VARIAÇÃO LÉXICO-SEMÂNTICA EM DADOS DE FALA DE JACARAÚ/PB: UM ESTUDO DE CASO

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Transcrição:

VARIAÇÃO LÉXICO-SEMÂNTICA EM DADOS DE FALA DE JACARAÚ/PB: UM ESTUDO DE CASO Josenildo Barbosa Freire SEEC (RN) Josenildo.bfreire@hotmail.com Resumo: Este trabalho visa a descrição de expressões linguísticas e do item lexical verbo utilizados por falantes da comunidade de Jacaraú/PB em situação de fala espontânea (entrevista), visando a identificação das motivações cognitivas que estão subjacentes ao uso dessas expressões e dos verbos selecionados. Para tanto, parte-se dos pressupostos teóricos fornecidos pela Linguística Cognitiva, tomando alguns dos princípios defendidos nas teorias de categorização e conceptualização na construção do conhecimento e na hipótese sócio-cognitiva de linguagem (FAUCONNIER, 1994; SALOMÃO, 1997 e 1999; TURNER, 2001). Entende-se que as experiências corpóreas vivenciadas pelos informantes, em seu meio sociocultural, estão na base da utilização das expressões linguísticas e dos verbos analisados, evidenciando diferentes motivações cognitivas para serem utilizadas, e ao mesmo tempo, demonstrando que o sentido da significação daquelas expressões e verbos constitui-se em processo de conceptualização. A hipótese central desta pesquisa é a de que o falante conhece o mundo e atribui-lhe sentido e de que a categorização é uma necessidade de todo ser vivente (MACEDO, 2008). Neste sentido, categorizar tornar-se uma condição para manifestação da relação mente/corpo. Os resultados apontam para realização de outros estudos comparativos que visem a implementação do que foi abordado nesta pesquisa e que a cognição perpassa diferentes perspectivas teóricas no curso da história da Linguística. Palavras-chave: variação; cognição; corpórea; item lexical; expressões linguísticas. 1. Introdução A linguagem humana constitui-se em uma fonte inesgotável de compreensão de diferentes fenômenos linguístico-cognitivos que ocorrem mental, sociológica e pragmaticamente. O presente trabalho tem como objetivo central a descrição de expressões linguísticas e do item lexical verbo utilizados por falantes da comunidade de Jacaraú/PB em situação de fala espontânea (entrevista), visando a identificar as motivações cognitivas que estão subjacentes ao uso dessas expressões e dos verbos selecionados. Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul. 2011 1

Para tanto, parte-se dos pressupostos teóricos fornecidos pela Linguística Cognitiva, tomando alguns dos princípios defendidos nas teorias de categorização e conceptualização na construção do conhecimento e na hipótese sóció-cognitiva de linguagem (FAUCONNIER, 1994; SALOMÃO, 1997 e 1999; TURNER, 2001). Reconhece-se que o modo de perceber o mundo ou de conceituá-lo está associado à cognição, e esta por sua vez vincula-se à realidade sociocultural, sendo assim, admite-se que mente e corpo são compreendidos como entidades que interagem entre si (RODRIGUES-LEITE, 2008). Ao se estudar o léxico de uma língua pode-se reconhecer que ele é um sistema incerto: um item lexical e/ou expressão linguística pode ter informação diferentes umas das outras, daí ser necessário entender como o falante realiza o processo de conceptualização ao fazer uso de certas expressões ou itens lexicais diversos. Justifica-se a presente pesquisa ao entender que por meio do uso variável de expressões linguísticas ou de algum item lexical, utilizados em situação de substituição ou de mesclagens de conceitos, pode-se visualizar a variação dialetal existente em uma dada comunidade, percebendo e considerando que o uso dessas expressões ou itens lexicais produz alternâncias léxico-semânticas naquilo que elas podem significar. Na parte 2 do trabalho, discute-se o referencial teórico utilizado nesta pesquisa; em 3, apresenta-se a metodologia, a descrição do corpus e a análise dos dados; em 4, tem-se algumas considerações finais. 2. Referencial Teórico A Linguística Cognitiva que se origina nos finais da década de 70 e início da de 80 1 (SILVA, 1997, p. 59) em oposição aos princípios de sistema autônomo e 1 Só em 1990 é que a Linguística Cognitiva se institucionaliza, com a criação da International Cognitive LInguistic Association, da revista Cognitive Linguistic e da coleção Cognitive Linguistic Research (editada por René Dirven e Ronald Langacker e publicada por Mouton de Gruyter) (SILVA, 1997, p. 59). Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul. 2011 2

