O Tribunal de Justiça. A sua jurisprudência



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em nada nem constitui um aviso de qualquer posição da Comissão sobre as questões em causa.

Transcrição:

O Tribunal de Justiça A sua jurisprudência

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA NA ORDEM JURÍDICA DA UNIÃO

Introdução Para construir a Europa, alguns Estados (atualmente 27) celebraram entre si Tratados que instituíram Comunidades Europeias e, mais tarde, uma União Europeia, dotadas de instituições que adotam normas jurídicas em determinados domínios. Com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, em 1 de dezembro de 2009, a União Europeia dotou-se de personalidade jurídica e assumiu as competências anteriormente conferidas à Comunidade Europeia. Por conseguinte, o direito comunitário passou a designar-se direito da União, incluindo igualmente todas as disposições adotadas anteriormente em virtude do Tratado da União Europeia, na sua versão anterior ao Tratado de Lisboa. Não obstante, na apresentação que se segue, o termo «direito comunitário» será utilizado quando for feita referência à jurisprudência do Tribunal de Justiça anterior à entrada em vigor do Tratado de Lisboa.

O Tribunal de Justiça da União Europeia constitui a instituição jurisdicional da União. É composto por três jurisdições: o Tribunal de Justiça, o Tribunal Geral e o Tribunal da Função Pública. A sua missão essencial consiste em apreciar a legalidade dos atos da União e assegurar a interpretação e a aplicação uniformes do direito da União. O Tribunal de Justiça foi criando ao longo dos anos, através da sua jurisprudência, a obrigação de as administrações e os juízes nacionais aplicarem plenamente o direito da União no interior das respetivas esferas de competência e de protegerem os direitos conferidos por este aos cidadãos (aplicação direta do direito da União), deixando de aplicar qualquer disposição contrária do direito nacional, seja ela anterior ou posterior à disposição da União (primado do direito da União sobre o direito nacional). O Tribunal de Justiça reconheceu igualmente o princípio da responsabilidade dos Estados-Membros pela violação do direito da União, que constitui, por um lado, um elemento que reforça decisivamente a proteção dos direitos conferidos aos particulares pelas disposições da União e, por outro, um fator suscetível de contribuir para uma execução mais diligente destas disposições pelos Estados-Membros. As infrações em que estes últimos incorrem são, assim, suscetíveis de dar origem a obrigações de ressarcimento que podem, em certos casos, ter graves repercussões nas suas finanças públicas. Além disso, qualquer incumprimento do direito da União por parte de um Estado-Membro pode ser submetido à apreciação do Tribunal de Justiça e, em caso de não execução de um acórdão que declare a existência do incumprimento, o Tribunal pode condená-lo no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória e/ou de montante fixo. Todavia, caso as medidas de transposição de uma diretiva não sejam comunicadas à Comissão, o Tribunal de Justiça pode, sob proposta desta, aplicar uma sanção pecuniária no primeiro acórdão por incumprimento.

O Tribunal de Justiça atua igualmente em colaboração com o juiz nacional, juiz de direito comum do direito da União. Qualquer juiz nacional, chamado a conhecer de um litígio em que esteja em causa o direito da União, pode, e por vezes deve, submeter questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça. O Tribunal deve então dar a sua interpretação de uma disposição de direito da União ou fiscalizar a respetiva legalidade. A evolução da sua jurisprudência ilustra a contribuição do Tribunal de Justiça para a criação de um espaço jurídico que diz respeito aos cidadãos, protegendo os direitos que a legislação da União lhes confere em diferentes aspetos da sua vida quotidiana.

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS ESTABELECIDOS PELA JURISPRUDÊNCIA Em jurisprudência iniciada pelo acórdão Van Gend & Loos em 1963, o Tribunal de Justiça introduziu o princípio do efeito direto do direito comunitário nos Estados-Membros, que permite atualmente aos cidadãos europeus invocar diretamente disposições da União perante os órgãos jurisdicionais nacionais. Ao importar mercadorias da Alemanha para os Países Baixos, a empresa de transportes Van Gend & Loos devia pagar direitos aduaneiros que considerava contrários à disposição do Tratado CEE que proíbe os Estados-Membros de aumentarem os direitos aduaneiros nas suas relações comerciais mútuas. O recurso colocava a questão do conflito entre uma legislação nacional e as disposições do Tratado CEE. Chamado a pronunciar-se por um tribunal neerlandês, o Tribunal de Justiça decidiu afirmando o princípio do efeito direto, conferindo assim à empresa de transportes uma garantia direta dos seus direitos ao abrigo do direito comunitário perante o órgão jurisdicional nacional.

