a de anulado. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Página445 Neste artigo, procurou-se evidenciar como o processo de referenciação feito por expressões nominais referenciais e/ou referenciais e atributivas constrói determinada identidade social para o estado do Acre, tornando-o motivo de piada. A esse respeito, convém destacar que as escolhas lexicais que constituem tais expressões são significativas para construir certas representações, independentemente de serem verdadeiras ou não. Além disso, destacou-se que as desnotícias são textos humorísticos que recontextualizam dados de matérias jornalísticas existentes (e sérias). No caso em questão, certas notícias foram transformadas em piadas sobre o Acre especialmente por meio das expressões nominais, como é o caso dos exemplos o Estado Perdido, Rio Branco, a "suposta" capital do Acre, uma invenção do governo. Pode-se dizer, portanto, que tais formas constituem um recurso eficaz tanto na deflagração da identidade social do Acre de ser um estado inexistente, quanto na produção de textos humorísticos. Ainda tomando como base a análise das expressões que compõem o corpus deste artigo, verificou-se que a identidade construída para o Acre é negativa, algo que tende a rebaixá-lo e a anulá-lo como estado. Tal fato a sua inexistência pode ser justificado pelas condições sócio-históricas da constituição do Acre como estado, que, como exposto no decorrer deste estudo, mostram que ele tem pouco destaque na sociedade brasileira (seja pela localização geográfica, seja por não possuir pontos turísticos), sendo assim pouco noticiado e, portanto, sendo esquecido. CARMELINO, Ana Cristina; SILVEIRA, Karine. O Acre não existe? Nas desnotícias, não. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

79 REFERÊNCIAS Página446 ACRE. In: Atlas National Geographic Brasil. São Paulo: Abril, v. 13, ACRE é o local que mais aparece no Google Earth diz pesquisa. Desciclopédia, 15 jan Disponível em: < ogle_earth_diz_pesquisa>. Acesso em: 10 mar APOTHÉLOZ, D.; REICHLER-BÉGUELIN, M-J. Construction de la référence et stratégies de designation. In: ADAM, J-M (Org.). Du sintagme nominal aux objets-de-discours. Neuchâtel: Université de Neuchâtel, p Obra em português: Construção dos objetos do discurso: uma abordagem dos processos de referenciação. In: CAVALCANTE, M. M.; RODRIGUES, B. B.; CIULLA, A. (Orgs.). Referenciação. São Paulo: Contexto, p CARMELINO, A. C. Expressões nominais referenciais e construção do humor. In: CARMELINO, A. C. Humor: eis a questão (Org.). São Paulo: Cortez, p CAVALCANTE, M. M. Referenciação: sobre coisas ditas e não ditas. Fortaleza: Edições UFC, CHOULIARAKI, L.; FAIRCLOUGH, N. Discourse in late modernity: rethinking Critical Discourse Analysis. Edinburgh: Edinburgh Uiniversity Press, DESNOTÍCIAS: página Principal. Desciclopédia. Disponível em: < Acesso em 10 mar FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança. Coord. de trad. Izabel Magalhães. Brasília: Editora Universidade de Brasília, Analysing discourse: textual analysis for social research. London/New York: Routledge, FERREIRA, A. B. H. Novo Aurélio século XXI: o dicionário de língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, FIFA comprova o óbvio: o Acre não existe! Desciclopédia, 15 jan Disponível em: < %A3o_existe!>. Acesso em: 10 mar GOOGLE nega ter apagado o Acre do serviço GoogleMaps. Desciclopédia, 18 nov Disponível em: < A7o_GoogleMaps>. Acesso em: 10 mar GURGELM, R. Brasil X Bolívia: a guerra evitada. Educação Terra, 12 nov Disponível em: < Acesso em: 10 mar HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. de Tomaz Tadeu da Silva, Guacira Lopes Louro. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, HALLIDAY, M. A. K. Introduction to functional grammar. London: Edward Arnold, KOCH, I. G. V. Desvendando os segredos do texto. 4. ed. São Paulo: Cortez, Introdução à linguística textual: trajetória e grandes temas. 2. ed. São Paulo: Editora Martins Fontes, LULA coloca Acre no fuso horário brasileiro na tentativa de encontrá-lo. Desciclopédia, 16 jan Disponível em: < iro_na_tentativa_de_encontr%c3%a1-lo>. Acesso em: 10 mar MACROPLAN. Desafios da gestão estadual, versão Disponível em: <file:///c:/users/ana%20cristina/downloads/desafios_da_gestao_estadual.pdf>. Acesso em: 10 mar MARCUSCHI, L. A. Quando a referência é uma inferência. Estudos Linguísticos, Assis, p. 1-31, MONDADA, L. Gestion du topic et organization de la conversation. Cadernos de Estudos Linguísticos, Campinas, n. 41, 2001, p MONDADA, L.; DUBOIS, D. Construction des objets de discours et catégorisation: une approche des processus de référenciation. Paris: Travel, Obra em português: Construção dos objetos do discurso: CARMELINO, Ana Cristina; SILVEIRA, Karine. O Acre não existe? Nas desnotícias, não. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

80 uma abordagem dos processos de referenciação. In: CAVALCANTE, M. M.; RODRIGUES, B. B.; CIULLA, A. (Orgs.). Referenciação. São Paulo: Contexto, 2003, p NA CALIFÓRNIA, pesquisadores procuram sinais de vida extraterrestre. G1, 18 nov Disponível em: < NA+CALIFORNIA+PESQUISADORES+PROCURAM+SINAIS+DE+VIDA+EXTRATERRESTRE.ht ml>. Acesso em: 10 mar NEVES, M. V. História Política do Acre. Papos do primeirão, 21 nov Disponível em: < Acesso em: 10 mar OTTONI, M. A. R. Os gêneros do humor no ensino de Língua Portuguesa: uma abordagem discursiva crítica. 2007, 399f. Tese (Doutorado em Linguística) - Universidade de Brasília, Brasília, As representações identitárias de gênero no humor sexista. In: OTTONI, M. A. R.; LIMA, M. C. (Org.). Discursos, identidades e letramentos: abordagens da análise de discurso crítico. São Paulo: Cortez, p PESQUISADORES procuram sinais do Acre. Desciclopédia, 16 jan Disponível em: < Acesso em: 10 mar PORTAL Terra relata nova Guerra do Acre. Desciclopédia, 16 jan Disponível em: < Acesso em: 10 mar POSSENTI, S. Humor, língua e discurso. São Paulo: Contexto, SILVA, F. C. O. O uso de metáforas e a construção de identidades étnicas. In: VIEIRA, J. A. et al. Olhares em análise de discurso crítica. Brasília: Josenia Antunes Vieira, SILVEIRA, K. Desnotícias sobre o Acre: a construção do humor e de Identidades sociais. 142 f. Dissertação (Mestrado em Linguística) - Universidade Federal do Espírito Santo, TRAVAGLIA, L. C. Texto humorístico: o tipo e seus gêneros. In: CARMELINO, A. C. Humor: eis a questão (Org.). São Paulo: Cortez, p VERDADEIRO mapa de como os cariocas vêem o resto do Brasil. Diariodorio. Disponível em: < Acesso em 10 mar WOODWARD, K. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, T. T. da (Org.). Identidade e diferença. São Paulo: Vozes, Título: Does not Acre exist? In unnews, it does not Authors: Ana Cristina Carmelino; Karine Silveira Recebido em: 12/03/16. Aprovado em: 21/08/16. Abstract: In this study the main aim is to show how referential and/or referential and attributive nominal expressions are able to build a social identity to Acre s state. To do it, unnews were analyzed. Unnews are humoristic texts posted in Desciclopedia site that parody news from different media. The theoretical discussion is based on the concepts of social identity and referential process, both formulated by Critical Discourse Analysis and Textual Linguistics. The present study explains that the terms selection which composes nominal expressions is responsible for producing different meaning effects. In our analysis the goal of this type of text is to build humorous social identities, as long as the nominal expressions doubt about Acre s existence. In our point of view, this strategy shows that this state became a reason for making jokes. Página447 Keywords: Social identity. Referential process. Unnews. Humor. Acre. CARMELINO, Ana Cristina; SILVEIRA, Karine. O Acre não existe? Nas desnotícias, não. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

81 Título: Acre no existe? En desnoticias, no Autoras: Ana Cristina Carmelino; Karine Silveira Resumen: En este artículo, el objetivo es mostrar que la referencia hecha por expresiones y/o referencias nominal y expresiones atributivas es capaz de construir cierta identidad social para el estado de Acre. Para ello, se analizan desnoticias, el nombre dado a los textos humorísticos publicados en el sitio Desciclopedia parodiando noticias escritas por los medios reconocidos. La discusión teórica está anclada en especial en los conceptos de identidad social y referenciación, hechos respectivamente por el Análisis Crítico del Discurso y la Lingüística Textual. El estudio explica que la selección de los términos que conforman las expresiones nominales es responsable por generar determinados efectos de sentido. En este caso, buscamos construir la identidad social de manera humorística, ya que esas formas ponen en duda existencia de Acre, tornando ese estado en hazmerreír. Palabras-clave: Identidad social. Proceso referencial. Desnoticia. Humor. Acre. Este texto está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional. Página448 CARMELINO, Ana Cristina; SILVEIRA, Karine. O Acre não existe? Nas desnotícias, não. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

82 DOI: A CONSTITUIÇÃO DA SUBJETIVIDADE NO DISCURSO DO IDOSO SOBRE SI Adélli Bortolon Bazza * Universidade Estadual de Maringá Departamento de Língua Portuguesa Maringá, PR, Brasil Resumo: Neste estudo, propôs-se analisar a subjetivação do idoso em contexto de ensino na Universidade Aberta à Terceira Idade (UNATI) da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Enquanto alguns trabalhos abordam o discurso sobre o idoso, propõe-se analisar as práticas que compõem um discurso do idoso sobre si. Embasada em uma perspectiva discursiva, calcada no pensamento de Michel Foucault, objetivou-se descrever o processo de subjetivação do estudante da UNATI-UEM, a partir da oposição sujeição-subjetivação. A série enunciativa analisada foi composta de dez entrevistas semiestruturadas feitas com estudantes da UNATI-UEM e de doze relatos produzidos por eles. A análise apontou que os sujeitos participantes pesquisados estabelecem resistência ao ideal de novo idoso, na medida em que adotam algumas das práticas que compõem essa subjetividade, enquanto rejeitam outras. Palavras-chave: Subjetividade. Idoso. Discurso. 1 INTRODUÇÃO Página449 Neste artigo, propõe-se abordar a constituição da subjetividade de idoso atual, a partir de um olhar discursivo. Dentre uma sociedade multifacetada e composta de inúmeros sujeitos, sejam eles maioria ou minoria social, recorta-se para a discussão a subjetividade do idoso, tendo em vista a representatividade que esse grupo vem ganhando na sociedade. Pesquisas constataram um aumento da população idosa em alguns países do mundo em geral, dos países mais desenvolvidos. No Brasil, dados dos censos 2008 e sugerem mudanças na população brasileira: aumenta a proporção de idosos em relação às demais faixas etárias. Esse fenômeno foi chamado de envelhecimento da população e pode ser creditado, entre outras coisas, ao desenvolvimento da medicina e de farmacologia, que garantiram um aumento da expectativa de vida. O crescimento da quantidade de idosos no país ocasionou um aumento de sua representatividade, que desencadeou inúmeras ações sociais como: a revisão das regras da Previdência Social, a homologação do Estatuto do Idoso, a implementação de * Doutora em Letras (PLE/UEM). adellibazza@hotmail. 1 Disponível em: <censo2010.ibge.gov.br/noticias-censo?view=noticia&id=3&idnoticia=1722&busca =1&t=dados-preliminares-censo-2010-ja-revelam-mudancas-piramide-etaria-brasileira>. Acesso em: 6 mar BAZZA, Adélli Bortolon. A constituição da subjetividade no discurso do idoso sobre si. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

83 programas de atenção ao idoso e à sua saúde, entre outros. Além dessas mudanças, o mercado de consumo passou a desenvolver publicidade específica para essa faixa etária, colocando-a como foco de muitos produtos midiáticos. Diante de todas essas mudanças, as pessoas com mais de sessenta anos se deparam com novas condições de vida, com nova relevância social, com novas formas de viver a velhice e com uma intensa produção discursiva a respeito de sua subjetividade. Os discursos produzidos sobre os indivíduos pertencentes à chamada terceira idade apresentam certa regularidade que dá visibilidade ao trabalho de (re)construção da subjetividade desse grupo, que passa a receber o nome de novo idoso. Esse processo discursivo opera uma espécie de classificação desse sujeito. Ao se descrever quem ele supostamente é, apresentam-se as práticas que se espera que ele assuma para ocupar o lugar de novo idoso na sociedade contemporânea. Diante dessa produção discursiva, cabe às pessoas idosas empreenderam um trabalho de constituição de sua subjetividade. A descrição da subjetividade assumida por idosos será tratada a partir de sequências enunciativas produzidas por sujeitos idosos estudantes na Universidade Aberta à Terceira Idade (UNATI) da Universidade Estadual de Maringá (UEM), a respeito da sua vivência da terceira idade. 2 A CONSTRUÇÃO DO OBJETO NOVO IDOSO Página450 Assim como Foucault se pergunta quem é o homem, num processo metonímico, é possível indagar-se: quem é o idoso de hoje. A resposta a essa questão é bastante complexa, pois pressupõe que se descreva a subjetividade de idoso assumida por pessoas que vivem nessa faixa etária. Levando-se em conta que a subjetividade é o resultado (ainda que movediço e sempre inacabado) de um processo de subjetivação, trata-se então, de descrever a subjetivação vivida por esses sujeitos. Esse processo se dá concomitantemente ao processo de objetivação, o que implica considerar que a subjetividade de um novo idoso é construída a partir de uma dispersão de enunciados atravessados por saberes de diversos campos. Essa discursividade pode produzir diferentes subjetividades de idoso e oferecer posições diversas para os sujeitos, a depender das relações estabelecidas social e discursivamente. As pessoas respondem a esses agenciamentos quando assumem ou negam determinadas práticas. Uma análise discursiva de orientação foucaultiana desenvolve-se pautada na constituição de séries enunciativas e requer que se considere a descrição do enunciado e de sua função no interior dos discursos. De acordo com Foucault (2008, p. 32), um enunciado é sempre um acontecimento que nem a língua e nem o sentido podem esgotar inteiramente. Isso ocorre porque ele não é uma unidade em si mesmo, mas um cruzamento entre um domínio de estruturas e um jogo de memória, produzindo um efeito de atualidade. Voss e Navarro (2013, p. 97) explicam que Foucault, no método arqueológico, está interessado no enunciado como acontecimento discursivo: índice paradoxal de novidade e de repetição, na história. Entre os acontecimentos mais recentes em relação à velhice, pode-se destacar a emergência da subjetividade do novo idoso como uma ruptura na história. BAZZA, Adélli Bortolon. A constituição da subjetividade no discurso do idoso sobre si. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

84 Página451 Ponto crucial de uma análise arqueológica, a descrição de um enunciado ocorre a partir da função enunciativa, que compreende as características: referencial, posiçãosujeito, campo associado e existência material. Para Foucault (2008, p.103), o enunciado está ligado a um referencial, que define as possibilidades de aparecimento e de delimitação do que dá à frase seu sentido, à proposição seu valor de verdade. Dessa forma, o referencial trata-se do objeto construído discursivamente. O segundo elemento da função enunciativa, posição-sujeito, corresponde a uma posição vazia que pode ser ocupada por diferentes indivíduos. A análise discursiva procura, então, determinar qual é a posição que pode e deve ocupar todo indivíduo para ser seu sujeito. (FOUCAULT, 2008, p. 108). Dessa forma, pressupõe-se sempre o devir que descentra o sujeito. Essa concepção implica assumir, no caso dos idosos participantes, que o discurso produzido por eles sobre si mesmos não é totalmente consciente, nem se origina totalmente neles. Ao contrário, seu dizer e seu agir são fruto da imbricação de diversas práticas e de diversas memórias, as quais muitas vezes eles desconhecem, mas assumem como suas. O terceiro elemento da função enunciativa, campo associado, permite compreender que a descrição dos saberes e a formação dos objetos não são tomadas como um dado a ser encontrado, mas uma teia a ser descrita a partir das relações entre os enunciados. Foucault (2008) afirma que o enunciado só existe dentro de um campo associativo com outros enunciados, composto de elementos como: a) outras formulações onde o enunciado se inscreve; b) conjunto das formulações a que o enunciado se refere; c) conjunto das formulações que podem vir como consequência do enunciado; d) conjunto das formulações cujo status é compartilhado. Essa série de formulações com as quais o enunciado coexiste atesta sua historicidade, o que permite descrever o trabalho realizado pela memória na sua constituição. Sendo assim, a posição-sujeito de novo idoso é um lugar construído na função enunciativa que tem o idoso como seu objeto de saber. O enunciado que descreve e instaura o novo idoso, na mídia, por exemplo, está em relação com: a) enunciados sobre saúde, longevidade, condições de vida etc.; b) outras formulações sobre como eram os idosos de antes e como podem vir a ser os idosos do futuro; c) formulações que discutem o ideal de novo idoso e a forma como ele está sendo vivido, questionam sua veracidade e/ou aplicabilidade, d) outros assuntos que também são tratados em textos da mídia. Como último elemento da função enunciativa, o enunciado tem uma existência material. Ele precisa de uma superfície, um suporte, um lugar e uma data e, quando essa materialidade se altera, o próprio enunciado também se modifica (FOUCAULT, 2008). A análise do enunciado deve observá-lo no interior de uma série. Desse modo, a descrição dos modos de relação entre enunciados indica, entre outras coisas, os princípios das práticas que caracterizam um determinado discurso. Sendo assim, as práticas discursivas formam saberes, os quais o método arqueológico permite rastrear. Conforme Araújo (2008, p. 65), a história dos saberes não deve remeter a algo externo a eles, a algum referente [...]. Trata-se de um outro tipo de história, como já dissemos, pensada para evidenciar a formação dos objetos em um discurso, o que extrapola a simples relação entre dizer e mundo. BAZZA, Adélli Bortolon. A constituição da subjetividade no discurso do idoso sobre si. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

85 Nesse emaranhado da objetivação de saberes, foi possível transformar as pessoas com mais de sessenta anos em um objeto de saber: o novo idoso. Ao ser tomado como objeto de saber e de análise, o discurso sobre o novo idoso se organiza a partir de uma função enunciativa que propõe um referencial: novas formas de viver a velhice; uma posição-sujeito a ser ocupada por pessoas que possam adotar as práticas necessárias para que a vida seja estendida. Isso se constrói em relação com outros enunciados em que se trata do idoso, da expectativa de vida em diversos lugares e em diversos momentos históricos, das formas de agir e de cuidar do corpo na velhice, entre outros; e também articula superfícies em que isso se materializa, como textos da mídia, textos acadêmicos, depoimentos etc. Esse processo de objetivação do novo idoso produz inúmeras práticas às quais os idosos devem se submeter para serem considerados novos idosos. Conforme Polla (2013) levantou a partir de enunciados da mídia, o novo idoso é aquele que ocupa diversas atividades, sejam elas de lazer, de estudos, sejam pessoais. Além disso, ele está conectado, acessando e publicando informações on line, o que demonstra o quanto se atualizou e adaptou aos avanços tecnológicos. Por fim, o novo idoso é um sujeito que quer envelhecer sem perder características da juventude como a saúde e a beleza. Mas essa subjetividade não é homogênea: Convivem, na mídia atual, as duas objetivações e subjetivações de idoso: a nova e a velha. Nesse sentido, destaca-se o fato de o Estatuto do Idoso objetivar, na maior parte de seu texto, o velho idoso, devido ao fato de ser uma legislação protetiva, que visa a cuidar daqueles idosos com saúde debilitada. Os meios de comunicação, ao contrário, marcam mais a objetivação de novo idoso, isto é, aquele que trabalha, faz uso das tecnologias e procura manter-se belo. (POLLA, 2013, p. 99) Página452 Também a partir de uma série enunciativa composta por vídeos, fotos e outros enunciados de mídia de textos de mídia, Navarro e Bazza (2012), descrevem as práticas discursivas que contribuem para a subjetivação do novo idoso. Os autores (2012, p. 157) partem de uma visada discursiva que considera que o sujeito não corresponde a uma individualidade no mundo, as suas enunciações manifestam a presença do exterior na subjetividade. Esse mesmo exterior constitutivo atravessa o idoso, como sujeito no mundo e como referencial das práticas discursivas. Navarro e Bazza (2012) priorizaram a descrição de discursos que operam na forma de memória e delineiam práticas desejáveis para o novo idoso. A descrição das sequências enunciativas de mídia recortadas apontou as seguintes práticas: a) injunção à saúde e ao cuidar com o corpo; b) injunção ao convívio em grupos, em oposição à solidão e ao convívio apenas com a família; c) injunção à jovialidade em oposição à imagem frágil e de cabelos brancos; d) injunção ao consumo de produtos ou de lazer em oposição ao ato de poupar; e, e) injunção à vivência da sexualidade em vez de sua neutralização. Essas práticas também são descritas como constitutivas de um ideal de novo idoso por Monteiro e Leite (2011), em análise de material publicitário. As autoras destacam que a representação do corpo velho é construída a partir de um ideal de beleza, longevidade e produtividade. Fatores que os sujeitos devem desenvolver em si para serem considerados pertencentes a essa subjetividade. Esses estudos indiciam uma recorrência na forma de objetivação do novo idoso que, por sua ampla circulação, se instaura na memória discursiva e passa a funcionar como enunciado com o qual o sujeito precisa se haver para elaborar seu processo de constituição do eu, ou seja, sua subjetivação. BAZZA, Adélli Bortolon. A constituição da subjetividade no discurso do idoso sobre si. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

86 3 A SUBJETIVAÇÃO DOS INDIVÍDUOS COMO (NOVO) IDOSO O processo discursivo de constituição de uma subjetividade se dá na imbricação entre as relações de saber-poder, que formam seus objetos, e o processo de subjetivação, que permite aos indivíduos se constituírem como sujeitos de discurso. No caso dos sujeitos idosos, isso significa que o discurso do sujeito idoso sobre si se organiza a partir de relações com as diversas objetivações que as pessoas da terceira idade sofreram. Dessa forma, depois de retomadas as práticas que constituem o objeto de saber novo idoso, inicia-se o levantamento do conceitual da subjetivação foucaultiana, para posterior descrição da subjetivação no discurso do idoso. Em relação à constituição do eu, no método foucaultiano, sujeito é considerado uma categoria discursiva que não coincide com o sujeito empírico. Fruto do trabalho de construção de saberes, agente e produto de uma rede de poderes, para Foucault (2004a, p. 58), as posições do sujeito se definem igualmente pela situação que lhe é possível ocupar em relação aos diversos domínios ou grupos de objetos: ele é sujeito que questiona, segundo uma certa grade de interrogações explícitas ou não, e que ouve, segundo um certo programa de informação; é sujeito que observa, segundo um quadro de traços característicos, e que anota, segundo um tipo descritivo. Página453 Nesse sentido, os indivíduos existem empiricamente, mas se tornam sujeitos de um discurso e de uma verdade na medida em que assumem um lugar discursivo. Para se subjetivar pelo discurso de um novo idoso, é preciso que o indivíduo ocupe uma posição no jogo discursivo que instituiu esse objeto, trabalhe com os saberes que foram objetivados ora apropriando-se deles, ora resistindo a eles. É por isso que o sujeito é também datado, conforme aponta Veyne (2011, p. 179): o sujeito não é soberano, mas filho de seu tempo; não é possível tornar-se qualquer sujeito em qualquer época. Em compensação, é possível reagir contra os objetos e, graças ao pensamento, tomar distância em relação a eles. Assim, empírica e legalmente cada participante da pesquisa realizada existe e é considerado idoso porque tem mais de 60 anos. Porém, eles se tornam sujeitos idosos na medida em que precisam lidar com aquilo que se produz de verdade sobre os idosos, nos mais variados campos de saber, trabalham sobre memórias, produzem devir e assumem um discurso sobre si mesmos. Esse processo implica entrar na teia das relações de discurso, de práticas e, portanto, de poderes que cercam e constituem a subjetividade do idoso atual. Se os processos de objetivação constroem um objeto, como é o caso do novo idoso, poder-se-ia acreditar que, ao se fazer uma descrição arqueológica sobre as formas como esse sujeito é representado, demonstrar-se-ia a forma de subjetividade possível para o idoso atual. O processo de constituição da subjetivação, contudo, não coincide com o de objetivação, tendo em vista o que Foucault (1997) nomeou como possibilidade de resistência às estratégias de sujeição. BAZZA, Adélli Bortolon. A constituição da subjetividade no discurso do idoso sobre si. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

87 Nas sequências enunciativas analisadas na pesquisa, as pessoas são questionadas se são novos idosos e como fazem para ser idosos atualmente. Para responder a isso, eles dialogam com todo um conjunto do que se diz sobre idoso, para delimitar uma posição e um modo de viver para si. As afirmações demonstram que a subjetividade de novo idoso que circula na mídia não é plenamente assumida pelos sujeitos. Diferentemente de uma tradição intelectual que compreendia o poder como algo que se detém, para Foucault (2005a, p. 35) o poder se exerce; não é atributo de um grupo específico. Não é algo externo ao sujeito do qual ele se apropria, ele circula e organiza as práticas discursivas e, consequentemente, as subjetividades que elas agenciam. Dessa forma, o indivíduo é um efeito do poder e é, ao mesmo tempo, na mesma medida em que é um efeito seu, seu intermediário: o poder transita pelo indivíduo que ele constituiu. No caso dos idosos, há um jogo de poderes que organiza as práticas e prescreve o que é e como deve agir um idoso na contemporaneidade. Os indivíduos são atravessados por esse poder ora assumindo práticas propostas, ora resistindo a elas. A capacidade que o poder tem de apreender a todos no jogo de relações estabelecidas não impede manifestações de resistência, o que acaba por estabelecer um jogo de forças que se materializa nos enunciados e os individualiza. De acordo com Foucault (1999, p. 10), o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar. Enraizados nas relações sociais, o poder e a resistência a ele classificam os indivíduos atribuindo-lhes uma subjetividade. Pode-se considerar que todos os enunciados (midiáticos, legais, científicos) a respeito do idoso disputam espaço na construção de uma verdade. As práticas de um campo de saber podem se opor às de outro campo. Por exemplo: enquanto pesquisas biológicas tentam definir as características fisiológicas da terceira idade, pesquisas da área de humanas relacionam essa demarcação a questões psicológicas, sociais e econômicas além da fisiológica. Acrescenta-se a isso o fato de que essa subjetividade de idoso é multifacetada, fruto de embates e pode ser aceita, refutada totalmente ou em parte, ressignificada pelos indivíduos com mais de 60 anos. Nessa perspectiva, subjetivação e subjetividade não estão relacionadas a estados psicológicos, experiências individuais e únicas. Ao contrário. Segundo Fischer (2012), o termo subjetividade, segundo Foucault, refere-se ao modo pelo qual o sujeito faz a experiência de si mesmo em um jogo de verdade no qual está em relação consigo mesmo. Essa relação consigo se dá num jogo de práticas e técnicas por meio das quais o sujeito faz uma experiência de si em um jogo de verdade. Os modos de objetivação constroem saberes e subjetividades e transformam os seres humanos em sujeitos de um discurso. Contudo, não se trata apenas de uma força que se impõe sobre o sujeito, pois há que se considerar o trabalho dele sobre esses discursos. Fischer (2012, p. 55), ao comentar a teoria foucaultiana, explica que Página454 há dois sentidos para a palavra sujeito: sujeito submetido ao outro através do controle e da dependência, e sujeito preso à sua própria identidade, através da consciência ou do conhecimento de si. Em ambos os casos, essa palavra sugere uma forma de poder que subjuga e assujeita. BAZZA, Adélli Bortolon. A constituição da subjetividade no discurso do idoso sobre si. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

88 A visão de um sujeito que trabalha sobre si, paralelamente à concepção do sujeito que é constituído pelas práticas discursivas, desenvolve-se principalmente a partir dos trabalhos a respeito da estética da existência. Nessa perspectiva, Foucault (2003, p. 75) postula que no decurso de sua história, os homens jamais deixaram de construir a si mesmos, isto é, de deslocar sua subjetividade, de constituir para si uma série infinita e múltipla, de subjetividades diferentes e que jamais terão fim e jamais nos colocarão diante de algo que seria o homem. Nos estudos sobre a estética da existência, as análises de Foucault (2005b) perseguem a relação entre a verdade e o sujeito, a partir de uma visada genealógica, em que, para refletir sobre essa questão do presente, analisa-se esse problema em outras camadas históricas. Para tanto, o autor recua à questão dos prazeres sexuais e do cuidado de si (epiméleia heautoû) na antiguidade greco-romana. O objetivo de tal recorte é o de compreender como emerge e se constitui a subjetividade moral dos indivíduos a partir de uma cultura de si. Foucault procura a verdade sobre o sujeito a partir da articulação entre subjetividade e verdade pelo viés histórico. Candiotto (2008, p. 88) aponta as questões que se originam desse posicionamento: que relação o sujeito estabelece consigo a partir de verdades que culturalmente lhe são atribuídas? Tal interrogante parte do fato de que em qualquer cultura há enunciações sobre o sujeito que, independentemente de seus valores de verdade, funcionam, são admitidas e circulam como se fossem verdadeiras. Página455 Esse encaminhamento possibilita saber quais são os efeitos de subjetivação a partir da existência de discursos que pretendem dizer uma verdade para o sujeito. Assumindo também essa perspectiva genealógica, o questionamento sobre o que o idoso atual faz de si foi pensado a partir da forma como o aluno da UNATI se discursiviza em relação às formas de sua objetivação. Ao explicar a proposta foucaultiana de compreensão da subjetividade, Gros (2011, p. 461) pontua que seria possível um sujeito verdadeiro, não mais no sentido de uma sujeição, mas de uma subjetivação. As técnicas de si seriam formas de o indivíduo tornar-se sujeito e objeto para si próprio e resistir às técnicas de dominação (poder) e às técnicas discursivas (saber). O autor (2011, p. 475) explica que o indivíduo-sujeito emerge tão-somente no cruzamento entre uma técnica de dominação e uma técnica de si. Ele é a dobra dos processos de subjetivação sobre os procedimentos de sujeição, segundo duplicações, ao sabor da história, que mais ou menos se recobrem. Por outro lado, esses processos contemplam um trabalho do sujeito que reelabora essas práticas de sujeição e abrem, portanto, um espaço de liberdade. Essa visada abre caminhos para o estudo das subjetividades contemporâneas: uma das vias para compreender os processos de subjetivação é analisar, paralelamente às relações de sujeição, o trabalho cotidiano, ordinário do discurso. Em relação ao idoso atual, significa que discursos políticos, midiáticos e de demais esferas institucionalizadas objetivam BAZZA, Adélli Bortolon. A constituição da subjetividade no discurso do idoso sobre si. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

