Consulta Pública sobre Anteprojecto de alteração do artigo 182.º-A do Código dos Valores Mobiliários



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Transcrição:

Consulta Pública sobre Anteprojecto de alteração do artigo 182.º-A do Código dos Valores Mobiliários 1. Objecto da consulta A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, no contexto da política legislativa para o mercado de capitais, submete a consulta pública uma proposta de modificação do artigo 182.º-A do Código dos Valores Mobiliários (CVM), que procede à revisão das regras do CVM relativas a restrições à transmissão de acções e ao exercício do direito de voto. 2. Processo de consulta Tendo em conta o tema, a presente consulta pública dirige-se às sociedades abertas, aos investidores, a todos os intervenientes no mercado e ao público em geral. As respostas devem ser enviadas, até ao dia 8 de Setembro de 2011, à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, de preferência, para o endereço de correio electrónico cmvm@cmvm.pt, podendo igualmente ser expedidas, por correio normal, para a seguinte morada: CMVM: Avenida da Liberdade, n.º 252, 1056-801 Lisboa; ou por telefax n.º 21 353 70 /77/78. Qualquer esclarecimento adicional sobre a presente consulta pública poderá ser prestado por João Sousa Gião, Sub-Director do Departamento Internacional e de Política Regulatória ou por Gabriela Figueiredo Dias, Sub-Directora do Departamento de Supervisão de Mercados, Emitentes e Informação, ambos da CMVM. 3. As razões do projecto de alteração legislativa a) A Directiva Comunitária 1

A Directiva das Ofertas Públicas de Aquisição (OPA) 1, no seu art. 11.º, introduziu a chamada breakthrough rule, que abrange as seguintes restrições convencionais e direitos especiais: a) Restrições à transmissão de acções previstas nos estatutos da sociedade visada ou resultantes de contratos entre os accionistas e entre os accionistas e a sociedade; b) Restrições em matéria de voto, previstas nos estatutos da sociedade visada ou resultantes de contratos entre accionistas ou entre estes e a sociedade; e c) Direitos especiais de accionistas no que diz respeito à nomeação ou destituição de membros do órgão de administração previstos nos estatutos da sociedade. O regime estabelecido é basicamente o seguinte: Período de aceitação da oferta pública de aquisição: as limitações à transmissão de acções, de natureza estatutária, ou resultante de acordo parassocial ou com a sociedade, não são aplicáveis ao oferente. Ou seja, por exemplo, se um accionista estiver obrigado a dar preferência a terceiro, pode aceitar a oferta e as acções serão transmitidas ao oferente, apesar do direito de preferência de terceiro. Medidas defensivas tomadas pela sociedade visada: As limitações existentes em matéria do exercício do direito de voto não são eficazes na Assembleia Geral (AG) que delibere sobre as medidas defensivas a implementar. Oferente que tenha adquirido mais de 75% do capital com direitos de voto na sequência de uma OPA: Não lhe são oponíveis as restrições à transmissão de acções, os votos plurais, nem restrições ao exercício de direitos de voto, nem direitos especiais de accionistas no que respeita à nomeação ou destituição de membros do órgão de administração. Para o efeito, o oferente deve ter o direito de convocar uma Assembleia, desde que seja convocada pelo menos com duas semanas de antecedência. A Directiva resulta de um compromisso entre diversas posições e, por isso, a um tempo, determina que os Estados-membros assegurem o regime da breakthrough rule acima referida (art. 11.º), mas permite-lhes igualmente que optem por não o aplicar de forma obrigatória às sociedades (art. 12.º). Se não o aplicarem, os Estados-membros devem dar às sociedades o direito de consagrar a breakthrough rule nos seus Estatutos, por deliberação em Assembleia Geral, em conformidade com a lei do Estado-membro em que se situe a sua sede social aplicável às alterações aos estatutos. 1 Directiva 2004/25/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 21 de Abril de 2004. 2