Em 1964, o acórdão Costa estabeleceu o primado do direito comunitário sobre a legislação interna. Nesse processo, um órgão jurisdicional italiano tinha perguntado ao Tribunal de Justiça se a lei italiana de nacionalização do setor da produção e da distribuição de energia elétrica era compatível com um certo número de disposições do Tratado CEE. O Tribunal de Justiça introduziu o princípio do primado do direito comunitário, com fundamento na especificidade da ordem jurídica comunitária, que deve ser aplicada de modo uniforme em todos os Estados-Membros. Em 1991, no acórdão Francovich e o., o Tribunal de Justiça desenvolveu outro conceito fundamental, o da responsabilidade de um Estado-Membro em relação aos particulares pelos danos causados a estes devido a uma violação do direito comunitário cometida por esse Estado. Desde 1991, os cidadãos europeus podem, portanto, intentar uma ação de indemnização contra o Estado que tenha violado uma disposição comunitária. Dois cidadãos italianos a quem os respetivos empregadores em situação de falência deviam remunerações tinham intentado ações em que invocavam a omissão do Estado italiano, que não tinha transposto as disposições comunitárias de proteção dos trabalhadores em caso de insolvência da entidade patronal. Chamado a pronunciar-se por um tribunal italiano, o Tribunal de Justiça indicou que a diretiva em questão visava conferir aos particulares direitos de que estes tivessem sido privados em consequência da omissão do Estado em transpor a diretiva, facultando assim a esses particulares a possibilidade de intentarem uma ação de indemnização contra o próprio Estado.

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA NA VIDA DO CIDADÃO EUROPEU Entre os milhares de acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça, a maior parte, designadamente os proferidos a título prejudicial, têm manifestamente consequências importantes na vida quotidiana dos cidadãos europeus. A título de exemplo, citam-se alguns nos domínios mais importantes do direito da União. Livre circulação de mercadorias Desde o acórdão Cassis de Dijon, proferido em 1979, sobre o princípio da livre circulação de mercadorias, os comerciantes podem importar para o seu país qualquer produto proveniente de outro país da União na condição de esse produto ter sido legalmente produzido e comercializado neste último país e de nenhuma razão imperiosa, relativa, por exemplo, à proteção da saúde ou do ambiente, se opor à sua importação para o país de consumo.

Livre circulação de pessoas Numerosos acórdãos foram proferidos no domínio da livre circulação de pessoas. No acórdão Kraus (1993), o Tribunal de Justiça declarou que a situação de um nacional comunitário, titular de um diploma universitário de pós-graduação obtido noutro Estado-Membro e que facilita o acesso a uma profissão ou o exercício de uma atividade económica, é regulada pelo direito comunitário, mesmo no que diz respeito às suas relações com o Estado-Membro de que é nacional. Assim, embora um Estado-Membro possa fazer depender de uma autorização administrativa a utilização desse título no seu território, o procedimento de autorização deve ter por único objetivo verificar se o diploma em questão foi corretamente concedido. Entre os acórdãos proferidos neste domínio, um dos mais conhecidos é o acórdão Bosman (1995), no qual o Tribunal de Justiça se pronunciou, a pedido de um órgão jurisdicional belga, sobre a compatibilidade de disposições adotadas por federações de futebol com a livre circulação de trabalhadores. Declarou que o desporto praticado a nível profissional é uma atividade económica cujo exercício não pode ser entravado por disposições que regulam a transferência de jogadores ou que limitam o número de jogadores nacionais de outros Estados-Membros. Acórdãos posteriores tornaram esta última consideração extensiva à situação de desportistas profissionais originários de países terceiros que assinaram com as Comunidades Europeias um acordo de associação (acórdão Deutscher Handballbund, 2003) ou de parceria (acórdão Simutenkov, 2005).