89 quem é o idoso hoje. Essa objetivação construiu uma imagem, recorrentemente denominada novo idoso, composta não só pela forma como o sujeito é visto, mas pelas práticas que o indivíduo deve adotar para ser daquela forma. Ao mesmo tempo em que ocorre esse processo de sujeição, há um microprocesso (e também um micropoder) em ação, por meio do qual as pessoas ditas idosas atuam cuidando de si mesmas em prol de uma vida mais prazerosa. Isso implica assumir ou rejeitar as práticas apresentadas como típicas do novo idoso, conforme suas necessidades e possibilidades. Trata-se, portanto, da subjetivação. Cabe, então, questionar qual seria o estatuto da velhice hoje e qual estatuto pode vir a emergir a partir das práticas atuais, com todos os jogos de saberes e poderes que o compõem. 4 A SUBJETIVAÇÃO DO IDOSO ESTUDANTE DA UNATI-UEM As sequências enunciativas que serão analisadas neste trabalho fazem parte de uma série enunciativa maior que foi composta para nossa pesquisa de doutoramento. Para tratar de questões de subjetivação do idoso atual, foram considerados os sujeitos em situação de estudos na UNATI-UEM, que é um projeto que visa a oferecer ensino não formal a idosos. Constituído como um órgão da universidade, a UNATI oferece cursos, ministrados por professores da instituição, voltados aos interesses dessa faixa etária. Não se trata de uma graduação da qual o aluno recebe um diploma, mas de cursos independentes dos quais os estudantes recebem um certificado. A construção da série enunciativa contemplou produções de dois gêneros diferentes: relatos e entrevistas, ambos tratando das formas de esses sujeitos viverem a terceira idade. Para a produção do relato, os alunos tiveram aulas sobre esse gênero e, em seguida, foi-lhes solicitado que escrevessem um relato contando sobre sua rotina e sua experiência de vida no atual momento. Para a produção das entrevistas, foram feitas questões sobre sua rotina de vida, opinião dos entrevistados sobre o novo idoso e sobre a UNATI 2. Uma das perguntas questionava se eles se consideram novos idosos e por quê. Entre as práticas em que os idosos se reconhecem como novo idoso, destaca-se a questão do humor. Em enunciados como: S4 Eu sou muito divertida. Gosto de diversão ou Eu ando de bicicleta com os netos S9 Eu sou muito divertida. Página456 Esses sujeitos atribuem a si a subjetividade de novos idosos por acreditarem ser bem-humorados. Isso demonstra que o bom humor figura como uma das práticas que supostamente compõe o discurso sobre o novo idoso, e faz parte do discurso que eles assumiram sobre si mesmos. 2 Quando transcritos trechos de relatos, eles são introduzidos pela letra R. Nas sequências retiradas das entrevistas, as falas da pesquisadora são identificadas pela letra E e as respostas dos idosos introduzidas pela letra S. Para preservar a identidade dos participantes, em vez de seus nomes, são apresentados números que identificam cada informante. BAZZA, Adélli Bortolon. A constituição da subjetividade no discurso do idoso sobre si. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

90 A ideia da diversão retoma uma memória historicamente associada a representações de idosos: o sujeito cordial e o ranzinza. Ser divertido está no campo da cordialidade, porém desloca o seu sentido, pois a cordialidade muitas vezes tinha relação com a figura maternal/paternal que avós assumiam. Ser divertido, contudo, desloca o campo da condescendência, tendo em vista que implica as relações não só com familiares, mas com as pessoas encontradas em novos lugares de interação. Enquanto a cordialidade relacionase a uma posição fruto da maturidade, ser divertido parece estar associado à jovialidade, o que poderia ser indício das práticas descritas como juvenilização dos idosos (cf. COUTO; MEYER, 2011). As características e as atitudes pressupostas para os idosos mudam ao longo do tempo, prova de que são construídas historicamente. Ao assumir essa característica como componente de sua subjetividade, esse indivíduo constrói-se como sujeito histórico dessas práticas. Ao mesmo tempo em que se volta para si para se constituir, suas escolhas e seu trabalho sobre si mesmo suportam e apontam uma densidade histórica. Outro aspecto em que a imagem que o sujeito tem de si e a imagem de um novo idoso coincidem é a necessidade de atividade, seja ela social, física ou psíquica. Esse discurso se materializa em afirmações como S4 [...] hoje em dia eu sou muito elétrica, então eu não tenho pensamento ruim. Eu falo: Vou em tal lugar e eu vou. S10 Acho [que sou uma nova idosa], eu acho. Eu acho que o idoso de uns anos atrás não fazia o que a gente faz hoje. A atividade figura como um dos elementos que compõem, no imaginário social, a subjetividade de novo idoso. Ocorre, contudo, uma particularidade em relação à percepção das atividades: em comparação às possibilidades de atividades de que dispunham os idosos da geração anterior, por exemplo, esses sujeitos consideram-se mais ativos em função das possibilidades de que dipõem: E Se eu te perguntasse se você acha que você é uma nova idosa, você acha? S8 Sim, pela oportunidade que eu estou tendo agora. Página457 Afirmações como essa indicam uma percepção de que a nova forma de viver tem a ver com mudança nas condições concretas de sua existência, o que reforça as teorias que compreendem a terceira idade atual como experiência de uma geração específica (cf. SILVA, 2008). Essa percepção da mudança é indício de como a memória atua na construção dos sentidos. O enunciado em que se afirma que o novo idoso é ativo é povoado por outros enunciados que o margeiam. Fazem parte do campo associado desse enunciado outros enunciados que, antes, afirmavam a necessidade do repouso e da reclusão. A ruptura nesse enunciado coloca o idoso atual em outra posição de sujeito: permite-lhe ocupar outros espaços, ao mesmo tempo em que lhe impõe isso. Levar uma vida ativa é uma prática que se materializa também nos relatos: BAZZA, Adélli Bortolon. A constituição da subjetividade no discurso do idoso sobre si. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

91 R3 Minha vida atual não trouxe grandes mudanças, visto que estou com 61 anos, e continuo na ativa [...]. R8 Estou com 72 anos, mas continuo dinâmica como nos tempos da minha mocidade. R5 [ ]eu levo a vida normal como-se não fosse idoso. A noção de atividade sofre um acúmulo, na medida em que é relacionada à distinção entre normal/anormal. São os saberes, disseminados pela sociedade e assumidos como verdade, que vão construir a ideia de que somente na juventude se tem as condições de mobilidade, saúde, etc. que possibilitam ser ativo. Nesse caso, porém, opera-se uma ruptura na percepção da atividade: ela não é mais vista como uma forma de ser idoso diferente de seus antepassados, mas uma maneira de estender as atividades de sua vida adulta. A atividade implica uma noção de continuidade da fase adulta. Como uma fase de entremeio, o processo de subjetivação da pessoa da terceira idade manifesta-se constituído na tensão desse pêndulo que ora aponta para a fase adulta, ora aponta para a velhice. Ser idoso hoje é estar na contradição entre esses dois papéis que, historicamente são mais demarcados. Mas ao afirmar ser normal por manterse ativo, esse sujeito indica uma posição-sujeito que foi construída no discurso contemporâneo e que ele assumiu para si. Também se observa a subjetivação como novo idoso a partir de um processo de degeneração mais lento. S10 Um homem, quando ele chegava aos sessenta anos era um velho acabado. Hoje não, aos oitenta está inteiro. Esse alongamento da juventude parece ser assumido também pelos entrevistados. Alguns deles chegam até a elencar motivos para que hoje eles demorem mais para envelhecer: S5 Antigamente as pessoas achavam que com cinquenta anos já era velho, considerada velha. E eu acho que a mulher não se impunha. Essas ginásticas, os cosméticos, o cuidado com a pele... Eu acho melhora a autoestima da mulher e ela está mais valorizada também. A prática de manutenção da juventude é assumida pelos idosos tanto em relação a aspectos físicos quanto psíquicos. Tal prática está amparada em um investimento de poder que estuda, esquadrinha e governa o corpo. Isso possibilitou a disseminação das ginásticas, dos cosméticos, citados pela idosa, e de outros cuidados que ciências como a medicina, a fisioterapia, a psicologia, entre outras, prescrevem para conservar o corpo do idoso como jovem, ou ao menos retardar sua constituição em um corpo velho. Na sequência enunciativa: Página458 S7 Eu sou [novo idoso], eu tenho idade, mas eu não sou velho. Minha cabeça não é cabeça de velho. [...] Então, mas eu não tenho cabeça de velho. E, me adaptar às coisa de hoje, eu sou fácil de adaptar, BAZZA, Adélli Bortolon. A constituição da subjetividade no discurso do idoso sobre si. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

92 há indícios de que a idade cronológica não coincide com a imagem que o sujeito faz de si e uma das coisas que garante isso é a sua capacidade de adaptação, característica atribuída ao novo idoso e à qual ele se associa. A possibilidade de estudar é um dos fatores que fazem com que os idosos na UNATI se identifiquem com essa subjetividade. Diante do questionamento sobre se considerar um novo idoso, algumas respostas positivas têm relação com o fato de estudar nesse momento da vida: S8 Sim, pela oportunidade que eu estou tendo agora. S5 Eu acho que a gente investiu. A gente foi investindo, estudando mais., R4 Bem, agora posso fazer tudo o que mais gosto, e também a oportunidade de novas amizades. Aí descobri essa beleza da UNATI que dá a oportunidade de realizarmos um sonho do passado. Frequentarmos uma universidade. Atuando como um dispositivo de saber-poder, a UNATI faz falar e faz viver a partir de uma nova posição-sujeito, segundo a qual estudar configura-se como uma resposta à injunção por atualização, por atividade e por relações sociais: R3 O que me levou a concorrer a uma vaga na UNATI, foi justamente para ver provar da minha idade ou mais velhos que eu tentando sair da sua rotina, manter a mente aberta, aprender o que não teve oportunidade de aprender antes, por faltar tempo ou mesmo oportunidade. Nesse sentido, frequentar a UNATI representa uma nova forma de ser. É uma maneira de se manter ativo e fazer amizade, como consequência do alongamento da fase adulta. As práticas comuns ao novo idoso emergem, portanto, em uma teia de condições sociais e históricas que possibilitaram uma nova forma de viver depois dos sessenta anos e, ao mesmo tempo, impelem os indivíduos a assumir essa posição de sujeito. Entre as práticas assumidas pelos idosos como características de novo idoso, figuram ações relacionadas à tecnologia: R1 Depois almoço e vou ver o meu facebook. Jogo paciência [...] Estas são as atividades do meu dia-a-dia. Também faço crochê, tricô e bordado com agulha mágica e agulha russa. R10 Comprei um computador gosto muito de jogos, isso me distrai bastante. Página459 A prática considerada nova divide espaço com práticas tradicionalmente atribuídas a essa faixa etária. Ações como conversar e saber notícias de amigos e parentes assim como jogar para passar o tempo são mantidas no cotidiano dessas pessoas, porém, agora, mediadas por um novo suporte: o computador. Conforme afirma Foucault (1999, p, 26), o novo não está no que é dito, mas no acontecimento de sua volta. Nesse caso, o novo está na volta ou na permanência de um conjunto de ações e nele mesmo apresenta-se a ruptura, por meio da qual o sujeito incorpora, em seu dia a dia, inovações tecnológicas. As considerações dos idosos sobre o que eles tinham de novo idoso trouxeram em seu bojo também os elementos que compõem essa subjetividade na compreensão desses BAZZA, Adélli Bortolon. A constituição da subjetividade no discurso do idoso sobre si. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

93 indivíduos. A regularidade de suas respostas apontou a formulação de um enunciado segundo o qual o idoso deve ser ativo. Esse enunciado se sustenta em um regime de verdade construído historicamente por saberes de diversos campos, entre eles a própria gerontologia, que defende a tese da velhice ativa. Por ser embasada teoricamente também na gerontologia, a UNATI funciona sob esse regime de verdade, pois é desenvolvida para idosos ativos e incentiva os que lá estão a serem assim. Tal verdade também circula na mídia, na medida em que são representadas predominantemente figuras idosas ativas em novelas, propagandas, reportagens etc. Dessa forma, a mídia, a gerontologia e a própria UNATI funcionam como dispositivos a partir dos quais são construídos saberes, relações de poder e modos de viver aplicáveis ao novo idoso. Esse regime é constituído a partir de práticas discursivas que estabelecem como deve ser e/ou agir um novo idoso. As sequências enunciativas recortadas apontam para três elementos sobre os quais essas práticas incidem: o conhecimento, os hábitos e as crenças. Em relação ao conhecimento, a prática que constitui o novo idoso é materializada pelo verbo estudar. Tal ação é assumida pelos sujeitos entrevistados, visto que todos eles frequentam a UNATI. Em relação aos hábitos considerados do novo idoso e assumidos por esses sujeitos, observa-se a adaptação ao uso da tecnologia. Faz parte, portanto, da rotina de ser ativo a prática de estar atualizado sobre as estratégias modernas, materializado pelas expressões: computador e elementos do mundo virtual, como facebook. As crenças, contudo, funcionam como o lugar em que se opera a resistência e o sujeito não se reconhece como um novo idoso. Há momentos em que os entrevistados não se consideram novos idosos, ou seja, não percebem semelhança entre a sua forma de viver a terceira idade e as injunções descritas como próprias ao novo idoso. Uma delas é o imperativo da adaptação às novidades quando relacionada a crenças. A afirmação: S1 Olha, tem muita coisa que continua tudo velho, viu? Algumas coisas... Mas eu me considero uma pessoa que aceita muito as mudanças Página460 aponta um distanciamento das práticas de novo idoso em prol de algumas questões em que o sujeito percebe não ter mudado e considera-se portanto um velho idoso. Essa contradição entre o novo e o velho fica situada no fato de aceitar ou não as mudanças. No decorrer desta entrevista, a idosa relata a aceitação das mudanças de seu corpo, em contraposição a uma dificuldade em aceitar formas de viver o casamento (casamento aberto e divórcio) e a sexualidade (homossexualidade) de maneiras diferentes da que lhe foi ensinada e por ela adotada. Essa compreensão de si mesma é um indício de que existe uma produção discursiva que constrói uma subjetividade de novo idoso aceita como verdadeira, e para se considerar nova idosa, essa mulher acredita ser necessário ter a mentalidade e investir em práticas consideradas modernas e atuais. Estar aberto a mudanças faz parte do imaginário sobre o que é ser novo idoso, atualmente. Na série enunciativa analisada, algumas dessas mudanças são aceitas, como o uso da tecnologia e a maleabilidade para aceitar as mudanças do corpo. Essa prática, contudo, não é adotada total e genericamente. Sobre as questões consideradas novas, esses sujeitos projetam suas crenças, as regras de formação BAZZA, Adélli Bortolon. A constituição da subjetividade no discurso do idoso sobre si. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

94 às quais estão acostumados por se submeterem a elas por longo tempo. Isso constitui um crivo pelo qual passam as mudanças a serem aceitas e adotadas por esse idoso. Diante da injunção para assumir as verdades deste momento, o sujeito se vê em uma relação de tensão, posto que resiste a algumas práticas que constituem esse discurso construído. Outro aspecto que justifica uma não coincidência entre o novo idoso e os idosos da UNATI-UEM se refere às atividades de lazer. Estudos, reportagens e pesquisas (cf. MORAES, 2011) demonstram a prática da dança em bailes como algo que caracteriza a rotina dos idosos, porém esses sujeitos não as reconhecem como suas: S3 Porque da mídia, eles mostram o novo idoso dançando. A gente sai e eu acho engraçado, porque a turma da professora Terezinha, a gente estava comentando que ninguém vai em baile, ninguém dança. Eles dizem Nossa, esses velhos da televisão não têm nada a ver com a gente. Conforme a própria idosa explica, é comum ver reportagens que mostram o novo idoso como um frequentador de bailes, contudo, entre os idosos estudantes da UNATI, tal prática não se manifesta. Apesar de os bailes de idosos serem atividades promovidas há bastante tempo para socialização, recentemente essa se transformou em uma atividade que parece caracterizar as atividades sociais do novo idoso. A instituição oferece um número reduzido de vagas perto de 300 e sempre há fila de espera, por isso estar matriculado ali significa já pertencer a um grupo privilegiado. Os idosos dali resistem a uma prática de interação social comum à maioria dos idosos em prol de outras atividades. Enquanto entidades assistenciais promovem bailes e passeios, a UNATI-UEM possibilita a interação mediada pelo contexto educacional, por meio de aulas mais teóricas em que são utilizadas salas de aula; aulas mais práticas, como as de informática, sapateado, canto, natação, etc.; e também por meio de grupos que treinam esportes, como handebol. Os passeios propostos pela instituição são voltados à participação em congressos ou são viagens de estudo, diferentemente de passeios que só visam à recreação. Dessa forma, a subjetividade de novo idoso pode ser considerada fruto do olhar do poder, via dispositivos como a mídia, a pesquisa científica e a própria UNATI. Porém, sobre ela é lançado o olhar do sujeito que tensiona a densidade histórica que compõe os modelos de que se serve e os seus anseios mais particulares. Um dos fatores que distanciam as práticas dos sujeitos às do chamado novo idoso é a questão financeira, considerando o custo que esta forma de viver acarreta. Ao ser questionado se havia coisas do novo idoso com as quais não se identificava, o sujeito respondeu: S7 Tem né, o poder aquisitivo. Às vezes eu tenho até vontade de dar um passeio, fazer uma turnê pela Europa, mas eu não consegui ainda ir. Página461 Observa-se, porém, que apesar de afirmar não ter condições de viajar, o sujeito está afetado por esse desejo e afirma já ter feito passeios e cruzeiro, na verdade, o que lhe falta seriam passeios mais dispendiosos que aqueles que já fez. Dessa forma, apesar de afirmar não se identificar com essa prática, já está afetado por ela. BAZZA, Adélli Bortolon. A constituição da subjetividade no discurso do idoso sobre si. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

95 Nas práticas discursivas midiáticas há um tipo de idoso para o qual são endereçados os discursos. A venda de viagens e cruzeiros, planos de saúde completos, financiamento em bancos, tratamentos estéticos e de saúde, entre outros produtos, visam a um sujeito que dispõe de recursos para custeá-los e de informação para buscá-los. Assumir tal posição discursiva requer condições de existência bastante privilegiadas, consequentemente, acessíveis a um grupo restrito. Por circular na mídia e atingir um grande percentual das pessoas com mais de sessenta anos, muitos idosos se sentem impelidos a entrar nessa ordem de discurso e assumir tal posição. Isso faz com que surjam posições de sujeito como a do entrevistado: interpelado pela subjetividade ofertada e sem as condições concretas para exercê-la. Contrariamente à ideia de uma identidade para os idosos na História, trata-se de um exemplo da dispersão em meio à qual se constituem as subjetividades idosas possíveis na atualidade. Além de não se reconhecerem como novo idoso baseados em coisas que eles acreditam não fazer, há momentos em que os sujeitos não se descrevem como novo idoso por se identificarem com práticas de seus pais e avós, os supostos velhos idosos: S3 Comparando minha mãe e eu, eu acho que não tem muita diferença, na minha família, os idosos já eram mais ativos, porque a minha mãe sempre viajou, meu pai gostava de viajar, e gostava de festa. A partir desse recorte, pode-se observar que, no percurso de cada sujeito, identificar-se à classificação de novo idoso não depende somente de conhecer e assumir as práticas descritas como próprias a ele, mas também de isso ter sido assumido recentemente, como emblema da mudança. Se a prática já existia na vida da pessoa, o que ocorre em seu discurso é um descrédito à existência dessa subjetividade: S6 Eu acho que não [sou um novo idoso], porque eu sei lá... A gente tem que ser aquilo que o idoso é, né? Não adianta ter oitenta anos e querer ter sessenta. E O senhor acha que existe esse novo idoso? S6 Sei lá, acho que é muita propaganda. Página462 O sujeito não se discursiviza como novo idoso. Por ter 84 anos no período da entrevista, parece atribuir a subjetividade de novo idoso àqueles que estão mais próximos dos 60. Parte de um domínio associado de memória, essa fala remete à teoria de que a terceira idade seria uma fase entre a vida adulta e a velhice. Desse modo, em sua idade, ele já faria parte da chamada velhice. O funcionamento do poder, com todos os micropoderes que o constituem, estipula formas de vida, classifica, rotula. Com isso cria imagens de subjetividades, como a do novo idoso, na qual o sujeito da pesquisa não se reconhece. Apesar de não se incluir na chamada terceira idade, opina sobre ela: parece desconfiar da existência de um novo idoso tal como observa a mídia descrever. As respostas dadas a essa questão podem ser consideradas indícios de que a compreensão do que sejam as práticas do novo idoso não é homogênea, assim como a ocorrência dessas práticas na rotina dos idosos é variável. Desse modo, não é possível fazer uma afirmação categórica sobre a subjetivação dos idosos da UNATI como novos idosos assumidos ou como pessoas que rejeitem tal caracterização. O que se verifica é um trabalho particular BAZZA, Adélli Bortolon. A constituição da subjetividade no discurso do idoso sobre si. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

96 de construção da sua existência a partir do que lhe é oferecido em termos de condições concretas de existência (biótipo, saúde, condições financeiras) atravessado pelas condições discursivas peculiares a esses sujeitos. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Para colocar em questão a subjetividade de idoso possível na atualidade, partiu-se da concepção foucaultiana de que subjetivar-se é processo nunca acabado, que imbrica o trabalho discursivo de objetivação dos saberes e o trabalho do sujeito de constituição do eu, em meio a essa teia. Objetivação e subjetivação se dão atravessadas pela densidade histórica dos saberes e pelas relações de poder que orientam as práticas discursivas. As pessoas com mais de sessenta anos subjetivam-se como idosos na atualidade a partir de uma consideração da produção discursiva que objetiva o chamado novo idoso. Ser sujeito dessas práticas implicaria ser jovial, se atualizar e ser ativo profissionalmente, intelectualmente, socialmente, sexualmente etc. Diante das coerções para assumir essa posição-sujeito, as pessoas idosas exercem o seu micropoder no cotidiano ao constituírem-se de modo a se colocar nesse dispositivo da terceira idade, mas resistir a ele a partir de alguns deslocamentos. Em relação à subjetividade assumida pelos idosos, observa-se um processo de identificação a práticas como o exercício da jovialidade, a disposição para se atualizar e aceitar as mudanças da sociedade e a tentativa de se manter ativo em diversas áreas. Em contrapartida, há pontos de resistência: as crenças e a opção por determinadas atividades de lazer são pontos em que os sujeitos deslizam e se constituem a partir de práticas consideradas mais tradicionais. Configura-se, portanto, uma subjetividade de idoso atual, considerando a investigação realizada, que materializa a contradição entre um novo idoso imposto pela contemporaneidade que ele está se tornando e um velho idoso, que ele ainda não deixou totalmente de ser. REFERÊNCIAS Página463 ARAÚJO, I. L. Foucault e a crítica do sujeito. 2. ed. Curitiba: Ed. da UFPR, CANDIOTTO, C. Subjetividade e verdade no último Foucault. Trans/Form/Ação. São Paulo, v. 31 n. 1, p , COUTO, E. S.; MEYER, D. E. Viver para ser velho? Cuidado de si, envelhecimento e juvenilização. Revista FACED, Salvador, n. 19, p , jan./jun FISCHER, R. M. B. Trabalhar com Foucault: arqueologia de uma paixão. Belo Horizonte: Autêntica, FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, A ordem do discurso. 5. ed. São Paulo: Ed. Loyola, A vida dos homens infames. In: Foucault, M. Estratégia poder-saber. Ditos e Escritos IV. Rio de Janeiro: Forense Universitária, Em defesa da sociedade: curso no Collège de France ( ). São Paulo: Martins Fontes, 2005a.. História da Sexualidade III. Rio de Janeiro, Graal, 2005b.. A arqueologia do saber. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, BAZZA, Adélli Bortolon. A constituição da subjetividade no discurso do idoso sobre si. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

97 GROS, F. Situação do curso. In: FOUCAULT, M. A hermenêutica do sujeito. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011, p MORAES, A. O corpo no tempo: velhos envelhecimentos. In: DEL PRIORE, M.; AMANTINO. M. (Org.). História do Corpo no Brasil. São Paulo: Unesp, p MONTEIRO, E.; LEITE, Baracuhy M. R.. Sexo, saúde e esporte: Os discursos da mídia sobre o corpo velho. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE ESTUDOS DE GÊNEROS TEXTUAIS, 6., Anais... Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, NAVARRO, P.; BAZZA, A. B. A subjetivação do novo idoso em textos da mídia. Estudos da Língua(gem), Vitória da Conquista, v. 10. n. 2, p , dez POLLA, D. Objetivação e subjetivação do sujeito idoso pelas lentes da mídia contemporânea. Maringá, Dissertação de Mestrado. Disponível em: < Acesso em: 15/03/2016. SILVA, L. R. F. Terceira Idade: nova identidade, reinvenção da velhice ou experiência geracional? Phisis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v.18, n. 4, p , VEYNE, P. Foucault: seu pensamento, sua pessoa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, VOSS, J.; NAVARRO, P. A noção de enunciado reitor de Michel Foucault e a análise de objetos discursivos midiáticos. Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, v. 13, n. 1, p , jan./abr Recebido em: 28/03/16. Aprovado em: 22/09/16. Title: The constitution of subjectivy in elderly discourse about himself/herself Author: Adélli Bortolon Bazza Abstract: In this study, it was proposed to analyze the subjectivation of the elderly in the Universidade Aberta à Terceira Idade (UNATI), of the Universidade Estadual de Maringá (UEM). While some papers approach the discourse about the elderly, here it is proposed to analyze the practices that compose a discourse of the elderly about himself/herself. Based on a discursive perspective and grounded on Michel Foucault s thoughts, this study aims at describing the process of subjectivation of the UNATI-UEM student, parting from the subjection-subjectivation opposition. The enunciate series analyzed was comprised of ten semi-structured interviews conducted with UNATI-UEM students and of twelve reports produced by them. The analysis pointed that the researched subjects establish resistance to the new elderly ideal, inasmuch as they adopt a few of the practices which compose this subjectivity while rejecting others. Keywords: Subjetictivity. Elderly. Discourse. Página464 Título: La constitución de la subjetividad en el discurso del mayor sobre si mismo Autor: Addéli Bortolon Bazza Resumen: En esta investigación fue propuesto analizar la subjetivación del mayor en contexto de enseñanza en la Universidade Aberta à Terceira Idade (UNATI), de la Universidade Estadual de Maringá (UEM). Mientras algunos trabajos abordan el discurso sobre el mayor, se propone analizar las prácticas que componen un discurso del mayor sobre él mismo. Anclada en perspectiva discursiva en el pensamiento de Michel Foucault, fue objetivado describir el proceso de subjetivación del estudiante da UNATI-UEM, desde la oposición sujeción-subjetivación. La serie enunciativa analizada fue compuesta por diez entrevistas semiestructuradas hechas con estudiantes de la UNATI-UEM y de doce relatos producidos por ellos. El análisis apuntó que los sujetos participantes investigados establecen resistencia al ideal de nuevo mayor, en la medida en que adoptan algunas de las prácticas que componen esa subjetividad, mientras rechazan otras. Palabras-clave: Subjetividad. Mayor. Discurso. Este texto está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional. BAZZA, Adélli Bortolon. A constituição da subjetividade no discurso do idoso sobre si. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

98 DOI: DOS DISCURSOS DO PAPA FRANCISCO À PRODUÇÃO E CIRCULAÇÃO DE PEQUENAS FRASES: A CONSTRUÇÃO DO PAPA HETERODOXO Marilena Inácio de Souza * Universidade do Estado de Mato Grosso/ CNPq Faculdade de Letras, Ciências Sociais e Tecnológicas Curso de Letras Alto Araguaia, MT, Brasil Resumo: O desenvolvimento recente de uma configuração midiática totalmente nova, que associa diretamente a mídia impressa, o rádio, a televisão e a internet, permitiu aumentar significativamente o destacamento e a circulação de pequenas frases. Na tentativa de compreender o funcionamento linguístico e discursivo desse fenômeno, analisamos um conjunto de enunciados extraídos dos discursos do papa Francisco e destacados na mídia. A meta é verificar em que medida o trabalho hermenêutico do enunciador interfere na interpretação do texto citado, fornecendo ao leitor uma espécie de percurso interpretativo. Para isso, mobilizamos vários conceitos da Análise do Discurso francesa especialmente os conceitos de destacabilidade, sobreasseveração e aforização, desenvolvidos por Maingueneau (2006; 2010; 2014). A análise empreendida autoriza a dizer que os enunciados destacados potencializam a (re)produção e circulação de simulacros sobre o discurso do papa. Tem-se, por consequência, a construção da imagem de um papa heterodoxo. Palavras-chave: Destacamento midiático. Pequena frase. Efeito de sentido. 1 REFLEXÕES PRELIMINARES Página465 A circulação de pequenas frases descoladas de seus contextos e co-textos originais não é um fenômeno linguístico recente. Desde os tempos imemoriais, elas circulam isoladamente de seus textos-fonte. No entanto, é certamente na contemporaneidade, devido à imediatez com que os fatos são divulgados nas grandes mídias, que elas têm proliferado intensamente. Basta olhar para os mais diversos suportes midiáticos - jornal impresso, jornal online, rádio, televisão, internet, entre outros, para vêlas se manifestando nas manchetes, títulos ou subtítulos de artigos e/ou reportagens. Maingueneau (2006), ao estudar a presença desses enunciados na mídia francesa, observa que é impossível determinar se eles são assim ( destacáveis ) porque os locutores dos textos de origem os quiseram assim, ou se são os jornalistas que os dizem, dessa forma, para legitimar o seu dizer. * Doutora em Linguística Universidade Federal de São Carlos. Professora da UNEMAT/CNPq. marilena-souza@hotmail.com. SOUZA, Marilena Inácio de. Dos discursos do papa Francisco à produção e circulação de pequenas frases: a construção do papa heterodoxo. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