Aplicado este regime, as sociedades podem ainda assim ser dispensadas de o seguir, no caso de não haver reciprocidade, ou seja, se a sociedade for alvo de uma oferta pública lançada por uma sociedade que não aplique as mesmas regras de breakthrough ou por uma sociedade controlada, directa ou indirectamente, por uma dessas sociedades. Neste caso, mantêm-se as restrições à transmissão das acções e ao exercício dos direitos de voto, bem como os direitos especiais de designação e destituição de elementos do órgão de administração. b) A transposição da breakthrough rule para o direito português no art. 182.º-A do Código dos Valores Mobiliários O legislador português foi particularmente sensível às dificuldades e equilíbrios que estiveram na base do compromisso que gerou as regras comunitárias. O resultado final foi um regime que se afigura, hoje, algo complexo e, em alguns casos de difícil interpretação. O art. 182.º-A do CVM não consagrou em termos imperativos a regra de breakthrough no ordenamento jurídico português. Diferentemente, deixou, em primeira linha, às sociedades, a opção de inclusão nos seus estatutos da suspensão voluntária da eficácia de, por um lado, restrições à transmissão das acções e ao exercício do direito de voto e, por outro lado, dos direitos especiais de designação e destituição dos administradores (art. 182.º-A/1). A opção política tomada em 2006 foi a de, com base no modelo previsto na Directiva, confiar na pressão dos mercados como instrumento para evitar a eternização das cláusulas restritivas. Assim, seria a própria concorrência entre sociedades para a captação de recursos de capital ao menor custo, que as levaria a, por sua própria iniciativa, eliminar ou suspender a eficácia das restrições estatutárias e contratuais à transmissão e ao exercício dos direitos de voto. Todavia, o legislador não se ficou por aqui. Tendo deferido, em primeira linha, às sociedades, a opção quanto à adopção estatutária da breakthrough rule, mostrou não ser indiferente quanto ao sentido em que essa opção era exercida, tendo disposto expressamente para o caso de a breakthrough rule não ser adoptada voluntariamente. Com efeito, consciente do impacto negativo que as disposições estatutárias restritivas aqui referidas podem ter na mudança de controlo societário e na protecção dos interesses dos accionistas, o legislador, atendendo ao princípio da liberdade de circulação de capitais e em contraponto com o primado da autonomia privada, tal como reconhecido no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 219/2006, de 2 de Novembro (texto que transpôs a Directiva das OPA), estabeleceu que, quando as sociedades não adoptem cláusulas estatutárias de suspensão daquelas restrições em caso de oferta pública de aquisição, não podem fazer depender a alteração ou eliminação das restrições à transmissibilidade das acções e ao 3

exercício do direito de voto de um quórum deliberativo superior a 75% dos votos emitidos (art. 182.º-A/2). Esta regra foi ainda confirmada pela disposição transitória constante do art. 5.º, n.º4 do Decreto-Lei n.º 219/2006, de 2 de Novembro, a qual veio permitir a eliminação das restrições estatutárias à transmissão das acções e aos direitos de voto em sociedades que, à data da entrada em vigor do diploma, não consagrassem voluntariamente a breakthrough rule, por uma maioria de 75% dos votos emitidos (regra que, naturalmente, não visou agravar o quórum exigível nos casos em que os estatutos das sociedades previssem um quórum deliberativo menos exigente para a aprovação de alterações aos estatutos). O objectivo que se pretendeu atingir, foi de o de facilitar o sufrágio, pelos accionistas, das disposições estatutárias restritivas da transmissão de acções e do exercício do direito de voto. A verdade é, todavia, que serão raras as sociedades cotadas que imponham um quórum deliberativo superior a 75% dos direitos de voto para alteração dos estatutos. Por outro lado, o regime supletivo para as alterações estatutárias é de 2/3 dos votos emitidos, nos termos do n.º 3 art. 386.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC). Deste modo, perante a ausência dos impactos desejados, pode indagar-se da própria utilidade e consistência da regra constante do art. 182.º-A/2 do CVM. Em face do contexto actual da economia portuguesa e europeia, o regime português carece, pois, a um tempo, de clarificação e revisão. Conforme mencionado anteriormente, o legislador deferiu, em primeira linha, às sociedades, a opção pela breakthrough rule, mas preocupou-se em dispor para o caso de não exercerem esta opção de modo voluntário, e com isso manifestou uma preferência pela breakthrough rule. Volvidos cinco anos, é no sentido de aumentar a competitividade do mercado de controlo societário português, de clarificar e de adoptar de modo inequívoco a suspensão das cláusulas restritivas à transmissão e ao exercício do direito de voto e determinados direitos especiais no caso de lançamento de oferta pública de aquisição, que vai o projecto que agora se submete à consulta pública. c) Razões para uma opção clara pela breakthrough rule ao nível legislativo, no caso de oferta pública de aquisição; o regime da indemnização. É comum dizer-se que a suspensão da eficácia das medidas restritivas da transmissibilidade das acções, do exercício dos direitos de voto e dos direitos especiais de designação e destituição de administradores em caso de oferta pública de aquisição torna mais fluído o funcionamento do mercado de controlo das sociedades abertas, favorece o investimento, potencia a liquidez das acções e melhora a governação das empresas. 4

