por DANIEL ISRAEL Editado pela Graça Artes Gráficas e Editora Ltda. Rio de Janeiro, 2013 3
SUMÁRIO Apresentação... 7 1. Doce infância...11 2. O pequeno cantor... 17 3. A quadrilha...21 4. Troca justa?...27 5. Por que não eu?...35 6. Rumo a BH...39 7. Bem-vindo ao Mukiffu s!...45 8. Algumas escolhas...51 9. Apagando a chama...55 10. Convites, conselhos e decisões...61 11. Você é da banda, brother!...67 12. Aprendendo com a estrada...73 13. Cadê o hotel?...79 14. Viajar viajando...85 15. Comprimidos, doses e monstros...91 16. Testando os limites...97 17. Nas ruas de Passos, mais uma carta na manga... 103 18. Financiador da balada... 111 19. Boa noite, Cinderela!... 115 20. Relações destrutivas... 121 21. Risco total... 125 22. Intensidade sempre... 131 23. Mão na cabeça, vagabundo!... 137 24. O início da volta...145 25. Doce presença... 151 26. The day after... 157 27. Você pode, você é forte... 163 5
Olha o que Ele fez comigo 28. Mãe, Jesus entrou no meu quarto!...169 29. Na pegada do axé... 173 30. O perigo de ser morno... 179 31. Por um fio...185 32. Eu escolho Deus... 191 33. Deixa tudo e vem... 197 34. Eu volto...203 35. Na sala do Pai... 209 36. A volta da promessa... 217 37. Invisível, mas real...223 38. Propriedade ungida e exclusiva dos 3...229 39. Se o seu coração parar de bater agora, se você for embora, para onde você vai?... 235 6
1 DOCE INFÂNCIA Capítulo 1
Olha o que Ele fez comigo 10
1 DOCE INFÂNCIA Cruza, Thalles, cruza a bolaaaa que eu tô livre, seu fominha!!! Goooooooooooolllll do Mengão. Mengãoooo, eooooooohhhhh! saía eu, feito louco, comemorando e gritando pela pracinha. Assim crescia a molecada, na praça da Rua Tupi, esquina com a Jayme Gomes, bem em frente à minha casa, em uma clássica e bucólica fotografia do interior mineiro. Em Passos, no início dos anos 1980, apesar da difícil sobrevivência diária das famílias simples, fermentava, em cada coraçãozinho inocente de criança, um universo interminável de sonhos e vontades, e a pergunta mais comum era: O que você vai ser quando crescer?. As respostas, geralmente, variavam, mas, sempre que surgia o assunto, cada um tinha sua resposta na ponta da língua ainda que sempre diferente a resposta dada na semana anterior. O estranho é que, pelo que me lembro, eu era o único moleque da rua toda que sempre dava a mesma resposta. Após a pelada na praça, a criançada, esparramada pelo chão, brincava de alimentar sonhos: Eu quero sê jogador de futebol, igual o Zico. Eu não. Eu quero sê carpinteiro igual o meu pai; ele já tem tudo as ferramenta. Eu quero sê médico. Pra ajudá os doente. Eu não. Não quero sê médico nem a pau. Médico tem que ficá mexendo com doente, sangue, pereba, credo! Eu quero sê igual o Pelé. 11
Olha o que Ele fez comigo O cara é rei do futebol e ainda por cima namora a Xuxa argumentava o outro, dois anos mais velho que a média, com toda a sabedoria do mundo. E você, Thalles, o que quer sê quando crescer? Quero sê artista, saca? Tipo internacional. Cantar pra um mundão de gente. Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk. A gargalhada sempre era geral na pracinha. De novo com essa conversa de artista, Thalles? Kkkkk. Fica ativo, sô! Quer ficar igual aquele neguinho lá. Pireee, pireee, pireee, pireee. Ironizava uma das crianças, imitando o passo moonwalk, de Michael Jackson. Então tá bom, ceis vão vê. retrucava baixinho, até porque não dava para argumentar muito em uma roda com média de idade de seis anos. De repente, da janela, minha mãe gritava: Coooorre, Cheiro-verde, vem que o almoço tá na mesa. E, como em uma sinfonia, mães gritavam na janela