99 De qualquer forma, pelo clássico jogo de antecipação das modalidades de recepção, os produtores dos enunciados, que são profissionais da vida pública, têm tendência a fabricá-los em função dos (re)empregos que deles serão feitos (MAINGUENEAU, 2006, p. 80). As "pequenas frases" atestam a existência de rotinas que consistem em selecionar e distinguir um fragmento de discurso, sem que as regras e as condições deste processo sejam explicadas (KRIEG-PLANQUE; OLLIVIER-YANIV, 2011, p. 18). Na tentativa de compreender esse fenômeno, analisamos um conjunto de enunciados extraídos das declarações do papa Francisco, desde o início de 2013 (quando iniciou o seu pontificado) até os dias atuais, e postos em circulação na mídia. Não se trata de um caso simples de citação, em que os enunciados destacados circulam em outros textos, demarcados por uma sinalização de distanciamento, mas de um trabalho hermenêutico do enunciador. A meta é verificar em que medida esse trabalho interfere na interpretação do texto citado, fornecendo ao leitor uma espécie de percurso interpretativo. À luz da Análise do Discurso francesa, especialmente dos conceitos de destacabilidade, sobreasseveração e aforização, desenvolvidos por Dominique Maingueneau (2006; 2010; 2014), buscamos, por um lado, descrever e analisar o funcionamento linguístico e discursivo das pequenas frases, em estudo; por outro, tornar pertinente a afirmação de que os procedimentos de destaque do discurso do outro, sobretudo, os procedimentos de destextualização e de sobreasseveração (MAINGUENEAU, 2014) potencializam a (re)produção e circulação de simulacros sobre o discurso do pontífice, na esfera midiática, sobretudo, ao se tratar de temas polêmicos para a Igreja Católica. 2 SOBRE A CONSTITUIÇÃO DO CORPUS E CRITÉRIOS DE SELEÇÃO: UMA QUESTÃO PERTINENTE Página466 A definição de um corpus de pesquisa supõe necessariamente um recorte, o que deixa de fora, inevitavelmente, uma série de fenômenos. Neste estudo não é diferente: o recorte é o resultado de uma construção teórica, isto é, um trabalho de pesquisa e interpretação que exige, por definição, a exclusão de muitos elementos. Os enunciados selecionados para análise são, assim, o resultado de recortes e exclusões que, por um lado, põe em evidência o fenômeno das pequenas frases. Por outro, permite averiguar em que medida esse fenômeno interfere na produção, circulação e interpretação dos acontecimentos enunciativos. Uma rápida busca no site do Google, por enunciados que teriam sido extraídos dos discursos do papa Francisco, demonstrou que uma variedade muito grande deles circula na mídia, desde sua primeira declaração, em março de 2013, até os dias atuais. Não é novidade o fato de que, basicamente, tudo o que o pontífice fala se torna notícia. Em consequência, um número muito grande de enunciados atribuídos ao papa ganha notoriedade nas principais páginas de jornais, de revistas, de programas de informação televisivos, entre outros. Daí a necessidade de estabelecer alguns critérios de seleção do corpus. SOUZA, Marilena Inácio de. Dos discursos do papa Francisco à produção e circulação de pequenas frases: a construção do papa heterodoxo. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

100 O primeiro deles diz respeito ao recorte temporal, compreendido entre os anos de a Nesse período, o pontífice fez muitas viagens, visitou vários países, rezou muitas missas e, consequentemente, concedeu inúmeras entrevistas. Em seus discursos, abordou os mais variados temas, desde os mais ordinários aos que, ainda hoje, são considerados polêmicos para a Igreja, tais como: orientação sexual, aborto, pedofilia, taxa de natalidade, métodos contraceptivos, divórcio, nulidade matrimonial, diálogo interreligioso, etc. Consequentemente, vários enunciados se desprenderam desses discursos e passaram a frequentar outros textos. Interessamo-nos apenas por aqueles que se tornaram objeto de comentários, sendo constantemente retomados e comentados na/pela mídia. Trata-se da circulação de 10 enunciados, organizados na tabela, a seguir, a partir de uma ordem cronológica de circulação: Quadro 1 Apresentação do corpus Destacamentos midiáticos Declarações atribuídas ao papa Francisco Página O carnaval acabou! diz papa Francisco, ao recusar a capa usada por Bento 16; (FOLHA Online, 16/03/2013) 2- Homossexuais não devem ser julgados ou marginalizados, diz papa (G1, 29/07/2013) 3- Não existe um Deus católico, mas um Deus, diz papa (ESTADÃO, 02/10/2013) 4- Não há fogo no inferno, Adão e Eva não são reais, diz o papa Francisco (FOLHA BRASIL, 22/01/2014) 5- Papa diz que cachorros vão para o céu e cria polêmica com teólogos (FOLHA Online, 12/12/2014); 6- Católicos não devem procriar como coelhos, diz papa (VEJA, 19/01/2015); 7- Papa: Divorciados que voltam a se casar e seguem fazendo parte da Igreja não devem ser tratados como excomungados (CORREIO BRASILIENSE, 05/08/2015) Não, obrigada monsenhor, você pode vesti-la. O carnaval acabou. Os gays não devem ser marginalizados, mas integrados a sociedade. Se uma pessoa é gay, busca Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgálos? O problema não é ter essa orientação. Devemos ser irmãos. O problema é fazer lobby por essa orientação, ou lobbies de pessoas invejosas, lobbies políticos, lobbies maçônicos, tantos lobbies. Esse é o pior problema." Não existe um Deus católico, há um Deus. Religião sem misticismo é apenas filosofia. A igreja já não acredita em um inferno literal, onde as pessoas sofrem. Esta doutrina é incompatível com o amor infinito de Deus. Deus não é um juiz, mas um amigo e um amante da humanidade. Deus nos procura não para condenar, mas para abraçar. Como a história de Adão e Eva, nós vemos o inferno como um artifício literário. O inferno é só uma metáfora da alma exilada (ou isolada), que, como todas as almas em última análise, estão unidos no amor com DEUS. O paraíso está aberto a todas as criaturas. Algumas pessoas pensam- me desculpem a expressão aqui- que para ser um bom católicoprecisam ser como coelhos. Não. Paternidade tem a ver com responsabilidade. Isto é claro. É necessária uma fraterna e atenta acolhida, no amor e na verdade, em direção a estas pessoas que efetivamente não estão excomungadas, como alguns pensam: elas formam parte sempre da Igreja." SOUZA, Marilena Inácio de. Dos discursos do papa Francisco à produção e circulação de pequenas frases: a construção do papa heterodoxo. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

101 8- Papa pede que padres perdoem católicas que praticaram aborto (A TRIBUNA, 01/09/2015) 9- Igreja não pode ser museu de memórias, diz o papa em Sínodo (G1, 05/10/2015) Alguns vivem o drama do aborto com uma consciência superficial, quase sem perceber o gravíssimo mal que comporta um ato deste tipo. Muitos outros, porém, inclusive vivem este momento como uma derrota, consideram não ter outro caminho por onde ir. O perdão de Deus não pode ser negado a qualquer um que tenha se arrependido. A Igreja não deve ser um tacanho museu de memórias, mas precisa ter a coragem de mudar, se for isso o que Deus quiser. 10- Papa Francisco diz que, diante de Zika, contracepção é um mal menor (EXTRA, 18/02/2016) Fonte: Autora O aborto não é um mal menor. É um crime. É descartar um para salvar o outro. Mas evitar a gravidez é. Paulo VI, em uma situação difícil, na África, permitiu às religiosas o uso de anticoncepcionais em casos de (iminente) violência. Não confunda o mal de evitar a gravidez, sozinho, com o aborto. Os critérios de seleção e organização dos dados foram estabelecidos considerando as práticas sociais e a forma como as pequenas frases são produzidas pelos jornalistas e se manifestam na mídia. Assim, esperamos abordar o uso social das pequenas frases e, consequentemente, ressaltar a maneira por meio da qual o sentido pode ser forjado por certas opções linguístico-discursivas. 3 DOS DISCURSOS DO PAPA FRANCISCO AO DESTACAMENTO MIDIÁTICO: EFEITOS DA SOBREASSEVERAÇÃO Para descrever e analisar o funcionamento linguístico e discursivo dos enunciados tomados como objeto, recorremos à noção de destacabilidade apresentada por Maingueneau em sua obra Cenas da Enunciação (2006). Essa noção diz respeito a um conjunto de propriedades de certas frases que as fazem ser destacadas e circular, eventualmente, fora do texto de origem. Além das máximas, dos provérbios, dos slogans e das divisas enunciados que, segundo o autor, são por natureza destacados uma série de outros enunciados pode receber este estatuto, basta que, para isso, se apresentem como enunciados destacáveis. Isto é, passíveis de serem destacados de um texto, graças à posição em que se encontram, ao sentido de definição ou generalização que lhe pode ser atribuído, à marca de uma operação metadiscursiva, à forma sintética e inusitada. Em outros termos, trata-se Página468 de enunciados curtos, cujos significante e significado são considerados no interior de uma organização pregnante (pela prosódia, rimas internas, metáforas, antíteses...), o que explica que sejam facilmente memorizados. Algumas dessas fórmulas circulam no interior de uma comunidade mais ou menos restrita, outras são conhecidas por um grande número de locutores espalhados em vários setores do espaço social. (MAINGUENEAU, 2006, p. 72) SOUZA, Marilena Inácio de. Dos discursos do papa Francisco à produção e circulação de pequenas frases: a construção do papa heterodoxo. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

102 Eles comportam ainda duas características que, a princípio, se apresentam como paradoxais: são percebidos como inéditos; são percebidos como imemoriais. (MAINGUENEAU, 2006, p. 74). A destacabilidade abre a possibilidade de uma destextualização, de uma saída do texto, e, assim, entra em tensão com a dinâmica da textualização, isto é, caminha na direção oposta à de integrar os constituintes do texto em uma unidade orgânica. Não se trata de uma citação, mas de uma enfatização em relação ao entorno textual, de uma operação que Maingueneau (2006) chama de sobreasseveração. Ou seja, ao sobreasseverar um determinado enunciado, o enunciador não realiza uma citação, mas apenas uma operação de destaque do trecho em relação ao restante dos enunciados que constituem o tecido textual, por meio de marcadores diversos: de ordem aspectual (genericidade), tipográfica (posição de destaque dentro de uma unidade textual), prosódica (insistência), sintática (construção de uma forma pregnante), semântica (recurso aos tropos), lexical (utilização de conectores de reformulação). Por definição, sobreasseverar é antecipar um destacamento. Dessa forma, a sobreasseveração se aplica a todas as situações em que uma sequência breve se sobressai em um texto. Geralmente, as sequências sobreasseveradas já se encontram em posição de destaque no texto, possuem um caráter generalizante; são uma tomada de posição no campo discursivo e implicam amplificação da figura do enunciador. A imprensa escrita explora a sobreasseveração de diversas formas. A mais clássica delas, segundo Maingueneau (2006), aparece geralmente na forma de pequenas frases, colocadas em destaque nos títulos e subtítulos de manchetes e/ou reportagens, como as apresentadas na tabela de elucidação do corpus e retomadas, neste tópico, para efeito de análise. Os enunciados sobreasseverados na imprensa não se constituem sempre da mesma forma. Dois tipos de destacamento, segundo Maingueneau (2006), são responsáveis por sua produção e circulação: o destacamento fraco, em que o enunciado destacado permanece vizinho do texto de origem, sem, no entanto, implicar uma total fidelidade; e o destacamento forte, em que o enunciado destacado rompe com o texto de origem. Nos dois casos, a sobreasseveração implica uma figura de enunciador que não apenas diz, mas que mostra o que diz e presume-se que o que ele diz condensa uma mensagem forte, induz a uma tomada de posição. Assim, a sobreasseveração produz um efeito de evidência no enunciado: por um lado, apresenta-se como sendo algo incontestável e, por outro, orienta o leitor para a construção de novos sentidos. No caso em estudo, conforme demonstra a análise a seguir, essa orientação caminha no sentido de construir, para o pontífice, a imagem de um papa inovador e heterodoxo. No entanto, a sobreasseveração desresponsabiliza o jornalista dessa orientação. A responsabilidade dos enunciados destacados recai sempre sobre o sobreasseverador. Página469 O sobreasseverador é alguém que se sobrepõe, que mostra o ethos de homem autorizado, sob a influência de uma Origem transcendente, que estabelece valores, para além das interações e das argumentações. O apagamento da relação com o co-texto acompanha um reforço do engajamento ilocutório. (MAINGUENEAU, 2006, p. 89) SOUZA, Marilena Inácio de. Dos discursos do papa Francisco à produção e circulação de pequenas frases: a construção do papa heterodoxo. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

103 O sobreasseverador é mais o efeito da sobreasseveração, o correlato do enunciado, do que sua fonte. Isso implica dizer que os locutores-origem se encontram, dessa forma, na posição de sobreasseveradores de enunciados que nem sempre foram formulados como tais nos textos. Produz-se um desacordo essencial entre o locutor efetivo e esse mesmo locutor considerado como sobreasseverador de um enunciado que foi destacado pela mídia. No entanto, a sobreasseveração legitima o enunciado destacado, pela evocação da autoridade do discurso de outro, nesse caso, o discurso do papa Francisco O excerto a seguir, publicado no jornal da Folha online, em 16 de março de 2013, é um bom exemplo do que Maingueneau (2006) chama de destacamento forte : Figura 1 Reportagem 1 Fonte: Site < em 16/03/2013. Página470 Ao comparar o enunciado destacado no topo do jornal à enunciação original, observamos que não é exatamente a frase proferida pelo papa Francisco que o enunciador destaca. Segundo o jornalista, o pontífice disse: O carnaval acabou, ao recusar a capa usada por Bento 16. Por sua vez, o pontífice teria dito: Não, obrigada monsenhor, você pode vesti-la. O carnaval acabou. Desse fragmento, o jornalista destaca apenas alguns elementos linguísticos, colocando-os em evidência no título da reportagem. Dentre as frases inscritas no co-texto original, destextualiza-se um único enunciado, que é colocado em posição de relevo em relação ao restante do texto. A declaração do pontífice é modalizada pelo jornalista, passando simplesmente ao enunciado O carnaval acabou. E esse enunciado passa a significar metonimicamente o acontecimento enunciativo em destaque. Para compreender a singularidade desse acontecimento, é necessário retomar as condições de produção em que a frase atribuída ao Papa Francisco teria sido pronunciada. Segundo o site italiano Mesa in Latino, antes da aparição pública para os fiéis, após sua eleição, o sumo pontífice dirigiu-se à sacristia, na qual o cerimoniário papal, Monsenhor SOUZA, Marilena Inácio de. Dos discursos do papa Francisco à produção e circulação de pequenas frases: a construção do papa heterodoxo. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

104 Guido Marini, havia preparado os hábitos pontificais, desde sempre utilizados pelos papas. Diante das vestes, o papa teria dito ao cerimoniário: Não, obrigado monsenhor, você pode vesti-la. O carnaval acabou. Posteriormente, então, o papa, recém-eleito, apareceu ao público apenas com a batina branca, com seu crucifixo de aço (sem substituílo pelo de ouro) e sem a tradicional capa vermelha, chamada de mozzeta. O enunciado destacado O carnaval acabou (re)ssignifica esse acontecimento. Não se trata somente de divulgar o acontecimento que marcou a primeira aparição do sumo pontífice, com destaque para as suas vestes pontificais, mas, sobretudo, de atualizálo, levando o leitor à interpretação de que, no pontificado do papa Francisco, os paramentos litúrgicos serão marcados pela simplicidade, sem excessos ou extravagâncias. O conteúdo do enunciado em questão é, ao mesmo tempo, perfeitamente transparente e profundamente opaco. A opacidade do enunciado tem a ver tanto com a carga semântica do vocábulo carnaval quanto com os discursos que sua enunciação recupera. De acordo com o dicionário Aurélio, a palavra carnaval é um substantivo masculino, que indica o período anual de festas profanas, originadas na Antiguidade e recuperadas pelo cristianismo. Começa no dia de Reis e acaba na Quarta Feira de Cinzas, às vésperas da Quaresma. No senso comum, o carnaval representa a maior festa popular brasileira, que se caracteriza por suas extravagantes fantasias e adereços carnavalescos. Trata-se de uma festa que promove desfiles luxuosos de escolas de samba e arrebata multidões para as ruas. Os foliões extravasam suas emoções e suas paixões carnais, promovendo comilanças, extravagancias, sensualidade, erotismo, exibicionismo e culto ao corpo. A Igreja, comumente, usa essa palavra para se referir à festa da carne. Dessa forma, o enunciado O carnaval acabou é profundamente opaco: sua materialidade léxico-sintática (um substantivo simples na posição de sujeito, a marca temporal do lexema verbal acabou, indicando o fim do carnaval (neste caso, uma metáfora), a ausência de complementos) imerge esse enunciado em uma rede de relações associativas implícitas paráfrases, implicações, comentários, alusões, isto é, uma série heterogênea de enunciados, funcionando sob diferentes registros discursivos, e com uma estabilidade variável. Por se tratar de um enunciado metafórico, O carnaval acabou implica múltiplas interpretações: Acabou o quê, como e por quê? Cabe ao leitor recuperar e interpretar os não ditos e estabelecer relações que justifiquem as escolhas linguístico-discursivas do enunciador. Uma possível interpretação do enunciado destacado relaciona os supostos excessos litúrgicos dos antecessores do papa às festas de carnaval, com suas luxuosas fantasias e alegorias características. Assim, o referido enunciado atinge o núcleo do efeito buscado. Ou seja, Página471 produz algo memorável, isto é, um enunciado digno de ser consagrado, antigo de direito, novo de fato. É porque é digno de ser antigo que pode aspirar a um estatuto monumental. Tal enunciado inaugura uma série ilimitada de retomadas, na medida em que se apresenta como o eco de uma série ilimitada de retomadas. Esse tipo de enunciado visa, portanto, produzir, na realidade, aquilo que não passa de uma pretensão enunciativa: apresentando-se como uma sentença já pertencente a um saber compartilhado, ele prescreve, justamente, por isso mesmo, sua retomada ilimitada. (MANGUENEAU, 2006, p.74-5). SOUZA, Marilena Inácio de. Dos discursos do papa Francisco à produção e circulação de pequenas frases: a construção do papa heterodoxo. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

105 Na materialidade linguística de O carnaval acabou, encontram-se as marcas do discurso outro, que fazem ressurgir o interdiscurso no espaço da memória (COURTINE, 2009). Ou seja, o destacamento se constrói sobre discursos já ditos, e é isso que faz com que ele se torne um enunciado memorável, isto é, antigo de direito, novo de fato. Essa memória, por sua vez, tende a conjurar os acasos do discurso pela reiteração do idêntico, pelo eterno retorno do mesmo (FOUCAULT, 2006). Ela privilegia as formas discursivas da repetição (citação, recitação, comentário), e os mecanismos linguísticos da ligação, do encaixamento e do destacamento, responsáveis, em boa medida, pelos constantes destacamentos desse enunciado na mídia. Caso semelhante de destacamento midiático pode ser visto no título da reportagem Homossexuais não devem ser julgados ou marginalizados, publicado no G1, portal de notícias da rede Globo, em 29 de julho de 2013: Figura 2 Reportagem 2 Fonte: Disponível em: < Acesso em: 29 set Página472 Na entrevista concedida aos jornalistas, durante o voo do Rio de Janeiro a Roma, após a Jornada Mundial da Juventude, em 29 de julho de 2013, ao ser questionado sobre o seu posicionamento em relação aos homossexuais, o papa Francisco teria respondido: Os gays não devem ser marginalizados, mas integrados à sociedade. Se uma pessoa é gay, busca Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?. SOUZA, Marilena Inácio de. Dos discursos do papa Francisco à produção e circulação de pequenas frases: a construção do papa heterodoxo. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

106 Página473 Após a entrevista, a declaração do papa foi convertida na pequena frase Homossexuais não devem ser julgados ou marginalizados e destacada na mídia. O enunciado destacado deixa claro que o jornalista não somente retirou de um texto maior um pequeno enunciado, mas também realizou um trabalho interpretativo sobre o textofonte. Por meio desse trabalho, o jornalista elimina modulações, reforça a autonomia e o caráter lapidar do enunciado, convertendo-o em uma sequência sobreasseverada, que, por sua vez, não apenas resume a declaração do pontífice, mas também a modifica: a substituição do léxico, gays por homossexuais, a junção das palavras julgados e marginalizados, numa mesma oração, bem como o apagamento da expressão se uma pessoa é gay, busca a Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la? são responsáveis por essa modificação. Para o pontífice, a orientação sexual não é um pecado, mas a sua prática sim. O problema não é ter essa orientação. O problema é fazer lobby por essa orientação, ou lobbies de pessoas invejosas, lobbies políticos, lobbies maçônicos, tantos lobbies. Esse é o pior problema". (FRANCISCO, 29/07/2013). No entanto, a menos que se faça uma pesquisa, que não está ao alcance de todo mundo, ninguém vai voltar à entrevista em que o papa falou sobre os homossexuais para constatar a autenticidade do enunciado destacado. Do ponto de vista do consumidor das mídias, para os leitores, esse texto de origem não existe. Fora do texto-fonte, a pequena frase Homossexuais não devem ser julgados ou marginalizados faz deslizar os sentidos. Ela dialoga com o discurso homofóbico inscrito numa série de acontecimentos, que retratam a forma como os homossexuais, desde sempre, são vistos na sociedade. Dizer que os homossexuais não devem ser julgados ou marginalizados implica que há um julgamento sobre eles e a consequência é, dentre outras, a marginalização. O enunciado em destaque dialoga com o discurso da intolerância e do preconceito, ao mesmo tempo em que busca combatê-los. Disperso na memória do dizer, o discurso homofóbico se deixa flagrar na interdiscursividade constitutiva do destacamento midiático. O trabalho hermenêutico do enunciador busca silenciar esse discurso, por meio da autoridade do discurso do papa. É como se discretamente, o jornalista indicasse ao leitor que, para a Igreja, não há nenhuma diferença de tratamento entre homossexuais e heterossexuais, mesmo se os homossexuais não tiverem boa vontade e não buscarem a Deus. A interpretação do enunciador caminha no sentido de construir, para o papa, uma imagem menos conservadora, portanto, mais liberal. Há, nesse sentido, uma tentativa de aproximação da Igreja aos homossexuais e aos simpatizantes, que, por receio de serem marginalizados, não participam das celebrações eucarísticase de outras atividades eclesiásticas. A autonomização do fragmento recortado frente ao texto de origem pode ir ainda mais longe quando existe uma transformação do enunciado, ou, de um ou outro de seus parâmetros enunciativos, quando ele passa a título e/ou subtítulo de artigo ou de reportagem. É o caso do enunciado publicado pelo jornal online Folha Brasil, no dia 22 de janeiro de 2014: Não há fogo no inferno, Adão e Eva não são reais. SOUZA, Marilena Inácio de. Dos discursos do papa Francisco à produção e circulação de pequenas frases: a construção do papa heterodoxo. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

107 Figura 3 Artigo 1 Fonte: Disponível em: < Acesso em: 29 jan O texto, que deu origem ao título, diz o seguinte: A Igreja já não acredita em um inferno literal, onde as pessoas sofrem. Esta doutrina é incompatível com o amor infinito de Deus. Deus não é um juiz, mas um amigo e um amante da humanidade. Deus nos procura não para condenar, mas para abraçar. Como a história de Adão e Eva, nós vemos o inferno como um artifício literário. O inferno é só uma metáfora da alma exilada (ou isolada), que, como todas as almas em última análise, estão unidos no amor com DEUS. (FRANCISCO, 22/01/2014) Página474 Também aqui o destacamento Não há fogo no inferno, Adão e Eva não são reais não corresponde ao texto original. Sequer encontramos essas duas frases, juntas, numa mesma oração no texto original, conforme atesta o jornalista. No entanto, o referido enunciado é atribuído ao papa, tanto por meio do verbo dizer quanto por meio das aspas. Aliada ao verbo dizer, as aspas autenticam o enunciado destacado, fazendo-o passar por legítimo. Produz-se, com isso, um movimento argumentativo, isto é, o discurso do papa é transformado em uma única frase, generalizante, uma espécie de sentença autonomizada que enuncia um sentido completo. Assim, o leitor não duvidará da autenticidade do enunciado, mesmo que o pontífice jamais o tenha proferido. A discursivização do enunciado Não há fogo no inferno, Adão e Eva não são reais produz um deslocamento de sentido e engendra retroativamente uma série de implícitos, ocasionando a desautorização de um sentido já formulado. O enunciado destacado retoma a enunciação original, mas também instaura e sustenta sentidos que intervêm e modificam o já dito. Nesse caso, a enunciação destacada cria uma nova filiação de sentidos, (re)atualiza o discurso da Igreja e institui uma memória. Trata de rememorar o discurso bíblico sobre a criação da humanidade, inserido no livro de Gênesis: SOUZA, Marilena Inácio de. Dos discursos do papa Francisco à produção e circulação de pequenas frases: a construção do papa heterodoxo. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

108 03: E ouviram a voz do Senhor Deus, que passeava no jardim pela virada do dia; e esconderam-se Adão e sua mulher Eva da presença do Senhor Deus, entre as árvores do jardim; 09: E chamou o Senhor Deus a Adão, e disse-lhe: Onde estás? (BÍBLIA, Gênesis, 03, 08-09). bem como o da punição dos pecados, no Evangelho segundo Lucas: 23: E no inferno ergueu os olhos, estando em tormentos, e viu ao longe Abrão, e Lázaro ao seu lado; 24: E clamando disse: Pai Abrão, tem misericórdia de mim e manda a Lázaro que molhe na água a ponto do seu dedo e me refresque a língua, porque estou atormentado nesta chama. (BÍBLIA, Lucas, 16, 23-24). Ao rememorar esses discursos, o enunciado Não há fogo no inferno, Adão e Eva não são reais busca combatê-los, contrariando, dessa forma, a sabedoria popular cristã, que comumente interpreta o livro do Gênesis em sua literalidade, e imagina o inferno como um lugar propriamente dito, caracterizado por muito sofrimento e constantemente tomado pelo fogo. Assim, a pequena frase sobreasseverada coloca o papa diante de uma situação que contraria esse senso comum. Se investigarmos no Catecismo da Igreja Católica (1992), em nenhum momento são defendidas essas ideias populares sobre a literatura do Gênesis e o inferno como um lugar. Ao contrário, quando aborda o tema da Criação (dos números 279 a 384), o Catecismo utiliza genericamente os termos homem e mulher, ou até mesmo primeiro homem (n. 374), pessoa humana (n. 362) ou gênero humano (n. 360), designando assim uma humanidade genérica, não identificada com uma pessoa concreta e particular. Já quanto ao inferno, o Catecismo o define como estado de auto exclusão definitiva da comunhão com Deus e com os bem-aventurados (n. 1033). Nesse sentido, o inferno não é um lugar, mas um estado. Portanto, as declarações do papa estão em consonância com a doutrina da Igreja; porém, em desacordo com o imaginário popular. O enunciado em questão retoma um discurso anterior, mas também aponta para um novo discurso, um novo dizer, produzindo, portanto, a possibilidade do múltiplo e a compreensão da incompletude do discurso que evoca. Isso é possível porque as palavras são portadoras de memória: elas são, como disse Bakhtin (2004), habitadas [temporariamente] pelos sentidos e pelos contextos que elas encontraram. O jornalista se apropria desse caráter dialógico dos enunciados e o faz circular, produzindo o efeito de que as ideias do senso comum são a doutrina da Igreja e de que, portanto, o papa Francisco estaria contrariando os ensinamentos da Igreja; quando, na verdade, estava apenas reproduzindo-os. Para ilustrar, no nosso corpus, a presença do destacamento fraco, retomamos o excerto publicado no jornal Folha Online, em12 de dezembro de 2014: Página475 SOUZA, Marilena Inácio de. Dos discursos do papa Francisco à produção e circulação de pequenas frases: a construção do papa heterodoxo. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

109 Figura 4 Artigo 2 Fonte: Disponível em: < Acesso em: 12 dez Página476 Segundo o jornalista, ao tentar consolar uma criança que estava triste porque perdeu seu cãozinho de estimação, o papa Francisco teria declarado em aparição pública na praça de São Pedro, que o paraíso está aberto a todas as criaturas do Senhor. No entanto, não foi novamente a declaração do papa que o jornal pôs em circulação. Há, no enunciado destacado, uma transformação significativa tanto do ponto de vista da materialidade linguística quanto da produção discursiva. Ou, dizendo de outro modo, os enunciados, proferido pelo papa e o título do artigo que ilustra a página da Folha, não são os mesmo. Enquanto no enunciado original há uma sentença generalizante marcada tanto pela expressão o paraíso está aberto quanto pela expressão todas as criaturas, o enunciado destacado é bastante específico, papa diz que cachorros vão para o céu. Essa especificidade do enunciado não apenas altera o enunciado original, mas sugere para o leitor um percurso interpretativo: apenas as almas vão para o céu, logo se os cães vão para o céu é porque eles têm alma. O sentido do texto-fonte é significativamente modificado. No entanto, a sequência sobreasseverada estabelece uma asserção que leva o leitor a crer na veracidade e autenticidade do enunciado em questão. Destacamento semelhante encontra-se no excerto do jornal A Tribuna, publicado em 01 de setembro de 2015: SOUZA, Marilena Inácio de. Dos discursos do papa Francisco à produção e circulação de pequenas frases: a construção do papa heterodoxo. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

110 Figura 5 Reportagem 3 Fonte: Disponível em: < Acesso em: 1 set Se voltarmos à declaração original, verificaremos que há uma alteração de sentido entre o texto da manchete Papa pede que padres perdoem católicas que fizeram aborto, e o texto-fonte: Alguns vivem o drama do aborto com uma consciência superficial, quase sem perceber o gravíssimo mal que comporta um ato deste tipo. Muitos outros, porém, inclusive vivem este momento como uma derrota, consideram não ter outro caminho por onde ir. (...). O perdão de Deus não pode ser negado a qualquer um que tenha se arrependido 1. (FRANCISCO, 01/09/2015) Página477 Além da alteração lexical e sintática do enunciado, atribuindo aos padres e não a Deus o poder do perdão, o apagamento da expressão o perdão de Deus não pode ser negado a qualquer um que tenha se arrependido, na manchete, sugere que os padres perdoem todas as mulheres que praticaram o aborto, mesmo as que não se arrependeram. Não se trata apenas de informar, de destacar o acontecimento enunciativo, tampouco de fazê-lo memorável, mas, sobretudo, de torná-lo legítimo e, consequentemente, de traçar para o leitor um percurso interpretativo. A sobreasseveração, conforme demonstramos, abre para a saída do enunciado destacável do texto-fonte. Ou seja, abre para a destextualização de fragmentos de textos que não foram formulados como tais, tornando-os, muitas vezes, autônomos frente ao texto de origem. Os enunciados O carnaval acabou! ; Homossexuais não devem ser 1 Carta do papa Francisco ao presidente do Conselho Pontifício para a nova Evangelização, durante o Ano do Jubileu. SOUZA, Marilena Inácio de. Dos discursos do papa Francisco à produção e circulação de pequenas frases: a construção do papa heterodoxo. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

