II-179 - EXPANSIBILIDADE DA MANTA DE LODO DE REATORES UASB Renato Carrhá Leitão (1) Pesquisador da Embrapa Agroindústria Tropical, Engenheiro Civil pela Universidade Federal do Ceará (1988), Mestre em Hidráulica e Saneamento pela Escola de Engenharia de São Carlos EESC-USP (1991), Doutor em Tecnologia Ambiental pela Universidade de Wageningen Holanda (2004). Alexandre Colzi Lopes Mestrando em Hidráulica e Saneamento na Escola de Engenharia de São Carlos EESC-USP, Engenheiro Civil pela Universidade Federal do Ceará (2002). Adrianus Cornelius van Haandel Professor Titular da Universidade Federal de Campina Grande, Engenheiro Químico pela Universidade de Eindhoven Holanda (1968), Mestre em Engenharia Química pela Universidade de Eindhoven Holanda (1971), PhD em Engenharia Civil pela Universidade da Cidade do Cabo África do Sul (1981), Pós-Doutor pela Universidade de Wageningen Holanda (1991). Grietje Zeeman Professora Associada da Universidade de Wageningen Holanda, Engenheira em Tecnologia Ambiental, PhD em Tecnologia Ambiental pela Universidade de Wageningen (1991). Gatze Lettinga Professor Emérito Titular da Universidade de Wageningen Holanda, inventor do reator UASB, ganhador de diversos prêmios e títulos: em 1992 o prêmio Karl-Imhoff da International Association for Water Quality, em 2000 o prêmio Royal Shell, Doctor Honoris Causa pela Universidade de Valladolid e pela Universidade de Santiago de Compostela Espanha. Endereço (1) : Rua Coronel Jucá, 510/902 Aldeota Fortaleza CE CEP: 60170-320 - Brasil - Tel: (85) 3267-1352 - e-mail: renatocl@yahoo.com RESUMO Este trabalho visou avaliar as propriedades hidrodinâmicas da manta de lodo dos reatores anaeróbios de fluxo ascendente e leito de lodo (Upflow Anaerobic Sludge Blanket UASB) baseando-se na expansibilidade. A metodologia utilizada para avaliação da expansibilidade do leito de lodo de reatores anaeróbios de leito expandido e de leito fluidificado de Richardson e Zaki (1954) foi adaptada às características específicas do lodo anaeróbio de reatores UASBs. Para tanto, desenvolveu-se um equipamento de fácil construção para se obter os parâmetros necessários ao cálculo da expansibilidade. Os resultados obtidos com experimentos realizados com lodos provenientes de 7 reatores operados diferentemente mostraram que a expansibilidade do lodo diminui quando o tempo de detenção hidráulica diminui e/ou a concentração afluente aumenta. PALAVRAS-CHAVE: Reator UASB, leito de lodo, expansibilidade, TDH, concentração afluente. INTRODUÇÃO Uma importante característica dos reatores anaeróbios que são operados em fluxo ascendente é o fenômeno de expansão da manta de lodo. Há vários artigos que tratam deste assunto, mas somente os reatores anaeróbios de leito expandido (Expanded Granular Sludge Bed - EGSB) e reatores anaeróbios de leito fluidificado (Fluidised Bed Reactor - FBR) foram utilizados nestas investigações (Nicolella et al., 1999; Marín et al., 1999; Diez Blanco et al., 1995; Hermanowicz e Ganczarczyk, 1983; Ngian e Martin, 1980). Particularmente para reatores anaeróbios de fluxo ascendente e leito de lodo (Upflow Anaerobic Sludge Blanket UASB), esta característica pode ser relacionada com a capacidade destes reatores em reter sólidos, tanto durante a operação em estado de equilíbrio com altas velocidades ascendentes, quanto durante uma sobrecarga hidráulica ou orgânica. De fato, o comportamento hidrodinâmico da manta de lodo nos reatores UASBs ainda não está esclarecido. A falta de informação faz com que o projeto e a operação desses reatores sejam realizados pelo método de tentativa e erro, principalmente no que diz respeito a altura apropriada da manta de lodo ou o espaço entre a manta de lodo e o separador de fases. Este trabalho teve como objetivo geral avaliar a expansibilidade da manta de lodo de reatores UASBs. Os objetivos específicos foram: (1) desenvolver um método simplificado para determinação da expansibilidade da ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 1
