Euclydiana 100 + Manoel Segundo Wanderley Euclydiana 100 + Manoel Segundo Wanderley João da Mata Costa A grande família Wanderley forma um clã de ilustres poetas, médicos, teatrólogos, jornalistas e grandes intelectuais norte-riograndense. Manoel Segundo Wanderley (1860-1909) faz parte dessa família e faleceu há um século no dia 14 de janeiro de 1909, ano da morte do escritor Euclydes da Cunha. Segundo Wanderley foi médico formado na Bahia, jornalista, teatrólogo e um dos maiores poetas de sua geração. O poeta de O Naufrágio da Bahia e de Naufrágio do Solimões recebeu forte influencia da poesia condoreira castrense e no cinqüentenário de seu nascimento teve seus melhores versos reunidos em Poesias organizadas pelo poeta Gothardo Neto. Esse livro teve mais duas edições (1928 e 1955). A edição de 1955 foi reunida por Luis da Câmara Cascudo, que escreve os comentários sobre o inspirado poeta do soneto Tragédia da Glória em homenagem ao seu conterrâneo aviador Augusto Severo que dá nome ao aeroporto de Natal. O Domador de ares Augusto Severo pilotava o seu avião Pax e faleceu em Paris, em 1902... E o vencedor, vencido na conquista / Para o solo natal volvendo a vista - / Morre de pé no glorioso posto. O grande retratista Cascudo o descreve na sua introspecção: Esse homem magrinho, baixo, de cabelo de prata, pince-nez, quase sempre de preto, muito tímido, muito desconfiado, muito discreto. Dele escreve um outro Wanderley famoso, Berilo. A poesia de Segundo Wanderley possuía eloqüência, mas sem a imaginação que o gênio de Castro Alves aliava para seus vôos de condoreiro. Onde o estro de Segundo Wanderley mais se aproxima do de Castro Alves, pela eloqüência de expressão poética e pela força de colorido descritivo, é no 1
poema Imortabilis Dies, em que o poeta pinta com algumas pinceladas a seca que queimava o Ceará (in Rumos- Revista do d. a. Amaro Cavalcanti Ano I No 1 1958); Um dia a luz da fé sumiu-se no horizonte,/ Eu vi o Ceará curvar a larga fronte / ao latejo fatal do cataclisma atroz; / A seca o mausoléu sombrio da miséria, / A boca escancarou, e a sanie deletéria / Do vício corruptor se difundiu após/... Dois mil e nove é o ano de Euclydes da Cunha e dos centenários das mortes de Euclydes e Segundo Wanderley. Não poderíamos esquecer o belo poema Na Brecha! que o poeta escreveu para homenagear os bravos soldados do 34º Batalhão de Infantaria que foram convocados para preservar a república e libertar a nação do fanatismo e banditismo associados ao grupo liderado pelo beato Antonio Conselheiro, em Canudos. Infelizmente era essa a visão distorcida disseminada pelos meios de comunicação e pelo escritor Euclydes da Cunha. Canudos foi a maior guerra civil do Brasil e dizimou milhares de inocentes, mulheres, crianças e soldados por três vezes derrotados pelos destemidos seguidores de Antonio Conselheiro. Uma guerra de canhões e metralhadoras contra facões, pequenas armas e a fé. Não esquecer que estávamos no final do século XIX. O poema Na Brecha era recitado em Natal com muito fervor patriótico na despedida dos soldados para combater o mal: Na Brecha! / por Manoel Segundo Wanderley SOLDADOS, CHEGOU A HORA DE TRIUNFAR OU MORRER... SE É GRANDE VOSSO HEROISMO MAIOR É VOSSO DEVER! BRAVOS, LEAIS BRASILEIROS, CORREI ÁS ARMAS, LIGEIROS, 2
PRA LIBERTAR A NAÇÃO, QUE À SOMBRA DO FANATISMO OCULTA-SE O BANDITISMO PREGANDO A RESTAURAÇÃO. A PATRIA, UFANA,COFIA OSEU FUTURO DE VÓS; SE O ODIO CRIA SICARIOS, O BRIO PRODUZ HEROIS! VARREI, GIGANTES DO NORTE, ESSA MALDITA COORTE DE SEUS REDUTOS FATAIS, SALVANDO DOS VIS CAUDILHOS O BERÇO DE VOSSOS FILH, O TUMULO DE VOSSOS PAIS. QUE IMPORTA O LUCRO DENODO 3
DOS COMBATENTES DO MAL? NÃO CEDE O RIJO GRANITO ÀS FURIAS DO TEMPORAL. QUANDO SE VINGA UM AGRAVO CADA SOLDADO É UM BRAVO QUE SÓ PROCURA SUBIR... A NOSSA CAUSA É SAGRADA: CONTRA UM PUNHAL! --- UMA ESPADA CONTRA O PASSADO --- O POVIR! NAS LUTASQUE SE ASSINALAM NAS AUREAS FOLHAS DA HISTORIA, CADA UMA GOTA DE SANGUE VALE UM POEMA DE GLORIA; ROMPA-SE A NEGRA MIRALHA, SEJA A JUSTIÇA A METRALHA, SEJA O DIREITO O CANHÃO, 4
ABAIXO O VIL EMBUSTEIRO! NÃO PODE SER BRASILEIRO QUEM FOGE AO DA RAZÃO. NUNCA UM SOLDADO DAS PLAGAS DO RIO GRANDE DO NORTE FUGIU EM FRENTE AO PERIGO, TREMEU EM FACE DA MORTE. NA TERRA DE MIGUELINHO, ONDE O VALOR TEM UM NINHO E A CONSCIÊNCIA UM TRÓFEU, SIM, NESTA TERRA SUBLIME, A COVARDIA É UM CRIME, O SERVILISMO UM LABÉU. CANUDOS! QUEM DIZ CANUDOS DIZ TREVAS, DIZ TRAIÇÃO... 5
DIZ PRANTOS, DIZ ORFANDADE, DIZ LUTO, DIZ MALDIÇÃO!... FOI LÁ QUE O GRANDE ESPARTANO ERGUENDO A BANDEIRA, UFANO DA LIBERDADE CIVIL, MORREU, MAS NÃO ENTREGOU-SE NO CORAÇÃO DO BRASIL. PARA AS SUBLIMES EMPRESAS, PARA AS CONQUISTAS DO BEM, ATÉ AS FILHAS DO NORTE SÃO PATRIOTAS TAMBEM! ESTA FALANGE DE ARMINDO NÃO TEM SOMENTE O CARINHO. TEM HEROISMO E VALOR; AFRONTA A LUTA MAIS RUDE TENDO POR GLADIO A VIRTUDE, 6
VIBRANDO GOLPES DE AMOR! OLHAI! ESTE POVO INTEIRO QUE VOS CONTEMPLA DE PÉ, TRAZ A SUALMA BANHADA NOS ESPLENDORES DA FÉ. AVANTE! A LUTA SE INFLAMA, JÁ TIRADENTES VOS CHAMA LÁ DAS TRINCHEIRASAZUIS... VOAI BRASILEIROS CONDORES, ---IDE, COBERTOS DE FLORES, ---VOLTAI, COBERTOS DE LUZ. Obra original disponível em: http://www.overmundo.com.br/banco/euclydiana-100-manoel-segundo-wanderley-1 7