Biogás como alternativa Brasil avança na utilização do recurso, já BEM aproveitado em outros países. Alemanha é A referência de Gustavo Paes O biogás, resultante da decomposição de matéria orgânica por micro-organismos sem a presença de oxigênio, é largamente utilizado em todo o mundo na geração de energia elétrica e térmica, na substituição do GLP (mais comumente chamado de gás de cozinha) e do GN (gás natural). A substância, produzida a partir de resíduos orgânicos, como fezes de animais, lodo dos esgotos, lixo doméstico, efluentes industriais ou silagem de grãos e de grama, também é usada no abastecimento de veículos. As vantagens ambientais e energéticas do biogás têm acelerado seu aproveitamento em todo o mundo. A Alemanha, que pretende se 72 tornar líder em energias renováveis em 2020, estabeleceu como meta ter 50% da sua energia vinda de fontes renováveis em 2050. Lá a biomassa e o biogás são grandes apostas para a produção energética e a substituição da energia nuclear. Levantamento feito em 2011 pelo Centro Alemão de Pesquisa da Biomassa (DBFZ) mostrou que o país contava com cerca de 6 mil usinas de biogás, que utilizam uma mistura de rejeitos agrícolas, da suinocultura ou de efluentes industriais e grãos. demanda de energia O biogás produzido pela Alemanha, que responde por cerca de 90% do mercado europeu, é hoje utilizado basicamente para suprir a demanda elétrica e de GNV. Mas o cenário aponta para mudanças. O foco era a produção de energia e GNV. Mas, atualmente, o governo só está aprovando projetos se a empresa que está instalando a planta antes já tiver vendido energia térmica, calor, explica o engenheiro Mário Coelho, da Ecoterra-Bio, de Santa Cruz do Sul, que representa no Brasil a alemã MT Energie, uma das gigantes na produção de biogás. Ele ressalta que existem na Alemanha tanto pequenas plantas de biogás estruturas essencialmente agrícolas e individuais ou de associações pequenas de agricultores que produzem 75 kw/h, como grandes usinas com capacidade para gerar 4 MW/h. As pequenas instalações exigem um investimento médio de 2 mil euros (R$ 6,2 mil) a 2,5 mil euros (R$ 7,7 mil). Já as estruturas de maior porte, que podem gerar 4 MW/h, custam entre R$ 25 milhões e R$ 27 milhões. A MT Energie é um dos principais fabricantes mundiais de plantas de biogás. Desde que foi criada, em 1995, já construiu cerca de 700 plantas de biogás. A tecnologia da empresa baseia-se em um sistema de duas etapas, de funcionamento contínuo. Para isso, normalmente são necessários três re- MIA21_Panorama Setorial_REV.indd 72 4/16/14 5:02 PM
As vantagens ambientais e energéticas do biogás têm acelerado seu aproveitamento em todo o mundo servatórios: um biodigestor principal, um secundário e um depósito de resíduos da fermentação. As plantas que recebem mais de 30% de dejetos animais líquidos podem também ter um sistema de uma etapa, com um biodigestor principal e depósito de resíduos da fermentação sem calefação. Todos os materiais orgânicos podem ser usados como substrato, incluindo matérias-primas agrícolas e dejetos líquidos. No Brasil frequentemente recorre-se a resíduos de animais, especialmente de suínos. O biogás que estamos tentando desenvolver no Brasil é o de alta tecnologia, em que se pode trabalhar tanto com resíduos da produção animal e lixo como também com plantas energéticas, como o milho e o sorgo, declara Coelho, que aposta em duas variedades de sorgo lançadas pela Embrapa Milho e Sorgo. O grão é próprio para produção de etanol, mas acredito que ele tam- bém tem potencial para o biogás, observa. O consultor, que desde janeiro preside a recém-criada Associação Brasileira de Biogás e Metano (ABBM), destaca o grande potencial do País para produzir biogás e biometano. Ele diz que, com o Plano Nacional dos Resíduos Sólidos pressionando os municípios a tratarem os resíduos sólidos urbanos antes de o jogarem no aterro, haverá a possibilidade de utilizar todo o seu resíduo orgânico para a produção de biogás. O biogás é a única fonte de energia renovável capaz de produzir energia elétrica 24 horas por dia, 365 dias por ano, destaca. O consultor reforça que o Brasil é um país essencialmente agrícola e frisa que os produtores rurais podem ganhar mais com as commodities agrícolas, como o milho. O grão pode ser cortado para produção de silagem e, dessa forma, alimentar os tanques de fer- mentação durante o ano inteiro para a produção de biogás. Com essa alternativa, o produtor aumenta a renda no campo e favorece o avanço da produtividade da soja, que vem em seguida na rotação de cultura, sublinha Coelho. Segundo ele, há estudos para instalar plantas com capacidade de 2 a 4 MW de potência utilizando resíduos agroindustriais. cooperação internacional O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), por meio da Secretaria de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (Setec), cooperará com o Projeto Brasil-Alemanha de Fomento ao Aproveitamento Energético do Biogás no Brasil (DKTI-Biogás). A iniciativa é coordenada pelo Ministério das Cidades e pela Agência de Cooperação Internacional da Alemanha (GIZ, na sigla em alemão). Através do programa, o governo federal MAIO/JUNHO 2014 Máquinas MIA21_Panorama Setorial_REV.indd 73 & Inovações Agrícolas 73