faculdade autônoma defendidos, respectivamente, pelas abordagens estruturalista e gerativista, constitui-se uma nova perspectiva de se compreender os fenômenos linguísticos e cognitivos ao evidenciar que a abordagem mais adequada de tais fenômenos está em considerar que a cognição e o social são entidades que se interrelacionam, visto que a linguagem não é mais entendida como componente autônomo. Percebe-se que o sujeito que atua por meio de domínios cognitivos, também é aquele que está situado em uma prática sociocultural de linguagem. Desse modo, mente não é mais uma atividade isolada do corpo. Essa constatação pode ser vista nas palavras de Salomão (1999, p. 64): A linguagem como operadora da conceptualização socialmente localizada através da atuação de um sujeito cognitivo, em situação comunicativa real, que produz significados como construções mentais, a serem sancionadas no fluxo interativo. (grifos do original). De acordo com Rodrigues-Leite (2008, p. 99), com o atual enfoque dos estudos cognitivos (a hipótese realista-experiencialista) admite-se a plasticidade de processos cognitivos, como os de categorização e de conceptualização, e seu correlacionamento ao ambiente cultural da comunidade linguística. Desse modo, pode-se reconhecer que a língua está intrinsecamente ligada às experiências corpóreas que o usuário dessa língua faz a partir de sua capacidade cognitiva de conceptualizar o mundo que o cerca, visto que o falante constrói sentido para produzir conhecimentos, e assim, apreender o mundo e agir nele. Percebe-se que a conceptualização constitui-se em uma atividade cognitiva que envolve diferentes domínios cognitivos (abstratos, concretos, etc.), e a categorização está vinculada ao processo básico de se realizar uma espécie de taxonomia dos seres, classificando-os ou mesmo indicando a forma e a funcionalidade de um determinado item lexical. A forma de se compreender, conceptualizar o mundo é diferente para cada cultura, visto que esse modo está relacionado diretamente aos modelos cognitivos e Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul. 2011 3

estes são estereotipados, idealizados dentre dessa cultura. Assim, acredita-se que cada comunidade de fala e/ou indivíduo pode produzir ou utilizar certos itens lexicais e/ou expressões linguísticas que indicam a forma de se compreender ou de se conceptualizar o mundo que o cerca com seus mais variados costumes, práticas, esquemas, etc. O ser humano se apropria da linguagem para por meio dela realizar diferentes e diversos processos cognitivos que estão assentados em fenômenos sociais, culturais, físicos e epistemológicos da vivência humana. Esse pensamento é compartilhado por Ferrão (..., p. 2) ao afirmar que a linguagem na perspectiva da Linguística Cognitiva é reconhecida como meio que permite organizar, processar e veicular informação. O campo de atuação e de aplicação dos princípios da Linguística Cognitiva é bastante vasto 2. De acordo com Silva (op. cit., p. 60), as aéreas de interesse da Linguística Cognitiva estão relacionadas à categorização e protótipos, metáforas e metonímias conceptuais, esquemas imagéticos, modelos cognitivos e culturais e processos cognitivos da gramática e polissemia. A capacidade cognitiva humana de atribuir sentido aos elementos e/ou situações nas quais o ser humano esteja inserido faz parte da sua condição natural de se relacionar com o outro por meio da linguagem. Ainda segundo Salomão (1997, p. 26), a significação constitui-se em uma produção mental produzida pelos sujeitos cognitivos durante a realização do processo de interação comunicativa. Assim, a conceptualização consiste em uma das formas disponíveis aos usuários da linguagem de organizar o conhecimento, e este conhecimento de mundo ajuda na sanção do significado atribuído ao objeto/situação conceptualizado(a) em uma dada situação comunicativa. Admite-se que esse conhecimento de base cognitiva está assentado em diferentes e diversas experiências da mente corporificada, daí ser necessário considerar os elementos extralinguísticos durante a análise de processos sócio-cognitivos. Neste 2 Segundo Silva (1997, p. 59-60), os nomes principais de destaque na Linguística Cognitiva são: George Lakoff (1987, 1980, 1989), Ronald Langacker (1987, 1990, 1991 e Leonard Talmy (1978, 1983, 1985, 1988a, b), dentre outros. Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul. 2011 4