manta de lodo de reatores UASB; e (2) avaliar o efeito das condições operacionais (Tempo de Detenção Hidráulica TDH; e concentração afluente - DQO Afl ) na expansibilidade da manta de lodo. MATERIAIS E MÉTODOS Lodo Anaeróbio A investigação foi realizada usando lodo obtido de 7 reatores UASBs em escala piloto (altura de 4,0 m; diâmetro interno de 0,2 m; e volume de 120 L). Os reatores em escala piloto foram operados em temperatura de 27 ± 1ºC e alimentados com esgoto doméstico pré-gradeado da cidade de Campina Grande - PB. Os reatores em escala piloto foram operados por mais de 3 vezes o tempo de detenção do lodo. A partir deste tempo, considerou-se que foi atingido o estado de equilíbrio. Após a etapa de partida, foram retiradas amostras de lodo em 4 alturas do reator (0,25; 1,00; 1,75; 2,50 m da base) e estas foram misturadas para se obter uma amostra composta do lodo. Os reatores em escala piloto operados neste trabalho foram denominados por R TDH DQO, onde o índice sobrescrito representa o tempo de detenção hidráulica (os TDHs utilizados foram 1, 2, 4 e 6 h), e o índice subescrito representa a Demanda Química de Oxigênio (DQO) total do afluente (as DQOs foram 136, 352, 558, ~800 mg/l). Todos parâmetros estão representados pela média durante a operação em condição de equilíbrio. Os principais parâmetros operacionais estão apresentados na Tabela 1. Reatores em Escala de Laboratório Para os testes de sedimentabilidade, foram utilizados 2 reatores UASBs em escala de laboratório construídos em acrílico transparente, com volume de 7,8 L, altura de 1,2 m e diâmetro interno de 0,08 m. Eles foram equipados com um separador de fases modificado (como descrito por Cavalcanti, 2003), uma bomba de recirculação e um homogeneizador de baixa rotação (1 rpm), que foi instalado para evitar caminhos preferenciais e a formação do fenômeno de pistonamento na manta de lodo, como recomendado por Dick e Vesilind (1969) para testes de sedimentabilidade em cilindros estreitos. A Figura 1 mostra o esquema dos reatores em escala de laboratório utilizados neste trabalho. Figura 1 - Esquema dos reatores UASB em escala de laboratório ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 2
Procedimento Experimental As amostras compostas de lodo foram analisadas baseando-se na determinação de sólidos totais (ST), sólidos voláteis (SV) e IVL antes do início de operação dos reatores em escala de laboratório. Em cada um dos dois reatores foram utilizadas 2,5 L da amostra composta de lodo (o experimento foi feito em duplicata). Para iniciar a operação, os reatores foram alimentados com efluente tratado anaerobiamente, e as bombas de recirculação foram ajustadas para tal vazão que a velocidade ascendente (U) fosse a mesma no reator em escala piloto de onde a amostra composta de lodo foi retirada. Os reatores foram mantidos nesta velocidade ascendente até que não houvesse a liberação de gás. Subseqüentemente, a velocidade ascendente foi aumentada ou diminuída através de um reajuste das bombas de recirculação. Os dados da altura da manta de lodo e dos respectivos tempos para que a manta de lodo atingisse esta altura foram coletados até que não houvesse mais variação na altura do leito. A velocidade ascendente foi aumentada até que a manta de lodo atingisse o separador gás-líquido-sólido, e diminuída por fatores de 0,5; 0,75 e finalmente a recirculação foi interrompida (U=0), quando a altura mínima foi observada. Todas as determinações físicas e químicas foram realizadas como está descrito em APHA (1995). RESULTADOS E DISCUSSÃO Aplicando-se a metodologia descrita anteriormente, alturas da manta de lodo diferentes foram encontradas para várias velocidades ascendentes. A expansão da manta de lodo (ε) foi calculada usando Equação 1, e pode ser modelada segundo a metodologia desenvolvida por Richardson e Zaki (1954), a qual é baseada em um gráfico de ε em função da velocidade ascendente (U), como está apresentado na Figura 2. Com os resultados calculados da expansão do leito de lodo, obtém-se a Figura 2. Através do método dos mínimos quadrados, os parâmetros da equação linear (Equação 2) podem ser obtidos (ver exemplo no gráfico da Figura 2) e pode-se deduzir as Equações 3 e 4. Os resultados dos parâmetros de Vesilind estão apresentados na Tabela 1 h h 0 ε = 100 (Equação 1) h 0 ( U) m.log( ) b Ln = ε + (Equação 2) U = U 0 ( ε) m (Equação 3) b U 0 = 10 (Equação 4) onde ε é a expansão da manta de lodo (%); h (m) é a altura estabilizada da manta de lodo para uma determinada velocidade ascendente U (m/h); h 0 (m) é a altura da manta de lodo quando a velocidade ascendente é zero; U é a velocidade ascendente imposta (m/h); U 0 (m/h), m (L/g) e b são as constantes de expansibilidade. Tabela 1 Parâmetros operacionais dos reatores UASB de onde as amostras de lodo foram obtidas e resultados dos cálculos para as constantes de expansibilidade. Reator TDH U (a) DQO (b) Afl Expansibilidade (h) (m/h) (mg/l) m (b) (c) U 0 R 6 816 6 0.64 816±45 1.96 0.3 R 4 770 4 0.95 770±38 1.59 0.5 R 2 787 2 1.90 787±31 1.52 0.8 R 1 716 1 3.80 716±42 1.59 3.2 R 4 558 4 0.95 558±31 1.27 0.8 R 2 352 2 1.90 352±18 1.61 0.3 R 1 136 1 3.80 136±18 1.84 0.6 (a) U representa a velocidade ascendente normalmente aplicada ao reator de onde foi obtido o lodo. (b) DQO média do afluente. (c) Parâmetro empírico calculado (L/g). (d) Parâmetro empírico calculado (m/h). ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 3
Figura 2: Resultados da expansão do lodo (ε) e Log(U) dos lodos dos 7 reatores UASB. A Figura 3 mostra resultados experimentais de reatores operados com diferentes TDHs (R 6 816, R 4 770, R 2 787, R 1 716) e concentração do afluente em torno de 800 mgdqo/l, juntamente com os resultados calculados usando a Equação 3 (representada no gráfico pela linha contínua). Quando comparado os resultados desses reatores fica evidente que a expansibilidade do leito de lodo é menor em reatores operados com TDHs menores. Na realidade, a expansibilidade da manta de lodo está intimamente ligada a sedimentabilidade deste lodo. Os reatores em escala piloto de onde foram retirados os lodos deste experimento foram operados sem descarga de lodo, ou seja, eles foram operados com sua capacidade máxima de retenção de lodo. Conseqüentemente, a mínima expansão do leito causava carreamento de uma parte do lodo dos reatores. Então, o lodo que restava no reator que foi operado com velocidades ascendentes mais altas (menores TDHs) eram menos expansíveis. Figura 3: Resultados experimentais e calculados da velocidade ascendente (U) e a expansão (ε) para reatores operados com diferentes TDHs. A linha contínua representa os resultados calculados através da Equação 3. A Figura 4 mostra resultados experimentais de dois conjuntos de reatores operados com diferentes concentrações afluentes (Conjunto A: R 2 787 e R 2 352; e Conjunto B: R 1 716 e R 1 136), além dos resultados da Equação 3. Vale observar que em cada conjunto, os reatores são operados com o mesmo TDH. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 4
Para um dado TDH, a expansibilidade da manta de lodo aumenta quando o reator é operado com menores concentrações afluentes. A razão principal para isto pode estar relacionada com a depleção na produção de polímeros extracelulares, que ocorre quando a biomassa fica submetida a baixas concentrações de substrato (Jia et al., 1996). Estes polímeros extracelulares são conhecidos como responsáveis pela granulação ou floculação, o que pode ser a causa da produção do lodo mais floculento e mais expansível. Porém, é possível que tenha havido um tipo de seleção natural do lodo, já que o lodo floculento oferece menor resistência à transferência de massa (mais permeável) quando comparado com lodo granular (Nicolella et al., 2000; Gonzalez-Gil et al., 1997). Logo, o substrato (diluído) está mais acessível para biomassa no lodo floculento. Figura 4: Resultados experimentais e calculados da velocidade ascendente (U) e a expansão (ε) para dois conjuntos de reatores operados com diferentes TDH e diferentes concentrações afluentes. A linha contínua representa os resultados calculados através da Equação 2. O modelo utilizado para estudar a dinâmica do leito do lodo em reatores UASB, adaptado da equação desenvolvida por Richardson e Zaki (1954), pode ser utilizado na otimização na altura do leito de lodo quando este reator for projetado para operar sob altas variações na carga hidráulica. Se o regime de vazões for conhecido, é possível conhecer a variação que ocorre na