Livre prestação de serviços Um acórdão de 1989 sobre a livre prestação de serviços tinha por objeto a situação de um turista britânico que tinha sido agredido e ferido com gravidade no metropolitano de Paris. Chamado a pronunciar-se por um órgão jurisdicional francês, o Tribunal de Justiça declarou que, enquanto turista, a referida pessoa beneficiava de serviços fora do seu país, sendo-lhe aplicável o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade consagrado no direito comunitário. Tinha, portanto, direito à mesma indemnização que um nacional francês (acórdão Cowan). Chamado a pronunciar-se pelos órgãos jurisdicionais luxemburgueses, o Tribunal de Justiça declarou que uma legislação nacional que recusa a um beneficiário da segurança social o reembolso das despesas de um tratamento dentário, com o fundamento de que foi efetuado noutro Estado- -Membro, constitui um entrave injustificado à livre prestação de serviços (acórdão Kohll, 1998) e que a recusa de reembolso das despesas de compra de óculos no estrangeiro é considerada um entrave injustificado à livre circulação de mercadorias (acórdão Decker, 1998). O Tribunal de Justiça considerou igualmente que uma legislação que subordina o reembolso das despesas de hospitalização noutro Estado- -Membro à obtenção de uma autorização prévia e que prevê que tal autorização deve ser recusada em certas condições constitui um obstáculo à livre prestação dos serviços médicos hospitalares. Contudo, tal sistema de autorização pode ser justificado quando um tratamento idêntico ou com o mesmo grau de eficácia for proposto no território nacional da pessoa segurada (acórdão Smits e Peerbooms, 2001). Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça decidiu que uma legislação nacional que não garante ao seu beneficiário, que foi autorizado a ser internado num hospital noutro Estado-Membro, um nível de tomada a cargo análogo àquele de que beneficiaria se tivesse sido hospitalizado no seu Estado-Membro de inscrição provoca uma restrição injustificada à livre prestação de serviços (acórdão Vanbraekel, 2001).

Igualdade de tratamento e direitos sociais Uma hospedeira de bordo tinha intentado uma ação contra a sua entidade patronal em razão de uma discriminação na remuneração relativamente aos seus colegas do sexo masculino que efetuavam o mesmo trabalho. Chamado a conhecer do processo por um tribunal belga, o Tribunal de Justiça declarou, em 1976, que a disposição do Tratado que impunha o princípio da igualdade de remunerações entre trabalhadores femininos e trabalhadores masculinos pelo mesmo trabalho tinha efeito direto (acórdão Defrenne). Ao interpretar as disposições comunitárias relativas à igualdade de tratamento entre homens e mulheres, o Tribunal de Justiça contribuiu para a proteção das mulheres contra o despedimento ligado à maternidade. Uma mulher que deixou de poder trabalhar devido a dificuldades relacionadas com a sua gravidez foi despedida. Em 1998, o Tribunal de Justiça declarou este despedimento contrário ao direito comunitário. O despedimento de uma mulher durante a gravidez, por faltas resultantes de uma doença relacionada com a própria gravidez, constitui uma discriminação em razão do sexo, que é proibida (acórdão Brown). A fim de garantir a proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores, é necessário que estes possam gozar férias anuais remuneradas. Em 1999, o sindicato britânico BECTU contestou a legislação britânica, que privava desse direito trabalhadores com contratos de trabalho de curta duração, com o fundamento de que não era compatível com uma diretiva comunitária relativa à organização do tempo de trabalho. O Tribunal de Justiça concluiu que o direito a férias anuais remuneradas é um direito social diretamente conferido a todos os trabalhadores pelo direito comunitário e que nenhum trabalhador pode ser privado desse direito (acórdão BECTU, 2001). O Tribunal de Justiça considerou igualmente que um trabalhador não perde o direito a férias anuais remuneradas que não pôde exercer por motivo de doença e, por conseguinte, deve ser indemnizado pelas suas férias anuais remuneradas não gozadas (acórdão Schultz, 2009).