sentido, as atividades linguísticas para a Linguística Cognitiva são sempre atividades de significação. Sendo assim, a significação constitui o objeto de estudo da Linguística Cognitiva. Desse modo, reconhece-se que a Linguística Cognitiva com todo o seu aparato teórico e metodológico revela um falante que apresenta estruturas cognitivas complexas e sofisticadas que o possibilita a produzir linguagem, e, além disso, é também possível afirmar que a Linguística Cognitiva evidencia os aspectos criativos que tem o ser humano ao realizar os mais variados processos cognitivos que podem ser visualizados por meio do uso de expressões linguísticas e/ou de itens lexicais variados. 3. Metodologia, descrição do corpus e análise dos dados O corpus utilizado nesta pesquisa é constituído por entrevistas realizadas sob o molde Sociolinguístico Quantitativo (TAGLIAMONTE, 2006) na cidade de Jacaraú/PB que fica localizada no interior do Estado da Paraíba a aproximadamente 96 km de distância da capital João Pessoa. Cada entrevista foi gravada e tem um tempo médio de 1 (uma) hora de duração. Os entrevistados foram interrogados sobre vários assuntos, desde a sua infância, sua família, expectativas para o futuro, dentre outros tópicos abordados. Essas entrevistas foram transcritas e armazenadas em cd. Para esta pesquisa, especificamente, foram selecionadas 4 (quatro) entrevistas de informantes masculinos e femininos analfabetos e que têm mais de 50 (cinquenta) anos de idade. O critério para essa seleção deu-se devido ao fato de se procurar descrever como ocorre o processo de conceptualização nessa faixa-etária e nível de escolaridade específicos através do uso de algumas expressões e do item lexical verbo existentes no grupo observado e produzidos durante a realização das entrevistas. Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul. 2011 5

Passemos, agora, a descrição das ocorrências encontradas no corpus. A primeira coisa que se evidenciou ao ouvir as entrevistas foi a significativa quantidade de expressões linguísticas e/ou itens lexicais que podem ser analisados, revelando a sofisticada capacidade cognitiva que tem o usuário da linguagem ao usá-la em diferentes situações, e nesse caso, em situação de entrevista oral. Por questões práticas, neste momento, e além de ser uma pesquisa de estudo de caso, ir-se-á selecionar apenas 3 (três) ocorrências de cada informante para se realizar a análise. Preferiu-se analisar dos informantes masculinos o uso de expressões linguísticas, e dos informantes femininos a utilização do item lexical verbo encontrados nas entrevistas selecionadas. As ocorrências selecionadas dos informantes masculinos podem ser visualizados no quadro 1: Quadro 1: Ocorrências selecionadas de informantes masculinos 3 1. Sim é sim, e não é não. 2. Eu não tive vocação para os estudo... 3. No fim das eras... 4. Morei em Jacaraú e no municípios de Jacaraú. 5. Puxei de cima da terá a matemática. 6. Dois metros é uma braça. A primeira constatação que se percebe ao observar as sentenças acima mencionadas é que são expressões próprias do uso e da cultura de seus produtores. São expressões que estão submetidas a diferentes restrições semânticas e condicionadas a elementos externos à língua, e assim, constituem-se em expressões espontâneas de variação regional e/ou individual. Em seguida, procura-se identificar as motivações cognitivas que influenciaram na produção dessas expressões. A nosso ver, o desejo de interagir com o outro ou de demonstrar conhecimento estão na base de produção dessas expressões, visto que o 3 Preferiu-se transcrever as sentenças tal como foram produzidas pelos informantes, daí, percebe-se a ausência de concordância nominal e/ou verbal em tais sentenças. Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul. 2011 6