Ernesto Kasper, diretor de Relações Institucionais da Ecocitrus; o biogás ainda é pouco explorado no Brasil, mas por todo o País começam a surgir iniciativas para torná-lo um dos três grandes combustíveis quer ampliar o abastecimento energético a partir do biogás em saneamento básico e iniciativas agropecuárias, trabalhando em duas áreas temáticas: águas residuais (esgoto) e resíduos sólidos. O biogás é um combustível que não prejudica a camada de ozônio e que permite ao País estabelecer uma política para ele com foco na sustentabilidade, afirma o titular da Setec, Alvaro Prata. Prata lembra que a Alemanha conta com mais de 8 mil usinas de biogás. A parceria se apoia nessa experiência. A Alemanha é um país com muita expertise na área de biocombustíveis e energias renováveis, diz. A cooperação deve contribuir para a transferência de conhecimento, o fomento à tecnologia nacional e a formação de profissionais brasileiros especializados, além de apoio técnico para o desenvolvimento de plantas em instalações de tratamento de esgoto e resíduos. O orçamento do projeto é de 10 milhões de euros. A co- 74 operação está prevista para durar até 2017. O biogás ainda é pouco explorado no Brasil, mas por todo o País começam a surgir iniciativas para torná-lo um dos três grandes combustíveis. Uma delas, inédita, promete fazer dele um dos mais importantes combustíveis da planta energética do Rio Grande do Sul e envolve uma parceria entre a Cooperativa dos Citricultores Ecológicos do Vale do Caí (Ecocitrus), de Montenegro, e a Naturovos, da cidade de Salvador do Sul. GÁS NATURAL VERDE Após dois anos de pesquisas, as duas empresas, que formam o Consórcio Verde Brasil, estão produzindo o GNVerde, um gás obtido a partir de esterco de aves poedeiras, restos de ovos e outros resíduos orgânicos. O biometano é vendido para a Sulgás, a companhia de gás do Estado. O gás produzido em Montenegro alcançou 98% de metano em sua composição, o que atende às exigências da Agência Nacional do Petróleo (ANP). O gás é equivalente ao que vem da Bolívia, garante o diretor-presidente da Sulgás, Roberto Tejadas. Acreditamos que existe potencial para que esse combustível alcance participação representativa na matriz energética do Estado, acrescenta. A planta pode gerar até 5 mil metros cúbicos ao dia de biometano, mas o objetivo é quadruplicar o volume até a metade deste ano, de acordo com o diretor de Relações Institucionais da Ecocitrus, Ernesto Kasper. Segundo ele, o investimento na unidade, até agora, foi de cerca de R$ 4 milhões. Para ampliar a produção de biometano, serão precisos outros R$ 2 milhões ou R$ 3 milhões. Desde o fim do ano passado, o GNVerde está sendo utilizado para consumo próprio em veículos das companhias do consórcio e da Univates, um centro universitário de La- MIA21_Panorama Setorial_REV.indd 74
jeado (RS), que auxilia na pesquisa. Uma locadora de veículos que transporta trabalhadores para o Polo Petroquímico de Triunfo (RS) também realiza testes com o combustível 100% natural e sustentável. Os moradores da região são convidados a avaliar o produto. Os idealizadores garantem que a eficiência do gás produzido em Montenegro é a mesma dos demais combustíveis. O GNVerde é o primeiro gás natural veicular do Brasil 100% renovável, produzido sem a exploração de recursos naturais. Ele foi aprovado por todos que participaram dos testes, comemora Kasper. A Sulgás espera a aprovação do GNVerde pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para iniciar a comercialização, que deve ocorrer ainda em 2014. O valor para venda ainda não foi definido, mas o diretor-presidente da companhia, Roberto Tejadas, acredita que o selo verde é um diferencial importante e de forte apelo. O sucesso depende de como o mercado será capaz de remunerar um produto premium. O biogás possui um alto valor agregado. Utilizamos um subproduto da indústria para produzir gás. Ou seja, transformamos um problema em energia, ressalta. experiência da Ceasa A Centrais de Abastecimento do Rio Grande do Sul (Ceasa/RS) pretende transformar o lixo orgânico produzido no complexo, localizado na capital gaúcha, em biogás. A primeira etapa do processo, a obra da Estação de Manejo e Transbordo de Resíduos, já foi concluída. A segunda fase é o projeto de desenvolvimento de uma Usina Modular de Biogás de 660 KVA, com gerenciamento remoto. A iniciativa é resultado de uma chamada estratégica