AVALIAÇÃO DO COMPORTAMENTO DE RESÍDUOS DE TIJOLOS UTILIZADOS NA PRODUÇÃO DE MATERIAIS CERÂMICOS ALTERNATIVOS EM COMPARAÇÃO COM MATÉRIAS-PRIMAS NATURAIS. I. L. M. Gonçalves; E. M. Gripa; V. C. Almeida. Centro de Tecnologia, Escola de Química, Bloco E - Sala 206 Ilha do Fundão CEP 21949-900 E-mail: valeria@eq.ufrj.br Universidade Federal do Rio de Janeiro RESUMO A construção civil é hoje uma das indústrias que mais cresce no país. Em contrapartida, seu ritmo de desenvolvimento acelerado traz à tona uma preocupação com o destino e finalidade de seus resíduos. Estudos anteriores mostraram a viabilidade do uso de resíduos de tijolo para a confecção de novas peças cerâmicas, o que reduziria o volume de descarte de rejeitos e aumentaria o tempo de vida útil dos recursos naturais explorados para esse fim. Dessa forma, o objetivo deste trabalho é comparar, sob as mesmas condições de queima, o comportamento de resíduos de tijolo e de matérias-primas naturais usadas na produção de blocos cerâmicos e verificar a possibilidade de reaproveitamento desses resíduos. Os resultados indicam que, apesar de o material produzido com os resíduos apresentar qualidade inferior, esta é suficiente para garantir a empregabilidade do novo material na indústria de construção civil. Palavras-chave: tijolo, resíduos, reaproveitamento, temperatura. INTRODUÇÃO Segundo a ANICER (1), existem aproximadamente 6.903 empresas de cerâmica e olaria no Brasil. Desse número, 4.346 produzem blocos e tijolos, correspondendo a uma produção de 4.000.000.000 de peças por mês, o que acarreta em um consumo mensal de 7.800.000 toneladas de matéria-prima (argila). À indústria de cerâmica vermelha atribui-se uma fatia de 4,8% de toda indústria de construção civil. 1768
A esse grande volume de produção, associam-se índices alarmantes de desperdício. As principais causas para o desaproveitamento de blocos cerâmicos são a utilização de equipamentos de transporte interno inadequado (carrinhos de mão), que permitem o tombo e, consequentemente, a quebra de um número elevado de unidades; a falta de controle da quantidade recebida; a altura exagerada das pilhas de armazenamento, que por vezes superam três metros, acarretando no esmagamento das peças, além de possíveis quedas. Juntamente com o desperdício nas obras, dentro das próprias olarias é comum a perda de parte da produção devido à quebra das peças ou à má formação das mesmas. O lixo gerado em ambos os casos é considerado resíduo sólido e deve, portanto, ser enviado a aterros sanitários. Entretanto, com o grande potencial que esse material apresenta de ser reutilizado para a confecção de novas peças, essa atitude implica em perdas financeiras, prejuízos ambientais injustificáveis, bem como no elevado risco futuro de carência de matérias-primas. Nesse contexto, torna-se essencial o desenvolvimento de novas tecnologias que permitam mitigar os impactos ambientais e os custos gerados pela disposição final de resíduos e/ou exploração dos recursos naturais. Pensando nisso, o objetivo deste trabalho é avaliar o comportamento de resíduos de tijolos quando estes são utilizados como matérias-primas para a produção de novos materiais e comparar as propriedades físico-químicas destes com as de materiais produzidos de maneira convencional, com matérias-primas cruas. MATERIAIS E MÉTODOS Neste trabalho foram utilizados como matéria-prima dois tipos diferentes de argila empregadas na fabricação de tijolos nas olarias, identificadas como Argila A e Argila B, e resíduos de tijolos provenientes da construção civil e cominuídos em laboratório. A caracterização granulométrica dos três materiais era similar, com tamanhos de partículas na faixa de 0,074 0,088 mm (200# 170#). Os corpos de prova foram preparados utilizando-se 20g do material argiloso em questão e uma quantidade determinada de água, chamada água de amassamento, de modo a tornar a mistura suficientemente úmida para ser conformada. O método utilizado para a determinação correta da proporção de tijolo:água e argila:água foi de 1769