altura do leito de lodo. Assim, é possível evitar um carreamento de grandes massas de lodo durante a sobrecarga hidráulica, que pode eventualmente deteriorar a performance de um pós-tratamento. Como um exemplo: assumindo que um reator UASB tem que suportar uma sobrecarga hidráulica de 1,5 vezes a vazão média (valor normalmente encontrado para estações tratando esgoto doméstico), e usando os parâmetros obtidos para os reatores operados com TDH de 4 e 6 h, pode-se concluir que a altura ideal da manta de lodo deve ser mantida entre 70 e 80% da distância entre o fundo do reator e o separador de fases. Se um reator UASB for operado sem o devido descarte de lodo, é possível quantificar a quantidade de lodo que pode ser expelido durante uma sobrecarga hidráulica. Assim, medidas preventivas podem ser tomadas para evitar danos ao pós-tratamento. Os resultados deste trabalho mostram que é desnecessário operar um reator UASB com TDH longos apenas com o objetivo de melhorar sua capacidade de suportar choques hidráulicos, já que com longos TDHs ocorre a formação de lodo mais expansível, que é facilmente carreado em altas velocidades ascendentes. CONCLUSÕES Com base no trabalho realizado, concluiu-se que: A instalação experimental e o procedimento apresentado neste trabalho são apropriados para avaliação da expansibilidade da manta de lodo usando a equação de Richadson e Zaki. Diminuindo o TDH ou aumentando as velocidades ascensionais conduzem um a decréscimo da expansibilidade da manta de lodo dos reatores UASB. Diminuindo a concentração da DQO afluente conduz a um aumento da expansibilidade. O teste de expansibilidade pode ser usado para otimizar o nível ideal da manta de lodo, quando o reator UASB for projetado para operar com altas flutuações na vazão. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 5
Não se deve aumentar o TDH com o objetivo de melhorar sua capacidade dos UASBs de suportar choques hidráulicos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. APHA. Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater. 19th ed., American Public Health Association, Washington DC, USA. 1995. 2. CAVALCANTI, P.F.F. Integrated Application of the UASB Reactor and Ponds for Domestic Sewage Treatment in Tropical Regions. Tese de Doutorado. Wageningen, Wageningen University. 139 p. 2003. 3. DICK, R.I.; VESILIND, P.A. The Sludge Volume Index - What is it? Journal of the Water Pollution Control Federation. v.41, n.7, p.1285-1291. 1969. 4. DIEZ BLANCO, V.; GARCÍA ENCINA, P.A.; FERNANDEZ POLANCO, F. Effects of biofilm growth, gas and liquid velocities on the expansion of an anaerobic fluidized bed reactor (AFBR). Water Research. v.29, n.7, p.1649-1654. 1995. 5. GONZALEZ-GIL, G., SEGHEZZO, L., LETTINGA, G. E KLEEREBEZEM, R. Kinetics and masstransfer phenomena in anaerobic granular sludge. Biotechnology and Bioengineering. v.73, n.2, p.125-134. 1997. 6. HERMANOWICZ, S.W.; GANCZARCZYK, J.J. Some fluidization characteristics of biological beds. Biotechnology Bioengineering. v.25, n.2, p.1321-1330. 1983. 7. JIA, X.S.; FURUMAI, H.E.; FANG, H.H.P. Extracellular polymers of hydrogen-utilizing methanogenic and sulfate-reducing sludges. Water Research. v.30, n.6, p.1439-1444. 1996. 8. MARÍN, P.; ALKALAY, D.; GUERRERO, L.; CHAMY, R.; SCHIAPPACASSE, M.C. Design and startup of an anaerobic fluidized bed reactor. Water Science and Technology. v.40, n.8, p.63-70. 1999. 9. NGIAN, K.F.; MARTIN, W.R.B. Bed expansion characteristics of liquid fluidized particles with attached microbial growth. Biotechnology Bioengineering. v.22, n.2, p.1843-1856. 1980. 10. NICOLELLA, C.; VAN LOOSDRECHT, M.M.C.; DI FELICE, R; ROVATTI, M. Terminal settling velocity and bed-expansion characteristics of biofilm-coated particles. Biotechnology and Bioengineering. v.62, n.1, p.62-70. 1999. 11. NICOLELLA, V., VAN LOOSDRECHT, M.C.M. E HEIJNEN, J.J. Wastewater treatment with particulate biofilm reactors. Journal of Biotechnology. v.80, p.1-33. 2000. 12. RICHARDSON, J.F.; ZAKI, W.N. Sedimentation and fluidization. Part I. Transactions of the Institution of Chemical Engineers. v.32, p.35-53. 1954. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 6