111 julgados ou marginalizados ; Não há fogo no inferno, Adão e Eva não são reais, são bons exemplos desse tipo de destacamento. Destacados pela mídia, eles se tornam autônomos e passam a circular livremente em outros textos. Nesse caso, há uma mudança de estatuto pragmático, isto é, os enunciados destacados deixam de ser um fragmento do texto-fonte e passa a integrar um regime de enunciação específico, que Maingueneau (2014) chama de aforização. A aforização reatualiza a citação, não se trata mais de representar a voz do outro, mas sim de apresentar a verdade e/ou a lei, produzida alhures a partir de uma Fonte Transcendental. 4 SOBRE A PRODUÇÃO DISCURSIVA DAS AFORIZAÇÕES DESTACADAS NA MÍDIA... Página478 O conceito de aforização se aplica ao conjunto de enunciados, que Maingueneau (2014) denomina frases sem texto. Ou seja, frases que não são precedidas ou seguidas de outras frases com as quais estão ligadas por relações de coesão, de modo a formar uma totalidade textual ligada a um gênero de discurso 2. No entanto, a aforização não fica totalmente sem contexto. A contextualidade, segundo o autor, difere segundo se trate uma aforização primária (provérbios, slogans, máximas e divisas) e uma aforização secundária, destacada de um texto. Esse é o caso das pequenas frases sobre as quais nos debruçamos, neste estudo. O não pertencimento a um texto fonte faz com que a aforização primária possa ser inscrita em uma infinidade de textos. Seu sentido é uma espécie de instrução sobre as condições de emprego: ele delimita a priori o tipo de contexto nos quais pode ser empregado, mesmo que caiba ao locutor decidir se as condições para seu emprego estão satisfeitas. Em contrapartida, a aforização secundária deve ser considerada em dois contextos efetivos: um contexto-fonte e um contexto de recepção. A diferença entre os dois alimenta os comentários, que põem em evidência as deformações, os malentendidos, os deslizamentos de sentido, que o contexto de recepção os fará sofrer. Vimos anteriormente que a destextualização e a sobreasseveração contribuem para a saída do enunciado destacável do texto de origem, transformando-o, muitas vezes, em aforização. Os enunciados O carnaval acabou, Homossexuais não devem ser julgados e marginalizados, Não há fogo no inferno, Adão e Eva não são reais são bons exemplos. O acesso de um fragmento de texto ao estatuto de aforização modifica profundamente seu estatuto pragmático, e, portanto, sua interpretação. Em boa medida, isso acontece porque a recontextualização ativa potencialidades semânticas incontroláveis. Dentre as diversas perguntas que mereceriam ser feitas, uma é especialmente necessária: quem é o autor das aforizações destacadas? Por um lado, seu conteúdo parece coincidir com a declaração original; por outro, há uma alteração no texto. Seu autor não é mais o pontífice, mas não se pode dizer simplesmente que seja o jornalista, visto que a alteração é uma paráfrase. No nosso entendimento, o autor passa a ser percebido como um aforizador, (MAINGUENEAU, 2010), isto é, um locutor capaz de transitar de um lado para o outro da diversidade infinita dos gêneros de discursos e dos textos. Ou seja, 2 Maingueneau (2005) mobiliza este termo para atividades como registrar o nascimento, o debate televisivo, o sermão, entre outros. SOUZA, Marilena Inácio de. Dos discursos do papa Francisco à produção e circulação de pequenas frases: a construção do papa heterodoxo. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

112 O aforizador assume um ethos do locutor que está no alto, do indivíduo autorizado, em contato com uma Fonte transcendental. Ele é considerado como aquele que enuncia sua verdade, que prescinde da negociação, que exprime uma totalidade vivida: seja uma doutrina ou uma certa concepção de existência. Por intermédio da aforização veremos coincidir sujeito da enunciação e sujeito no sentido jurídico e moral: alguém que se coloca como responsável, afirmando valores e princípios diante do mundo, se endereçando a uma comunidade para além dos locutores empíricos que são seus destinatários. (MAINGUENEAU, 2010, p.14-15). O aforizador não é o locutor, o suporte da enunciação, mas uma consequência do destacamento. Não se trata apenas de uma instância enunciativa, mas de uma instância hiperenunciativa em contato com uma Fonte Transcendental. Assim, quando se extrai um fragmento de um texto para fazer dele uma aforização, um título de uma matéria na imprensa, por exemplo, converte-se ipso facto seu locutor original em aforizador. A aforização não se apresenta como um fragmento de texto, mas como um enunciado autossuficiente, situado ao mesmo tempo no texto em que está inserido e fora de qualquer texto. Passamos a análise de mais um excerto: Não existe um Deus católico, mas um Deus, publicado no jornal Brasil Estadão, em 02 de outubro de 2013: Figura 6 Reportagem 4 Fonte: Disponível em: < >. Acesso em: 2 out Página479 Ao realizar o destacamento midiático acima, o enunciador não está dialogando nem com o locutor da fala destacada nem com o destinatário (o leitor). Sua fala monologalmente construída se inscreve como a fala autorizada, como se proviesse de uma Fonte Transcendental. Em outros termos, ao destacar e modificar parte da declaração do papa, o aforizador recorre a um Thesaurus, isto é, a um conjunto de saberes de conhecimento público, para validar a sua enunciação. A extração do texto base não se dá SOUZA, Marilena Inácio de. Dos discursos do papa Francisco à produção e circulação de pequenas frases: a construção do papa heterodoxo. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

113 por acaso, ela remete a um discurso já dito, que o enunciador julga ser de conhecimento público. Nesse caso, o saber partilhado entre os cristãos é de que Deus é católico. A aforização não só dialoga com esse saber, mas também o contesta, colocando em destaque que, para o pontífice, portanto, para a Igreja, Deus não tem religião. No momento em que o jornal Estadão Brasil insere monologalmente a aforização Não existe um Deus católico, mas um Deus, atribuída ao papa Francisco, o leitor é levado a atribuir a esse enunciado um sentido que extrapola o da enunciação original. As possíveis interpretações produzidas pelos leitores não são da mesma ordem das que acompanham os textos literários, filosóficos, ou religiosos, por exemplo. A interpretação assume a equação: Dizendo X, o locutor implica Y, onde Y se constitui num enunciado genérico de valor deôntico: Deus existe; Deus (não) tem uma religião; Deus (não) é católico; etc. A materialidade linguística do enunciado aparece atravessada por uma divisão discursiva entre dois espaços: o da manipulação de significações estabilizadas, normalizadas por uma higiene pedagógica do pensamento, e o de transformações do sentido, escapando a qualquer norma estabelecida a priori, de um trabalho de sentido sobre o sentido, tomados no relançar indefinido das interpretações. (PÊCHEUX, 2006, p. 51) Dessa forma, a aforização Não existe um Deus católico, mas um Deus coloca necessariamente em jogo, através do advérbio de negação e do verbo existir, o discurso-outro como espaço imaginário desse enunciado. Esse discurso-outro sugere aos leitores os sentidos do enunciado. Soma-se ao exemplo ilustrado, a aforização Cristãos não devem procriar como coelhos, publicada no site da revista Veja, em 09 de janeiro de 2015: Figura 7 Reportagem 5 Página480 Fonte: Disponível em: < Acesso em: 19 jan SOUZA, Marilena Inácio de. Dos discursos do papa Francisco à produção e circulação de pequenas frases: a construção do papa heterodoxo. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

114 Na matéria acima, a aforização faz alusão ao discurso bíblico, sobre o início da humanidade: Deus abençoou Noé e seus filhos. Sede fecundos, disse-lhe ele, multiplicaivos e enchei a terra. (BÍBLIA, Gênesis, 09, 01), ao mesmo tempo em que o refuta. Ao comparar os cristãos aos coelhos, a referida aforização coloca em questão o crescimento desenfreado da população mundial. É como se discretamente o enunciador indicasse ao leitor que o papa Francisco não concorda com o discurso bíblico que alicerça a aforização. A enunciação original algumas pessoas pensam - me desculpem a expressão aqui - que para ser um bom católico precisam ser como coelhos. Não. Paternidade tem a ver com responsabilidade. Isto é claro. (FRANCISCO, 19/01/2015), novamente é modulada, ou seja, sofre as coerções do trabalho hermenêutico do jornalista que, ao noticiar referida declaração, não só busca chamar a atenção dos leitores para a falta de planejamento familiar, mas também colabora no sentido de criar uma imagem menos tradicional para o pontífice. Trata-se de sugerir uma mudança de posicionamento na Igreja, que não vê com bons olhos o crescimento familiar sem planejamento. A aforização (re)direciona os sentidos e, com isso, coloca o enunciador numa situação discursiva bastante confortável, uma vez que o aporte ao aforizador o desresponsabiliza por aquilo que diz. Efeito de sentido semelhante pode ser encontrado no excerto publicado no G1, portal de notícias da rede Globo, em 05 de outubro de 2005: Figura 8 Reportagem 6 Fonte: Disponível em: < Acesso em: 5 out Página481 Ao voltarmos à enunciação original A Igreja não deve ser um tacanho museu de memórias, mas precisa ter a coragem de mudar, se for isso o que Deus quiser, (FRANCISCO, 02/10/2015), verificamos que o contexto de produção e de recepção da aforização destacada não é o mesmo. A substituição lexical do verbo dever, na formulação original, pelo verbo poder, na aforização destacada, bem como o apagamento da expressão mas precisa ter a coragem de mudar, se for isso o que Deus quiser, são, em grande medida, responsáveis por essa alteração de sentidos. Dizer que a Igreja não pode ser um museu de memórias, não é o mesmo que dizer que a Igreja não deve SOUZA, Marilena Inácio de. Dos discursos do papa Francisco à produção e circulação de pequenas frases: a construção do papa heterodoxo. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

115 ser um tacanho museu de memórias. Há aí uma mudança significativa de sentido: enquanto na aforização destacada a Igreja não pode exercer a função de museu de memórias, na enunciação original, do ponto de vista linguístico e discursivo, essa proibição não existe. O pontífice apenas fala sobre uma possível mudança na Igreja, levando em consideração a vontade de Deus. No entanto, a aforização destacada sugere ao leitor a interpretação de que o papa não concorda com o conservadorismo da Igreja. Para encerrar a análise, mobilizamos o excerto publicado no jornal Extra, no dia 18 de fevereiro de 2016: Figura 9 Artigo 3 Fonte: Disponível em: < Acesso em: 18 fev Em declaração a bordo do avião que o conduziu do México à Itália, no dia 18 de fevereiro, o papa Francisco, ao ser questionado sobre a possibilidade de mulheres, angustiadas pela ameaça do Zika 3, evitarem a gravidez, respondeu: Página482 O aborto não é um mal menor. É um crime. É descartar um para salvar o outro. Mas evitar a gravidez é. Paulo VI, em uma situação difícil, na África, permitiu às religiosas o uso de anticoncepcionais em casos de (iminente) violência. Não confunda o mal de evitar a gravidez, sozinho, com o aborto. Evitar a gravidez não é um mal absoluto, e, em certos casos, como no que mencionei do Beato Paulo VI, era claro. (FRANCISCO, 18/02/2016) 3 O Zika é uma doença viral aguda, transmitida principalmente pelo mosquito Aedes aegypti. Os principais sintomas são dor de cabeça, febre baixa, dores leves nas articulações, manchas vermelhas na pele, coceira e vermelhidão nos olhos. Outros sintomas menos frequentes são inchaço no corpo, dor de garganta, tosse e vômitos. No geral, a evolução da doença é benigna e os sintomas desaparecem espontaneamente após 3 a 7 dias. No entanto, a dor nas articulações pode persistir por aproximadamente um mês. Formas graves e atípicas são raras, mas quando ocorrem podem, excepcionalmente, evoluir para óbito, como identificado no mês de novembro de 2015, pela primeira vez na história. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2016). < Acesso em 24 out SOUZA, Marilena Inácio de. Dos discursos do papa Francisco à produção e circulação de pequenas frases: a construção do papa heterodoxo. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

116 Após a declaração, a mídia colocou em circulação o enunciado Papa Francisco diz que, diante de Zika, contracepção é um mal menor. Um único elemento do discurso do pontífice foi destextualizado e passou a integrar o título da matéria, sugerindo que, diante de Zika, o papa Francisco abre uma exceção e libera o uso de métodos contraceptivos. No enunciado original, o papa não diz que a contracepção é um mal menor, mas enfatiza que, em casos extremos, como nos casos de violência sexual, e/ou nos que coloquem em risco a saúde da mãe e/ou do bebê, evitar a gravidez é. Sem, no entanto, mencionar a maneira de evitá-la. Ao falar sobre o uso de anticoncepcionais, o pontífice lembra que, em outro momento da história, o papa Paulo VI concedeu permissão às religiosas para usá-los, devido à iminência de violência sexual. Portanto, a declaração de Francisco não é uma excepcionalidade na Igreja. Mesmo não sendo excepcional, a referida declaração provocou muitos comentários, tais como: Papa Francisco admite o uso de contraceptivos contra o vírus da Zika 4 ; Papa fala de possibilidade de uso de contraceptivos por causa de Zika 5 ; Por causa de Zika e microcefalia, papa abre exceção para uso de contraceptivos 6 ; Para combater Zika, papa admite uso de anticoncepcionais 7, entre outros. Foram tantos os comentários que o papa Francisco voltou a falar sobre o assunto. Em suas novas declarações, tornou a enfatizar que, em ocasiões extremas, o uso de métodos contraceptivos é uma prática aceitável. Outro fator importante na produção de sentidos desse destacamento midiático diz respeito ao fato de ele vir associado à fotografia do papa, que, por sua vez, não condiz com o contexto original de produção da enunciação. Como mencionamos, o papa fez essa declaração a bordo do avião, no entanto, a fotografia apresenta o papa em outra cena enunciativa: o plano de fundo, as vestes e os objetos litúrgicos levam à interpretação de que o papa a teria pronunciado na Igreja. Para nós, essa mudança de cena tem a ver com as estratégias interpretativas desenhadas pelo enunciador no sentido de autenticar a enunciação destacada, e, ao mesmo tempo, indicar para o leitor que o papa fala não somente em nome da Igreja, mas para a Igreja. No entendimento de Maingueneau, a associação frequente entre aforizações e rostos se explica porque o rosto possui características notáveis, tais como: 1 - é a única parte do corpo que, de maneira superficial, permite identificar um indivíduo como distinto de outros; 2 - é, no imaginário profundo, a sede do pensamento e de valores transcendentais; 3 - é nele que se encontra a boca, fonte da fala e, portanto, da aforização. (MAINGUENEAU, 2014, p.46) Página483 Isso explica a constante recorrência de fotografias do rosto do papa Francisco associadas às aforizações destacadas na/pela mídia. Em sua grande maioria, tais fotografias, conforme atestam os exemplos mobilizados, não enfocam apenas o rosto do papa, mas também as suas vestes, a arte sacra e os objetos litúrgicos, que juntos evocam 4 Destaque enunciativo publicado no site 18/02/2016; 5 Destaque enunciativo publicado no site 18/02/2016; 6 Destaque enunciativo publicado no site 18/02/2016; 7 Destaque enunciativo publicado no site 19/02/2016; SOUZA, Marilena Inácio de. Dos discursos do papa Francisco à produção e circulação de pequenas frases: a construção do papa heterodoxo. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

117 a imagem da Igreja. Assim, as aforizações não falam apenas em nome do papa, mas, sobretudo, em nome da Igreja, que é significada de forma menos conservadora, com o pontificado de Francisco. Soma-se aos exemplos citados uma centena de enunciados destacados das declarações do papa Francisco, na mídia, que corroboram essa leitura, tais como: Papa Francisco diz que batizaria até marcianos 8 ; O mundo digital pode ser um ambiente rico em humanidade, é uma rede não de cabos, mas de pessoas 9 ; Divorciados que voltam a se casar e seguem fazendo parte da Igreja não devem ser tratados como excomungados 10, entre outros. No entanto, não julgamos necessário trazê-los à discussão, visto que os apresentados são suficientes para afirmarmos que, ao destacar e/ou aforizar o discurso do papa, o enunciador não apenas informa o acontecimento enunciativo, mas, sobretudo, propõe para o leitor um percurso interpretativo que (re)atualiza esse acontecimento. Assim pensada, a mídia vai se patenteando muito mais como uma instância de circulação de sentidos e interpretações do que propriamente de circulação dos fatos. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Página484 No decorrer deste estudo, buscamos compreender o funcionamento discursivo dos destacamentos midiáticos extraídos dos discursos do papa Francisco desde o início do seu pontificado, em março de 2013, até os dias atuais. À luz dos conceitos de destacabilidade, sobreasseveração e aforização (MAINGUENEAU, 2006; 2010; 2014), foi possível constatar que os destaques efetuados pela mídia, colocando o locutor original ora como sobreasseverador, ora como aforizador, não apenas convida o leitor a realizar uma interpretação para os acontecimentos enunciativos destacados, mas propõe para esse leitor um percurso interpretativo. No momento em que a mídia destaca as aforizações do discurso do papa Francisco, coloca em questão os pronunciamentos do pontífice em relação à doutrina da Igreja, e, por consequência, em relação à sabedoria popular cristã. Nessa circunstância, o leitor é interpelado a se identificar com esse sentido orientado e a atribuir a esses gestos interpretativos efeitos que extrapolam o sentido primeiro. Trata-se de uma verdadeira atitude hermenêutica que faz com que os leitores mobilizem um conjunto de saberes interdiscursivos para interpretar os enunciados destacados, procurando reconstruir o percurso interpretativo desenhado pela mídia. Desse percurso, abrem-se as brechas interpretativas para os leitores construírem e repassarem em suas práticas sociais. A matriz de orientação deôntico-interpretativa de sentido assume a equação: Dizendo X, o locutor implica Y, em que o Y se constitui em um enunciado genérico de valor deôntico. Assim, as aforizações Homossexuais não devem ser julgados e marginalizados, Não há fogo no inferno, Adão e Eva não são reais!, Não existe um Deus católico, mas um Deus, Cristãos não devem procriar como coelhos ; Igreja não pode ser museu de memórias, sugerem ao leitor a construção de uma imagem do papa Francisco como revolucionário e heterodoxo, que não apenas diz o que 8 Destaque enunciativo publicado no site em 12/05/2014; 9 Destaque enunciativo publicado no site em 10/02/2015; 10 Destaque enunciativo publicado no site em 05/08/2015. SOUZA, Marilena Inácio de. Dos discursos do papa Francisco à produção e circulação de pequenas frases: a construção do papa heterodoxo. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

118 pensa, mas impõe, devido à posição de liderança que ocupa na Igreja, novos modos de ver e agir na sociedade. A forma negativa, em geral, polifônica das estruturas sintáticas, o valor impositivo dos verbos (dever; poder; existir), bem como a conjugação no presente do indicativo (não é um presente dêitico, mas atemporal) revelam o caráter deôntico dos enunciados destacados, que, por sua vez, dialogam com o discurso produzido alhures, respectivamente: A sociedade julga e marginaliza os homossexuais; Há fogo no inferno; Adão e Eva deram origem à humanidade; Deus é cristão; Os cristãos acreditam que devem ter muitos filhos; a Igreja é conservadora. Trata-se de discursos inscritos na sabedoria popular cristã, que são chamados à discussão na materialidade linguística das aforizações destacadas. Vale lembrar que o discurso religioso é um lugar de memória. Na religião, a memória funciona como um poder. Ela funda uma possibilidade de se expressar, abre um direito à fala, possui, até mesmo, um valor performativo de proposição eficaz. Assim, o discurso religioso é recoberto com o peso da tradição, que o inscreve numa série de sentidos e de razão, que ancora a volatilidade das palavras com o peso da lembrança. De fato, a memória religiosa se inscreve nas aforizações destacadas do discurso do papa, fazendo com que alguns discursos sejam relembrados, repetidos e retomados. Encontramo-nos, aqui, com Foucault (2006), para quem a repetição indefinida dos comentários é trabalhada do interior pelo sonho de uma repetição disfarçada: em seu horizonte não há talvez nada além daquilo que já havia em seu ponto de partida, a simples recitação. O comentário conjura o acaso do discurso fazendo-lhe sua parte: permite-lhe dizer algo além do texto mesmo, mas com a condição de que o texto mesmo seja dito e de certo modo realizado. A multiplicidade aberta e o acaso são transferidos, pelo princípio do comentário, daquilo que arriscaria de ser dito, para o número, a forma, a máscara, a circunstância da repetição. O novo não esta no que é dito, mas no acontecimento de sua volta. (FOUCAULT, 2006 p. 25-6) Página485 É assim que surgem novos enunciados e/ou que enunciados antigos são (re)atualizados, nas aforizações destacadas do discurso do papa. Os efeitos de sentido dessas aforizações não dependem dos atos, escolhas ou decisões do enunciador, mas exatamente de uma configuração determinada de saber no interdiscurso, na instância do que se denomina a exterioridade do enunciável (MAINGUENEAU, 2005). Em outros termos, os objetos de discurso que se inscrevem nas aforizações destacadas são elaborados na instância do interdiscurso (exterior constitutivo), e são retomados no intradiscurso (PÊCHEUX, 2009), muitas vezes, na forma de discursos transversos, responsáveis pelo estabelecimento das relações de sentido. Isto posto, compreendemos que a análise empreendida, embora pouco numerosa e não exaustiva de um grande corolário a ser ainda pesquisado, fornece subsídios para afirmarmos que além de recortar e fazer circular enunciados, a mídia é também uma poderosa máquina de (trans)formar enunciados e produzir simulacros, na medida em que põe em circulação apenas os enunciados destacados e aforizações que afrontam um ensinamento da Igreja, segundo o senso comum dos cristãos. A nosso ver, o próprio processo de destacar e aforizar os enunciados proferidos pelo papa se constitui em um simulacro, na medida em que apaga aquilo que poderia colocar sob suspeita a interpretação que faz do discurso recortado. SOUZA, Marilena Inácio de. Dos discursos do papa Francisco à produção e circulação de pequenas frases: a construção do papa heterodoxo. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

119 REFERÊNCIAS BAKHTIN, M; VOLOCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. Michel Lahud; Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, BÍBLIA. Português. A Bíblia de Jerusalém. Nova edição rev. e ampl. São Paulo: Paulus, CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. São Paulo: Loyola, p COURTINE, J.-J. Análise do discurso político: o discurso comunista endereçado aos cristãos. [1983] Trad. Cristina de Campos Velho Birck et al. São Paulo-SP: EduFScar, FOUCAULT, M. A ordem do discurso. Trad. Laura Fraga de Almeida Sampaio. São Paulo: Loyola, KRIEG-PLANQUE, A; OLLIVIER-YANIV, C. Poser les petites phrases comme objet d étude. Langages, Paris, n. 168, p.17-22, juin MAINGUENEAU, D. Frases sem textos. Trad. Sírio Possenti et al. São Paulo: Parábola Editorial, Cenas da Enunciação.Trad. Sírio Possenti et al. Curitiba-PR: Criar, Gênese dos discursos [1984]. Trad. Sírio Possenti. São Paulo: Criar Edições, Doze conceitos em Análise do Discurso. Trad. Adail Sobral et al. São Paulo: Parábola, PÊCHEUX, M. O discurso: estrutura ou acontecimento? Trad. Eni Pulcinelli Orlandi. Campinas: Pontes, Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio.trad. Eni Pulcinelli Orlandi. Campinas: Pontes, DADOS DE CORPUS A TRIBUNA. Papa pede que padres perdoem católicas que fizeram aborto. Matéria publicada em 01/09/2015. Disponível em < Acesso em mar CORREIO BRASILIENSE. Papa: Divorciados que voltam a se casar e seguem fazendo parte da Igreja não devem ser tratados como excomungados. Matéria publicada em 05/08/2015. Disponível em < Acesso em mar ESTADÃO BRASIL. Não existe um Deus católico, mas um Deus, diz papa. Matéria publicada em 02/10/2013. Disponível em < Acesso em março de EXTRA. Papa Francisco diz que, diante de Zika, usar anticoncepcionais é um mal menor. Matéria publicada em 18/02/2016. Disponível em < Acesso em mar FOLHA ONLINE. O carnaval acabou, diz papa Francisco ao recusar a capa usada por Bento 16. Matéria publicada em 16/03/2013. Disponível em < Acesso em mar FOLHA BRASIL. Não há fogo no inferno, Adão e Eva não são reais, diz o papa Francisco. Matéria publicada em 22/01/2014. Disponível em < Acesso em mar FOLHA. Papa diz que cachorros vão para o céu e cria polêmica com teólogos. Matéria publicada em 12/12/2014. Disponível em < Acesso em mar G1. Homossexuais não devem ser julgados ou marginalizados, diz papa. Matériapublicada em 29/07/2013. Disponível em < Acesso em mar G1. Igreja não pode ser museu de memórias, diz o papa em Sínodo. Matéria publicada em 05/10/2015. Disponível em < Acesso em mar VEJA. Católicos não devem procriar como coelhos, diz papa. Matéria publicada em 19/01/2015. Disponível em < Acesso em mar Página486 SOUZA, Marilena Inácio de. Dos discursos do papa Francisco à produção e circulação de pequenas frases: a construção do papa heterodoxo. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

120 Recebido em 30/05/16. Aprovado em: 18/10/16. Title: From Pope Francis speeches to the production and circulation of small phrases: the construction of the heterodox Pope Author: Marilena Inácio de Souza Abstract: The recent development of a media configuration totally new, which it is directly associated with the printed media, radio, television and the Internet, has significantly increased the posting and circulation of small sentences. In trying to understand the linguistic and discursive functioning of this phenomenon, we analyzed a set of statements taken from the Pope Francis' speeches and detached in the media. The goal is to check the extent to which, the enunciator s hermeneutic work interfere in the interpretation of the quoted text, providing the reader a kind of interpretive route. Thereunto, an analysis was carried out based on Discourse Analysis, more specifically the works by Dominique Maingueneau (2006; 2010; 2014). The analysis performed allows to say that the posted statements potentiate the (re)production and circulation of simulations about the Pope's speech. There is, therefore, the construction of the image of an heterodox Pope. Keywords: Detachment media. Small sentence. Meaning effect. Título: De los discursos del Papa Francisco hasta la producción y circulación de pequeñas frases: la construcción del Papa heterodoxo Autor: Marilena Inácio de Souza Resumen: El desarrollo reciente de una configuración mediática totalmente nueva, que asocia directamente la media impresa, la radio, la televisión y el internet, he permitido aumentar significativamente el destacamento y la circulación de pequeñas frases. Para intentar comprender el funcionamiento lingüístico y discursivo de ese fenómeno, analizamos un conjunto de enunciados extraídos de los discursos del papa Francisco y destacados en la media. La meta es verificar en qué medida el trabajo hermenéutico del enunciador interfiere en la interpretación del texto citado, proporcionar al lector una especie de ruta interpretativa. Para ello, movilizamos varios conceptos del Análisis del Discurso francesa especialmente los conceptos de lo que es destacable, sobreaseveración y aforización, desarrollados por Maingueneau (2006; 2010; 2014). El análisis emprendido autoriza a decir que los enunciados destacados potencializan la (re)producción y circulación de simulacros sobre el discurso del papa. Se tiene por consecuencia la construcción de la imagen de un papa heterodoxo. Palabras-clave: Destacamento mediático. Pequeña frase. Efecto de sentido. Este texto está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional. Página487 SOUZA, Marilena Inácio de. Dos discursos do papa Francisco à produção e circulação de pequenas frases: a construção do papa heterodoxo. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

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122 DOI: SUJEITO DO ENSINO E ARTICULAÇÕES DE PODER: CONSENSO DE VERDADES NA EDUCAÇÃO Antonio Genário Pinheiro dos Santos * Universidade Federal do Rio Grande do Norte Departamento de Letras Currais Novos, RN, Brasil Maria Eliza Freitas do Nascimento ** Universidade do Estado do Rio Grande do Norte Departamento de Letras Estrangeiras Pau dos Ferros, RN, Brasil Resumo: Inscrito nos pressupostos teórico-metodológicos da Análise do Discurso francesa, este estudo objetiva analisar os lugares de consenso e a produção de efeitos de verdade na educação, tratando-a sobre o trajeto da essencialidade e do caos. Para tanto, fundamentase nos estudos de Foucault (2005, 2006a, 2006b, 2007) e de Pêcheux (2008), voltando-se para a análise de capas da revista Nova Escola a partir de uma leitura discursiva que considera os lugares reservados ao sujeito do ensino aluno e professor e as articulações de poder-saber no campo da mídia, por meio dos quais se discute a educação brasileira. Atrelado à investigação acerca da discursividade e do sentido, o presente estudo dialoga com a proposta de oferecer um espaço de discussão ligado, por sua vez, à linguagem e seu funcionamento, apontando para a construção de um real no qual impera o dizer e a cena do dito. Palavras-chave: Discurso. Consenso. Educação. Mídia. 1 INTRODUÇÃO Página489 Ao se inscrever no leque de investigações que tratam da produção discursiva do sentido e ao se voltar para a concepção de discurso como uma dispersão, este trabalho investiga, nas estratégias discursivas da mídia, a produção e circulação de dizeres acerca da educação no Brasil. Importa aqui, através da descrição e interpretação de enunciados, conforme estabelece o método arquegenealógico de Michel Foucault (2005), fazer uma leitura dos dizeres que considere os resgates de uma memória social e a produção de efeitos de sentido sobre o pilar da essencialidade da educação no cenário nacional contemporâneo. * Professor Doutor da URFN, com atuação no Departamento de Letras DLC, no Centro de Ensino Superior do Seridó CERES. ** Professora Doutora da UERN, com atuação no Departamento de Letras Estrangeiras DLE e no Programa de Pós-Graduação em Letras, no Campus Avançado Professora Maria Elisa de Albuquerque Maia CAMEAM. SANTOS, Antonio Genário Pinheiro dos; NASCIMENTO, Maria Eliza Freitas do. Sujeito do ensino e articulações de poder: consenso de verdades na educação. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

123 A partir dessa leitura, propõe-se analisar a discursividade mobilizada nas capas da revista Nova Escola, considerando esta como um veículo midiático que retoma discursos sobre o papel e sobre o lugar social ocupado pela escola. Tem-se que tal discursividade marca o trabalho com o dizer da revista, a qual restitui os efeitos de sentido que validam a condição de espaço de poder/saber da escola, por onde são produzidos e circulam efeitos de sentido de intervenção social e promoção da vida melhor. Defende-se que tais efeitos estão ligados ao trabalho com manobras discursivas de controle e de cerceamento do dizer. No escopo das discursividades, a partir das quais são produzidos os efeitos de consenso de verdades na educação brasileira, é possível pensar sobre a constituição do sujeito do ensino e sobre as amarras das articulações de poder-saber na escola. A proposta é a de compreender o sujeito como uma posição-sujeito, isto é, um sujeito discursivo que está intimamente ligado às manobras em torno do dizer, uma vez que, não preexistindo ao discurso, ele é uma construção no discurso, sendo este um feixe de relações que irá determinar o que dizer, quando e de que modo (NAVARRO-BARBOSA, 2004, p. 113). Para percorrer esse trajeto de investigação, problematizam-se as categorias: discurso, vontade de verdade, interdição, segregação do dizer, enunciado, memória, efeitos de sentido, visibilidade e acontecimento discursivo. Busca-se relacionar a questão do ensino e a produção de subjetividade, isto é, enxergar como se efetiva a fabricação das posições-sujeito do ensino aluno e professor na condição em que se encontra a educação nacional. Importa observar como esses elementos a educação e seus sujeitos são discursivizados na e pela mídia, neste caso, a partir da discursividade mobilizada nas capas da Revista Nova Escola. O percurso analítico exige pensar na inscrição política, ética, econômica e cultural que as práticas discursivas reclamam nos dias de hoje. É preciso observar que, na esfera do dizer, há manifestação de saber e de vontade de verdades, isto é, miras determinadas que incitam, por sua vez, determinados efeitos de sentido e não outros em seu lugar (FOUCAULT, 2005, p. 90). Assim, a leitura do dizer sempre pode ser outra, mas nunca qualquer uma. 2 A EDUCAÇÃO NA ORDEM DO DIZER: EFEITOS DE CONSENSO Página490 Inicialmente, considerando que a questão discursiva tem sua efetividade assegurada no cenário de cobertura midiática na atualidade, pode-se afirmar que a educação tem ocupado espaço de evidência na cena pública. Nesse sentido, o sistema educacional tem sido objeto de análises, levantamentos, medidas de intervenção governamentais, discussões de especialistas, comparações nacionais e internacionais, valoração e nivelamento dos índices de desenvolvimento humano. Inscrito na ordem do dizer, o sistema educacional brasileiro é, desse modo, um espaço de consensos que oscilam entre efeitos de sentido de essencialidade e de caos. Por um lado, há o efeito de consenso sobre sua condição caótica, sobre a feição problemática de seu desenvolvimento e de sua ação capenga nos dias de hoje. Por outro, tem-se a discussão sobre sua caracterização como ferramenta primordial para o desenvolvimento SANTOS, Antonio Genário Pinheiro dos; NASCIMENTO, Maria Eliza Freitas do. Sujeito do ensino e articulações de poder: consenso de verdades na educação. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

