Assuntos: Suspensão de eficácia do acto administrativo. Importação de mão de obra. Vício de forma. SUMÁRIO



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Transcrição:

Processo nº 173/01 Data: 24/JAN/2002 Assuntos: Suspensão de eficácia do acto administrativo. Importação de mão de obra. Vício de forma. SUMÁRIO a) A suspensão de eficácia do acto administrativo deve ser pedida em articulado autónomo, que não de formulada na petição inicial de recurso contencioso de anulação. b) A apreciação dos pedidos relacionados com a importação de mão de obra tem uma grande margem de discricionaridade. Tal não impede, contudo, a sindicabilidade do acto por erro nos pressupostos de facto, que mais não é do que uma modalidade de violação de lei. c) É facto notório a existência em Macau de inúmeros trabalhadores sem habilitação específica que se encontram inscritos na bolsa de emprego. d) É razoável, e em sintonia com o interesse público, que a Administração da R.A.E.M. defenda o emprego dos trabalhadores locais e impeça a preterição da mão de obra residente, salvo se, para aquele cargo específico, se exigir uma especialização, ou uma certa qualificação, não disponível no mercado de trabalho local. e) A fundamentação do acto administrativo basta-se com um enunciado de motivos que permitam ao cidadão comum

aperceber-se das razões de facto e de direito que conduziram à decisão final. O Relator Sebastião José Coutinho Póvoas 2

Processo Nº 173/01 Recorrente : A. Recorrido : Secretário para o Economia e Finanças. ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M. : A, residente em Macau recorre do despacho do senhor Secretário para Economia e Finanças, de 25 de Julho de 2001, que indeferiu o seu pedido de substituição de trabalhador não residente e cancelou a sua autorização para contratar um trabalhador do exterior. Concluiu a sua petição nestes termos: - O recorrente justificou com razões válidas o pedido de substituição e de contratação do novo trabalhador não residente; - Cumpriu todos os requisitos legais exigíveis neste tipo de processo, juntando todos os documentos necessários para o efeito (ao abrigo do disposto no Despacho nº 49/GM/88 de 16 de Maio e do Despacho 12/GM/88); - O contrato de trabalho apresentado está de acordo com as leis do trabalho em vigor na RAEM, sendo todas as cláusulas legais, elemento essencial cumprido; - A autorização concedida ao recorrente para a contratação de trabalhador não-residente que detinha à mais de 4 anos foi-lhe cancelada sem qualquer fundamento legal; 3

- Só há lugar ao cancelamento da autorização em duas situações: A 1ª diz respeito ao facto de o trabalhador ser considerado dispensável e a 2ª é relativa à presença no território desse trabalhador ser tida por indesejável. Ora no caso vertente nenhuma delas se verifica atendendo a que o recorrente justificou a necessidade da contratação deste trabalhador sendo indispensável a sua contratação, e por outro lado este sempre cumpriu as leis em vigor no território não sendo considerado indesejável, não é considerado personna non grata pela RAEM. Concluindo-se assim que o cancelamento da referida autorização é ilegal. - A decisão recorrida é ilegal porquanto padece de vício de violação de lei por erro nos seus pressupostos aplicou-se o disposto no artº 10º do Despacho 12/GM/88 cancelando a autorização de contratação de trabalhador não residente que o ora recorrente detinha ao abrigo do Despacho nº 49/GM/88 de 16 de Maio, não se tendo verificado nenhuma das situações que levariam ao cancelamento da referida autorização; - A decisão recorrida enferma ainda do vício de forma por falta de fundamentação ao negar provimento à pretensão do recorrente com base na mera invocação de que o mercado de trabalho se encontra numa situação desfavorável e haver disponibilidade de mão de obra residente para o desempenho das funções pretendidas ; - O indeferimento do pedido de substituição e o cancelamento 4

da autorização de trabalho para trabalhador não-residente foram feitas nos termos do disposto no Despacho nº 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, sem se terem verificado os pressupostos aí exigidos para produzir tal efeito. Pede, a final, a anulação do acto recorrido e, entretanto, a suspensão da sua eficácia. Contestou a entidade recorrida para concluir: - O recurso contencioso é de mera legalidade; - Às autorizações concedidas ao abrigo do Despacho 49/GM/88 aplica-se subsidiariamente o Despacho 12/GM/88; - Os despachos 12/GM/88 e 49/GM/88 concedem à Administração poderes discricionários para decidir sobre a contratação de trabalhadores não residentes, sendo tais poderes exercidos na prossecução do interesse público, não de interesses particulares; - O mero facto de o recorrente ter cumprido todos os requisitos legais não vincula a Administração a autorizar a contratação de trabalhadores não residentes; - No exercício dos referidos poderes discricionários, e em nome do interesse público, a Administração pode a todo o tempo cancelar autorizações de contratação anteriormente concedidas; - O cancelamento das autorizações de contratação não está sujeito a um número restrito de fundamentos legais tipificados; 5