conhecimento humano está assentado nas mais diversas experiências sócio-cognitivas que um indivíduo pode ter. Esses informantes utilizam essas expressões porque elas fazem parte do inventário linguístio-cultural do qual possuem, ao mesmo tempo em que revelam os diferentes conceitos e/ou informações que dispõem esses informantes para apreender as variadas relações que mantém com o mundo que os cerca ou com as pessoas com quem mantém algum tipo de relação. Por exemplo, o uso das expressões O fim das eras e dois metros é uma braça, a nosso entender, está vinculado a um contato que teve esse informante com gerações mais velhas que ele e/ou do lugar de onde se mantia relações interpessoais, visto que atualmente, essas expressões não são utilizadas na fala de população jovem, por exemplo. Elas nos remetem ao mundo da agricultura (braça = sistema de medir terras para o plantio de culturas) e a atividade de contação de histórias que ocorriam com mais frequência nas conversas realizadas entre as famílias do interior em diferentes ocasiões e até com a finalidade de por meio dessas histórias moralizar certos procedimentos, costumes e práticas da sociedade. Essa ideia aqui ventilada é corroborada pela afirmação de Salomão (1997, p. 31) que diz: não produzimos formas novas apenas porque temos condições de fazê-la mas porque nossas necessidades comunicativas assim contingenciam. Percebe-se que as experiências corpóreas vivenciadas por esses falantes exercem diferentes restrições semânticas no uso dessas expressões, além disso, os itens lexicais utilizados nesta pesquisa constituem-se em elementos para a realização do processo cognitivo de conceptualização, por exemplo, quando os informantes utilizam as expressões 2 e 5 pode-se visualizar melhor o que se afirmou anteriormente; no uso da expressão 5, fica demonstrado que a prática, a atividade real de agir cognitivamente sobre diferentes relações pode exercer influência de uso na linguagem, pois para o informante, o conhecimento matemático é oriundo do local e de sua atividade econômica que está inserido, nesse caso, a realização da agricultura com o seu universo Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul. 2011 7

próprio: medidas de terras, tipos de cultura adequadas para plantio, tempo de colheita, cuidados necessários, formas de medidas e de vendas,etc. O falante ao usar essas expressões realiza diferentes projeções, ou cognitivamente se remete aos esquemas imagéticos que estão estruturados e apreendidos em sua cognição. Percebe-se que ele realiza fusão de espaços mentais para produzir sentido, e assim, ser compreendido ao expressar o que pensa acerca de determinada situação (Cf. FAUCONNIER e TURNER, 1995; AZEVEDO, 2010). Por exemplo, no uso da expressão 2, a nosso ver, parece-se visualizar o seguinte diagrama que se processa linguísticamente ao se ouvir o seu produtor realizá-la: Destino Sucesso Eu não tive vocação para os estudo. (Fracassou) Ficou na agricultura Parece-nos que assim está organizado cognitivamente o significado de toda essa sentença em seu produtor: nasceu sem condições favoráveis (destino) para alcançar o sucesso em sua vida via realização de uma carreira próspera pelos estudos, e assim, fracassou e permaneceu na prática da agricultura. Com relação às ocorrências selecionadas do grupo de informantes femininos têm-se no quadro 2: Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul. 2011 8

Quadro 2: ocorrências selecionadas de informantes femininos 1. Quando entra a noite pode chamar... 2. Vá batendo até quando Deus for servido. 3. Eu não sei encaicar esse controle... 4. Puxamos morena ao sangue de mamãe. 5. Quebrei uns 10 (dez) quilos depois que deixei de comer comida gordurosa. 6. Arriar a panela. Nosso propósito, agora, se volta para apresentar a variação regional no uso do item lexical verbo presentes nas sentenças acima indicadas e que estão sublinhados, além de se destacar as restrições léxico-semânticas que estão correlacionando o uso desse item no dialeto em estudo. Trabalhos dessa natureza podem ser consultados em Colleman (2007) e Glynn (2007) 4. São pesquisas que focalizam o uso de verbos ditransitivo benefectivo em diferentes variedades regionais do dialeto holandês, e do item lexical annoy em Inglês americano e britânico, respectivamente. Percebe-se que os verbos em análise estão sendo utilizados para indicar um determinado evento ou processo cognitivo que em outros contextos de uso se referem a outros processos e a outros eventos. Nesse sentido, é possível afirmar que o usuário da língua alterna o sentido mais recorrente de um verbo para outro sentido de acordo com a sua experiência sócio-cognitiva que tem armazenada em sua mente corporificada. Desse modo, reconhece-se que o uso do item lexical verbo presente nas sentenças mencionadas está relacionado a elementos do contexto extralinguístico, e assim, pode-se afirmar que tal situação aponta na direção da existência de uma semântica social, visto que os aspectos culturais desses falantes exercem algum 4 Neste trabalho, em específico, o referido autor também realiza análise estatística por meio do ANOVA e de Regressão Logística. Estes trabalhos se enquadram na abordagem que visa realizar análises cognitivas e Sociolinguísticas Quantitativas, ao mesmo tempo, em dados observáveis. Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul. 2011 9