124 Página491 social, para o equilíbrio do país. Nessa dimensão, a educação se apresenta como atualizada, em processo de ascensão e de renovação no qual novos profissionais, com novos perfis de atuação, desenvolvem suas atividades. Em ambos os aspectos, prevalece um efeito de consenso, seja de sistema em ruínas, seja de proposta renovada. Desse modo, perseguindo o trajeto de discursividade ligada à temática da educação no Brasil, é possível enxergar e problematizar a produção discursiva e a mobilidade de dizeres na mídia que incitam o resgate de memória e permitem analisar o deslize do sentido acerca de tais consensos, que produzem a imagem da escola e da educação no cenário nacional. Com isso, olhar para a questão da descrição e interpretação dos discursos torna-se crucial, haja vista que o dizer está diretamente atrelado ao equívoco da língua: todo enunciado é intrinsecamente suscetível de tornar-se outro, diferente de si mesmo, se deslocar discursivamente de seu sentido para derivar para um outro (PÊCHEUX, 2008, p. 53). É, portanto, nesse espaço em que se oferece lugar à interpretação, bem como à priorização da descrição de enunciados, que se volta para os efeitos de importância e de crise, de essencialidade e de descrédito que modulam o olhar para as condições do ensino formal no país. O percurso exige revisitar a proposta de discurso como dispersão, lendo o trabalho da mídia a partir de operações e estratégias de fazer ver e de fazer sentir, numa relação estreita com o poder e o saber já que, conforme aponta Foucault (2006a, p. 9) em A ordem do Discurso: Em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade. Esse aspecto de temível materialidade discursiva de que trata Foucault, diz respeito aos procedimentos de controle do dizer, o cerceamento do discurso que assegura o que pode e deve ser dito em determinado lugar e a partir de certas condições de produção. Assim, nesse ambiente onde a mídia impera como a medida de todas as coisas (GOMES, 2004), ao circular socialmente, aquilo que perpassa e preenche o espaço do dizível, é antes fruto de uma rigorosa operação de seleção, balizamento e interdição. Lendo essa dimensão da mídia e propondo sua inscrição como dispositivo de podersaber, Thompson (2009, p. 19) fala de um processo de reelaboração do caráter simbólico da vida social, defendendo que o desenvolvimento dos meios de comunicação representa uma reordenação dos meios pelos quais a informação e o conteúdo simbólico são produzidos e intercambiados no mundo social e uma reestruturação dos meios pelos quais os indivíduos se relacionam entre si. Nessa corrente, tem-se que os dizeres de agora são sempre atravessados pelo jádito. Os discursos são sempre veículo de retomada e resgate de outros discursos, permitindo multiplicar as relações entre o que é dito aqui, dito assim e não de outro jeito, com o que é dito em outro lugar, a fim de entender a presença de não ditos no interior do que é dito. (PÊCHEUX, 2008, p. 44). Essa operação diz respeito àquilo que se apresenta e constitui o espaço de visibilidade pública, isto é, o acontecimento discursivo que convoca, na agressividade de sua irrupção, os sujeitos sociais à tomada de posição, à discussão, enfim, à leitura do recorte de real que se apresenta. SANTOS, Antonio Genário Pinheiro dos; NASCIMENTO, Maria Eliza Freitas do. Sujeito do ensino e articulações de poder: consenso de verdades na educação. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

125 Diante disso, pode-se afirmar que, nos dias de hoje, não se pode defender a existência de uma realidade universal e panorâmica, mas recortes de real construídos pelo regime de verdade, erguidos em tramas de poder-saber, que fundamentam, com os seus efeitos de fazer ver, os consensos e as resistências. Assim sendo, O importante [...] é que a verdade não existe fora do poder ou sem poder [...] a verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder. Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua política geral de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o emprego de dizer o que funciona como verdadeiro. (FOUCAULT, 2007, p. 12). Página492 Atrelando essa leitura ao objeto de investigação neste estudo, pode-se afirmar que a educação no Brasil tem se tornado um campo de discussões as mais vastas possíveis, o que oportuniza uma caracterização dual de sua condição atual: de um lado, a reafirmação de seu caráter de essencial para a promoção do desenvolvimento social, econômico e humano e, de outro, seu atestado de caos, de depreciação e ineficiência. As formas e modos de dizer produzidos e difundidos pela mídia nessa direção reforçam um ou outro aspecto dessa dualidade e, nessa operação, observa-se o jogo com estratégias discursivas ora de evidência, ora de silenciamento as quais oportunizam efeitos de verdade e, consequentemente, de consenso. Segundo Souza (2014, p. 104), inscrito e trabalhado nesse viés de cobertura e de visibilidade, onde imperam a interdição, a vontade de verdade e a segregação da palavra, o acontecimento discursivo consiste na abertura para a possibilidade de o dizer correr conforme a contingência do momento de fala. Trata-se, portanto, de entregar-se ao acaso do discurso sem temer o aleatório de seu fluxo. Seguindo a perspectiva foucaultiana na investigação do discurso e do sentido, é possível trazer que, ao se constituir como um mecanismo que mobiliza poder e saber, a revista Nova Escola opera, nas capas de suas edições, um sinuoso trabalho em torno da verdade. Tem-se, nessas condições, uma operação estratégica em torno do dizer que mexe com a memória, estabelece uma ligação interdiscursiva entre um passado e uma atualidade e convoca a massa de sujeitos sociais a se posicionar mediante um efeito de polarização: a educação é, ao mesmo tempo, sinônimo de essencialidade e de caos. É o fetiche do acontecimento sinalizando para os efeitos de espetáculo, uma vez que o que o espetáculo apresenta como perpétuo é fundado sobre a mudança, e deve mudar com a sua base. O espetáculo é absolutamente dogmático e, ao mesmo tempo, não pode levar a nenhum dogma sólido (DEBORD, 2002, p. 52). E, nessa operação, tem-se o trabalho se fazer ver, isto é, a projeção sobre o que deve ser evidenciado, vislumbrado, e sempre a partir de determinados efeitos de sentido e não outros em seu lugar. A educação surge, portanto, como um acontecimento discursivo. Ela é exposta e trazida ao espaço do visível e do dizível pelo trânsito de enunciados acerca de sua condição no cenário nacional. A sociedade é convocada a se posicionar e, nesse jogo, a mídia engendra um percurso de discursividade e de mobilidade de memória, no escopo SANTOS, Antonio Genário Pinheiro dos; NASCIMENTO, Maria Eliza Freitas do. Sujeito do ensino e articulações de poder: consenso de verdades na educação. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

126 da evidência midiática. Essas condições de possibilidade do discurso interessam porque, ao abrir espaço para a rememoração, permite-se que se olhe para o presente, para o passado e para o futuro. Em suma, ao considerar o trabalho da mídia na produção de dizeres e de sentidos sobre a educação no Brasil, é possível enxergar uma trama de relações sinuosas e estratégias de visibilidade e de cerceamento do dizer que resultam na produção de efeitos de sentido de consenso. A educação é discursivizada num cenário de trânsito de enunciados, de verdades fabricadas, de poderes e de saberes que justificam, corroboram, dualizam, provocam e caracterizam sua qualidade no escopo de uma dualidade: ruína e renovação, descrédito e resistência. Pelo caminho da discursividade é possível observar então que a educação sendo ela uma questão histórica atrelada à política, à economia, e à iniciativa governamental, interessando, portanto, a todos tem sido objeto de discursivização na e pela mídia ao longo do tempo. 3 SOBRE A EDUCAÇÃO NO BRASIL: OS EFEITOS DO DISCURSO DA INEFICIÊNCIA Voltando-se para a cisão histórica da realidade educacional brasileira, é possível afirmar que prevalecem, no espaço de sua discursivização, efeitos de um discurso de ineficiência. Assim, reportagens, matérias jornalísticas, coberturas televisivas de talk shows a documentários, tratam da situação do sistema formal de ensino no país, sob o viés da má qualidade e da responsabilização governamental. Tal discurso adquire efeitos de ratificação na apresentação de índices comparativos negativos, na transmissão de coberturas e de recortes que, por sua vez, concatenam o efeito de desprestígio e de minimização de resultados positivos. O trajeto de discursividade da educação brasileira pode ser percebido, portanto, no espaço de efeitos de negativação e de caos. Considerando a incursão da mídia sobre a posição-sujeito professor e a posiçãosujeito aluno, e ainda, a função-escola no contexto nacional, pode-se observar a operação com um discurso social 1 que procura produzir um espetáculo de verdades no bojo do que pode ser verificado, confirmado pelas lentes que se impõem. Tem-se, nesse espaço de leitura, a produção de um consenso, já que, segundo Coulomb-Gully, (2014, p. 149): Página493 As mídias produzem significações comuns, e pelos efeitos de intertextualidade, de retomadas e de citações que caracterizam o universo midiático, contribuem para forjar o que se poderia chamar de senso comum midiático, uma espécie de vulgata que, apesar das críticas apontadas, confere-lhe um status de objetividade mais ou menos assumida. 1 Numa referência aos estudos de Marc Angenot na obra O discurso social e as retóricas da incompreensão: consensos e conflitos na arte de (não) persuadir (ANGENOT, 2015). SANTOS, Antonio Genário Pinheiro dos; NASCIMENTO, Maria Eliza Freitas do. Sujeito do ensino e articulações de poder: consenso de verdades na educação. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

127 Ao evidenciar a conjuntura de ineficiência do sistema educacional brasileiro, as operações midiáticas em torno das discursividades que são produzidas, abrem espaço para o efeito de necessidade de intervenções urgentes, mobilizado no apelo por novas abordagens de conteúdos, nova postura profissional do professor, nova conduta de comprometimento discente e, principalmente, nova roupagem da escola e de seus gestores. Na produção desse cenário de avaliação e da exigência por mudanças estruturais, tal elaboração discursiva se mantém atrelada à questão da política e da governamentalidade. Perpassada por efeitos de análise, medições, comparações, e inscrita na ordem do verídico e do necessário, a produção do dizer sobre a educação e seus sujeitos no Brasil, é trazida midiaticamente como tema central e, principalmente, como termômetro de avaliação e justificação da atuação do governo. Tal discursividade é operacionalizada de forma a oportunizar o resgate de dizeres sobre os parâmetros internacionais de promoção de vida melhor, redução de indicadores sociais de pobreza e de desigualdade do social, fomento à distribuição de renda e à ascensão social. Tem-se, nesse espaço, o funcionamento da interdição, da vontade de verdade e da segregação do dizer, haja vista que nem tudo pode ser mobilizado em qualquer lugar e/ou de qualquer forma, mas obedecendo a determinados trajetos de leitura e não outros em seu lugar. A mira do discurso sobre a educação aponta então para esse cerceamento do dizível, exigindo considerar suas condições de possibilidade e propondo um adestramento da visão para a evidência dos efeitos ora de crise, ora de renovação do ensino no Brasil. 4 DA INEFICIÊNCIA À RENOVAÇÃO: EFEITOS DE CONSENSO NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA No espaço do discurso como dispersão e do sentido como possibilidade, as análises apontam para uma operação que produz efeitos de verdade e de controle discursivo, resgatando a memória dos lugares historicamente reservados ao professor, ao aluno e, sobretudo, à escola. A discursividade mobilizada nas capas da revista Nova Escola oportuniza, dessa forma, a problematização sobre a reserva de lugares discursivos ao sujeito do ensino e discussão que versa sobre as articulações de poder-saber no cenário da educação. Página494 Nessa materialidade, a educação é trazida na condição de acontecimento discursivo porque, ao se materializar na capa, o tema já é objeto de uma montagem, seleção e de decisão, e já engendra percursos de leitura determinados. Dessa forma, aponta para as condições de possibilidade dos dizeres permitirem trajetos de memória e inscreverem as posições-sujeito de aluno e professor nessa relação estreita entre verdades e consensos. A capa versa sobre o universo da sala de aula, centrando a discussão na postura docente diante dos desafios que se apresentam. Nela, evidencia-se não apenas o espaço da posição-sujeito professor, mas, sobretudo, a questão da educação e sua amplitude enquanto sistema. SANTOS, Antonio Genário Pinheiro dos; NASCIMENTO, Maria Eliza Freitas do. Sujeito do ensino e articulações de poder: consenso de verdades na educação. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

128 Figura 1 Revista Nova Escola 02/03/11 Fonte: Na figura, os 15 mitos da educação são trazidos num efeito de falas recortadas de profissionais da área o que sinaliza para um efeito de passado, isto é, ideias de um tempo anterior, mas que reverberam ainda na prática docente na contemporaneidade. A escolha sintática da palavra mitos e por que não verdades em seu lugar? já engendra um trajeto de leitura que atribui um efeito de temporalidade. O vocábulo é substituído logo na afirmação seguinte por ideias sendo estas apresentadas como elementos do senso comum, incorporadas na sala de aula e que prejudicam a aprendizagem. É importante observar aqui a estratégia de condução do dizer alicerçada em procedimentos de interdição e de segregação, uma vez que tais afirmações são trazidas como mitos e como ideias baseadas no senso comum e não como avaliação de especialistas e/ou tendências de ensino na escola num tempo anterior. A própria disposição dos mitos em balões de fala, sendo eles apresentados com o recurso de itálico, já pressupõe um trabalho de montagem e seleção, servindo para mobilizar um efeito de informalidade e de pessoalidade dos dizeres, que afirmam: Página495 B1 2 Creche é um mal necessário B2 Sem a possibilidade de reprovação, os alunos perdem o respeito pelo professor B3 Conteúdo dado é conteúdo aprendido B4 Os alunos aprendem mais quando a atividade é lúdica B5 Trabalho em grupo sempre gera indisciplina B6 Para ser um bom professor, é preciso ter dom e vocação B7 A repetência sempre melhora o desempenho B8 Criança pobre não aprende B9 Meninos são melhores em matemática 2 Por uma opção metodológica, usa-se a nomenclatura B1, B2 (e etc.) para a apresentação dos balões de fala trazidos na capa da respectiva edição da revista Nova Escola. A ordem de apresentação dos recortes de fala está no sentido horário em que aparecem na capa. SANTOS, Antonio Genário Pinheiro dos; NASCIMENTO, Maria Eliza Freitas do. Sujeito do ensino e articulações de poder: consenso de verdades na educação. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

129 Tais afirmações, além de reclamarem diretamente a posição-sujeito de professor, resgatando uma memória sobre a realidade da escola no cenário nacional, tocam nos temas centrais a partir dos quais se discute a educação no Brasil e sua condição de caos na contemporaneidade: a educação infantil e a questão da conciliação entre família x trabalho, reprovação e evasão escolar, seleção de conteúdos x necessidades de aprendizagem dos alunos, metodologia e rotina em sala de aula, preparação e atuação profissional do educador, a questão social e o déficit de aprendizagem. Entram em jogo, nessa operação de dizibilidade, estratégias discursivas atreladas à memória e à interdiscursividade, pois mobilizam os dizeres de antes questionando sua validade e sua pertinência para a escola de hoje. Nesta perspectiva, os 15 mitos da educação são contraditórios no acontecimento de sua volta, uma vez que, no próprio título da revista, a Nova Escola exige pensar em rumos diferentes para o ensino e para a aprendizagem. É importante evidenciar ainda que, neste trabalho de fazer ver toda a materialidade linguística da capa aponta para esse efeito de dualidade entre um cenário educacional de antes e um de agora, reservando um lugar de destaque não só à escola e ao sistema educacional, mas, principalmente, aos sujeitos isto é, às posições-sujeito ali mobilizados. Pode-se trazer, então, que estão implicadas nessa polarização da escola, o professor e o aluno e seus lugares discursivos. É no silenciamento dessas posições-sujeito que elas se tornam evidentes, pois na produção e circulação de dizibilidades, a mídia adestra o olhar e mobiliza vontades de verdade que se pretendem críveis, conforme aponta Gomes (2003, p. 77): É por conta da visibilidade que as mídias assumem um papel crucial como disciplina e controle, portanto, como promotoras/mantenedoras de escalas de valores, como vigilantes. Temos que pensá-las em seu duplo papel: aquele pelo qual expõem a todo momento os conflitos é também aquele pelo qual definem a esfera de equilíbrio em que esses conflitos se diluíram. Enquanto mostram, as mídias disciplinam pela maneira do mostrar, enquanto mostra ela controla pelo próprio mostrar. Página496 Desse modo, ao trazer que baseadas no senso comum, essas ideias estão há tempo incorporadas no dia a dia da escola e pelo imperativo confira todas elas e entenda como prejudicam a aprendizagem, o espaço de discursividade midiática tange para a posiçãosujeito professor, pois torna evidente que não há mais espaço para essas ideias, haja vista o cenário de mudança na educação. Assim, ao retomar os mitos sob a óptica de que eles prejudicaram e/ou prejudicam o ensino, evidencia-se que a escola de hoje é renovada e que, portanto, exige um profissional com perfil diferente de atuação. Essa proposta de leitura é possível pelo viés de deslize do sentido, já que ele é sempre suscetível de tornar-se outro, mas nunca qualquer um. É possível ainda se retomar como as dizibilidades apontam para a educação seguindo um efeito de sentido de mito. Os enunciados citados na revista promovem uma ressignificação do que é mito. A produção de tal efeito só é possível porque há relações de poder-saber, por meio do discurso pedagógico, que legitimam outros dizeres e contrariam o que é dito nos balões. SANTOS, Antonio Genário Pinheiro dos; NASCIMENTO, Maria Eliza Freitas do. Sujeito do ensino e articulações de poder: consenso de verdades na educação. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

130 É a vontade de verdade da LDB 3, dos PCN 4 e dos discursos dos pedagogos que legitimam o fazer da escola, relegando as falas dos professores ao lugar de mito. Esse efeito de evidência na figura do professor pode ser mobilizado no trajeto de sentido que polariza a inscrição de caos e de renovação da educação, conforme se observa a partir das capas abaixo: Figura 2 Revista Nova Escola 02/10/2010 Fonte: < Figura 3 Revista Nova Escola 02/10/2012 Fonte: < Página497 3 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei Federal (9.394/96) promulgada em 20 de dezembro de Parâmetros Curriculares Nacionais - Os Parâmetros Curriculares Nacionais constituem um referencial de qualidade para a educação no Ensino Fundamental em todo o País (MEC, 1997). SANTOS, Antonio Genário Pinheiro dos; NASCIMENTO, Maria Eliza Freitas do. Sujeito do ensino e articulações de poder: consenso de verdades na educação. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

131 Figura 4 Revista Nova Escola 02/08/14 Fonte: < Página498 A discursividade oportunizada nessas materialidades incide sobre o lugar discursivo que é reservado ao professor pela justificativa de que eles são constituídos em agentes do ensino e condutores de um novo tempo no fazer pedagógico. As capas incitam a uma leitura que evidencia e atribui visibilidade a um trajeto de renovação da escola, da educação e, principalmente, do educador. Em todas as figuras, há o semblante animado e feliz de alguém que ocupa a posição-sujeito de professor. O efeito de alegria que, por sua vez, pode ser associado à felicidade e à realização pessoal e profissional é trazido pelo sorriso que, paradoxalmente, não se atrela à dimensão do humor, mas, apenas, ao que se apresenta no espaço do risível. É importante notar a inscrição do efeito de manual nas capas, em cuja materialidade linguística se observa operações de poder-saber voltadas para o adestramento e para a intervenção no escopo do ensino. Na figura 2, por exemplo, a condição para ser o professor do futuro está diretamente ligada ao conhecimento das seis características de um bom profissional do século 21. Em adição, na figura 3, a capacidade de gerir a sala de aula está estreitamente vinculada ao desempenho do professor nas 20 situações que mais os afligem no dia a dia em classe. Na figura 4, pode-se mencionar que a operação de evidência está sobre a técnica de si, o trabalho de constituição da subjetividade de um self. Nessa última capa, a questão do registro diário, a problematização entre registro e reflexão, imprimem um espaço de condução de dizer na esteira do olhar para si, mobilizando efeitos de reconhecimento e confissão de erros pelo professor Registro para refletir: percebi que realizei muitas intervenções não dando tempo para a criança refletir. Quando se traz a perspectiva do professor, como na figura 4, por exemplo, é para que ele reflita sobre sua postura se contextualizada ou não, se produtiva ou não há um jogo de sentido pelo enunciado refletir da revista com a objetividade da apresentação da fala do professor. E nesse sentido, a revista se constitui como uma instituição de poder disciplinar, que dociliza e disciplina o sujeito professor. Nas instituições disciplinares tradicionais eram os alunos que precisavam ser disciplinados, aqui é o sujeito professor que sofre os efeitos do poder disciplinar, induzindo o seu fazer e ser, por SANTOS, Antonio Genário Pinheiro dos; NASCIMENTO, Maria Eliza Freitas do. Sujeito do ensino e articulações de poder: consenso de verdades na educação. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

132 meio de uma produção de subjetividade ditada pela revista. Essa produção perpassa a discursividade de todas as capas. Essa operação retoma a problemática da escrita de si, conforme proposta por Foucault (2006b), acerca do papel da escrita em constituir um corpo. O escrever é, nesse entremeio, uma proposta de fazer ver, de fazer aparecer um rosto perto do outro, oferecendo ao olhar um eu pela via do que se diz sobre si mesmo. Na leitura de tais materialidades discursivas, há uma operação de evidência no eu docente, isto é, um trabalho sinuoso em torno da subjetividade desse sujeito, fazendo-o ocupar a posição de consciente e de reflexivo em torno de sua própria prática pedagógica. Esse efeito mobiliza, no espaço do silenciamento, uma oposição entre o professor de antes e o de agora. Na condução de tais dizibilidades e ao tratar do perfil que os educadores devem assumir na contemporaneidade, a mídia edifica um efeito de polarização e dualidade: o professor de agora deve ser reflexivo, precisa desenvolver um olhar para si e para sua prática e ser reconhecedor de suas falhas e dos espaços de sua atuação em sala de aula. Ao atribuir visibilidade nesse sentido, a discursividade das capas reafirma o caminho para se sair do caos e entrar no cenário da renovação. Ao trazer que a escola de hoje exige um profissional que ocupe uma posição de agente do ensino, as capas 2, 3 e 4 oportunizam pensar na caracterização que se tem reservado à escola e ao sistema educacional no país, estabelecendo, ao mesmo tempo, uma relação de diálogo e duelo (GREGOLIN, 2007) com os dizeres que tratam desse tema na mídia. Nessas condições, tem-se a educação se inscrevendo no escopo da irrupção de um acontecimento discursivo. A questão do ensino formal no país é perpassada pelas dizibilidades midiáticas que tentam imputar uma subjetividade ao professor e ao aluno e, sobretudo, discursivizando o lugar social ocupado pela escola no cenário nacional. Assim, perseguindo esse trajeto de sentido e de discursividade, é possível ler as operações de poder e de saber que marcam o lugar reservado à instituição de ensino que apontam para os efeitos de cerceamento, de visibilidade e, ao mesmo tempo, de silenciamento, conforme apresentam as manchetes a seguir: Página499 M15 Portal Época: O ensino público no Brasil: ruim, desigual e estagnado. Fonte: < M2 Jornal O Poti: Evasão e desestímulo são retrato do Ensino Médio. Fonte: < M3 Portal UOL: Gasto público em ensino no Brasil atinge 6,6% do PIB e supera os países ricos. Fonte: < M4 Folha de São Paulo: Copa custa só um mês de gastos com a educação. Fonte: < M5 Portal Informação Extra: Estado dá pacotão de benefícios para os servidores da educação. Fonte: < 5 Por uma opção metodológica, opta-se pela nomenclatura M1, M2 (e etc.) para a disposição e apresentação, no corpo do texto, de manchetes veiculados em materialidades midiáticas (impressa e virtual). SANTOS, Antonio Genário Pinheiro dos; NASCIMENTO, Maria Eliza Freitas do. Sujeito do ensino e articulações de poder: consenso de verdades na educação. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

133 É a partir desse gesto de leitura que se observa os efeitos de sentido nas materialidades da mídia. Nesse sentido, entende-se que a produção discursiva da Revista Nova Escola centra-se na questão do ensino e na produção de subjetividade ao apresentar padrões de postura ético-profissional para os professores. Esse trabalho se dá na revelação de medidas e atitudes a serem tomadas no espaço da sala de aula, ao fomentar a discussão acerca de estratégias de mediação de conflitos na escola e ao enxertar efeitos de atualização e felicidade no trabalho docente. O regime de verdade aí operacionalizado é atravessado pelo já-dito, mas perpassado pelos efeitos da mudança e do novo numa conjuntura discursiva de silenciamento e evidência, de visibilidade e apagamento, enfim, de domesticação dos olhares e das posturas (SARGENTINI, 2014, p. 168). O discurso se apresenta, portanto, como o espaço primeiro onde tais embates se materializam, como a arena de lutas em torno da palavra e de seus efeitos. Em suma, é nessa perspectiva que se observa, nas capas da Revista Nova Escola, um jogo estratégico como os mecanismos de controle do discurso, uma operação sinuosa com o dizer, produzindo efeitos de poder e de saber e, sobretudo, de consenso sobre a educação no Brasil. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Página500 Ao se inscrever no leque de investigações que tratam da educação na interface da mídia e do discurso, à luz das contribuições teórico-metodológicas da Análise do Discurso de linha francesa, o presente estudo sinaliza para a inscrição do sentido no cenário do poder e do saber, evidenciando o trabalho midiático com estratégias discursivas ligadas aos mecanismos de controle e à operação de cerceamento da palavra. O caminho percorrido mostra trajetos de leitura alicerçados em efeitos de visibilidade e evidência por um lado, e, por outro, de silenciamento e apagamento. A análise permite ler que a educação é discursivizada, na amplitude das materialidades da mídia, como um acontecimento. Os dizeres que versam sobre sua condição no cenário nacional são, antes de tudo, produto de operações rigorosas que determinam e selecionam o que pode e deve ser trazido à tona no espaço do visível. Nesse jogo sinuoso de fazer ver, as posições-sujeito de professor e de aluno são subjetivadas e apresentadas como espaços discursivos atrelados a uma memória que desliza do que era para o que deve ser. É considerando essas tramas e articulações nas quais o sentido é mobilizado que se pode observar o lugar reservado à escola e à educação no Brasil. Por esse viés de discursividade e de efeitos do dizer, a mídia opera na fabricação de espaços de visibilidade produzindo, sobretudo, efeitos de consenso. Assim, na irrupção de seu acontecimento, a educação brasileira é enxertada por práticas discursivas que incitam a uma condição de dualidade e polarização na sua condição atual: ela é, ao mesmo tempo, símbolo de descaso e projeto de renovação; ela se apresenta, por um lado, como elemento crível e fundamentado em princípios de essencialidade e, por outro, como cenário de descrédito e de ineficiência. Amparada em práticas de saber, a mídia funciona discursivamente. SANTOS, Antonio Genário Pinheiro dos; NASCIMENTO, Maria Eliza Freitas do. Sujeito do ensino e articulações de poder: consenso de verdades na educação. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

134 REFERÊNCIAS ANGENOT, M. O discurso social e as retóricas da incompreensão: consensos e conflitos na arte de não persuadir. São Carlos, SP: EDUSFCAR, COULOMB-GULLY, M. Gênero, política e análise do discurso das mídias. In: PIOVEZANI, C; CURCINO, L; SARGENTINI, V. Presenças de Foucault na Análise do Discurso. São Carlos, SP: EdUFSCar, DEBORD, G. A sociedade do espetáculo. Trad. Francisco Alves e Afonso Monteiro. Rio de Janeiro: Contraponto, FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Trad. Luiz Felipe Baeta Neves. Rio de Janeiro: Forense Universitária, A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 2006a.. A escrita de si. In: Ditos e Escritos V. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006b.. Microfísica do poder. Org. e Trad. Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, GOMES, M. R. Poder no jornalismo: discorrer, disciplinar, controlar. São Paulo: Hacker Editores/Edusp, GOMES, W. Transformação da política na era da comunicação. São Paulo: Paulus, GREGOLIN, M. R. V. Foucault e Pêcheux na Análise do Discurso: diálogos e duelos. São Carlos: Editora Claraluz, NAVARRO-BARBOSA, P. O acontecimento discursivo e a construção da identidade na História. In: SARGENTINI, V; NAVARRO-BARBOSA, P. Foucault e os domínios da linguagem: discurso, poder, subjetividade. São Carlos: Claraluz, PÊCHEUX, M. O discurso: estrutura ou acontecimento. Trad. Eni Puccinelli Orlandi. Campinas, SP: Pontes, SARGENTINI, V. O. Ecos da arquegenealogia de Michel Foucault na análise da imagem: retratos do homem político na mídia. In: PIOVEZANI, C; CURCINO, L; SARGENTINI, V. Presenças de Foucault na Análise do Discurso. São Carlos, SP: EdUFSCar, SOUZA, P. A dimensão dramatúrgica do acontecimento discursivo. In: PIOVEZANI, C; CURCINO, L; SARGENTINI, V. Presenças de Foucault na Análise do Discurso. São Carlos, SP: EdUFSCar, Recebido em: 23/05/16. Aprovado em: 06/10/16. Title: Subject of teaching and power articulations: consensus of truth in Education Authors: Antonio Genário Pinheiro dos Santos; Maria Eliza Freitas do Nascimento Abstract: Considering the theoretic and methodological principles from the French Discourse Analysis, this study aims to analyze the spaces of common agreement and the production of meaning effects of truth in Education through the way of essentiality and chaos. Therefore, this investigation is based on Foucault s studies (2005, 2006, 2007), as well as Pêcheux s (2008), proposing to analyze covers of the magazine Nova Escola through a discursive reading which considers the spaces reserved to the subjects of teaching students and teachers and the articulations of power-knowledge in the Media, regarding to the Brazilian education scenario. By considering the meaning and the discursive issues, this study is linked to the stage for the discussion which is, by its own turn, related to language matters and its work pointing to the construction of a real, through which remains the saying and the scene of what is said. Keywords: Discourse. Common Agreement. Education. Media. Página501 SANTOS, Antonio Genário Pinheiro dos; NASCIMENTO, Maria Eliza Freitas do. Sujeito do ensino e articulações de poder: consenso de verdades na educação. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

