A NOVA POSTURA LEGISLATIVA NO COMBATE À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER Tatiana Bellotti Furtado Ao analisarmos a trajetória das mulheres na luta pelo reconhecimento de seus direitos, remetemo-nos aos anos 30, quando, com o Código Eleitoral de 1932, foi permitido à mulher o exercício de voto aos vinte e um anos de idade. Dois anos depois, a Constituição Federal de 1934 reduziu esta idade em três anos. No ano de 1962, com o advento do Estatuto da Mulher Casada Lei 4.121/ 62 - a mulher não mais seria considerada civilmente incapaz, como o era no Código Civil de 1917, tendo agora seus direitos equiparados aos de seu cônjuge. Outra importante conquista da classe feminina referente à evolução legislativa brasileira foi a promulgação da Carta Magna de 1988, a qual enfatizou a importância dos direitos e garantias fundamentais e constitui-se como um marco positivado para a modificação da Lei Civil de 1962. O novo Código Civil, que entrou em vigor em 11 de Janeiro de 2003, veio corrigir aberrações no que se refere ao direito da personalidade jurídica da mulher, tendo reafirmado, por exemplo, o direito de igualdade entre os cônjuges em relação à adesão do sobrenome dos nubentes, agora admitida por ambas as partes e por opção de cada uma o que já havia sido consagrado desde a vigência da igualdade constitucional. Apesar de nosso ordenamento jurídico já possuir, em princípio, leis que têm como escopo a proteção dos direitos do ser humano, é evidente que, na prática, o direito positivado torna-se de certa forma, dotado de subjetivismo. Em 1979, na Convenção da ONU sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher (CEDAW - Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination Against Women ) - assinada pelo Brasil em 1984 - constatou-se que a classe feminina continuava sendo objeto de grande discriminação, apesar dos amparos legais existentes, dentre os quais está a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Os países membros comprometeram-se a adotar todas as medidas necessárias para eliminar a discriminação contra as mulheres, de maneira geral, tendo, além disso, o Aluna do primeiro período do Curso de Direito das Faculdades Integradas Vianna Júnior.
compromisso de prestar contas das providências para sua concretização. No ano de 1994, em Belém do Pará, ocorreu a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher. A chamada "Convenção de Belém do Pará" foi ratificada pelo Brasil em 1995, tendo declarado que a violência contra a mulher constitui uma violação aos direitos humanos e às liberdades fundamentais, limitando as vítimas, total ou parcialmente, ao reconhecimento, gozo e exercício de tais direitos e liberdades. Além de representar o esforço do movimento feminista internacional para que a violência contra a mulher fosse repudiada pelos Estados-membros da Organização dos Estados Americanos OEA, essa importante Convenção acolheu e ampliou a Declaração e o Programa de Ação da Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizado em Viena, em 1993. O Protocolo Facultativo à CEDAW foi criado em 1999 a partir da necessidade da comunidade internacional em ter um sistema mais eficiente de monitoramento, que acompanhasse o cumprimento da Convenção de 1979. O Brasil só veio ratificar tal Protocolo três anos após a criação deste. Apesar de nosso País validar todas essas Convenções descritas anteriormente, isso não bastou para que as mulheres fossem, de fato, protegidas e tivessem seus diretos respeitados. Sendo assim, fez-se necessário que novas leis viessem suprimir a inaplicabilidade das normas jurídicas já positivadas por nosso Direito. Em razão dessa necessidade, está em vigor desde o dia 22 de setembro de 2006, a Lei 11.340/ 06. A chamada "Lei Maria da Penha" tipifica a violência doméstica como uma das formas de violação dos direitos humanos, promovendo alterações no Código Penal e ainda estabelecendo outras medidas inéditas. A lei 11.340/ 06 leva o nome da uma mulher, Maria da Penha, a quem se atribui à imediata responsabilidade pela motivação legislativa para a criação da referida lei. Em 1993, Maria da Penha Maia Fernandes, farmacêutica- bioquímica de Fortaleza (CE), mãe de três filhas, foi alvejada por um tiro de espingarda enquanto dormia, em sua própria cama. O tiro, disparado pelo seu próprio marido - o economista Marco Antonio Heredia Viveiros- atingiu a coluna vertebral da mulher, deixando- a paraplégica. A autoria do disparo foi negada pelo marido, tendo justificado o disparo como conseqüência de um suposto roubo. Não satisfeito com a paraplegia da mulher, Marco Antônio descascou os fios do chuveiro elétrico do banheiro destinado ao casal e passou a tomar banho no outro