ao redor da praça, anunciando a hora do almoço. A pracinha ficava deserta. Como em debandada, uma manada de crianças famintas levantava poeira atrás de um prato de arroz, macarrão, feijão e carne. Mais mineiro, impossível. Nesse ritmo bom fluía a vida. Da casa para a escola, da escola para a pracinha. Bola, pipa, carrinhos, estilingue; tradicionais brincadeiras de criança, sempre acompanhadas de igreja, muita igreja. Nascido em uma família evangélica, sempre tive a igreja como extensão de casa, e a casa como extensão da igreja; até porque filho de pastor não tem muita escolha. Quando está na igreja, o assunto é igreja; quando está em casa, o assunto é igreja; quando está na escola, ele é o da igreja. 12
Doce infância Todo domingo de manhã, não tinha conversa. Era passar cinco minutos da hora de acordar que mamãe já saía puxando as cobertas de todo mundo e abrindo a janela do quarto. Logo atrás vinha meu pai, ajudando a organizar a turma. Pastor Job, como é conhecido até hoje, sempre de bom humor, começava o dia gritando: Acoooooorda, molecada, que hoje é dia do Senhor! Vamos pra casa dele, adorá-lo e bendizê-lo, e depois tem ensaio do coral. Era uma correria só. Um escovava os dentes já colocando a roupa, outro tomava café enquanto batia na porta do banheiro querendo entrar. Às vezes, um de nós tentava ganhar cinco minutos a mais de sono, mas rapidinho tomava uma travesseirada ou um cutucão. No fim da tarde de domingo, a correria era mais intensa. Um olho no pão com manteiga, outro na televisão, tentando ver o finalzinho de algum programa. Quando ia chegando a hora do culto, papai desligava o UHF da tomada e saía cantarolando um hino. Unida, a família ia seguindo para a igreja, rumo ao ministério. Era oração, louvor, intercessão e música. Muita música. 13
5 POR QUE NÃO EU? Capítulo 5
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5 POR QUE NÃO EU? Na praça da minha cidade como em quase todas as cidades de mesmo porte no Brasil, eram realizados vários eventos políticos e comemorativos, festas e passeatas, onde se apresentavam artistas de renome nacional shows de artistas como Titãs, Paralamas do Sucesso, Leandro e Leonardo e vários outros afamados da época. Quando eu assistia de perto a esses espetáculos, ficava totalmente alucinado, e meu coração imediatamente suspirava: É isso, é exatamente isso o que eu quero. Tocando com a Banda Éden na igreja, fazíamos um som caseiro, tínhamos pouco acesso a bons instrumentos e, comparando-nos às apresentações desses artistas profissionais do meio secular, comecei a achar um pouco brega nosso som, nossa performance, nosso jeito de vestir e tudo aquilo que foi minha escola. Quando ia aos shows, via uma produção profissional, roupas coloridas, cabelos diferentes, iluminação, danças, gelo seco, som perfeito e multidão. Isso me atraía muito, muito mesmo. Toda aquela profissionalização ia bem ao encontro do meu sonho de ser artista, e algo que me motivava era que, olhando aqueles artistas de perto, percebia que, com a qualidade musical que eu tinha, muita coisa podia acontecer. Pensava: Se esse cara, com essa voz de taquara rachada, consegue fazer tanta gente cantar e pular, por que eu não posso?. 35
Olha o que Ele fez comigo Nesse jogo de cai para um lado, cai para o outro, a cada dia que passava, eu me via mais indeciso sobre qual caminho seguir. Na igreja, com a Banda Éden, tudo estava muito bem, abençoado e dando frutos. No entanto, eu queria mais, meu coração pedia mais, e aqueles shows aos quais eu assistia no meio da multidão davam-me uma referência do que eu realmente queria. 36