- O despacho recorrido foi fundamentado, de forma sucinta mas suficiente. Pede a manutenção do acto. Não foram oferecidas alegações. O Digno Magistrado do Ministério Público, em douto parecer, opinou pela improcedência do recurso, por inexistência de qualquer dos vícios assacados ao acto. Dá-se por assente a seguinte matéria de facto: - Em 17 de Maio de 2001 o recorrente requereu ao Senhor Secretário para a Economia e Finanças autorização para contratar um trabalhador não residente, de nome B; - Pretendia que substituísse o seu anterior trabalhador não residente C; - O trabalhador a contratar exerceria as funções de estafeta no escritório de solicitador do recorrente; - Na dia 25 de Julho de 2001, o Senhor Secretário para a Economia e Finanças indeferiu o requerido nos seguintes termos: Despacho Nº. 02077 /IMO/SEF/2001 A (escritório de XX), solicitou, em 17.05.2001, a substituição, nos termos do disposto no Despacho nº 49/GM/88, de 16 de Maio, de 1 (um) trabalhador(es) não residentes(s) (estafeta) C por B. 6

Atendendo à actual situação desfavorável do mercado de trabalho, e considerando haver disponibilidade de mão de obra residente para o desempenho das funções pretendidas, nos termos do disposto no Despacho nº 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, indefiro, a substituição do(s) trabalhador(es) não residente(s) requerido(s), e cancelo, a autorização concedida a A (escritório de XX), para a contratação de 1 (um) trabalhador(es) não residente(s). Comunique-se à DSTE para notificar a requerente nos termos legais e informar ao Corpo de Polícia de Segurança Pública de Macau, para os efeitos tidos por convenientes. Aos 25 de Julho de 2001, em Macau. Secretário para a Economia e Finanças, Tam Pak Yun Foram colhidos os vistos. Conhecendo, 1. Suspensão de eficácia. 2. Violação de lei. 3. Vício de forma. 4. Conclusões. 7

1. Suspensão de eficácia O recorrente pede, na petição inicial, além da anulação do acto a suspensão da sua eficácia. Nos termos do disposto nos artigos 120º e seguintes do Código de Processo Administrativo Contencioso, e como julgou o Acórdão deste T.S.I. de 18 de Outubro de 2001 P.nº191/01 a suspensão de eficácia do acto administrativo é uma medida interina de certo modo antecipadora da decisão final a obter em sede de recurso contencioso de anulação, do qual é instrumental. Tem natureza, e estrutura, muito próxima das medidas cautelares podendo, tal como elas, ser hipotéticamente instrumental se pedida antes da interposição do recurso ou ser instaurada juntamente com a petição, ou até na pendência do recurso. Só que, nestes casos, embora coeva do recurso, terá de ser deduzida em articulado próprio e é processada por apenso. Não pode, portanto, o pedido de suspensão ser formulado no mesmo articulado do recurso, por corresponderem a distintas formas de processo. Daí que não se conheça o pedido de suspensão de eficácia. 2. Violação de lei 1. No essencial, o despacho recorrido indeferiu o pedido de contratação de trabalhador não residente por considerar existir mão de obra local suficientemente qualificada para substituir aquele cujo contrato terminou. 8

A grande margem de discricionaridade na apreciação dos pedidos de importação de mão de obra não impede que o acto possa ser sindicado por erro sobre os pressupostos de facto, que é uma modalidade de violação de lei, autonomizável com aquele nomen juris no âmbito da actividade discricionária. É nesta óptica que o recorrente assaca ao acto esse vício. Como ensinava o Prof. Marcello Caetano (in Manual de Direito Administrativo, I, 467) se o órgão administrativo julga que o pressuposto do seu acto é um dando como ocorridos factos que, efectivamente, não ocorreram, há violação de lei, uma vez que o momento de verificação dos factos é sempre vinculado e o erro nos pressupostos de facto reconduz-se à mera violação de lei nos actos vinculados mas assume autonomia se o acto é discricionário. A violação de lei compreende, assim, não só o incumprimento dos normativos legais, em sentido estrito, como os desvios de vontade (erro de facto e erro de direito). E o erro de facto pode não só incidir sobre a motivação, como, e também, sobre o objecto do acto, incluindo o erro sobre os pressupostos. 2. O recorrente faz o distinguo entre a parte do despacho que não autorizou a contratação do trabalhador e aquela que cancelou a autorização do anterior, alegando não terem sido verificados os pressupostos do Despacho nº 12/GM/88, de 1 de Fevereiro. Sem razão, porém. A lei (aqui, em sentido lato, por apelo aos Despachos nºs 12/GM/88 de 1 de Fevereiro e 49/GM/88, de 16 de Maio) confere à entidade recorrida o poder de autorizar a contratação de 9