A existência de restrições ao exercício dos direitos de voto e à transmissibilidade das acções, bem como a existência de direitos especiais de designação ou destituição de administradores constituem elementos dissuasores de relevo ao lançamento de ofertas públicas de aquisição, dado que restringem o equilíbrio entre o investimento e o poder accionista na sociedade. Quando, ainda assim, uma oferta pública de aquisição seja lançada, tais restrições podem privar os accionistas da última palavra sobre o seu sucesso ou insucesso. E quando esta tenha sucesso, os limites aos direitos de voto e os direitos especiais de designação ou destituição de administradores podem gerar uma desproporção entre o investimento feito pelo oferente e o poder accionista que lhe é afinal conferido, impedindo que ele exerça de facto o controlo que se dispôs a adquirir. De facto, é particularmente gritante que um oferente que pague um prémio de controlo aos accionistas e que adquira pelo menos 2/3 do capital com direitos de voto de uma sociedade, através de oferta pública, não consiga provocar uma alteração estatutária na sociedade que adquiriu, de modo a eliminar os limites aos direitos de voto, por os seus votos, por exemplo, não se contarem acima de 10% ou 20% do total do capital com direito de voto, ou que lhe sejam oponíveis direitos especiais relativos à composição do órgão de administração. Porém, a neutralização das restrições ao exercício dos direitos de voto e das restrições à transmissibilidade das acções, e de outros valores mobiliários que dêem direito à sua aquisição, é igualmente relevante na pendência da oferta, designadamente, para efeitos da assembleia geral convocada especialmente para deliberar sobre a adopção de medidas defensivas, nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 182.º do CVM. Com efeito, uma OPA, consoante as condições que sejam apostas pelo oferente, pode ser decidida em dois momentos: no apuramento dos resultados ou, previamente, na referida assembleia geral convocada na sua pendência para deliberar sobre medidas defensivas. Em ambos os momentos, a decisão deve ser dos accionistas, valendo a soberania do poder decisório dos accionistas e o primado do princípio da proporcionalidade entre o controlo e o capital. O resultado final que se pretende é o de que sejam os accionistas, reunidos em assembleia geral ou através da aceitação, a decidir o destino da oferta - com respeito pela proporcionalidade entre controlo e capital - e a suportar as consequências da sua decisão. Ora, os limites ao exercício dos direitos de voto, sendo legítimos, constituem objectivamente meios defensivos em relação a ofertas públicas de aquisição, pois obstaculizam a alteração do status quo existente. Isto significa que, tipicamente, quando são estatutariamente desenhados, os limites ao exercício dos direitos de voto destinam-se a 5