banheiro, até que Maria da Penha sofreu um choque elétrico de grandes proporções. Ainda assim, não morreu, mas teve, então, certeza de que era o próprio marido o autor das agressões. Em 1986, Marco Antônio foi levado a júri, sendo condenado. Entretanto, a defesa recorreu e, por falha processual, o júri foi anulado. Em seu segundo julgamento, em 1996, o agressor foi condenado a 10 anos e 6 meses de reclusão. Marco Antonio ainda permaneceu livre até 2002, por ter apelado aos Tribunais Superiores. Passados 19 anos da primeira tentativa de homicídio, o agressor foi condenado. Atualmente, cumpre pena em liberdade e reside no Estado do Rio Grande do Norte. A lentidão e a falta de rigor no tratamento desse tipo de delito foram fatores primordiais para que as organizações feministas apoiassem Maria da Penha na elaboração de reclamação da ineficiência da Justiça brasileira na Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Diante de tal denúncia envolvendo o País, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos elaborou o relatório nº 54/2001, que documentou a situação das mulheres brasileiras vítimas de agressão doméstica. Com base nesse relatório, a bancada feminina do Congresso Nacional elaborou um projeto de lei que foi debatido em todo o Brasil. Seu resultado é a Lei 11.340/ 06, um avanço considerável e que deve ser aclamado. Um dos progressos dignos de comemoração é a determinação contida no artigo 17, o qual conclama que, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, fica proibida a transação penal. Com essa determinação, o legislador quis deixar claro que a integridade da mulher não pode ser violada por qualquer valor econômico, nem pode ser trocada por uma cesta básica. Outra inovação que merece destaque é a aplicação de medidas protetivas de urgência pelo juiz. Entre as medidas que obrigam o agressor, estão a suspensão do porte de armas, afastamento do lar, distanciamento da vítima e dos filhos do casal - se os tiverem - entre outras. Para garantir que tais medidas sejam efetivadas, o juiz poderá requerer o auxílio da autoridade policial, a qualquer momento, como disposto no artigo 22 da aludida Lei. Além disso, outra modificação está no que se refere à representação. Antes da Lei 11.340/ 06 a ofendida tinha a faculdade de desistir da representação na delegacia, o que não mais é permitido, já que agora, conforme expresso no artigo 16, a desistência somente pode ocorrer perante o juiz. Dispõe o artigo 27 da legislação em análise, que a mulher em situação de
violência doméstica e familiar deverá estar acompanhada de advogado em todos os atos processuais - tanto na fase policial, como na judicial - garantido ainda o acesso aos serviços da Defensoria Pública e à Assistência Judiciária Gratuita, garantia essa prevista no artigo 18. Essa disposição, de fato, vem favorecer a vítima, uma vez que esta terá maior consciência do andamento processual. A Lei cria também os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (JVDFM), com competência cível e criminal, o que é estabelecido no artigo 14. Para que a houvesse total aplicação da Lei, o ideal seria que tais juizados fossem criados em todas as Comarcas. A proteção à mulher violentada é novamente enfatizada pela Lei Maria da Penha já que, através das determinações expressas no artigo 11, a autoridade policial deverá garantir proteção à vítima, encaminhá-la ao hospital, fornecer-lhe transporte para lugar seguro, além de acompanhá-la para retirar seus pertences do local da ocorrência. A hipótese de prisão preventiva também foi criada pela Lei Maria da Penha, com o artigo 42, o qual acrescentou o inciso IV ao artigo 313 do Código de Processo Penal. A prisão preventiva pode ser decretada por iniciativa do juiz, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial. O último dispositivo da lei, artigo 45, é dos mais salutares, ao permitir que o juiz determine o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação. Diante de tais considerações, compreende-se que a Lei Maria da Penha pretende proteger as mulheres vítimas de Violência Doméstica e Familiar, criando mecanismos para que essa prática delituosa seja coibida. Não só isso, a Lei 1.340/ 06 visa ainda garantir assistência e proteção às mulheres em situação de Violência Doméstica e Familiar. A reprimida mais rigorosa ao agressor e a busca pela não reincidência das agressões deverá prevalecer em detrimento do receio de romper a harmonia e a união familiar. O Brasil, com a promulgação da Lei 11.340/ 06, está dando um grande passo para o cumprimento dos compromissos assumidos nas Convenções Internacionais de proteção à mulher. As mulheres, e a sociedade em geral, devem conhecer e sobretudo buscar, sempre que se fizer necessário - a lei que lhes protege os direitos e impõem os deveres. Só assim, através desse exercício de cidadania consciente, o grito erguido pela cearense Maria da Penha ecoará por todos os cantos do Brasil, e fará com que essa nova
conquista legislativa não se transforme em mais um texto morto dentro de nosso ordenamento jurídico. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CAMARGO, Ana Carolina Della Latta. A Constituição Federal e o novo status da mulher na sociedade brasileira -http://www.pailegal.net/chicus.asp?rvtextoid=- 1524844319 - Acesso 21mai.2007. GOMES, L. R. M. O direito da mulher. http://www.estacio.br/campus/centro2/publicacoes/direitodamulher.pdf PDF - Acesso em 21mai.2007. Convenção de Belém do Pará - http://www.ipas.org.br/rhamas/convencaobelem.html Convenções: CEDAW - http://www.agende.org.br/convencoes/cedaw/interna.php?sub_area=6 Convenções: Protocolo Facultativo à Cedaw - http://www.agende.org.br/convencoes/cedaw/interna.php?area=4 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal parte especial. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. v.2. Bibliografia: p. 152-153.