135 Título: El sujeto de enseñanza y articulaciones de poder: consenso de verdades en la Educación Autores: Antonio Genário Pinheiro dos Santos; Maria Eliza Freitas do Nascimento Resumen: Registrado en las presuposiciones teórica y metodológicas del Análisis del Discurso francesa, este estudio tiene por objetivo analizar los lugares de consenso y la producción de efectos de verdad en la educación, tratándola sobre el trayecto de la esencialidad y del caos. Para ello se fundamenta en los estudios de Foucault (2005, 2006a, 2006b, 2007) y Pêcheux (2008), volviendo para el análisis de tapas de la revista Nova Escola desde una lectura discursiva, que considera los lugares reservados al sujeto do enseñanza alumno y profesor y las articulaciones de poder-saber en el campo de la media, por medio de los cuales se discute la educación brasileña. Conectado con la investigación acerca del discursivo y del sentido, el presente estudio dialoga con la propuesta de ofrecer un espacio de discusión ligado, a su vez, con el lenguaje y su funcionamiento, apuntando para la construcción de una realidad en la cual impera el decir e la escena del dicho. Palabras-clave: Discurso. Consenso. Educación. Media. Este texto está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional. Página502 SANTOS, Antonio Genário Pinheiro dos; NASCIMENTO, Maria Eliza Freitas do. Sujeito do ensino e articulações de poder: consenso de verdades na educação. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

136 DOI: O FLAMING (OU VIOLÊNCIA VERBAL EM MÍDIA DIGITAL) E SUAS FUNÇÕES NA ESFERA PÚBLICA Anna Elizabeth Balocco * Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Educação e Humanidades Departamento de Letras Anglo-Germânicas Rio de Janeiro, RJ, Brasil Resumo: Este artigo discute a função do flaming (KAYANY, 1998) na esfera pública, a partir de um estudo de caso de comentários eletrônicos publicados em um site de notícias, após campanha eleitoral da Presidente Dilma Roussef, em Para tanto, são introduzidos os conceitos de esfera pública (HABERMAS, 1991) e discurso polêmico (AMOSSY, 2011). Para a análise do corpus, são adotadas categorias analíticas de Bousfield (2008) para o estudo da impolidez na linguagem. Foram identificadas, no corpus, ameaças à face positiva e negativa dos interlocutores. Argumenta-se que a violência verbal aparece de forma sistemática, endereçada a um interlocutor imaginário que se coloca, no espectro ideológico, em campo oposto ao do locutor. Embora não contribua para uma esfera pública em moldes habermasianos, caracterizada pelo debate racional de questões de interesse coletivo, o flaming pode ser visto como uma rotina interacional usada para delimitar diferentes posições discursivas no âmbito do discurso polêmico. Palavras-chave: Flaming. Linguagem ofensiva. Impolidez. Mídia digital. Comentário eletrônico. 1 INTRODUÇÃO Página503 A linguagem hostil e agressiva tem sido estudada de diferentes perspectivas, no âmbito dos estudos da linguagem. Culpeper (2011) toma o arcabouço teórico de Brown e Levinson (1987) sobre o fenômeno da polidez como ponto de partida para a análise de aspectos linguísticos da linguagem usada para ofender. Para o autor, há pelo menos duas condições necessárias para a ocorrência de ofensa verbal: a linguagem deve estar em conflito com as expectativas (baseadas em normas sociais) do interlocutor, em relação à forma como ela lhe é endereçada; a linguagem deve produzir, pelo menos junto ao interlocutor direto, o efeito perlocucionário de ofensa (ou ter consequências emocionais negativas). Há vários outros fatores que podem exacerbar a ofensa verbal, mas estes não seriam condições necessárias para a mesma. Argumenta ainda Culpeper (2011) que estas percepções são relativas ao contexto: aquilo que é considerado ofensivo, para determinado interlocutor, em certa situação, pode não ser percebido da mesma forma em situação distinta. No âmbito da mídia digital, * Doutora em Linguística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pós-doutora em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal Fluminense. Prof. Associada da UERJ (Pós-graduação em Letras). annabalocco@terra.com.br. BALOCCO, Anna Elizabeth. O flaming (ou violência verbal em mídia digital) e suas funções na esfera pública. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

137 Página504 Amaral (2012) elaborou uma dissertação de mestrado que examina o funcionamento discursivo do dispositivo Twitter, em contexto situacional de grande envolvimento emocional (jogos da Copa do Mundo) e relata resultados em que a ocorrência de linguagem de baixo calão e agressiva é motivada, não somente pela interação em tempo real, mas também pela polarização dos participantes do evento discursivo, que se posicionam em campos antagônicos. O fenômeno do flaming (ou violência verbal em mídia digital) parece ser o resultado direto do funcionamento discursivo da mídia digital, que permite a aparição de um eu anônimo, passional, regido apenas por seus impulsos e não pela razão (BALOCCO, 2016). Além de uma tendência à des-individualização ou despersonalização da mídia digital, outro argumento frequentemente citado na literatura é o de que a interação via mídia digital não incorpora os traços não verbais e contextuais da interação face a face, tais como as expressões faciais, a gesticulação, o tom de voz, dentre outros fatores da situação imediata em que se dá a interação. Esta redução de recursos expressivos levaria à busca de elementos para compensar aquela falta, na expressão verbal da emoção, indiretamente motivando um impacto reduzido das normas sociais que regulam as interações verbais. Estes argumentos têm sido questionados, a partir de diferentes tradições teóricas. Amossy (2011), por exemplo, argumenta que a linguagem agressiva e polarizada, embora possa ser relacionada a alguns traços da mídia digital, não resulta exclusivamente desta. Para a autora, a linguagem hostil e agressiva de internautas não deve ser vista como comportamento verbal que foge às regras de convívio social, mas como uma intervenção discursiva no âmbito de debates públicos, motivada por características do discurso polêmico. O estudo de Balocco e Shepherd (no prelo) contribui para esta última tradição de pesquisas, ao adotar um enfoque descritivo ao flaming, sem qualquer pretensão de um juízo de valor sobre o fenômeno. Para tanto, as autoras comparam os traços de um corpus de textos coletados em um site de notícias, após campanha eleitoral da Presidente Dilma Roussef em 2015, àqueles de um corpus de referência, levando em consideração certas variáveis do seu contexto de produção. A proposta das autoras, assim, não é a caracterização da linguagem agressiva ou hostil, mas investigar a relação entre mídia digital e violência verbal. Os comentários (ou posts) eletrônicos são publicados em diferentes sites da internet; há comentários em blogs, em sites de notícias, em redes sociais, como o Facebook, ou o Twitter, dentre várias outras possibilidades. O presente trabalho centra-se unicamente na análise de comentários em sites de notícias, com o objetivo de levantar questões relevantes para os estudos do discurso e das práticas sociais. Para reunir elementos para esta reflexão, serão articulados os conceitos de discurso político (VAN DIJK, 1997), esfera pública (HABERMAS, 1991), esfera pública midiatizada e flaming (KAYANY, 1998), além dos conceitos de discurso polêmico (AMOSSY, 2011) e gênero do discurso (o comentário eletrônico e sua funcionalidade). Com base nestes elementos e na análise empírica de comentários eletrônicos postados no site de notícias oglobo.com, a partir de categorias para o estudo da impolidez na linguagem de Bousfield (2008), pretende-se discutir a seguinte questão: quais são as BALOCCO, Anna Elizabeth. O flaming (ou violência verbal em mídia digital) e suas funções na esfera pública. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

138 funções do flaming na esfera pública midiatizada? E qual a contribuição (se alguma) dos comentários com violência verbal para os debates públicos? Nas seções a seguir, busca-se conceituar o fenômeno do flaming; introduz-se a metodologia da pesquisa, para, em seguida, proceder-se à discussão dos conceitos de esfera pública e esfera pública midiatizada, que darão consistência à tentativa de caracterização das funções do flaming no corpus de pesquisa. 2 COMO CONCEITUAR E DEFINIR O FENÔMENO DO FLAMING? Página505 O Sullivan e Flanagin (2003) indicam que o termo flaming tem origem no discurso leigo de comunidades virtuais, com o sentido de um comportamento verbal negativo, com o poder metafórico de incendiar um debate, ou fritar um internauta. O fenômeno do flaming, ou linguagem usada intencionalmente para ofender, tem sido estudado em diversas abordagens, desde a área dos estudos da comunicação e da psicologia social, até a área dos estudos da linguagem. Na maior parte destes estudos, o flaming é visto como um fenômeno característico das mídias digitais (THOMPSEN; FOULGER, 1996), que favoreceria a aparição de um sujeito anônimo e passional, movido apenas por suas paixões e não pela razão. Já Lea et al. (1992), Sullivan e Flanagin (2003) e Amossy (2011) problematizam a vinculação do flaming à esfera digital, argumentando que o fenômeno é motivado por fatores exteriores àquelas mídias digitais. Há vários problemas analíticos na conceituação do flaming, pois este é um fenômeno complexo, que depende de normas culturais, locais e interacionais, que variam no tempo e têm formas distintas em função de seus suportes interacionais. A interpretação de um enunciado contendo linguagem ofensiva depende, em última análise, da compreensão que tem, um indivíduo em particular, das normas operando em dada troca interacional. Apesar destas dificuldades, Kayany (1998, p ) define uma ocorrência de flaming, ou um flame, como uma expressão de hostilidade, livre de inibições, tal como xingar, injuriar, ridicularizar, lançar insultos a outra pessoa, seu caráter, religião, raça, inteligência, e habilidades física ou mental. Em relação a esta definição, Amossy (2011) levanta a indagação se qualquer uso de linguagem ofensiva, ou contendo injúrias, pode ser incluída no âmbito do flaming. Para a autora, é preciso distinguir entre o uso gratuito de linguagem ofensiva e o uso de linguagem ofensiva no interior de um quadro de conflito. No primeiro caso, observa-se a transgressão de normas de conduta verbal (facilmente caracterizado como comportamento livre de inibições e uma violência verbal sem propósito e sem direção). No segundo caso, no entanto, a violência verbal acomoda-se, não a uma situação particular de interação problemática (O SULLIVAN; FLANAGIN, 2003), mas a um quadro mais amplo de negociação de sentidos tensa, que se desenvolve a partir de um contexto de trocas agonísticas (AMOSSY, 2011), ou situadas num ambiente de dissenso. Neste estudo de caso, adota-se a mesma perspectiva discursiva de Amossy, de abordar o flaming no âmbito do discurso polêmico, caracterizado pela polarização (ou BALOCCO, Anna Elizabeth. O flaming (ou violência verbal em mídia digital) e suas funções na esfera pública. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

139 pela existência de um contra-discurso antagonista) e pela tentativa de desconstrução do outro. A ocorrência de flames, neste contexto, parece ser a norma, antes do que a exceção: os flames são previsíveis (eles obedecem a regras tácitas); não levam à interrupção da interação; constituem, antes, uma rotina interacional, cujas funções serão discutidas neste estudo. 3 METODOLOGIA A coleta de textos para o corpus de estudo aconteceu durante o período póseleitoral: a primeira coleta de comentários foi feita em 10/08/2015, após notícia sobre a participação do senador Aécio Neves em evento público, em que convoca os brasileiros a aderirem à manifestação contra a presidente Dilma Roussef. A segunda coleta ocorreu em 11/08/2015, após notícia sobre o presidente Lula e a Marcha das Margaridas, convocada para dar apoio à presidente. Embora não se trate de campanha eleitoral, os candidatos e os internautas que postam comentários comportam-se como se estivessem em campanha, expressando suas posições a favor ou contra o impeachment da presidente Dilma. Pode-se, assim, afirmar que se trata de uma situação, se não de conquista de poder, pelo menos de garantia de poder conquistado nas urnas, de um lado, e de ameaças ao poder, de outro. Isto, por si só, motiva a ocorrência de linguagem radical e polarizada no corpus. Como o site é de domínio público decidiu-se por identificar os comentários publicados. Alguns internautas usam apelidos em suas postagens, outros usam seus nomes completos, ou apenas os seus nomes de batismo. Os fragmentos retirados do corpus são identificados, também, por sua ocorrência após a primeira notícia (SC1, subcorpus 1) ou após a segunda notícia (SC2, subcorpus 2). Os comentários são apresentados sem revisão, da forma como publicados, com erros de gramática, de pontuação, de ortografia, dentre vários outros. Tabela 1 Perfil do corpus Corpus estudo Participantes Comentários No. de Palavras Publicação Subcorpus /08/2015 Página506 Subcorpus /08/2015 Total Corpus Disponível em: < Acesso em: 11 ago Disponível em: < Acesso em: 11 ago BALOCCO, Anna Elizabeth. O flaming (ou violência verbal em mídia digital) e suas funções na esfera pública. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

140 A relação entre o número de participantes e o de comentários atesta a densidade das trocas interacionais no site de notícias. Os participantes postam seus comentários, mas também respondem a outros internautas, ou os atacam. No que diz respeito ao tratamento dos dados, foram adotados os seguintes procedimentos. Na identificação da linguagem agressiva e hostil, observaram-se os seguintes critérios. Em primeiro lugar, foi etiquetado o léxico marcadamente valorativo, em expressão cuja função é injuriar, ou ofender a honra (por exemplo, vai sair ladrão e entrar outro ladrão ; bando de oportunistas ; Srs. Petistas, integrantes da Organização Criminosa vulgo PT ; Clepto Collor ). Foi igualmente etiquetado o léxico marcadamente valorativo, em expressão cuja função é o insulto pessoal, como nos exemplos: são muito otários esses petistas ; bando de desocupado com bolsa ; os baderneiros ; Aécio Neves e Eduardo Cunha, Os achacadores do Brasil ; UNE, esses vaggabundos marginais. Os xingamentos também foram etiquetados, como nos seguintes exemplos: VAGA BONDS ; fodam-se a Dilma, o Lula e principalmente os eleitores e simpatizantes da Organização Criminosa vulgo PT ; a corjjja de filhos da puta ; um zé buc.. desses ; d[esses] comentaristas chupadores de rôla. E, finalmente, foram etiquetadas expressões que desqualificam o outro. Por exemplo, em [Glauber] brigou com seu garotão, o internauta é alvo de ofensa, de teor marcadamente homofóbico. Em [Glauber], fique de quatro pastando enquanto um jumento ti cobre por trás, a ofensa é exacerbada, pois, além de uma ofensa pessoal, constitui uma ofensa à honra do internauta. A partir destes procedimentos de identificação, foram aplicadas as categorias de Bousfield (2008) para o estudo da impolidez na interação, exemplificadas no decorrer da análise. As categorias analíticas de Bousfield localizam-se no quadro mais amplo do modelo linguístico usado para os estudos da polidez de Brown e Levinson (1987). Tais categorias permitem caracterização mais eficiente de usos de impolidez, se contrastadas com o uso exclusivo de categorias lexicais, na análise do fenômeno. Tendo delineado a metodologia e os princípios teóricos que norteiam o trabalho, introduzem-se, nas seções a seguir, os conceitos de discurso político e de esfera pública, de forma a entender se o fenômeno da linguagem hostil pode ser acomodado no âmbito de uma discussão da natureza da esfera pública e de suas funções políticas. 4 OS POSTS EM SITES DE NOTÍCIAS PODEM SER CONSIDERADOS INSTANCIAÇÕES DO DISCURSO POLÍTICO? Página507 O primeiro compromisso do analista do discurso é indagar se há algo no funcionamento discursivo das mídias digitais que permite a ocorrência da linguagem do ódio. No caso do comentário eletrônico, há três traços principais de sua funcionalidade que poderiam ser vistos como favorecendo a linguagem do ódio: 1) o mesmo não é editado pelo site, e não sofre cortes, sendo antes publicado em sua integralidade, não havendo censura de termos ofensivos; 2) o comentário é produzido em tempo real, o que abre a possibilidade de interação entre internautas que comentam a mesma notícia postada BALOCCO, Anna Elizabeth. O flaming (ou violência verbal em mídia digital) e suas funções na esfera pública. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

141 Página508 no site; em geral, a interação entre os internautas resume-se à troca de ofensas verbais; 3) o post é feito por um internauta anônimo, que não assume responsabilidade criminal por seus comentários, frequentemente de teor homofóbico, racista, ou misógino. Seriam estas as condições exclusivas que motivam a linguagem da ofensa pessoal, tornando desnecessário o trabalho de face entre interlocutores? Nossa hipótese de trabalho aproxima-se da de Amossy (2011), que postula que o flaming não deve ser atribuído exclusivamente a aspectos do funcionamento discursivo do suporte digital. Assim, uma pergunta que se impõe, imediatamente, diz respeito à natureza da ordem do discurso 3 com a qual se está lidando: os comentários eletrônicos poderiam ser tratados como instanciações do discurso político, que faria emergir uma subjetividade da paixão, do sentimento irrefletido, e não da razão ou da reflexão? Para examinar tal hipótese, apresentamos considerações sobre o discurso político e discutimos sua aplicabilidade ao corpus de comentários eletrônicos coligidos para este estudo. Para Laclau e Mouffe (1985, p. 153), o discurso político pode ser entendido de duas formas. Em sentido estrito, é aquele que apresenta demandas situadas ao nível dos partidos políticos e do Estado. Em sentido mais abrangente, no entanto, ele pode ser entendido como o discurso que cria, reproduz, ou transforma relações sociais. Observa-se que, no seu sentido estrito, a definição de discurso político para Laclau e Mouffe (1985) baseia-se em critério vinculado ao enunciador do discurso. O discurso político aqui estaria representado pelos pronunciamentos, acordos, peças legislativas, executivas, ou de outra natureza, emitidos por figuras públicas como deputados, senadores, presidentes, procuradores da República, dentre outras possibilidades. Já para Pinto (2012), os espaços clássicos de enunciação do discurso político foram ampliados pelas mídias impressa, audiovisual, ou digital, que colocam em circulação a voz de jornalistas, cidadãos, ou especialistas, que, especialmente em períodos de campanhas eleitorais, tornam-se enunciadores de discurso político. O discurso político pode e deve ser entendido, segundo Pinto (2012), de forma ampla, como toda e qualquer tentativa de fixar sentidos em relação a certo processo político, sempre de forma precária e passível de contestação, em um cenário de disputa. Essa disputa se dá no contexto de um quadro conflitual, que repercute, direta ou indiretamente, sobre aquele processo político (uma campanha eleitoral, uma tentativa de legislar sobre determinado assunto, um protesto em relação a determinado status quo, dentre outras possibilidades). O comentário de leitores em sites de notícias, assim, seria um exemplo destes novos espaços de enunciação do discurso político, visto que, nos posts, os internautas posicionam-se a respeito de certos processos políticos. No caso deste trabalho, expressam suas opiniões a favor ou contra o impeachment da Presidente Dilma Rousseff. O problema com estas duas formulações é que, nelas, a conceituação de discurso político é muito abrangente, não levando em consideração, por exemplo, os diferentes 3 Entende-se por ordem do discurso, segundo Fairclough (2003, p. 220), uma determinada configuração de gêneros, discursos e estilos, que constituem a dimensão discursiva de uma rede de práticas sociais. Assim, a ordem do discurso político comporta gêneros específicos (comícios, pronunciamentos, etc.), discursos característicos (conservador, liberal, etc.) e determinados estilos (formas de dizer e de argumentar próprias). BALOCCO, Anna Elizabeth. O flaming (ou violência verbal em mídia digital) e suas funções na esfera pública. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

142 efeitos de sentido que têm os discursos produzidos em locais de enunciação distintos. Os enunciados colocados em circulação em rodas informais de discussão, ou mesmo em comentários eletrônicos, na mídia impressa, ou televisiva, não se comparam, em termos de seus efeitos de sentido (de credibilidade, autoridade, legitimidade), àqueles codificados em pronunciamentos de figuras públicas da República. Seria possível argumentar, ainda, que os locais de enunciação do discurso político também afetam a qualidade da interação entre os participantes discursivos. Por exemplo, em rodas informais de discussão, as opiniões tendem a ser atenuadas, tendo em vista a relação de proximidade entre os participantes daquele evento discursivo. Por outro lado, os comentários eletrônicos, como não são endereçados a interlocutores próximos, em termos de afeto ou relação social, não precisam necessariamente obedecer ao trabalho de face que incide sobre interações em que se observa menor distância social e/ou emocional (por exemplo, em comentários postados em redes sociais). Para evitar os problemas analíticos que decorrem de uma conceituação muito abrangente do discurso político, acatamos argumento de Van Dijk (1997), segundo o qual a categorização de determinado discurso como político depende de sua funcionalidade, ou de o mesmo ter influência, direta ou indireta, sobre determinado processo político. Os comentários eletrônicos não são diretamente funcionais nos processos políticos, no sentido de que não são enunciados produzidos em fóruns políticos, com repercussões sobre aqueles processos. Sendo assim, eles não devem ser entendidos como instanciações do discurso político, mas como parte constitutiva do discurso midiático. No entanto, eles representam intervenções na esfera pública (via discurso midiático), dando visibilidade às posições antagônicas de atores sociais em determinado processo político. Trazemos para a próxima seção o conceito de esfera pública de Habermas, com o objetivo de encaminhar a discussão das funções do flaming. 5 O CONCEITO DE ESFERA PÚBLICA Página509 Habermas argumenta, em A transformação estrutural da esfera pública (1991), que tanto a natureza quanto as funções da esfera pública mudaram ao longo do tempo. Correndo o risco de reduzir o argumento do autor, apresentam-se alguns de seus eixos, buscando elementos para a compreensão da formação da esfera pública moderna, para em seguida contrapô-la à esfera pública midiatizada da modernidade tardia 4. A esfera pública, nas sociedades inglesa, francesa e alemã, formou-se, no século XVIII, como um espaço de natureza burguesa, em salões literários. O que contribuiu para a formação da esfera pública burguesa? A partir do século XVI, com a formação dos estados-nação e o início de um capitalismo mercantilista, observa-se a perda do poder feudal e a emergência de um novo estrato social, os burgueses (comerciantes, empresários, banqueiros), um conjunto de indivíduos que atua nas cidades, locais de trocas de mercadorias e de informações. Se no mundo feudal a esfera pública resumia-se 4 O termo modernidade tardia é usado pelo sociólogo inglês Anthony Giddens, para referência aos dias de hoje, ao invés de pós-modernidade. As razões para este uso são fornecidas pelo autor, em pelo menos dois livros (1990; 1991). BALOCCO, Anna Elizabeth. O flaming (ou violência verbal em mídia digital) e suas funções na esfera pública. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

143 à teatralização do poder em palácios, na corte, ou em eventos cujo objetivo era dar visibilidade à aura ou prestígio do clero, da realeza ou da nobreza, no mundo pós-feudal a esfera pública (ou esfera da autoridade pública) passa a ser associada ao novo aparato do Estado moderno, com sua burocracia e seu sistema de tributação para atender às demandas crescentes de capital, necessário para a expansão do capitalismo mercantilista (HABERMAS, 1991, p. 17). No século XVIII, forma-se uma esfera pública burguesa, que se localiza fora da esfera da autoridade pública (o Estado), em salões literários, a partir da discussão de produtos culturais acessíveis nos teatros, museus e concertos (HABERMAS, 1991, p. 29). Segundo Habermas, quando a cultura deixa de ser um elemento da Igreja ou da Corte, ela perde seu caráter sacramental, é transformada em produto e pode ser profanada, ou seja, tratada como algo que pode ser objeto de discussão (p. 37). A partir daí, as pessoas privadas passam a ter responsabilidade por determinar seu sentido e isto é feito na forma de uma discussão racional. Do ponto de vista de sua função política, a esfera pública burguesa emerge como um espaço de defesa pública do caráter privado da sociedade. A discussão de objetos de cultura fornece o terreno para uma reflexão pública sobre questões privadas: A esfera pública burguesa pode ser entendida inicialmente como a esfera das pessoas privadas reunidas em um público; elas reivindicam esta esfera pública regulamentada pela autoridade, mas diretamente contra a própria autoridade, a fim de discutir com ela as leis gerais da troca na esfera fundamentalmente privada, mas publicamente relevante, as leis do intercâmbio de mercadorias e do trabalho social. (HABERMAS, 1991, p. 27) 5. Página510 Em um segundo momento, observa-se uma mudança estrutural da esfera pública burguesa. Este espaço, que se restringia aos cafés e salões literários, onde se formava o gosto e se expressavam juízos críticos, aos poucos amplia-se para abarcar a política e temas relevantes à vida coletiva. Daqui decorre a noção de que a crítica ao poder político nasce da crítica de arte: o princípio habermasiano de que qualquer cidadão, independente de títulos nobiliárquicos ou de qualquer outra natureza, tem o direito de expressar-se em relação à arte (a uma pintura, a um livro, ou a uma peça de teatro), bastando para tanto ter capacidade argumentativa, resultou numa concepção de crítica de arte como uma troca racional de argumentos (DA SILVA, 2001, p. 123). É este princípio iluminista 6, da troca racional de argumentos na esfera pública, ampliado para a discussão de temas políticos, que vai fortalecer a função política da esfera pública burguesa, como fator de controle e de legitimação do poder exercido pelo Estado e seu aparato. A esfera pública dos salões literários e, posteriormente, ampliada para o campo da política funda-se, argumenta Habermas, em certa subjetividade privada, voltada para si própria, característica da família patriarcal burguesa, e cresce no solo das ideias ligadas a um liberalismo econômico nascente, que se opõe ao absolutismo do rei: as questões na 5 Minha tradução do original em inglês. 6 O iluminismo ocidental do século XVIII caracteriza-se pelo apego às noções de razão, universalidade, transparência, além daquelas expressas nos ideais da Revolução Francesa: liberdade, igualdade, fraternidade. BALOCCO, Anna Elizabeth. O flaming (ou violência verbal em mídia digital) e suas funções na esfera pública. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

144 esfera da reprodução social [são ou devem ser tratadas como] uma questão de indivíduos privados, responsáveis por si próprios (p. 74) 7. A esfera pública burguesa seria então uma categoria da sociedade liberal, que afirma a primazia do indivíduo em relação ao Estado. No final do século XVIII, emerge a chamada opinião pública, que se refere às reflexões críticas de um público competente para formar seus próprios argumentos: a imprensa na Grã-Bretanha foi vista, pela primeira vez, como um instrumento genuinamente crítico, de um público engajado em um debate público racional de ideias (p. 60). Já no final do século XIX, com o advento do capitalismo industrial, a emergência de uma democracia de massas e o aparecimento da indústria cultural, a esfera pública burguesa entra em decadência, observando-se uma mudança em sua natureza e uma refuncionalização de seus papeis. À medida que ela se estende ao domínio do consumo, argumenta Habermas (p. 160), a esfera pública enfraquece-se e torna-se apolítica. As instituições que até então garantiam a coerência do público, como uma entidade autônoma e capaz de conduzir o debate racional de ideias públicas, vão se enfraquecendo (p. 162). De uma subjetividade privada, mas orientada para o debate público de ideias, passase a uma subjetividade desprivatizada pelas mídias de massa, que passam a adaptar-se ao gosto de seus consumidores. De um público que debate a cultura para um público que consome cultura, resume Habermas (p. 162). Há várias leituras críticas do conceito habermasiano, centradas em dois núcleos principais: em primeiro lugar, critica-se a natureza do conceito como um construto idealizado, normativo, uma forma histórica específica da época em que é formulada (FRASER, 1990, p. 57). Tal construto só teria validade no interior do quadro do Iluminismo, em que a razão é vista como pensamento racional, crítico e transparente e no quadro do nascente liberalismo econômico, próprio da Europa do início do período moderno, que funciona como um contrapeso ao estado absolutista (1990, p. 59). Outra vertente crítica aponta as limitações da constituição da esfera pública burguesa: a mesma não contempla vários setores da sociedade civil, como as mulheres, os operários, os trabalhadores não-burgueses. Para Fraser (1990, p. 60), havia várias esferas públicas desde o início, não apenas a partir do final dos séculos XIX e XX, como argumenta Habermas. Mais importante para o tema deste trabalho é a postulação de que o conceito de esfera pública habermasiano precisa ser repensado, pois se, por um lado, ampliou-se o seu alcance de forma inegável (com as mídias digitais), por outro, diminuiu-se consideravelmente o leque de suas funções políticas. Segundo Wolton (1995, p. 167), [...] o espaço público contemporâneo pode ser designado por espaço público mediatizado, no sentido em que é funcional e normativamente indissociável do papel dos media. Página511 Embora admita que a esfera pública deixou de ser constituída de forma homogênea, por uma camada culta, e passou a dividir-se em uma minoria de especialistas e uma massa de consumidores de informação, Habermas (1991) re-afirma a importância da esfera pública e a existência de um público crítico, participativo e racional, em contraponto à 7 [...] a matter of private people left to themselves. BALOCCO, Anna Elizabeth. O flaming (ou violência verbal em mídia digital) e suas funções na esfera pública. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

145 massa amorfa de consumidores de informação, além de argumentar pelo papel relevante das mídias (ou meios de comunicação social) no levantamento de temas para debate público. Chouliaraki e Fairclough (1999) caminham na mesma direção das críticas ao conceito habermasiano, ao observar que, enquanto as análises do espaço público moderno identificavam uma esfera pública unificada, análises recentes, na modernidade tardia, apresentam um cenário distinto: há muitas esferas públicas, organizadas em torno das agendas próprias de diferentes movimentos sociais (como o feminismo, a ecologia, dentre várias outras). No entanto, prosseguem os autores, interessa preservar, do conceito habermasiano, a ideia de que é da natureza da esfera pública o uso de uma forma particular de linguagem, aquela que se observa no debate racional de questões de interesse coletivo: De forma a conseguirem agir de forma conjunta, as pessoas precisam dialogar 8. Este diálogo não pressupõe o consenso, dizem Chouliaraki e Fairclough (1999); muito pelo contrário, ele comporta um espaço para a explicitação (inclusive polêmica) das diferenças e também para a construção de alianças, acima das diferenças 9. Trazendo novamente a discussão para o tema desta pesquisa, até que ponto os comentários eletrônicos se adequam à forma particular de linguagem usada para intervenção na esfera pública? Para aproximar-me desta questão, trago, na seção a seguir, considerações sobre a esfera pública midiatizada como forma de introduzir a polêmica sobre a existência ou não de uma esfera pública digital. 6 A ESFERA DIGITAL: UM ESPAÇO PÚBLICO OU UMA ESFERA PÚBLICA? Página512 Butsch (2007) argumenta que as mídias digitais tornaram-se forças centrais na esfera pública no final do século vinte, dada a sua variedade, o seu alcance e a sua convergência. Para o autor, vivemos hoje uma era de intensos debates sobre o impacto das mídias nas instituições e na esfera pública, que poderia ser sintetizado na seguinte questão: quais mídias afetam que tipos de esfera pública? As respostas a estas questões são contraditórias, mas todas as pesquisas que se ocupam da relação entre mídia e esfera pública tentam esclarecer em que medida as mídias contribuem para fortalecer ou prejudicar uma esfera pública democrática, com ampla participação dos vários grupos que constituem a sociedade. A esfera pública midiatizada tem o papel de levantar temas de interesse coletivo, como a esfera pública burguesa de Habermas? Tem a função de servir como controle e legitimação das instâncias de poder? E a função de manter-se como um espaço privado, fora do controle do estado? 8 No original, em inglês: In order to act together, people need to talk together. (CHOULIARAKI; FAIRCLOGH, 1999). 9 Chouliaraki e Fairclough (1999, p. 64) não desconhecem os problemas colocados pelo conceito de diálogo, que depende da acessibilidade de todos à esfera pública; da simetria de papeis dos participantes; da liberdade de expor sua visão particular; do compromisso com a aliança, ou seja, com uma visão que ultrapasse a visão particular de cada participante. BALOCCO, Anna Elizabeth. O flaming (ou violência verbal em mídia digital) e suas funções na esfera pública. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