tentativa e erro. A princípio foi pesada a massa a ser utilizada e, posteriormente, foi adicionada a água. A homogeneização foi realizada manualmente. As massas preparadas foram conformadas através de compactação (prensagem) em uma matriz retangular de aço inox, com medidas de 60 mm de comprimento, 20 mm de largura e 5 mm de espessura, sob uma pressão de 200 kgf/cm 2 conforme aplicado no IPT Instituto de Pesquisas Tecnológicas, conferindo uma maior estabilidade dimensional à peça cerâmica. Os corpos de prova recém-preparados foram secos em estufa à temperatura de 40±5 C por 24 horas, para que ocorresse a perda de umidade e, em seguida, os corpos foram colocados em forno elétrico em três momentos distintos para que fossem calcinados em três temperaturas diferentes previamente determinadas: 900 C, 1000 C e 1200 C, durante o período de 2 horas. Essas temperaturas foram selecionadas de modo a reproduzir as temperaturas de queima da produção dos tijolos em olarias (em torno de 900 C) e avaliar como o aumento de temperatura impacta a qualidade dos materiais formados. Antes e depois da calcinação, o peso das peças, bem como suas dimensões (largura, comprimento e espessura), foi determinado. Características físico-mecânicas dos corpos de prova preparados foram determinadas por meios de ensaios de absorção de água, porosidade aparente e tensão de ruptura à flexão (TRF). RESULTADOS E DISCUSSÃO As variações de comportamento, no que tange às propriedades físicomecânicas, como absorção de água (AA), porosidade aparente (PA) e tensão de ruptura à flexão (TRF) em função da natureza das massas cerâmicas utilizadas no preparo dos corpos de prova e da temperatura de calcinação empregada, foram analisadas e os resultados obtidos são mostrados nas figuras a seguir: A Fig. 1 apresenta a variação da absorção de água dos corpos de prova de acordo com o tipo de massa cerâmica utilizada no seu preparo. 1770
Figura 1 Absorção de Água Primeiramente, observa-se no gráfico que a qualidade das peças produzidas com resíduos de tijolo é inferior a das peças produzidas com a argila para as três temperaturas avaliadas. A absorção de água é uma propriedade intimamente ligada à porosidade externa dos materiais cerâmicos, pois é nesses poros em que a água é absorvida durante os ensaios, portanto, uma elevada absorção de água significa alta porosidade externa, e materiais muito porosos tendem a ser frágeis, pois a existência de porosidade propicia a formação de trincas e falhas, prejudiciais à resistência do material. Para as temperaturas de 900 e 1000 C, os corpos de prova preparados com tijolo obtiveram valores de absorção bastante altos e similares entre si. Já para os corpos calcinados a 1200 C houve uma queda considerável nos valores de AA em relação às temperaturas menores. Esse fenômeno pode ser atribuído à ocorrência do processo de vitrificação. As reações de vitrificação ocorrem quando materiais à base de argilas são aquecidos a elevadas temperaturas e consistem na formação gradual de um vidro líquido que flui para o interior e preenche parte do volume dos poros. O grau de vitrificação depende da temperatura e do tempo de queima, assim como da natureza da massa cerâmica. Essa referida fase vítrea tende a escoar ao redor das partículas que permanecem sem fundir e preenchem os poros como resultado de forças de tensão superficial (ou por ação capilar). A vitrificação ocorre devido à liberação de cristobalita (SiO 2 ) que reage com os óxidos metálicos livres, formando vidro. 1771
Acredita-se que as reações de vitrificação ocorreram em todos os materiais que foram calcinados a 1200 C, o que ocasionou a queda brusca de AA não só no material produzido com resíduos de tijolo como também naqueles produzidos com argila in natura, que obtiveram valores quase nulos de porosidade. Mas o fato mais curioso ocorre no valor de AA obtido pelo corpo de prova de resíduo na temperatura de 1200 C, bastante similar aos valores encontrados para os corpos de argila calcinados a 900 C, a temperatura usual das olarias. Isso leva a crer que a qualidade das peças de resíduo calcinadas a 1200 C é semelhante a das peças de argila calcinadas a 900 C, que são usualmente comercializadas. Os demais ensaios servirão, portanto, para verificar essa similaridade. A Fig. 2 representa os valores obtidos por todos os materiais nos ensaios de Porosidade Aparente. Figura 2 Porosidade Aparente A porosidade aparente representa o volume de poros em relação ao volume total da peça. Diferentemente da absorção de água, essa propriedade expressa não só o volume de poros externos, abertos na superfície do material, como também os poros internos, fechados. Porém, como ela, também, é uma expressão da porosidade do material, espera-se que esse ensaio apresente tendências semelhantes ao ensaio de AA. E isso, de fato, ocorre. Mais uma vez se observa que a qualidade das peças de resíduo é inferior a das peças produzidas com argila, que a porosidade aparente das peças de resíduo quase não se altera das calcinações a 900 C para as calcinações 1772