correlacionamento no uso e no significado desses itens, ao mesmo em que evidenciam restrições léxico-semânticas. O uso dos verbos das sentenças acima está vinculado a fatores extralinguísticos, uma vez que tal uso não ocorre na denominada variedade padrão da língua, mas reconhece-se que é produtivo no dialeto falado por pessoas de baixa escolaridade e ao mesmo tempo revela a origem cultural desses falantes. Tome-se o exemplo 6: arriar a panela. Arriar usado no contexto da sentença selecionada se refere ao ato de tirar a panela do fogão. É um verbo que foi utilizado para significar um evento determinado durante o processo de comunicação de um determinado grupo social que está assentado em uma determinada experiência sócio-cognitiva específica. Nesse sentido, constitui-se em uma variação regional ou individual. Ainda se reconhece que em outro contexto de uso da língua o mais formal, por exemplo seria empregado outro item verbal que poderia revelar outros aspectos de sua significação. Também se admite que a alternância de uso de verbos esteja vinculada a própria natureza semântica do verbo e que o usuário da língua pode realizar a transferência de sentido de um evento cognitivo por meio de um item lexical, por exemplo, por meio de um verbo, adjetivo, etc. para um outro verbo que geralmente não se usa para essa finalidade. Pode-se perceber que os verbos aqui analisados são enquadrados entre aqueles que demonstram diferentes processos cognitivos que são visualizados na produção de fala de uma comunidade de fala. 4. Algumas Considerações Finais A nossa cognição é afetada pelas experiências externas (realidade sociocultural). Essa é uma das grandes contribuições aos estudos sócio-cognitivos que a Linguística Cognitiva tem fornecido nas últimas décadas e que pode ser confirmada pela realização de diferentes estudos e pesquisas. Tem-se entendido que os estudos linguísticos na perspectiva da Linguística Cognitiva podem demonstrar que a língua Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul. 2011 10

constitui-se num sistema que é capaz de categorizar o mundo em eventos e em participantes. O presente estudo quis evidenciar que a linguagem (meio de interação) e o contexto não são polaridades estanques. E que o conteúdo semântico de determinadas expressões linguísticas e do item lexical verbo restringe as estruturas linguísticas para aquelas diretamente apreendidas pelos falantes (RODRIGUES- LEITE, 2008, p. 105) e que se constituem em processos cognitivos que estão vinculados a variação regional ou individual. Neste sentido, passa-se a entender a gramática que há em cada falante tornar-se dinâmica e reveladora de traços específicos de uma determinada comunidade de fala. Pode-se perceber que as experiências corpóreas vivenciadas pelos informantes, em seu meio sociocultural, estão na base da utilização das expressões linguísticas e dos verbos analisados, evidenciando diferentes motivações cognitivas para serem utilizadas, e ao mesmo tempo, demonstrando que o sentido/a significação daquelas expressões e verbos constitui-se em processo de conceptualização. Outrossim, reconhece-se que o assunto é vasto e precisa de continuidade. Realizou-se apenas um estudo de caso, mas que aponta na direção de novos estudos, como exemplo, a realização de pesquisa que usem, ao mesmo tempo, os pressupostos teóricos da Linguística Cognitiva e os da Sociolinguística Quantitativa evidenciando que tais pesquisas podem se completar e fornecer explicações mais adequadas aos estudos linguísticos, cada qual contribuindo com sua forma específica; demonstrando que os estudos linguísticos podem ser realizados de forma conjunta, e ao mesmo tempo em que cada abordagem teórica possibilita o entendimento desse fenômeno tão amplo e complexo que é a linguagem humana Referências Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul. 2011 11

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Recebido Para Publicação em 30 de junho de 2011. Aprovado Para Publicação em 27 de julho de 2011. Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 1, nº 4, jul. 2011 13