146 No que diz respeito às mídias digitais, Papacharissi (2002) argumenta que a internet pode ser vista como um espaço público, mas não como uma esfera pública em moldes habermasianos, um espaço que promove uma troca racional e democrática de ideias e opiniões. A autora cita Lyotard (1984), por exemplo, que criticou o conceito habermasiano de esfera pública, argumentando que, mais do que o acordo racional, o que leva à verdadeira emancipação democrática é a anarquia, a individualidade e o desacordo (PAPACHARISSI, 2002). Fraser (1990), como vimos, ampliou as críticas a Habermas, observando que a esfera pública burguesa constituía um espaço para o exercício de liderança de homens privilegiados, que excluía mulheres e indivíduos nãoproprietários 10. Embora não possa ser vista como uma esfera pública no sentido habermasiano, Papacharissi (2002) admite que a mídia digital é uma ferramenta útil, que pode servir para dar um feedback direto para os políticos. E vai mais longe: a anonimidade das mídias digitais favoreceria a expressão mais franca e aberta de posições políticas 11. É com este entendimento e com a visão de que o flaming ocorre em um contexto de trocas interacionais situadas em um ambiente de dissenso (AMOSSY, 2011) que abordamos o corpus de estudo, nas seções a seguir. 7 ESTRATÉGIAS DE IMPOLIDEZ (FLAMING) NOS COMENTÁRIOS ELETRÔNICOS Página513 Bousfield (2008, p. 1) argumenta que os discursos contendo ilocuções polêmicas (algumas delas sendo constituídas de linguagem ofensiva) não são fenômenos marginais. Pelo contrário, em alguns discursos, a polêmica é mais central do que em outros, continua o autor, e cita Culpeper (2008), para alguns exemplos: o discurso do treinamento de oficiais no Exército, das cortes judiciais, da família, o discurso terapêutico, o discurso dos adolescentes, dentre vários outros. A maior parte dos estudos voltados para a linguagem da impolidez toma como ponto de partida os estudos de Brown e Levinson, um modelo linguístico para o estudo do gerenciamento da face. Bousfield (2008) faz o mesmo, mas complementa seu quadro teórico analítico com o conceito de norma social (ou visão leiga da polidez), além do princípio das máximas conversacionais de Lakoff (1973) e de Leech (1983, 2005). No que diz respeito ao primeiro, o autor argumenta que é preciso olhar para a historicidade da polidez e para a forma como os leigos compreendem as normas sociais, algo que faltou no modelo de Brown e Levinson e foi consistentemente criticado. Bousfield (2008, p. 72) define a impolidez como o oposto da polidez. Se na polidez tenta-se mitigar atos que constituem ameaças potenciais à face, na impolidez tais atos são intencionalmente gratuitos e polêmicos. Os atos que ameaçam a face são, assim, produzidos: 1) de forma não mitigada, em contextos em que a mitigação é necessária, 10 No original, em inglês, o termo é nonpropertied classes. 11 No original inglês: relative anonymity encourages discussion participants to be more vocal and upfront about stating their beliefs. BALOCCO, Anna Elizabeth. O flaming (ou violência verbal em mídia digital) e suas funções na esfera pública. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

147 e/ou, 2) com agressão deliberada, ou seja, com a face exacerbada, de alguma forma maximizados para ampliar o dano infligido à face. Além do mais, continua Bousfield (2008, p. 73), para que haja impolidez, a intenção do locutor de ofender (ameaçar ou causar danos à face) precisa ser compreendida pelo interlocutor. Neste sentido, o autor acompanha Culpeper, que também argumenta que interessa, aos estudos da linguagem, não a impolidez acidental, mas aquela estratégica ou instrumental, que realiza uma função específica. As categorias usadas por Bousfield (2008) são aquelas de Culpeper (2011), organizadas em torno das macroestratégias de ataque à face (positiva ou negativa) do interlocutor (p. 82). Por razões de espaço, apenas as estratégias realizadas no corpus de estudo serão descritas. Predominam, no corpus, os ataques à face positiva do interlocutor, através de várias estratégias, que serão exemplificadas a seguir. A primeira delas é Ofenda o seu interlocutor use termos derrogatórios (injúrias, insultos) : Glauber há 3 horas (SC1) Xamelez Aparecida, dizer que eu defendo o Lula é a prova de seu retardo mental. Faça o seguinte: fique de quatro pastando enquanto um jumento TI cobre por trás. Aparecida Ferreira há 3 horas (SC1) Ê COM UM DETALHE... ESSE GLAUBER COMEÇOU CEDO HOJE... A MULHER DEVE TER COLOCADO ELE PRA FORA DA CAMA... Glauber há 3 horas (SC1) Múmia de extrema direita, viúva da dentadura, digo, ditadura. Todas as mehdas feitas pelo PT não apagam as mehdas feitas pela direitalha golpista. Observa-se que as ofensas são de caráter sexual (muito comuns, no corpus), nos dois primeiros casos, e de natureza ideológica ( múmia de extrema direita ), no terceiro enunciado. Mas há também uma ofensa pessoal, no primeiro excerto ( prova de seu retardo mental ). Nestes exemplos, os internautas interagem em tempo real e ofendem-se, mutuamente, de forma direta. No entanto, podem ser considerados usos de impolidez enunciados em que os internautas não se dirigem a seus interlocutores, mas fazem comentários ofensivos sobre terceiros. Uma estratégia muito comum, nestes casos, é Use linguagem tabu (use palavrões, seja abusivo, expresse opiniões fortes, opostas à de seu interlocutor) : Página514 Imelton Pires de Azevedo há 2 horas (SC1) Olha só a cara de cachacei.. desse sujeito. Como pode um zé buc.. desses, ter tanta importância nesse país? Um país com 200 milhões de habitantes? Um povo que vota no Collor, no Renan, no Maluf... Todo sofrimento para esses eleitores ainda é pouco. Sergio Ricardo há 2 horas (SC1) OLHEM A CARA DE D.E.S.E.S.P.E.R.O DESSE VERME. Hilário. BALOCCO, Anna Elizabeth. O flaming (ou violência verbal em mídia digital) e suas funções na esfera pública. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

148 Em exemplos como estes, não há troca direta entre os internautas. Os xingamentos, os palavrões, são atribuídos a terceiros (nos exemplos acima, ao ex-presidente Lula). Para quem estes enunciados são considerados ofensivos? As ofensas são dirigidas a qualquer outro internauta visitando o site, com posições diferentes daquelas de quem faz a postagem. É um Outro imaginário, de posição ideológica (contra ou a favor da presidente Dilma) distinta da do internauta. Para Bousfield (2008, p. 138), para que os palavrões sejam considerados ofensivos, eles não precisam endereçar-se ao interlocutor, ou mesmo ser usados para dar ênfase a uma estratégia de impolidez dirigida ao interlocutor. O uso de palavrões, ou quaisquer outras formas de expressão consideradas tabu, pode ser ofensivo, nestes casos, pois é um uso de linguagem que causa desconforto àqueles que a ouvem. Há, no arcabouço teórico, uma estratégia ( Faça o seu interlocutor sentir-se desconfortável ) que poderia representar estes usos de linguagem ofensiva. No entanto, continua o autor, a questão da intenção de ofender deve ser problematizada. Neste estudo, depreende-se a natureza ofensiva da linguagem no cotexto: os internautas têm posições antagônicas, no interior de um quadro de dissenso, e ofendem seus interlocutores quando ofendem terceiros alinhados às suas posições. Isto fica claro em enunciados como o que segue: Jorge Wehbeh há 1 hora (SC2) Senhores Petistas única palavra de consolo do fundo do meu coração é FO DAM- SEEEEEEEEEEEEEEEE a Dilma, o Lula e PRINCIPALMENTE os eleitores e simpatizantes do PT, Ex-tesoureiro do PT visitou sede da Andrade Gutierrez 53 vezes em sete anos, diz MPF, e ainda tem idio/ta que quer defender esses ladrões do PT. Neste enunciado, a linguagem abusiva ( fodam-se ) é atribuída a terceiros (à presidente Dilma, ao ex-presidente Lula, além de a simpatizantes do PT ), mas o enunciado é claramente endereçado, através do uso do vocativo Senhores Petistas, que dá consistência, no discurso, ao interlocutor imaginário do internauta. Ele ofende, não um interlocutor especificamente, mas todos aqueles ( senhores petistas ) que figuram no contra-discurso antagonista. Tanto no caso de ilocuções endereçadas a interlocutores específicos, quanto no caso de ilocuções não endereçadas (dirigidas a um Outro imaginário, localizado no contradiscurso antagonista), os enunciados ofensivos ameaçam a face positiva do interlocutor, ou seja, o seu desejo de reconhecimento, de ser visto de forma favorável. Mas foram observadas também ameaças à face negativa do interlocutor (seu desejo de preservar o seu território, sua liberdade de ação e permanecer livre de imposições). Várias estratégias são usadas nos ataques à face negativa do interlocutor. A primeira delas é Amedronte (seu interlocutor) instile a crença de que ações prejudiciais a ele irão acontecer : Página515 M Vogel há 3 horas (SC2) É nessa hora que eu gostaria que surgisse no Brasil um novo Hitler para colocar diante de um pelotão de fuzilamento toda essa turma do PT (Dies ist, wenn ich in Brasilien entstanden wünschen eine neue Hitler vor einem Erschießungskommando diese ganze Klasse von PT setzen) BALOCCO, Anna Elizabeth. O flaming (ou violência verbal em mídia digital) e suas funções na esfera pública. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

149 Neste enunciado, a internauta mobiliza os medos de seus antagonistas através da referência a Hitler e ao pelotão de fuzilamento. Como forma de exacerbar sua ameaça, a internauta repete-a em alemão, como se a adoção daquela língua tivesse o poder mágico de realizar a ameaça. Também aqui o enunciado é codificado em relação a um terceiro ( essa turma do PT ) e não endereçada diretamente a um interlocutor, mas o fato de o coocorrer com enunciados de internautas em posição ideológica claramente contrária à da internauta é evidência de que há intenção de ofender. Outra estratégia de ameaça à face negativa do interlocutor é Condescenda, ou ridicularize seu interlocutor enfatize o seu próprio poder, use diminutivos, demonstre desprezo, diminua o outro, não leve o outro a sério : Marcio Fabrini há 3 horas (SC2) Incrivel, ele foi no encontro dos senadores com a presidenta? Não. Mas na passeata vai. Né? Olha trabalhar que é bom ninguem quer. Mas fica de prosa contra o pais todo. Só um detalhe: O PT é uma droga, o Psdb idem, quem está ao lado ou atra da Dilma idem. O mais importante nisso que todos desastras delas e imperfeições adiministrativas. Ninguem pode meter o dedo na cara dela e dizer você é ladra. Agora isso eu não tenho certeza dos que querem o lugar dela e é muita gente. Acorda Brasil acorda. A ofensa inicial ( vai na passeata mas não vai ao encontro dos senadores ) é dirigida ao senador Aécio Neves, com o sentido de que ele não deve ser levado a sério. Este sentido é reforçado pela expressão trabalhar que é bom ninguém quer, uma ofensa de caráter mais geral, haja vista o pronome indefinido ( ninguém quer trabalhar ), que se aplica tanto ao senador quanto a qualquer outro indivíduo que participe de passeata. Prova de que há também outro destinatário para o enunciado, todo aquele que não se alinha às posições do próprio internauta, fica evidente no último enunciado: Acorda Brasil acorda. A convocação dirigida ao país é na verdade uma ameaça à face negativa dos leitores da notícia, através de uma outra estratégia, qual seja Invada o espaço do outro literal ou metaforicamente. No caso desta última ocorrência, a invasão de espaço é metafórica, entendendo-se que certas rotinas interacionais (ordens, perguntas de foro íntimo, proibições) são admitidas apenas quando a relação entre os participantes discursivos é próxima, o que não é o caso aqui. Em Acorda Brasil acorda, o internauta dá ordens a um interlocutor indefinido, recuperado na metonímia Brasil, que tem como referente os brasileiros em geral. No exemplo a seguir, observa-se a mesma estratégia: Página516 Francisco Franciam Dutra há 4 horas (SC2) Senador Aécio, desça do palanque, desde que terminou as eleições, você não faz outra coisa há não ser querer derrubar um governo eleito legitimante pelo povo brasileiro, se foi estelionato eleitoral, quem vai cobrar é o povo brasileiro nas próximas eleições, não queira ser o salvador da pátria, apenas não seja um irresponsável, apoiando manifestações contra um governo que está passado pela uma crise econômica e politica, TODA MANIFESTAÇÃO É JUSTA DESDE QUE SEJA PARA PROTESTAR E NÃO PRA DA GOLPE BALOCCO, Anna Elizabeth. O flaming (ou violência verbal em mídia digital) e suas funções na esfera pública. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

150 A ordem para o senador descer do palanque caracteriza-se como uma ameaça à sua face negativa, através da mesma estratégia de invadir o espaço do outro. Acresce a esta ameaça à face negativa do senador uma ameaça à sua face positiva, através da estratégia de Xingue o outro use termos derrogatórios : não queira ser o salvador da pátria, não seja um irresponsável. Outra possibilidade de classificação aqui, em relação ao mesmo exemplo, seria entender que o enunciado realiza a estratégia Force a mudança de papel [de seu interlocutor] (BOUSFIELD, 2008, p. 131). Em Senador Aécio, desça do palanque, a estratégia funciona ao convocar o senador a sair de um papel social (de candidato a presidente) e assumir outro (de senador da República). Trata-se de uma ameaça à face negativa do senador, pois invade o seu território, a sua liberdade de ação; ao mesmo tempo, funciona como uma ameaça à face positiva do senador, pois representa uma crítica à sua atuação no palanque. A dupla ameaça (à face negativa e positiva) é frequente no corpus, como mostra o exemplo a seguir: Arthur Fraga há 16 horas (SC2) O que cabe ao PSDB já "cabeu"! Como o Vasco da Gama, um "vice", nada mais, na última eleição. No mais, é o tradicional "jus esperniandi" de quem PERDEU A ELEIÇÃO POR MAIS DE 3 MILHÕES DE3 VOTOS. Pedir outra eleição é válido. Vai ter outra mesmo, mas no prazo constitucional. Golpe de mão, só na construção de aeroporto em terras de "parentes". Para Miami já, "pray-boy" capiau! Página517 A ameaça à face negativa mais uma vez traduz-se em um enunciado com uma ordem ( para Miami, já ), que ameaça a liberdade de ação do senador. E o léxico valorativo ( pray-boy capiau ) representa uma ameaça à face positiva do senador. Mais uma vez é preciso lidar com a dificuldade analítica de um quadro que tem como condição necessária para a impolidez o reconhecimento, por parte do interlocutor, da natureza ofensiva do enunciado. O que justifica o reconhecimento destas ilocuções como ofensivas é que as mesmas buscam, intencionalmente, causar danos à face do outro. Ainda que este outro seja um terceiro, o dano à sua face (positiva ou negativa) é um dano à face daqueles que se alinham a ele, naquela faixa do espectro ideológico. Deveriam estes enunciados (que não ofendem diretamente seus interlocutores, mas terceiros) ser considerados ameaças incidentais à face (Bousfield, 2008, p. 68)? Bousfield observa que as ofensas incidentais ocorrem quando há efeitos nãoplanejados de uma ação e dá como exemplo o questionamento, por parte de um indivíduo, de uma multa de trânsito. Quando resiste a aceitar a multa, o indivíduo ameaça a face do policial de trânsito, colocando em dúvida sua autoridade para penalizá-lo. É exatamente por esta percepção de que sua ilocução é uma ameaça potencial à face do policial que o indivíduo usa várias formas linguísticas para amenizar o impacto de seu enunciado. No caso dos enunciados com ofensas a terceiros, aqui em discussão, as ameaças são intencionais, em primeiro lugar, tanto à face do terceiro quanto à daqueles que com ele se alinham, no espectro ideológico. Em segundo lugar, elas cumprem determinadas funções, quais sejam, 1) a de distanciamento no espectro ideológico; 2) a de dar nitidez às posições que animam os internautas. Damos sequência ao exame destas funções, na seção a seguir. BALOCCO, Anna Elizabeth. O flaming (ou violência verbal em mídia digital) e suas funções na esfera pública. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

151 8 CONCLUSÃO: AS FUNÇÕES DO FLAMING NO ESPAÇO PÚBLICO DIGITAL Página518 A visão de Amossy (2011), de que o fenômeno do flaming deve ser visto no quadro mais amplo do discurso polêmico (que se desenvolve a partir de um contexto de trocas agonísticas), permite encaminhar uma discussão mais fundamentada sobre as funções do flaming no espaço público digital. O primeiro ponto é anotar que a violência verbal no corpus não configura uso gratuito de linguagem ofensiva, no quadro de uma interação problemática com certo interlocutor (O SULLIVAN; FLANAGIN, 2003), ou sequer artifício usado exclusivamente para expressar a indignação do internauta. Muito pelo contrário, o flaming no corpus de estudo aparece de forma sistemática, endereçado a um interlocutor imaginário, que se coloca, no espectro ideológico, em campo oposto ao do locutor, ou no âmbito de um contra-discurso. Neste sentido, o flaming pode ser visto como uma rotina interacional usada para delimitar diferentes posições discursivas, no âmbito do discurso polêmico. Bousfield (2008) argumenta que a tentativa de classificar os usos de linguagem tabu e ofensiva, quer como expressão emocional (raiva, indignação, etc.), ou como ameaça estratégica à face do outro, de forma exclusiva (ou é isso ou é aquilo), não é produtiva: uma forma mais promissora de encaminhar uma análise deste tipo de linguagem seria em termos da distribuição dos seus usos, por tipo de participante discursivo. Quem pode usar linguagem abusiva e em que situações? De que forma esta distribuição é motivada por questões ligadas a poder, no discurso? No caso dos internautas neste corpus de pesquisa, não há assimetria nas relações de poder entre os participantes discursivos, sendo assim as ofensas ocorrem dos dois lados. É preciso admitir que, em usos de linguagem ofensiva, ao invés de estar atento à face do interlocutor, o locutor tenta atacar e ameaçar a sua face, para cumprir certos propósitos extra-linguísticos (BOUSFIELD, 2008). O objetivo extra-linguístico dos internautas parece ser o de dar visibilidade às suas posições, explicitando suas diferenças na esfera pública. Este seria um importante primeiro passo na direção de um discurso democrático, pois, sem o reconhecimento da diferença, não há possibilidade de se construir acordos. Nos termos de Chouliaraki e Fairclough (1999), o diálogo para construir acordos não pressupõe o consenso; muito pelo contrário, ele comporta um espaço para a explicitação (inclusive polêmica) das diferenças. Retornando à questão de pesquisa que motivou este estudo, relativa à possibilidade de se acomodar o fenômeno do flaming no âmbito de uma discussão da natureza da esfera pública e de suas funções políticas, há dois pontos a serem considerados. Em primeiro lugar, no caso dos comentários eletrônicos em sites de notícias, é preciso interrogar-se sobre a conveniência de se tratar este espaço como uma esfera pública, no sentido habermasiano. Embora seja mais apropriadamente caracterizado como um espaço digital, por sua fragmentação, esta mídia ainda se mantem como um espaço privado, fora do controle de instâncias de poder (seja jornalística, administrativa, estatal, ou qualquer outra). BALOCCO, Anna Elizabeth. O flaming (ou violência verbal em mídia digital) e suas funções na esfera pública. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

152 Página519 No entanto, o caráter privado desses espaços não parece ser suficiente para que se exerça, neles, a função de controle e legitimação das instâncias de poder, ou sequer a função de levantar temas de interesse coletivo, visto que os comentários configuram-se como reações a uma pauta da própria mídia. Não funcionam, neste sentido, como uma esfera pública, no sentido habermasiano. Em segundo lugar, e para terminar fazendo uma afirmação sobre as características linguísticas do fenômeno estudado, o flaming, nos comentários eletrônicos analisados, materializa-se na forma de ameaças à face negativa ou positiva dos interlocutores, o que representa uma tentativa de desqualificar, ou reduzir ao silêncio, o Outro de um discurso antagonista. As ameaças à face são codificadas em linguagem radical e polarizada, que não cumpre os requisitos para a forma particular de linguagem própria do debate racional de questões de interesse coletivo. Assim vistos, os comentários eletrônicos não se qualificam para o estatuto de discurso democrático, aquele que pressupõe o compromisso com a aliança, ou com uma visão que ultrapasse a visão particular de cada participante discursivo (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999, p. 64) 12. Somente o discurso democrático garantiria o funcionamento de uma esfera pública em moldes habermasianos. Se não se qualifica para o estatuto de discurso democrático, e não se adequa às formas de dizer próprias do debate racional de questões de interesse coletivo, o discurso polarizado e radical das mídias digitais serve exclusivamente, como argumentam vários pesquisadores, ao propósito de criar um espetáculo para atrair leitores? 13. Ou seria possível atribuir ao flaming outra função: a de teatralizar as posições discursivas, em um quadro de dissenso, dando corpo e forma às diferenças que animam aquele quadro? No pequeno corpus de estudo, as intervenções dos internautas podem ser vistas como a expressão franca e aberta de suas posições políticas e a função do flaming parece ser a de conferir nitidez a essas posições discursivas, o que permite o gerenciamento de situações de conflito no espaço público, conforme argumento de Amossy (2011). Resta saber se a expressão franca e aberta de um conflito, garantida pela acessibilidade universal ao debate coletivo proporcionado pelas mídias digitais, pode compensar a perda de racionalidade do debate público. Para Habermas, o conflito e o consenso [...] não são categorias que permanecem refratárias ao desenvolvimento da sociedade (1991, p. 250). A análise das transformações da esfera pública e de sua capacidade de assumir funções apropriadas determina se o exercício da dominação e do poder persistem como uma constante negativa, por assim dizer, da história ou se, sendo, elas mesmas [a dominação e o poder] categorias históricas, estão abertas a mudanças substantivas (1991, p. 250). O presente estudo pretende contribuir para esta tradição de pesquisas, ao levantar questões sobre a função do flaming na esfera pública midiatizada. 12 Cf. ainda Laclau (2005, p. 81): no discurso democrático, o social é feito de diferenças e as identidades sociais podem ser contraditórias, diferentemente do discurso populista, em que as relações entre identidades sociais são de puro antagonismo. 13 [...] la mise en spectacle de la polémique à la fin de captation (Charaudeau, 2005) (AMOSSY, 2011). BALOCCO, Anna Elizabeth. O flaming (ou violência verbal em mídia digital) e suas funções na esfera pública. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

153 REFERÊNCIAS Página520 AMARAL, M. S. A linguagem no Twitter: um enfoque sistêmico-funcional Dissertação (Mestrado em Linguística) Programa de Pós-graduação em Linguística, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, AMOSSY, R. La coexistence dans le dissensus. Semen [Online], v. 31, p , Disponível em: < Acesso em: out BALOCCO, A. E. A representação de atores sociais em comentários eletrônicos: que figuras habitam o imaginário político dos brasileiros na atualidade? Gragoatá, Niterói, n. 40, p , 1. sem ; SHEPHERD, T.M.G. A violência verbal em comentários eletrônicos: um estudo discursivointeracional. Submetido à Revista D.E.L.T.A, PUC-SP, 2. sem BOUSFIELD, D. Impoliteness in interaction. Amsterdam / Philadelphia, John Benjamins BROWN, P.; LEVINSON, S. C. Politeness: some universals in language usage. Cambridge: Cambridge University Press, BUTSCH, R. How are media public spheres? In: BUTSCH, R. (Ed.) Media and public spheres. London, Palgrave, McMillan, Disponível em: < Acesso em: 10 out CHOULIARAKI, L.; FAICLOUGH, N. Discourse in late modernity: rethinking critical discourse analysis. Edinburgh, Edinburgh University Press, CULPEPER, J. Impoliteness: using language to cause offence. Cambridge and NY: Cambridge University Press, DA SILVA, F.C. Habermas e a esfera pública: reconstruindo a história de uma ideia. Sociologia, problemas e práticas, n. 35, p , Disponível em: < Acesso em: nov FAIRCLOUGH, N. Analysing discourse: textual analysis for social research. London, Routledge, FRASER, N. Rethinking the public sphere: a contribution to the critique of actually existing democracy. Social Text, n. 25/26, p , Disponível em: < Aceso em: 9 out GIDDENS, A. As consequências da modernidade. SP: Editora UNESP, [Ed. orig. 1990]. Modernity and self-identity: self and society in the late modern age. California: Stanford University Press, HABERMAS, J. The structural transformation of the public sphere: an inquiry into a category of bourgeois society. Massachusetts, The MIT Press, 1. Ed. em livro de bolso do MIT, [Ed. original alemã 1962, Hermann Luchterhand Verlag] KAYANY, J. M. Contexts of uninhibited online behavior: Flaming in social newsgroups on Usenet. Journal of the American Society for Information Science. (Special Issue: Social Informatics). V. 49, n. 12, p , LACLAU, E.; MOUFFE, C. Hegemony and socialist strategy: towards a radical democratic politics. London: Verso, On populist reason. London: Verso, LAKOFF, R. The logic of politeness; or, minding your p s and q s. In: Papers from the Ninth Regional Meeting of the Chicago Linguistics Society, p Chicago Linguistics Society, LEA, M.; O SHEA, T.; FUNG, P.; SPEARS, R. Flaming in computer-mediated communication: A recursive review. In: Lea, M. (Ed.), Contexts of Computer-Mediated Communication. (p ). New York: Harvester Wheatsheaf Disponível em: < Acesso em: nov LEECH, G. N. Principles of Pragmatics. London: Longman, O SULLIVAN, O. B.; FLANAGIN, A. J. Reconceptualizing flaming and other problematic messages. New Media and Society, v. 5, n. 1, p , Disponível em: < Acesso em: jan BALOCCO, Anna Elizabeth. O flaming (ou violência verbal em mídia digital) e suas funções na esfera pública. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

154 PAPACHARISSI, Z. The virtual sphere: the internet as a public sphere. New media & society v. 4, n. 1. London: Sage, p Disponível em: < Acesso em: out PINTO, C. R. J. Elementos para uma análise de discurso político. Disponível em: < Acesso em: 6 dez THOMPSEN, P.; FOULGER, D.A. Effects of pictographs and quoting on flaming in electronic mail. Computers in Human Behavior, 12, , VAN DIJK, T. A. What is political discourse analysis? Belgian Journal of Linguistics, v. 11, n. 1, p , WOLTON, D. As contradições do espaço público midiatizado. Revista de Comunicação & Linguagens, Lisboa, n , p , Recebido em: 02/06/16. Aprovado em: 27/0916. Title: Flaming (or verbal violence in digital media) and its functions in the public sphere Author: Anna Elizabeth Balocco Abstract: In this article, we are concerned with the function of flaming (hostile language) in the public sphere, drawing on a case study of electronic posts published in a news site, after President Dilma Roussef s electoral campaign in To this end, the concepts of public sphere (HABERMAS, 1991) and polemical discourse (AMOSSY, 2011) are introduced, as well as Kayany s (1998) conceptualization of flaming. For corpus analysis, Bousfield s (2008) categories for the study of impoliteness in language are adopted. It is argued that verbal violence (in the form of positive and negative face threats in the corpus) is systematic, addressed to an imaginary interlocutor positioned in an antagonistic field; and that, although flaming does not contribute to a Habermasian public sphere, characterized by the rational debate of public issues, it nonetheless serves the purpose of making distinct positions in discourse explicit, allowing for conflict situations to be managed in the digital sphere. Key-words: Flaming. Hostile language. Impoliteness. Digital media. Electronic post. Título: El flaming (o violencia verbal en media digital) y sus funciones en la esfera pública Autor: Anna Elizabeth Balocco Resumen: Este artículo discute la función del flaming (KAYANY, 1998) en la esfera pública, desde un estudio de caso de comentarios electrónicos publicados en una portada de noticias, después de la campaña electoral de la Presidente Dilma Roussef, en Para ello son introducidos conceptos de esfera pública (HABERMAS, 1991) y discurso polémico (AMOSSY, 2011). Para el análisis de corpus son adoptadas categorías analíticas de Bousfield (2008) para el estudio da falta de cortesía en el lenguaje. Fueron identificadas en el corpus amenazas al lado positivo y negativo de los interlocutores. Se argumenta que la violencia verbal aparece de forma sistemática, direccionada a un interlocutor imaginario que se pone, en el espectro ideológico, en campo opuesto aquél de lo locutor. Aunque no contribuya para una esfera pública en modelos habermasianos, caracterizada por el debate racional de cuestiones de interés colectivo, el flaming puede ser visto como una rutina de interacción usada para delimitar diferentes posiciones discursivas en el ámbito del discurso polémico. Palabras-clave: Flaming. Lenguaje ofensivo. Falta de cortesía. Media digital. Comentário electrónico. Página521 Este texto está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional. BALOCCO, Anna Elizabeth. O flaming (ou violência verbal em mídia digital) e suas funções na esfera pública. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

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156 DOI: APRESENTAÇÃO/PRESENTATION Este dossiê Cognição e Interface: Educação, Tecnologia, Saúde/Neurociência e Sociedade tem como objetivo articular pesquisas e estudos entre a Linguística Cognitiva e outros campos do saber que se dedicam à cognição humana, nas perspectivas da Saúde/Neurociências, das Ciências da Educação, da Tecnologia da Informação e das Ciências Sociais. Propomos, com essa temática, divulgar reflexões da teorização linguística em torno da problemática cognitiva, presente de forma cada vez mais incisiva e promissora na agenda dos estudos sobre a linguagem (e na agenda das ciências da cognição). Os artigos selecionados para este dossiê representam algumas das pesquisas mais promissoras, desenvolvidas no Brasil e no exterior, sob o arcabouço teórico e metodológico da Linguística Cognitiva e que permitem vislumbrar o alcance dos modelos de análise linguístico-cognitivos sobre os fenômenos de que se ocupam a Educação a exemplo da discussão sobre as relações entre semântica e educação; a Tecnologia e seus usos nos estudos semânticos e lexicográficos; a Sociedade, observada a partir de processos sociocognitivos na linguagem; a Saúde e o emprego das relações entre linguagem, interação e cognição em suas práticas; a Neurociência a exemplo da correlação entre processos biológicos e culturais na investigação de fenômenos como a leitura; e a própria Linguística, ao lançar novas luzes sobre fenômenos como a relatividade nos estudos da linguagem e da cognição espacial. Não faz muito tempo que a Linguística Cognitiva se consolidou como uma área de estudos das mais produtivas na ciência brasileira e é sua natureza enciclopédica, transcultural e interdisciplinar que legitima seu escopo explicativo sobre os fenômenos em discussão nesta Revista. As investigações aqui relatadas são recorte e amostra do arsenal explicativo da área e representam os temas discutidos durante VII Conferência Linguística e Cognição, que ocorreu em João Pessoa (PB) em agosto de Desejamos que a leitura seja produtiva e que desperte o interesse para as várias outras pesquisas apresentadas no Evento. Jan Edson Rodrigues Leite Lucienne Espíndola Mônica Nóbrega Organizadores. Página523 LEITE, Jan Edson Rodrigues; ESPÍNDOLA, Lucienne; NÓBREGA Mônica (Orgs.). Apresentação do dossiê cognição e interface: educação, tecnologia, saúde/neurociência e sociedade. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p. 523, set./dez