favorecer a aprovação das deliberações desejadas pelos accionistas incumbentes, os quais, numa oferta hostil, por regra, favorecem a adopção de medidas defensivas. Outro ponto que, neste contexto, importa considerar é o de que a assembleia geral convocada para deliberar sobre medidas defensivas, em termos cronológicos, precede o fim do prazo da oferta. Isto significa que o resultado da assembleia geral pode condenar a oferta ao insucesso, sem que os accionistas tenham sequer a possibilidade de a aceitar. Daqui resulta a essencialidade de salvaguardar o poder decisório dos accionistas e do princípio da proporcionalidade entre o controlo e o capital por via da neutralização das restrições transmissivas e relativas ao exercício do direito de voto não apenas na fase da aceitação, mas igualmente na assembleia geral convocada para deliberar sobre a adopção de medidas defensivas, na pendência da oferta. A prática mostrou que estes problemas não são resolvidos deferindo a opção de adopção pela breakthrough rule às próprias sociedades. Até ao momento, não houve qualquer sociedade que voluntariamente o tenha feito, ou que tenha sequer submetido a questão aos accionistas para discussão. Assim, os benefícios da breakthrough rule só podem ser colhidos se essa for uma opção inequivocamente assumida ao nível legislativo, em nome da soberania accionista e do princípio de proporcionalidade entre controlo e capital. A acrescer, importa cuidar dos casos em que a oferta tem sucesso mas sem que o oferente adquira pelo menos 2/3 do capital social com direito de voto da sociedade visada. Nesses casos, não sendo aplicável a regra de breakthrough após o prazo da oferta a qual neutraliza as restrições referentes à transmissão e, na primeira assembleia geral de accionistas subsequente ao encerramento da oferta, as restrições ao direito de voto, assim como os direitos especiais de designação ou de destituição de membros do órgão de administração da sociedade visada é necessário evitar que o oferente fique indefinidamente sujeito aos inconvenientes, atrás relatados, decorrentes da existência de tais limitações, particularmente nas situações em que a sociedade visada é uma sociedade aberta, estando sujeita ao regime da OPA obrigatória, ou seja, quando o lançamento da oferta não depende exclusivamente da vontade do oferente. Em consequência, no presente projecto propõe-se que caso os estatutos das sociedades abertas prevejam limitações ao número de votos que podem ser detidos ou exercidos pelos accionistas devem igualmente prever a sujeição periódica (pelo menos de cinco em cinco anos) das mesmas, em termos da sua manutenção ou revogação, a deliberação dos accionistas, sem requisitos de quórum agravado relativamente ao legal e na qual tais limitações não funcionem. Por fim, tendo em conta que os accionistas com direitos especiais, quer estes sejam, entre outros, de nomeação ou destituição de administradores ou, direitos de preferência quanto à 6

transmissão de acções, poderão sofrer prejuízos em resultado do regime de suspensão ou supressão destes, a Directiva das OPA determina que deve estabelecer-se uma indeminização pelos eventuais prejuízos. Todavia, não se tratando de responsabilidade por qualquer acto ilícito do oferente, essa indemnização deverá ser equitativa, ponderando-se as circunstâncias concretas do caso e os benefícios que a oferta possa ter implicado, em termos de valorização das acções, com impacto positivo também em quem não aceitou a oferta. Saliente-se, todavia, que não constituindo os limites ao exercício dos direitos de voto direitos especiais, a sua neutralização não assegura qualquer pretensão indemnizatória. d) Acolhimento de uma excepção de reciprocidade limitada É também para que os accionistas possam ter a última palavra quanto ao sucesso ou insucesso da oferta, que não se acolhe plenamente, neste projecto, a excepção de reciprocidade, prevista facultativamente na Directiva. Ou seja, mesmo que o oferente ou a sociedade que o domine não sigam as mesmas regras quando à suspensão de eficácia das restrições referidas neste texto, mantém-se, ainda assim, a suspensão de eficácia das restrições ao nível da sociedade visada sujeita a lei pessoal portuguesa, salvo se, e a partir do momento em que ela anunciar, por seu turno, uma contra-oferta sobre o oferente. Recorde-se que o lançamento de uma contra-oferta sobre o oferente tem de ser aprovado pelos accionistas da sociedade visada, dado o disposto no art. 182.º do CVM, o que permite assegurar o cumprimento do disposto no n.º 5 do art. 12.º da Directiva, o qual exige que quaisquer medidas tomadas pela sociedade visada em termos de reciprocidade se fundem em autorização dos accionistas concedida no máximo 18 meses antes da divulgação da oferta inicial. Se uma contra-oferta for anunciada pela sociedade visada, só a aplicação do princípio da reciprocidade coloca as duas sociedades (ao mesmo tempo oferentes e visadas) em igual plano, quanto às possibilidades de êxito da oferta e ao próprio exercício do controlo. Se, pelo contrário, tal contra-oferta não for anunciada (ainda que por a sociedade visada ter concluído que as suas probabilidades de êxito são limitadas, dado o regime a que se encontra sujeita a sociedade oferente), a decisão final sobre o sucesso ou insucesso da oferta pública deve ser devolvida aos accionistas da sociedade visada, deixando que, para o efeito, ela seja submetida à aceitação ou rejeição daqueles. Nesta matéria, a questão decisiva é sempre a de saber se a oferta tem ou não qualidade e isso só pode ser decidido pelo conjunto dos accionistas. Ora, as regras a que está sujeito o 7