trabalhadores não residentes na R.A.E.M.. O fim pretendido é que a vida social e económica de Macau se desenvolva sem sobressaltos, assegurando tranquilidade, paz social e desenvolvimento. Ora, da leitura do despacho recorrido pode concluir-se que foram essas preocupações esse fim que o acto teve em vista. Invocou, para tal, a necessidade de defender os trabalhadores locais, numa altura em que o mercado de trabalho atravessa certa crise e existe algum desemprego. Existindo e tal é facto notório, nos termos do nº1 do artigo 434º do Código de Processo Civil muitos trabalhadores locais inscritos na bolsa de emprego não é desrazoável antes pelo contrário que a Administração evite criar-lhes situações de bloqueio com a admissão de mão de obra do exterior. É que, por um lado, a imigração embora fonte de desenvolvimento e de progresso não deve impedir aos locais o acesso a postos de trabalho, sob pena de grave inversão de valores sociais; de outra banda só se justifica a preterição de mão de obra residente, tratando-se de tarefas para os quais não existam trabalhadores qualificados, ou que exijam uma especialização e um apuro técnico difícil de encontrar localmente ou, finalmente, que impliquem certa habilitação, ou característica idiossincrática só detectável perante cada tipo de tarefa. E na situação em apreço, tratando-se do exercício de uma actividade inespecifica, para a qual não são exigidas especiais qualificações, não se perfila uma situação de carência em Macau de pessoas com características requeridas para o cabal desempenho dessa função. 10

3. Quanto ao cancelamento da autorização anterior o certo é que a mesma se reportava ao trabalhador substituído por iniciativa do recorrente. O cancelamento surge, assim, na sequência do prescindir daquele trabalhador não residente, já que o recorrente pretende contratar outro. Ademais, como refere o nº 10 do primeiro dos citados Despachos, as autorizações concedidas para o trabalho de não residentes podem ser canceladas, no todo ou em parte, sem dependência de aviso prévio o que inculca uma ampla margem de livre apreciação, ou de auto determinação. A regulamentação da importação de mão de obra deixa que a Administração decida livremente entre várias soluções legalmente possíveis (autorizar, não autorizar e cancelar). Não ocorre, também nesta parte, o vício assacado. 3. Vício de forma O recorrente alega o vício de forma por insuficiente fundamentação do acto. Embora sucintamente, o acto está fundamentado já que, através da sua leitura, é possível acompanhar o iter cognoscitivo e valorativo do autor e tal é perceptível, e alcançável, pelo cidadão comum. Fundamentação entendida não só como motivação traduzida na indicação de razões que estão na base do escolha operada, como ainda na justificação através do seriar dos pressupostos de facto e de direito. 11

São enunciadas, expressamente, as razões e os motivos que permitiram alcançar o conclusão obtida. É, pois, clara, suficiente e congruente dando a conhecer o raciocínio dedutivo que permitiu a decisão final. Razão porque não se perfila aquela modalidade de vício de forma. 4. Conclusões De concluir que: f) A suspensão de eficácia do acto administrativo deve ser pedida em articulado autónomo, que não de formulada na petição inicial de recurso contencioso de anulação. g) A apreciação dos pedidos relacionados com a importação de mão de obra tem uma grande margem de discricionaridade. Tal não impede, contudo, a sindicabilidade do acto por erro nos pressupostos de facto, que mais não é do que uma modalidade de violação de lei. h) É facto notório a existência em Macau de inúmeros trabalhadores sem habilitação específica que se encontram inscritos na bolsa de emprego. i) É razoável, e em sintonia com o interesse público, que a Administração da R.A.E.M. defenda o emprego dos trabalhadores locais e impeça a preterição da mão de obra residente, salvo se, para aquele cargo específico, se exigir uma especialização, ou uma certa qualificação, não disponível no 12

mercado de trabalho local. j) A fundamentação do acto administrativo basta-se com um enunciado de motivos que permitam ao cidadão comum aperceber-se das razões de facto e de direito que conduziram à decisão final. Nos termos expostos, acordam negar provimento ao recurso. Custas pelo recorrente, com 3 UCs de taxa de justiça. Macau, 24 de Janeiro de 2002. Sebastião José Coutinho Póvoas (Relator) Chan Kuong Seng Lai Kin Hong Magistrado do Mº. Pº. presente - Victor Manuel Carvalho Coelho 13