a 1000 C e que essa propriedade sofre uma queda brusca nas calcinações a 1200 C, fazendo com que a porosidade aparente das peças de resíduo calcinadas a 1200 C se assemelhem à das peças de argila calcinadas a 900 C, usualmente comercializadas. Além disso, as prováveis reações de vitrificação a 1200 C, que explicam a redução da porosidade, também parecem, através deste ensaio, ter ocorrido em todos os materiais, fazendo a porosidade das peças de argila reduzirem consideravelmente. Ou seja, os resultados dos ensaios de porosidade aparente corroboram os resultados da absorção de água. A Fig. 3 representa os valores de todos os materiais produzidos para a tensão de ruptura à flexão (TRF). Figura 3 Tensão de Ruptura à Flexão A TRF se relaciona com a porosidade do material, de forma que, quanto mais poroso, maior a possibilidade de o material apresentar trincas e falhas e, portanto, menor será sua resistência, reduzindo-se os valores de TRF. A tendência esperada para essa propriedade a partir dos ensaios de porosidade é confirmada: as peças mais porosas apresentam valores reduzidos de TRF vice-versa. As peças produzidas com resíduos, por sua vez, apresentavam valores nulos de resistência quando calcinadas a 900 C e atingiram valores cerca de três vezes maior do que as argilas calcinadas à temperatura comercial quando foram calcinadas a 1200 C. O que corrobora a tese de que, se calcinados a temperaturas elevadas, a qualidade dos tijolos reciclados é equiparada à dos tijolos comerciais. 1773
CONCLUSÃO Conforme dito anteriormente, os ensaios realizados permitem concluir que os resíduos de tijolo cominuídos, quando utilizados como matéria-prima para a fabricação de novas peças cerâmicas, geram materiais com qualidade inferior aos produzidos com matéria-prima crua, in natura, sob as mesmas condições de produção. Entretanto, ao realizar-se a calcinação do material produzido com resíduos a 1200 C, este demonstra ter propriedades físico-químicas similares ou superiores ao material produzido com argila e calcinado a 900 C, que é o tijolo usualmente comercializado. Essa observação leva a crer que a temperatura é a chave para o reaproveitamento dos resíduos do tijolo, uma vez que a matéria-prima natural pode ser queimada a 900 C, como acontece usualmente, e os resíduos gerados pelas quebras ou imperfeições podem ser cominuídos e reconformados para serem, então, calcinados a temperaturas superiores e formar, assim, materiais com qualidade igual ou superior às peças anteriores. Esse novo ciclo produtivo permite a redução do volume de resíduos e de exploração dos recursos naturais através do aumento do ciclo de vida desses materiais, reduzindo, desse modo, impactos ambientais e custos com exploração de matéria-prima e destinação final de rejeitos. Como sugestão para trabalhos futuros, sugere-se que se faça uma análise econômica para esse novo ciclo proposto. Sabe-se que queimas 300 C acima do usual requererão gasto com energia bastante superior e, associado a isso, há os gastos com a logística de retorno dos resíduos para o processo produtivo e preparação (cominuição) dos mesmos para serem empregados como matéria-prima. Entretanto, conforme já citado, é esperada uma redução de custos com exploração de recursos naturais e com destinação final de rejeitos. Portanto, é necessário avaliar-se, através destes fatores, se este processo é economicamente viável e o quanto ele impacta no valor de mercado do produto. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. www.anicer.com.br, acessado em 10/09/2014. 1774
EVALUATION OF BRICK S WASTE BEHAVIOR WHEN USED IN THE PRODUCTION OF ALTERNATIVE CERAMIC MATERIALS IN COMPARISON TO THE ONES MADE WITH NATURAL FEEDSTOCKS. ABSTRACT Construction Industry is nowadays one of the industries with higher growth rates in Brazil. At the same time, its accelerated development rhythm brings up a concern with its waste final destination. Previous studies have shown that it is possible to use brick s waste to produce new ceramic pieces, which would reduce waste volume and would enhance the feedstock s lifetime, reducing the need of natural resources exploitation. Therefore, this work s purpose is to compare the behavior of brick s waste and natural feedstocks to produce ceramic pieces under the same calcination conditions and, thus, verify the viability of this waste s reuse. The results show that, despite the lower quality of the waste s specimens, it is high enough to ensure the new material s employability in Construction Industry. Key-words: brick, waste, reuse, temperature. 1775