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158 DOI: DA ANÁLISE SEMÂNTICA DO DISCURSO À AÇÃO EDUCATIVA UM MAPA DA CRISE DA SALA DE AULA Neusa Salim Miranda * Universidade Federal de Juiz de Fora /FAPEMIG Juiz de Fora, MG, Brasil Luciene Fernandes Loures ** Colégio Tiradentes da Polícia Militar de Minas Gerais Juiz de Fora, MG, Brasil Resumo: Este artigo apresenta a trajetória de um macroprojeto de natureza híbrida Linguística e Educação que, por uma década, mediante o desenvolvimento de doze Estudos de Caso fixados no cenário escolar, vem trabalhando um modelo de análise do discurso baseado na Semântica de Frames e nos Modelos de Linguagem baseados no Uso. Valendose da narrativa de práticas de alunos e professores como metodologia de constituição de seus corpora, este estudo permitiu traçar um mapa da crise da sala de aula, com suas causas, consequências e, também, rotas de saída, o que tem conduzido não só à consolidação de um modelo de análise do discurso, como a novos caminhos para a ação educativa na sala de aula de Língua Portuguesa e no processo de formação de professores. Palavras-chave: Semântica de Frames. Análise do discurso. Vivência escolar. Quem elegeu a busca não pode recusar a travessia. (BOSI, 2003) 1 INTRODUÇÃO Página525 A epígrafe eleita remete ao conto Sequência (ROSA, 1962, apud BOSI, 2003), que tematiza a busca dificultosa de uma vaquinha pitanga, uma rês fujã (que viajava que nem uma criatura cristã) e de um senhor-moço que, no vão do mundo, ia, atrás dela, sem saber para onde, com vontade de desistir. E Bosi (2003, p. 45), interpretando o sentido das travessias de Guimarães Rosa, sentencia Quem elegeu a busca não pode recusar a travessia.. É sobre uma busca, igualmente dificultosa, de um projeto de pesquisa de natureza híbrida Linguística e Educação, no curso de uma década, que este artigo se debruça, mostrando também a travessia que não pôde recusar-se a empreender. A primeira questão mobilizadora deste estudo foi a percepção intuitiva e cotidiana de uma crise das práticas interacionais e linguísticas em instâncias públicas em nossa * Professor Associado. Pós-doutora em Linguística. neusasalim@gmail.com. ** Professora de Língua Portuguesa. Mestre em Linguística. lucieneloures@gmail.com. MIRANDA, Neusa Salim; LOURES, Luciene Fernandes. Da análise semântica do discurso à ação educativa um mapa da crise da sala de aula. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

159 sociedade (cerimônias religiosas, formaturas, cinemas e outros espaços de lazer e cultura). Falta de delicadezas, de generosidade; ostentação e individualismo; confusão entre o direito à fala e o dever da escuta; invasão, no domínio público, de práticas sociais do mundo privado. Deste incômodo veio a pergunta Qual seria o impacto de tais práticas em sala de aula? e nasceu o primeiro projeto investigativo (MIRANDA, ) 1. Seis estudos de caso desenvolvidos (LIMA, 2009; PINHEIRO, 2009; BERNARDO, 2011; ALVARENGA, 2012; FONTES, 2012; FONSECA, 2015) trouxeram à luz um conjunto significativo de generalizações analíticas sobre as vivências em sala de aula de ensino fundamental em redes públicas. A análise desta realidade, vista sob o ângulo de relatos de experiência de docentes e discentes minuciosamente analisados em termos de frames suscitados e reiterados na voz coletiva (Semântica de Frames e Modelos de Linguagem baseados no Uso), traçou, de modo contundente, um mapa da crise no espaço escolar. Deslimites das práticas interacionais e linguísticas, violência, desordem, opacidade de valores, crise de autoridade foram alguns dos indicadores deste mapa. Nesta cena, a escola (alunos, professores e outros profissionais) nomeia com um rótulo difuso de indisciplina tanto a violação de regras morais (violência de todas as ordens, desrespeito, furtos...) quanto de regras convencionais (uso de uniforme, celulares, horários...) e mesmo a marcante falta de interesse dos alunos. Sem projetos para enfrentamento dessa realidade, esta instituição, via de regra, dirige suas preocupações normativas e punições para as regras convencionais (BERNARDO, 2011; ALVARENGA, 2012; FONTES, 2012). Por outro lado, em meio às avaliações dos sujeitos, surgem também fortes indicadores de possíveis caminhos para a travessia, como o apontamento claro do papel do protagonismo jovem; a preservação do poder simbólico do professor; a afirmação da autoridade docente por meio da autoria, dos valores e do afeto; a percepção do papel de um ambiente escolar positivo. Sobressaindo-se a tudo isto, a voz coletiva dos discentes demarca a não naturalização das práticas conflituosas vividas no espaço escolar. Neste estudo, para além dos indicadores semânticos obtidos através da análise dos discursos baseada em frames e na frequência de uso, abriu-se um diálogo interteórico com o campo da Linguística Aplicada e o das Ciências Sociais (Sociologia, Antropologia, Ética, Educação...) de modo a se elegerem os fundamentos e as categorias capazes de propiciar um exercício interpretativo destes resultados em cada estudo de caso. Página526 Em busca de aprofundamento deste olhar, a pergunta se estreitou Como seria o retrato desta cena em sala de aula de Língua Portuguesa? Qual seria, pois, o papel das Letras nesta crise?, trazendo um novo rumo investigativo para o projeto (MIRANDA, 2012) 2. É fato que, em quatro décadas de discussão e pesquisa sobre o ensino de Língua Portuguesa (doravante LP) no Brasil, uma vasta literatura sobre o tema se formou, 1 Macroprojeto Práticas de Oralidade e Cidadania, FAPEMIG, PNPD. 2 Macroprojeto Ensino de Língua Portuguesa da Formação Docente à Sala de Aula (PPGLinguística/UFJF ; FAPEMIG - APQ ; APQ ). MIRANDA, Neusa Salim; LOURES, Luciene Fernandes. Da análise semântica do discurso à ação educativa um mapa da crise da sala de aula. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

160 consolidando uma perspectiva sociointeracionista de linguagem linguagem como prática social e mesmo legitimando-a nos documentos em que o Estado parametriza este ensino. Nesta direção, definiu-se uma rede integrada de práticas de leitura, escrita e oralidade como meta de ensino da LP. Avanços aconteceram, é fato, na teoria e mesmo na prática, ainda que nesta, de modo lento e minoritário. Nesta rede de saberes propostos, muitos e muitos professores ainda estão emaranhados, sem caminhos para transformar teoria em prática ou mesmo sem compreender tal teoria (MIRANDA, 2005, 2006). Ainda mais: sem saber como construir um ambiente efetivo de linguagem de atenção de intenção conjuntas em uma cena em que as vozes, via de regra, se perdem em conflitos ou em bate-papos, sem espaço para a voz e a vez da cada um. E se falta um frame de atenção e intenção conjuntas em sala de aula, envolvendo seus atores como partícipes, a linguagem não acontece e, se não acontece, não se efetiva a construção do conhecimento. Foi este o cenário mostrado por uma gama de quatro novos estudos de caso sobre a sala de aula de LP que trouxe a voz de discentes (SIQUEIRA, 2013; LOURES, 2013) e docentes (TEIXEIRA, 2014) do ensino médio. Uma consequência marcante ecoou dessas vozes, qual seja a autoimagem negativa dos discentes; o sentimento de incapacidade, de incompetência e o desinteresse desencadeado pela culpa pelo fracasso. Mais uma vez, contudo, preserva-se a imagem do professor. No ensino superior, a perspectiva de alunos de um curso de Letras sobre seu processo de formação (LIMA, 2014) completou o mapa, revelando o desinteresse pela profissão de professor entre aqueles que fazem licenciatura em Letras. No conjunto, esta rede de pesquisa envolveu dez estudos de caso, desenvolvidos na zona de influência da Universidade Federal de Juiz de Fora (Zona da Mata mineira) em trinta e sete (37) escolas públicas de ensino fundamental e médio. Sete (7) destes estudos tiveram as vozes dos discentes como matéria; dois (2), as vozes docentes; e um (1), a palavra de alunos do curso de Letras. Os resultados reiterados nesta rede de estudos nos impulsionaram para o terceiro momento do projeto de pesquisa a sua vinculação às pesquisas de natureza interventiva e participativa do PROFLETRAS (Mestrado Profissional em Letras-FALE/UFJF). Com este viés, temos dois (2) estudos concluídos e dois (2) em andamento e, assim, a travessia se completa, tomando o rumo da ação, buscando o impacto social desejável. Passamos, de modo abreviado, à elucidação da matriz teórico-metodológica destes estudos, pontuando a motivação de cada escolha (seção 2) e, em seguida (seção 3), à apresentação de um Estudo de Caso (LOURES, 2013) que tem como questão a autoimagem dos alunos de Português em sete escolas da rede estadual de ensino da cidade de Juiz de Fora. Na seção 4, apresentamos as considerações finais. 2 DAS ESCOLHAS TEÓRICO-METODOLÓGICAS E DE SUAS RAZÕES Página527 Em torno destes estudos de natureza híbrida ergueu-se uma matriz teóricometodológica que envolve os seguintes aparatos: MIRANDA, Neusa Salim; LOURES, Luciene Fernandes. Da análise semântica do discurso à ação educativa um mapa da crise da sala de aula. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

161 a) o uso das narrativas de práticas (FABRÍCIO; BASTOS, 2009; THORNBORROW; COATES, 2005; DELORY-MOMBERGER, 2008, 2012, 2014, dentre outros) como instrumento investigativo dos Estudos de Caso; b) a construção de um modelo de análise do discurso baseado na Semântica de Frames (FILLMORE, 1977, 1979, 1982, 1985, 1992, 2009; FILLMORE; JOHNSON; PETRUCK, 2003; SALOMÃO, 1999; MIRANDA; SALOMÃO, 2009; PETRUCK, 1996; GAWRON, 2008; RUPPENHOFER et al., 2010, dentre outros) e nos Modelos de Linguagem Baseados no Uso (TOMASELLO, 2003; CROFT; CRUSE, 2004; GOLDBERG, 1995, 2006; BYBEE, 2010, dentre outros); c) um diálogo interteórico, voltado para o exercício interpretativo das questões educacionais emergentes em cada Estudo de Caso, com contribuições de áreas do saber como a Antropologia Evolucionista (TOMASELLO,1999, 2003), a Psicologia Social (LA TAILLE, 1999; LA TAILLE; MENIN, 2009), a Sociologia, a Filosofia e a Educação (BAUMAN, 1992, 1998, 1999, 2005, 2007; GIDDENS, 1991, 1992; BERMAN, 2001; APPLE, 2000, 2001, 2002, 2006; BEECH, 2009; FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003; MACEDO, 2000; CHAUÍ, 1999, 1997; CUNHA, 2003, 2004, dentre outros). Tendo como matéria investigativa a perspectiva instaurada pela voz de alunos e professores sobre o cenário escolar e, mais especificamente, sobre a sala de aula, estes Estudos de Caso têm como objeto de análise as narrativas de práticas. Para tal objeto linguístico vimos tecendo um modelo de análise ancorado na categoria frame (Semântica de Frames) e na afirmação do relevo do uso linguístico e de sua frequência na arquitetura de nossa expressão conceptual (Modelos de Linguagem Baseados no Uso). As hipóteses analíticas traçadas por tal modelo de análise são de que (i) os frames invocados pelo discurso permitirão chegar-se aos indicadores da experiência social da comunidade em estudo e de que (ii) quanto maior for a frequência de cada frame e das Unidades Lexicais (UL) que os evocam e dos Elementos de Frame (EF) que os constituem (cf. subseção 2.2) mais vigorosa será a experiência evocada por tais frames. O que se busca, portanto, é explorar a relação entre linguagem e experiência, como passamos a elucidar. 2.1 A NARRATIVA NÃO É A VIDA COMO O MAPA NÃO É O TERRITÓRIO Página528 O ato de narrar é, nos termos de Thornborrow e Coates (2005), central à construção de nossa identidade social e cultural, representando uma capacidade fundamental da cognição humana. Nóbrega e Magalhães (2012) e Moita Lopes (2001), convergem nesta visão atribuindo à narrativa um lócus da (re)construção identitária. Por meio dela os sujeitos dizem quem são, no que acreditam e o que desejam. Também para Rego (2003), as narrativas sobre si mesmo podem expressar um conjunto de significados que foram construídos culturalmente pelo sujeito [...] suas visões interpretações, impressões, representações e lembranças [...] (REGO, 2003, p 80), tornando possível a identificação de traços históricos e culturais internalizados de uma determinada época ou sociedade. MIRANDA, Neusa Salim; LOURES, Luciene Fernandes. Da análise semântica do discurso à ação educativa um mapa da crise da sala de aula. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

162 Este é, pois, o endosso para o uso da narrativa como um meio de captar as vozes dos discentes neste trabalho. Cabe pontuar, contudo, que a narrativa é uma prática discursiva uma operação cognitiva e um objeto de linguagem específico. A narrativa seleciona, orienta, ordena, reúne, projeta, seguindo uma lógica a posteriori, que é a do narrador no momento da narração. (DELORY-MOMBERGER, 2014 [2004], p.179). Não há transparência, portanto, entre o vivido e o narrado, ou seja, a narrativa não é a vida assim como o mapa não é o território. Portanto, no uso da narrativa como estratégia metodológica na construção de dados não nos mobiliza a ilusão da verdade a ser desvelada nas aulas de Língua Portuguesa, mas as pistas deixadas pelas escolhas feitas pelo narrador-personagem, pela sua perspectiva na reconstrução, no presente, de uma cena vivida no passado. Nosso propósito não é também apreender as representações e os valores de um indivíduo singular, mas as experiências pessoais que, replicadas de modo significativo, sirvam de indicadores das experiências coletivas mais relevantes do grupo. Do particular ao geral, encontram-se, assim, as figuras as representações recorrentes em contextos similares que emergem no conjunto dos discursos. 2.2 SOBRE O OBJETO LINGUÍSTICO E UM MODELO DE ANÁLISE DO DISCURSO É amplamente reconhecido o papel da experiência de todas as ordens na instituição do pensamento e da linguagem dentro dos pilares centrais da Linguística Cognitiva. Nessa direção, os processos de significação construídos em frames de atenção conjunta, o uso linguístico e a diversidade das línguas passam a ocupar a agenda investigativa dos linguistas. De igual modo, os corpora naturais tornam-se uma opção metodológica cada vez mais usada a que se somam as naturais intuições analíticas do linguista. Assim, subscrevendo tal paradigma e tendo a relação linguagem e experiência como hipótese-guia, este estudo elege como matéria analítica um corpus constituído por narrativas de práticas e define seu escopo teórico-analítico central a partir da Semântica de Frames e de seu projeto lexicográfico computacional, a FrameNet, e dos Modelos de Linguagem Baseados no Uso (cf. item ii, seção 2). O endosso central para uma análise do discurso baseada em frames está nas palavras de Fillmore: Desse modo, pode-se ver a proximidade que existe entre a semântica lexical e a semântica textual ou, para me expressar melhor, entre a semântica lexical e o processo de compreensão do texto. As palavras que evocam frames em um texto revelam a multiplicidade de maneiras com que o falante ou o autor esquematizam a situação e induzem o ouvinte a construir uma tal visualização do mundo textual que motive ou explique os atos de categorização expressos pelas escolhas lexicais observadas no texto. (2009[1982], p. 37) Página529 O percurso interpretativo exige, portanto, que se recuperem e percebam os frames evocados pelo conteúdo lexical do texto, combinando esse conhecimento esquemático de modo a construir uma compreensão do mundo textual. A noção de frame trazida por Fillmore (1977, 1979, 1982, 1985, 1992, 2003) a partir de uma Semântica da Compreensão, de caráter empírico e inferencial, se contrapõe ao MIRANDA, Neusa Salim; LOURES, Luciene Fernandes. Da análise semântica do discurso à ação educativa um mapa da crise da sala de aula. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

163 Página530 modelo de análise do significado propugnado por uma semântica composicional (Semântica da Verdade) ancorado em condições necessárias e suficientes. Assim, negando o caráter estritamente composicional do processo de significação a dita Hipótese Forte da Composicionalidade, a Semântica de Frames, tendo em conta as motivações que impulsionam uma comunidade de fala a criar determinada categoria representada pela palavra, ultrapassa a materialidade linguística e toma as palavras como categorias de experiência. Este é, pois, o ponto crucial deste modelo semântico que confere continuidade entre linguagem e experiência. O termo frame corresponde a qualquer sistema de conceitos relacionados de tal modo que para entender qualquer um deles é preciso entender toda a estrutura na qual se enquadram (FILLMORE, 2009[1982], p. 25). Assim sendo, quando acionamos qualquer elemento de um frame, este evoca consigo uma cena, e é somente nesse enquadre que pode ser compreendido. Tal relativização dos significados às cenas é, pois, fundamental para a compreensão das diversas perspectivas que se tecem na conceptualização das palavras e discursos. Deste modo, este instrumental teórico vem facultando ao presente estudo o mapeamento dos processos de significação erguidos nos discursos sobre a sala de aula e permitindo a construção de um sólido diagnóstico sobre a perspectiva dos sujeitos acerca da realidade vivenciada. O projeto lexicográfico derivado desta teoria a FrameNet empresta a este estudo as principais ferramentas analíticas. Baseado na Semântica de Frames, a FrameNet é um projeto lexicográfico computacional desenvolvido na Universidade de Berkeley (< Dentre seus objetivos, está a criação de uma base de dados de palavras do Inglês (e de outras línguas, como o Português) 3 e dos frames que elas evocam, além da documentação de possibilidades combinatórias sintáticas e semânticas de cada palavra em cada um dos seus sentidos. Essas descrições que compõem o banco de dados estão baseadas em anotações semânticas de exemplos de sentenças extraídas de grandes corpora de textos (BAKER; FILLMORE; LOWE, 1998; FILLMORE; JOHNSON, 2000; FILLMORE; JOHNSON; PETRUCK, 2003). Salomão (2009) aponta uma vantagem deste projeto sobre a abordagem lexicográfica tradicional. Por meio dele, é possível obterem-se as informações que no dicionário só aparecem implicitamente. Isso ocorre porque a consulta a uma palavra remete ao frame que esta evoca e a todos os elementos que o integram. Além disso, é permitido ainda o acesso às possibilidades de combinação sintáticas e semânticas da palavra pesquisada, e o acesso a outros frames que se relacionem com o frame buscado. Para análise de corpus, a FrameNet criou categorias como a Unidade Lexical e o Elemento de Frame. A Unidade Lexical (UL) é um pareamento de uma palavra com um 3 Outros projetos aos moldes da FrameNet têm sido desenvolvidos para outras línguas como alemão, japonês, espanhol, português e sueco. Para o português, temos a FrameNet Brasil (< projeto de notação lexicográfica desenvolvido na Universidade Federal de Juiz de Fora. MIRANDA, Neusa Salim; LOURES, Luciene Fernandes. Da análise semântica do discurso à ação educativa um mapa da crise da sala de aula. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

164 Página531 significado (FILLMORE; JOHNSON; PETRUCK, 2003, p. 9). Cada sentido de uma palavra evoca um frame e os elementos que compõem a estrutura da cena, sendo as palavras polissêmicas evocadoras de frames diferentes dependendo de seu sentido. Já os Elementos de Frame (EF) são os participantes de uma cena evocada (micropapéis semânticos), e podem constituir-se como centrais ou não centrais (RUPPENHOFER et al., 2010). Tomando, como exemplo, o frame Aplicar_calor (RUPPENHOFER et al., 2010), temos possíveis ULs como assar, ferver evocadoras de uma cena com os EFs Cozinheiro, Comida e Instrumento_de_aquecimento. A análise feita nesta plataforma implica a reconhecimento da estrutura argumental na unidade frasal, o que envolve a notação em três níveis de função, quais sejam a semântica (Elementos de Frames), a função gramatical (FG) e o tipo de sintagma (TS). Há diferentes tipos de relações semânticas entre os elementos incorporados na base de dados da FrameNet. Essas relações são diretas (assimétricas) e se dão, como pontuam Ruppenhofer et al. (2010), entre dois frames em que um deles (o menos dependente, mais abstrato) é chamado de superframe enquanto o outro, mais dependente, é um subframe. Essas relações, primeiramente, frame a frame, como pontua Fillmore (2003), podem ser: Subframes, Herança, Perspectiva_em, Veja_também, Usando, Incoativo_de e Causativo_de. É possível a consulta das relações entre os frames por meio da ferramenta Framegrapher, disponível no site. Outra opção teórica para o modelo de análise do discurso que se tece em nosso projeto são os Modelos de Linguagem baseado no Uso (item ii). O cerne teórico de tais Modelos está na afirmação de que a aquisição e a aprendizagem da linguagem se dão através de exemplares específicos usados em situações comunicativas determinadas e de generalizações construídas a partir do uso reiterado destes exemplares. Dado o relevo da reiteração de uso para a compreensão da forma como a linguagem é estruturada e armazenada na mente do falante, a frequência de token/ocorrência (frequência com que determinada estrutura ocorre em uma determinada comunidade linguística) e a frequência de type/tipo (frequência com que essa mesma estrutura varia dentro do mesmo grupo de falantes) ganham relevo nas análises orientadas por tais Modelos. A primeira implica a assertiva de que quanto mais frequente uma forma for, mais entrincheirada, mais central à língua ela será, articulando-se com a noção de Convencionalização; a segunda relaciona-se à possibilidade de extensão de um padrão a novos padrões, vinculando-se ao conceito de Produtividade. Guardadas as especificidades de cada Estudo de Caso, os seguintes passos definem a matriz de procedimentos analíticos seguida (MIRANDA; BERNARDO, 2013): a) Anotação manual 4 de Unidades Lexicais (UL) que são eleitas com auxílio da ferramenta WordSmithTools através dos recursos Wordlist (fornecendo a lista completa de ocorrências de cada palavra do texto, assim como sua frequência, tal ferramenta permite, a partir da pergunta de cada Estudo de Caso, eleger as 4 As anotações feitas nestes estudos têm sido manuais; em apenas um (1) estudo de caso conseguimos usar o desktop da FrameNet. MIRANDA, Neusa Salim; LOURES, Luciene Fernandes. Da análise semântica do discurso à ação educativa um mapa da crise da sala de aula. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

165 ULs a serem recortadas) e Concordance (busca do contexto de uso das ULs eleitas); b) Evocação dos frames (busca no repertório da FrameNet) que as ULs invocam; c) Descrição dos frames não encontrados na FrameNet; d) Anotação de Elementos do Frame (EF); e) Desenho da rede de frames (framegraphers); f) Estabelecimento de frequência de types/tokens em relação aos frames, às Unidades Lexicais e aos Elementos de Frame que integram cada frame; g) Exercício interpretativo dos discursos, mediante diálogo interdisciplinar construído a partir da questão posta em cada Estudo de Caso (cf. item iii, seção 2). Passamos à apresentação de um Estudo de Caso de modo a ilustrar a matriz teórico-metodológica eleita neste macroprojeto. 3 UM ESTUDO DE CASO A AUTOIMAGEM DO ALUNO DE LÍNGUA PORTUGUESA Página532 Como um projeto vinculado à rede investigativa apresentada à Introdução, este estudo de caso (LOURES, 2013) tem como aporte a matriz teórico-metodológica apresentada à seção 2. O que o distingue é questão específica que o mobiliza, qual seja Como os sujeitos investigados constroem sua identidade enquanto alunos de Língua Portuguesa? O propósito analítico é, pois, mapear a autoimagem desses discentes, valendo-nos, para tanto, da análise do discurso desses sujeitos sobre suas experiências nas aulas de Português. Dos indicadores levantados nesta análise decorre o exercício interpretativo, o que traz também a singularidade do campo interteórico a ser buscado. Em nosso caso, contribuem para a interpretação dos resultados semânticos auferidos pela análise em frames os estudos de MIRANDA, 2007, 2009, 2011; PEREIRA, 2008; LIMA, 2009; PINHEIRO, 2009; BERNARDO, 2011; ALVARENGA, 2012; FONTES, O lócus investigativo é a sala de aula de Língua Portuguesa de sete escolas da rede estadual de Ensino de Juiz de Fora. Os sujeitos são cento e oitenta e oito (188) alunos do nono ano do Ensino Fundamental e do segundo ano do Ensino Médio, o que representa 35% da mostra total (trezentos e sessenta e quatro 364 alunos, com um total de trezentos e quarenta 340 respostas válidas). De modo a se evitar uma realidade homogênea, as escolas foram escolhidas segundo determinados critérios. O primeiro critério constituiu-se a partir do mapeamento das instituições em termos dos resultados obtidos no IDEB e na Prova Brasil, assim como da análise de dados como taxa de abandono, taxa de reprovação, média de alunos por turma e taxa de participação dos alunos no Enem. Desse modo, a pesquisa contempla escolas com qualificações alta, média e baixa em todos esses quesitos. O segundo critério baseou-se na distribuição geográfica heterogênea das escolas (duas localizadas na região norte, três na região central, uma na região sul e uma na região oeste da cidade), o que implica envolver regiões com riscos sociais distintos. MIRANDA, Neusa Salim; LOURES, Luciene Fernandes. Da análise semântica do discurso à ação educativa um mapa da crise da sala de aula. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

166 3.1 ANÁLISE DO DISCURSO DISCENTE: PRINCIPAIS ACHADOS Em seu âmbito metodológico, este estudo, caracterizando-se como um estudo de caso 5, precisa pontuar, de pronto, o alcance das generalizações analíticas alcançadas por seus resultados, circunscrevendo-as ao limite do universo investigado. O trabalho apresentado resultou em uma rede de frames que identificados, hierarquizados e analisados, trouxeram à luz quatorze (14) indicadores analíticos que, no conjunto, desenharam o retrato da autoimagem discente. Dados os limites de espaço deste artigo, procederemos a uma apresentação abreviada dos resultados gerais obtidos para nos determos no INDICADOR 2, um dos mais relevantes (e, talvez, mais preocupantes) dentre os encontrados em nosso trabalho. Como já referenciado à seção 2, o instrumento de coleta utilizado nos estudos de caso de nosso macroprojeto tem sido uma narrativa de experiência. Em nosso caso, tal instrumento assim se delimita: Caro Aluno, A disciplina de Língua Portuguesa está presente em sua vida desde que você entrou para a escola. Durante este tempo, você vivenciou várias experiências relacionadas à matéria (com seus professores, durante suas aulas, conteúdos que aprendeu etc.). Gostaríamos, então, de conhecer um pouco da sua história e compreender melhor sua relação com essa disciplina. Conte-nos suas vivências mais marcantes (positivas ou negativas) como aluno de Português. Página533 Os destaques em negrito demarcam os limites do discurso desejado relatar as experiências mais importantes com a disciplina Língua Portuguesa e avaliá-las (de maneira positiva ou negativa), assim como já delimitam os superframes a serem evocados: o frame de Ensino_educação e o frame de Aula_de_ Português. A análise do discurso discente, seguindo os procedimentos anunciados à seção 2, partiu, portanto, do levantamento das principais as unidades lexicais (ULs) e construcionais (UCs) evocadoras. Somada a tal procedimento, outra pista usada foram os atos de linguagem expressos nos relatos de experiência discentes que remeteram às seguintes práticas discursivas em relação à disciplina de Língua Portuguesa: a) Expressão de sentimentos; b) Autoavaliações; c) Relatos de experiências. 5 Segundo Yin (2001), o estudo de caso é uma metodologia utilizada para explorar situações da vida real, debruçando-se, de maneira mais aprofundada, sobre um acontecimento contemporâneo. O principal objetivo de tal abordagem não é descrever o objeto analisado, mas explicá-lo e, por essa razão, várias técnicas de pesquisa são conjugadas neste processo. O estudo de caso possui, assim, um grande potencial no âmbito educacional, uma vez que se orienta por perguntas (do tipo como e porque ) e não por soluções. MIRANDA, Neusa Salim; LOURES, Luciene Fernandes. Da análise semântica do discurso à ação educativa um mapa da crise da sala de aula. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

167 A partir de tais procedimentos, uma complexa rede de frames nos permitiu traçar a autoimagem do aluno de Português no cenário escolar investigado. É o que passamos a sintetizar: a) Ao superframe Aula_de_Português vinculam-se quatro (4) frames: Autoavaliação_comportamento_escolar, Autoavaliação_desempenho_ escolar (hierarquicamente subordinados também ao superframe Autoavaliação), Relatos_de_experiência_escolar e...foco_no _experienciador; b) Por sua vez, ao frame Autoavaliação_comportamento_escolar vinculam-se quatro (4) outros frames: Dedicação, Experiência_de_encontro_hostil, Prestar_atenção e Bagunça; c) Seis (6) frames se subordinam a Autoavaliação_desempenho_escolar: Capacidade, Compreensão, Dificuldade, Tentativa, Impedimento, Sucesso e Fracasso; d) Os estudantes que elegeram os Relatos_de_experiência_escolar como foco principal de sua narrativa, acionaram os frames de Experiência_de_criação_textual, Experiência_de_teatro, Experiência_de_expulsão, Experiência_de_aprendizagem, Experiência_de_avaliação_e_resultado e Experiência_de_leitura. O gráfico 1 sintetiza a distribuição por frequência dos superframes principais que suportam a rede em nosso corpus. O número total de segmentos considerados para o cálculo das ocorrências (duzentos e setenta e sete 277) ultrapassa o número total de alunos (cento e oitenta e oito 188), uma vez que alguns segmentos aparecem em mais de um frame analisado, sendo contados duplamente. Gráfico 1 Distribuição dos principais macroframes analisados Frames principais 10% 23% 38% Autoavaliaçao_Desempenho_Escolar Relato_de_Experiencia_Escolar 29% Foco_no_Experienciador O diagrama 1 de toda a rede (cf. Fluxograma 1) dá uma dimensão da complexidade do processo de construção da autoimagem desses alunos. Ao descreverem a si mesmos, os estudantes evocam cenas distintas, utilizando diferentes tipos textuais (divididos em superframes): Página 534 Autoavaliaçao_Comportamento_Escolar MIRANDA, Neusa Salim; LOURES, Luciene Fernandes. Da análise semântica do discurso à ação educativa um mapa da crise da sala de aula. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 16, n. 3, p , set./dez

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