da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e faz parte dos investimentos que as distribuidoras de energia elétrica devem fazer na área de pesquisa e desenvolvimento. Em 2010, o Brasil aprovou o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, determinando que apenas resíduos sem viabilidade econômica devem ser depositados em aterros sanitários. A usina reduzirá em até 75% as emissões de gases de efeito estufa e dará destino energético a 7,2 milhões de toneladas/ano de resíduos da Ceasa, conforme afirma o presidente da estatal, Paulino Olivo Donatti. Em 2012, em torno de 38 toneladas/dia de resíduos foram produzidas, o equivalente à produção diária de uma cidade de 50 mil habitantes. Donatti salienta que, além da energia gerada (660 KVA), suficiente para um condomínio com cerca de 250 habitantes, com a usina não será mais preciso o deslocamento do transporte dos resíduos para o aterro sanitário, evitando também a emissão de 38 toneladas de carbono/ano. O presidente da Ceasa diz que a construção da usina tem como objetivo aproveitar 70% do lixo orgânico produzido no complexo, com a meta de gerar até 30% de seu consumo energético. O valor total do projeto é de R$ 3,37 milhões. A expectativa é de que a unidade esteja pronta em dois anos. Até 2016, Entre Rios do Oeste, um pequeno município de 4 mil habitantes, no Oeste do Paraná, espera se tornar autossuficiente em energia elétrica, térmica e automotiva, com base na produção do biogás, gerado do aproveitamento de esgotos urbanos e dos dejetos de suínos e gado. O projeto, iniciado em 2009 e desenvolvido pela Plataforma de Energias RenováMAIO/JUNHO 2014 Máquinas MIA21_Panorama Setorial_REV.indd 75 & Inovações Agrícolas 75
para Cooperação Internacional). A iniciativa também teve o apoio da Fundação Eliseu Alves e da BGT Energie, empresa que desenvolve projetos de usinas de gás e energia. avaliação de potencial O presidente da Ceasa/RS, Paulino Olivo Donatti, afirma que a Usina Modular de Biogás reduzirá em até 75% as emissões de gases de efeito estufa veis de Itaipu e pela Companhia Paranaense de Energia Elétrica (Copel), deverá ser executado pela prefeitura e receberá R$ 14 milhões para a implantação da primeira fase. Essa etapa compreende 63 das 93 propriedades rurais produtoras de suínos e gado de leite do município. O biogás produzido nas propriedades será transportado por gasoduto até uma central de aproveitamento, onde poderá ser convertido em energia térmica, elétrica e em gás natural renovável. DE PROBLEMA A SOLUÇÃO Essas propriedades têm capacidade para produzir 12 mil metros cúbicos de biogás por dia, suficientes para gerar energia elétrica para atender à demanda dos prédios públicos municipais, incluindo as escolas, e suprir a iluminação pública, segundo o secretário municipal da Indústria, Comércio e Turismo, Inácio Schaefer. Haverá ainda uma 76 sobra de 44% desse volume, que será utilizada para abastecer com energia térmica uma fábrica de cerâmica, substituindo o uso de lenha. A segunda etapa, que incluirá outras 30 propriedades rurais, exigirá R$ 6 milhões. A prefeitura fez estudos e acredita que só os 130 mil suínos do meio rural produzem dejetos com carga orgânica equivalente à produzida por 520 mil pessoas. Esses dejetos, quando não tratados de maneira adequada, podem gerar contaminação dos solos e das águas, proliferação de algas e produção de gases de efeito estufa. A Embrapa Suínos e Aves, de Concórdia (SC), inaugurou, em maio passado, o primeiro Laboratório de Estudos em Biogás. O empreendimento é resultado do convênio estabelecido entre a Embrapa e a Companhia de Gás de Santa Catarina (SCGás), com as participações do DBFZ (Centro Alemão de Pesquisa em Biomassa) e da GIZ (Agência Alemã Com o laboratório, a Embrapa Suínos e Aves ganhou mais condições de realizar análises de resíduos como dejetos de suínos e bovinos, excreta de aves e cama de aviários, além de resíduos agroindustriais e agrícolas, como efluentes de agroindústria, resíduos de incubatório de ovos e resíduos orgânicos, entre outros. A caracterização física e química dos resíduos é o primeiro indicador para mensurar a viabilidade de geração de biogás, explica o pesquisador Aírton Kunz. Nessa análise são contemplados diferentes parâmetros, como umidade, teores de cinzas e/ou sólidos voláteis, teor de gorduras, fibras, nitrogênio, fósforo e potássio, entre outros, afirma. Alguns materiais apresentaram resultados interessantes, como a obtenção de biogás a partir de biomassa de microalgas, extraídas de sistemas de tratamento de dejetos de suínos. As microalgas que agem na depuração dos efluentes da suinocultura apresentam uma fonte alternativa energética renovável, por meio da digestão anaeróbia, completa o pesquisador da Embrapa. O Brasil tem um grande potencial na área. n MIA21_Panorama Setorial_REV.indd 76