oferente, respeitantes à eficácia das restrições à transmissão de acções e ao direito de voto que sobre si incidam, nada têm a ver com a qualidade da oferta. Os accionistas decidirão se a rejeitam ou aceitam, em função do preço e das condições que lhe são oferecidas e não do regime a que se encontra sujeito o oferente. A aplicação geral de uma regra de reciprocidade ilimitada poderá privar, afinal, os accionistas da possibilidade de julgarem o mérito da oferta. Ainda em consequência da defesa da soberania dos accionistas quanto à avaliação da qualidade da oferta, propõe-se conceder às sociedades que assim entendam adequado, a possibilidade de, estatutariamente, abdicarem totalmente do regime de reciprocidade, mesmo em caso de lançamento de contra-oferta. 4. Projecto de alteração legislativa Artigo 182.º-A Suspensão de eficácia de restrições transmissivas e de direito de voto 1- Quando seja lançada uma oferta pública de aquisição sobre sociedade aberta sujeita a lei pessoal portuguesa, as restrições, previstas nos estatutos ou em acordos parassociais, referentes ao exercício do direito de voto ficam suspensas, não produzindo efeitos na assembleia geral convocada nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo anterior. 2 Quando seja lançada uma oferta pública de aquisição sobre sociedade aberta sujeita a lei pessoal portuguesa, as restrições, previstas nos estatutos ou em acordos parassociais, referentes à transmissão de acções ou de outros valores mobiliários que dêem direito à sua aquisição ficam suspensas, não produzindo efeitos em relação às transmissões para o oferente durante o período de aceitação da oferta. 3 Sem prejuízo de disposição estatutária que fixe um limiar mais baixo, quando, na sequência de oferta pública de aquisição sobre sociedade aberta sujeita a lei pessoal portuguesa, o oferente adquira pelo menos 2/3 do capital social com direito de voto, não lhe são aplicáveis as restrições referentes à transmissão nem, na primeira assembleia-geral de accionistas subsequente ao encerramento da oferta convocada a fim de alterar os estatutos da sociedade ou de destituir ou nomear membros do órgão de administração, as restrições ao direito de voto previstas nos estatutos ou em acordos parassociais, assim como não podem ser exercidos direitos especiais de designação ou de destituição de membros do órgão de administração da sociedade visada. 4 A assembleia geral referida no número anterior é convocada com uma antecedência mínima de 15 dias. 8

5 Salvo disposição estatutária em contrário, o regime previsto nos números 2 e 3 não é aplicável a oferta pública de aquisição lançada por sociedade que não esteja sujeita às mesmas regras ou que seja dominada por uma sociedade que não se sujeite às mesmas regras, quando a sociedade visada tenha igualmente anunciado preliminarmente uma oferta pública de aquisição sobre alguma daquelas sociedades, com base em autorização dos accionistas concedida em assembleia geral. 6 - O oferente indemniza, segundo critérios de equidade, os danos causados pela suspensão de eficácia de acordos parassociais e dos direitos especiais, integralmente divulgados, ou consagrados nos estatutos, respectivamente, até à data da publicação do anúncio preliminar, excepto tratando-se de suspensão de qualquer limite ao exercício do direito de voto. 7 - Os estatutos das sociedades abertas sujeitas a lei pessoal portuguesa que prevejam limitações ao número de votos que podem ser detidos ou exercidos pelos accionistas devem prever a sujeição das mesmas, em termos da sua manutenção ou revogação, pelo menos de cinco em cinco anos, a deliberação dos accionistas, sem requisitos de quórum agravado relativamente ao legal e na qual tais limitações não se aplicam. * * * * * 9