Direitos fundamentais Ao decidir que o respeito dos direitos fundamentais é parte integrante dos princípios gerais de direito cujo respeito lhe incumbe assegurar, o Tribunal de Justiça contribuiu de forma considerável para o aumento dos níveis de proteção desses direitos. A este respeito, inspirou-se nas tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros e nos instrumentos internacionais sobre a proteção dos direitos do Homem, designadamente na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, nos quais os Estados- -Membros cooperaram ou aos quais aderiram. Desde a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, o Tribunal de Justiça aplica e interpreta a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia de 7 de dezembro de 2000, à qual o Tratado de Lisboa reconhece o mesmo valor jurídico dos Tratados. Após diversos atentados terroristas contra polícias, foi introduzido na Irlanda do Norte o porte de arma das forças policiais. Todavia, por razões de segurança pública, o porte de arma não foi autorizado (com base num certificado emitido pelo ministério competente e insuscetível de recurso para os tribunais) às mulheres polícias. Consequentemente, não foram propostos a mulheres empregos em regime de horário completo na polícia da Irlanda do Norte. Chamado a pronunciar-se por um órgão jurisdicional do Reino Unido, o Tribunal de Justiça declarou que a exclusão de qualquer poder de fiscalização por parte das autoridades judiciais sobre um certificado de uma autoridade nacional se opõe ao princípio do recurso jurisdicional efetivo reconhecido a qualquer pessoa que se considere lesada por uma discriminação em razão do sexo (acórdão Johnston, 1986).

Cidadania europeia O Tribunal de Justiça confirmou que a cidadania europeia, que, segundo o Tratado, é um direito de qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado-Membro, implica o direito de residir no território de outro Estado- -Membro. Assim, um nacional menor de um Estado-Membro, coberto por um seguro de doença e dispondo de recursos suficientes, beneficia igualmente desse direito de residência. Sublinhou que o direito comunitário não exige que o próprio menor disponha dos recursos necessários e que a recusa de conceder ao mesmo tempo à mãe deste, nacional de um país terceiro, um direito de residência privaria de qualquer efeito útil o direito de residência do menor (acórdão Zhu e Chen, 2004). No mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça esclareceu que, mesmo no caso de a aquisição da nacionalidade de um Estado-Membro ter por objetivo obter um direito de residência, ao abrigo do direito comunitário, a favor de um nacional de um Estado terceiro, um Estado-Membro não pode restringir os efeitos da atribuição da nacionalidade de outro Estado-Membro. O Tribunal de Justiça afirmou igualmente que os estudantes de um Estado- -Membro que se desloquem para outro Estado-Membro a fim de prosseguir os seus estudos beneficiam dos direitos concedidos aos cidadãos europeus. Assim, os estudantes que residam legalmente e que demonstrem um certo grau de integração na sociedade do Estado-Membro de acolhimento podem beneficiar de uma ajuda para cobrir as despesas de subsistência concedidas por esse Estado (acórdão Bidar, 2005). Em contrapartida, o direito comunitário não se opõe a que as legislações nacionais estabeleçam requisitos, objetivos e não excessivos, de uma integração na sociedade do Estado-Membro de acolhimento. Assim, um requisito de residência prévia de cinco anos é considerado conforme ao direito comunitário (acórdão Förster, 2008).

Transporte aéreo O direito da União prevê que, no caso de cancelamento de um voo, os passageiros têm direito a uma indemnização por parte da transportadora aérea. Contudo, esta não é obrigada a pagar a indemnização se puder provar que o cancelamento se ficou a dever a circunstâncias extraordinárias que não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis. Num acórdão de 2008, o Tribunal de Justiça considerou que os problemas técnicos surgidos durante a manutenção das aeronaves ou devidos a uma falha nessa manutenção não constituem, enquanto tais, «circunstâncias extraordinárias». Por conseguinte, uma transportadora aérea não pode, regra geral, recusar indemnizar os passageiros na sequência do cancelamento de um voo por problemas técnicos da aeronave (acórdão Wallentin-Hermann, 2008). Em 2009, o Tribunal de Justiça decidiu que os passageiros de voos atrasados, quando cheguem ao seu destino final três horas ou mais após a hora de chegada inicialmente prevista, podem, como os passageiros de voos cancelados, pedir uma indemnização forfetária à companhia aérea, salvo se o atraso se tiver ficado a dever a circunstâncias extraordinárias (acórdão Sturgeon, 2009).

Tribunal de Justiça da União Europeia > www.curia.europa.eu Jurisprudência > http://curia.europa.eu/jcms/jcms/j_6/ Comunicados de imprensa > http://curia.europa.eu/jcms/jcms/jo2_16799 Portal das instituições da União Europeia > www.europa.eu Acesso ao direito da União Europeia > www.eur-lex.europa.eu QD-32-12-031-PT-C Fotos: G. Fessy CJUE Imprensa e Informação Edição de fevereiro de 2012 Tribunal de Justiça da União Europeia Imprensa e Informação L-2925 Luxembourg www.curia.europa.eu doi:10.2862/80740